O art. <strong>944</strong>, parágrafo único, inseri<strong>do</strong> no capítulo II, intitula<strong>do</strong> “Dain<strong>de</strong>nização”, <strong>do</strong> título IX, “Da Responsabilida<strong>de</strong> <strong>Civil</strong>”, se aplica, em tese,à responsabilida<strong>de</strong> extracontratual e à contratual. 54 Entretanto, na prática,o dispositivo não possui gran<strong>de</strong> valia para a responsabilida<strong>de</strong> contratual,pois revela-se extremamente difícil aferir o grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> agente noinadimplemento <strong>de</strong> uma obrigação contratual. Exemplo disso consiste nanecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o agente provar alguma exclu<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> nexo causal, não jáa ausência <strong>de</strong> culpa, para que se exima <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> na violação<strong>de</strong> obrigação contratual, a justificar o entendimento <strong>de</strong> muitos autores nosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a responsabilida<strong>de</strong> contratual é objetiva.Por fim, cumpre ao intérprete investigar se o parágrafo único <strong>do</strong> art.<strong>944</strong> autoriza a in<strong>de</strong>nização punitiva no direito brasileiro. Agostinho Alvim,redator <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> obrigações <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 1975, esclareceu queo dispositivo não po<strong>de</strong>ria ser utiliza<strong>do</strong> para aumentar a in<strong>de</strong>nização:“É certo que a maior ou menor gravida<strong>de</strong> da falta não influi sobre ain<strong>de</strong>nização, a qual só se medirá pela extensão <strong>do</strong> dano causa<strong>do</strong>. Alei não olha para o causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> prejuízo a fim <strong>de</strong> medir-lhe o grau<strong>de</strong> culpa e, sim, para o dano, a fim <strong>de</strong> avaliar-lhe a extensão”. 55Por outro la<strong>do</strong>, Regina Beatriz Tavares da Silva, em obra coor<strong>de</strong>nadapor Ricar<strong>do</strong> Fiúza, relator <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> Código na Câmara,ao referir-se ao parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong>, afirmou que “o dispositivoé, no entanto, insuficiente, já que seu caput se adapta somente aodano material e não está a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> ao dano moral”. 56 E, neste senti<strong>do</strong>,propunha a inserção <strong>de</strong> novo parágrafo ao art. <strong>944</strong>, que autorizariao dano punitivo no direito brasileiro, com a seguinte redação: “§ 2º.A reparação <strong>do</strong> dano moral <strong>de</strong>ve constituir-se em compensação aolesa<strong>do</strong> e a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong>sestímulo ao lesante”.A <strong>de</strong>speito da não aprovação <strong>de</strong>ste novo parágrafo pela Câmara,há quem sustente, com a atual redação <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong> art.54“Há quem sustente que tais dispositivos [arts. 1.060 e <strong>944</strong>] somente se aplicariam em caso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>contratual. No entanto, nada autoriza, no Código promulga<strong>do</strong>, tal interpretação” (MORAES, Maria Celina Bodin<strong>de</strong>. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danos morais, cit. p. 297).55ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4. ed. São Paulo: Saraiva,1972, p. 199.56TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Novo código civil comenta<strong>do</strong>. In: Ricar<strong>do</strong> Fiúza (coord.). São Paulo:Saraiva, 2002, p. 841.248 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008
<strong>944</strong>, que o dispositivo, por meio <strong>de</strong> interpretação sistemática e evolutiva,po<strong>de</strong>rá permitir in<strong>de</strong>nização superior ao montante <strong>do</strong>s danos,em verda<strong>de</strong>ira consagração aos danos punitivos. 57Contu<strong>do</strong>, a atribuição <strong>do</strong> caráter punitivo à responsabilida<strong>de</strong> civilnão se coaduna com a sua finalida<strong>de</strong> essencialmente reparatória, sen<strong>do</strong>admiti<strong>do</strong> apenas em hipóteses excepcionais taxativamente previstasem lei. 58 Com efeito, o parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> autoriza que o juizreduza eqüitativamente a in<strong>de</strong>nização, não fazen<strong>do</strong> menção expressaa eventual possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização para além <strong>do</strong>sdanos causa<strong>do</strong>s na hipótese <strong>de</strong> o ofensor ter agi<strong>do</strong> com culpa grave. 59Por se tratar <strong>de</strong> pena a ser aplicada ao ofensor, os requisitos para suaincidência <strong>de</strong>vem ser expressa e especificamente previstos em lei, oque, à evidência, não ocorre. Daí se tornar imperativo o afastamento dainterpretação segun<strong>do</strong> a qual o parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> autorizariao juiz a conce<strong>de</strong>r à vítima in<strong>de</strong>nização superior aos danos sofri<strong>do</strong>s emcaso <strong>de</strong> culpa grave. 60Em apertada síntese, o parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código<strong>Civil</strong> aplica-se ao ressarcimento <strong>do</strong>s danos morais e materiais, incidin<strong>do</strong>na hipótese em que restar configurada a culpa levíssima <strong>do</strong> ofensore se verificar a ocorrência <strong>de</strong> danos <strong>de</strong> enormes proporções à vítima.Além disso, o juízo <strong>de</strong> eqüida<strong>de</strong> a que se refere o dispositivo traduza necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o magistra<strong>do</strong> atentar para outros critérios, como acondição econômica da vítima e <strong>do</strong> ofensor, que, no caso concreto,autorizem a redução da in<strong>de</strong>nização. De mais a mais, a norma serestringe à responsabilida<strong>de</strong> subjetiva e abarca as hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>extracontratual e contratual, embora, nesta última, nãoapresente relevante aplicação prática. E, por último, o dispositivo nãoadmite a in<strong>de</strong>nização punitiva no direito brasileiro.57Eugênio Facchini Neto. “Da responsabilida<strong>de</strong> civil no novo Código”. In: Ingo Wolfgang Scarlet (org.). O novoCódigo <strong>Civil</strong> e a Constituição. Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2003, p. 185. Na mesma direção, Silvio<strong>de</strong> Salvo VENOSA. Direito <strong>Civil</strong>: responsabilida<strong>de</strong> civil. São Paulo: Atlas, 2004, p. 29; e Martins-Costa,Judith. “Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza <strong>de</strong> sua reparação”. In: Judith Martins-Costa (org.).A reconstrução <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>. São Paulo: Editora Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2002, p. 444-445.58Para aprofundamento sobre o dano punitivo no direito brasileiro, remete-se ao trabalho <strong>de</strong> MORAES, Maria CelinaBodin <strong>de</strong>. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danos morais, cit. passim.59“Ten<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> o legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong> 2002 o verbo ‘reduzir’ e não o verbo ‘pon<strong>de</strong>rar’, o juiz não po<strong>de</strong>rá majorar,além da medida <strong>do</strong> dano, a in<strong>de</strong>nização, em caso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> contratual, indican<strong>do</strong>, mais uma vez, arecusa <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r brasileiro em penalizar o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r, mesmo se este agiu com <strong>do</strong>lo” (MORAES, Maria CelinaBodin <strong>de</strong>. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danos morais, cit. p. 297).60Nesta direção, v. CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilida<strong>de</strong> civil: estrutura e função,cit. p. 310-312; e KONDER, Carlos Nelson. “A redução eqüitativa da in<strong>de</strong>nização em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> grau <strong>de</strong>culpa: apontamentos acerca <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong>”, cit, p. 34.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008249