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A Evolução do Conceito de Culpa e o Art. 944 do Código Civil - Emerj

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A Evolução <strong>do</strong> <strong>Conceito</strong><strong>de</strong> <strong>Culpa</strong> e o <strong>Art</strong>igo <strong>944</strong><strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong>Paula Greco Ban<strong>de</strong>iraMestranda em Direito <strong>Civil</strong> da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Direito da UERJ1. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CULPA. DA CULPASUBJETIVA (PSICOLÓGICA) À CULPA NORMATIVA. CRÍTICAÀ REGRA DO BONUS PATER FAMILIASA noção <strong>de</strong> culpa, embora presente na linguagem vulgar, e,no âmbito jurídico, <strong>de</strong>senvolvida pela <strong>do</strong>utrina ao longo <strong>de</strong> milhares<strong>de</strong> anos, permanece, ainda nos dias <strong>de</strong> hoje, obscura, confusae imprecisa. 1 Trata-se, como adverti<strong>do</strong> pelos irmãos MAZEAUD,<strong>de</strong> um <strong>do</strong>s pontos mais <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>s da responsabilida<strong>de</strong> civil. 2 Defato, o conceito <strong>de</strong> culpa, notadamente a aquiliana, é objeto <strong>de</strong>intermináveis divergências <strong>do</strong>utrinárias, revelan<strong>do</strong>, em sua gênese,feição subjetiva ou psicológica e, posteriormente, ganhan<strong>do</strong> contornosobjetivos.A culpa subjetiva ou psicológica consiste na avaliação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>anímico <strong>do</strong> ofensor, típica <strong>de</strong> uma avaliação moral e subjetiva da condutaindividual. Em outras palavras, busca-se perquirir os elementospsicológicos <strong>do</strong> agente que viola o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> conduta, verifican<strong>do</strong>-se setinha a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prever os resulta<strong>do</strong>s danosos <strong>de</strong> sua atuação(culpa) ou se agiu com intenção <strong>de</strong> prejudicar (<strong>do</strong>lo). Assim, a culpa1A constatação é <strong>de</strong> GONÇALVES, Luiz da Cunha. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito civil em comentário ao Código <strong>Civil</strong>Português. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1957, v. XII, t. II, p. 576 e ss., o qual passa em revista diversossignifica<strong>do</strong>s atribuí<strong>do</strong>s pela <strong>do</strong>utrina ao conceito <strong>de</strong> culpa.2H. e L. MAZEAUD, Traité théorique et pratique <strong>de</strong> la responsabilité civile délictuelle et contractuelle,t. I, 3ª ed., 1938, v. I, n. 380.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008227


é tratada como elemento subjetivo ou psicológico <strong>do</strong> ilícito, razão <strong>de</strong>um juízo moral <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> sujeito. 3Note-se, portanto, que a noção <strong>de</strong> culpa psicológica reúne <strong>do</strong>iselementos essenciais, a saber: (i) a violação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver preexistente,resulta<strong>do</strong> da manifestação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> livre e consciente <strong>do</strong> agente; e(ii) a previsibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> danoso, “pressuposto lógico e psicológico<strong>de</strong> sua evitação”. 4 Ressalte-se que a concepção subjetiva daculpa, ao exigir o elemento vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> agente na violação <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong>conduta – expresso pelo <strong>do</strong>lo ou pela culpa, pouco importa –, impe<strong>de</strong>que haja valoração gradual <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com ograu <strong>de</strong> culpa. Desta feita, a culpa levíssima, leve ou grave gerariamigual <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar o dano, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que tertius non datur: oubem se está diante <strong>de</strong> violação <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> conduta, e aí verifica-se aculpa (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> grau), impon<strong>do</strong>-se o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar odano, ou não se está diante da violação da norma e, portanto, não háque se falar em culpa e, por conseguinte, em <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar. 5Além disso, tradicionalmente, aqui e alhures, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>culpa em senti<strong>do</strong> estrito traduz-se nos conceitos <strong>de</strong> negligência, imprudênciae imperícia. Assim, afirma-se que a negligência consiste na“omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as condiçõesemergentes às consi<strong>de</strong>rações que regem a conduta normal <strong>do</strong>s negócioshumanos. É a inobservância das normas que nos or<strong>de</strong>nam operar comatenção, capacida<strong>de</strong>, solicitu<strong>de</strong> e discernimento”. A imprudência, porsua vez, correspon<strong>de</strong> à “precipitação no procedimento inconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>,sem cautela, em contradição com as normas <strong>do</strong> procedimento sensato.É a afoiteza <strong>do</strong> agir, o <strong>de</strong>sprezo das cautelas que <strong>de</strong>vemos tomar emnossos atos”. E, por fim, a imperícia consubstancia-se, originariamente,na “falta <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>”. 6 Como se vê, tais conceitos, a que ordinariamentese remete a noção <strong>de</strong> culpa em senti<strong>do</strong> estrito, revelam o carátermoral ou psicológico atribuí<strong>do</strong>, no mais das vezes, à culpa.3“Alla nozione soggettiva continua tuttavia a fare riferimento una larga parte <strong>de</strong>lla <strong>do</strong>ttrina privatistica, che<strong>de</strong>finisce la colpa come l’elemento soggettivo o psicologico <strong>de</strong>ll’illecito, ragione di un giudizio morale dicondanna <strong>de</strong>l soggetto” (BIANCA, Massima. Diritto civile, v. 5. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1994. p. 576).4MORAES, Maria Celina Bodin <strong>de</strong>. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danosmorais, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2003, p. 210.5MORAES, Maria Celina Bodin <strong>de</strong>. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danosmorais, cit. p. 210.6DIAS, José <strong>de</strong> Aguiar. Da responsabilida<strong>de</strong> civil.11. ed. rev. e atual. por Rui Berford Dias. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Renovar, 2006, p. 149.228 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


De acor<strong>do</strong> com Silvio Rodrigues, na concepção moral <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong>,“o ato danoso <strong>de</strong>ve ser imputa<strong>do</strong> a seu autor. Assim, misterse faz não só que haja ele viola<strong>do</strong> uma regra <strong>de</strong> conduta, mas que,agin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu livre-arbítrio, tenha o agente ti<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> prever, <strong>de</strong> agir diferentemente, impedin<strong>do</strong>, se lhe aprouvesse, oevento danoso”. 7Dentre os partidários da noção <strong>de</strong> culpa subjetiva na <strong>do</strong>utrinabrasileira, <strong>de</strong>stacam-se Pontes <strong>de</strong> Miranda, que se refere à culpa comoa “falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>vida atenção” 8 , e José <strong>de</strong> Aguiar Dias, para quem a culpaencontra-se inevitavelmente atrelada ao requisito moral, caracterizan<strong>do</strong>-sepelo <strong>de</strong>sprezo, por parte <strong>do</strong> agente, <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> previsível <strong>de</strong>sua conduta <strong>de</strong> inobservância da norma <strong>de</strong> comportamento. 9A conotação psicológica ou subjetiva da culpa consagra, portanto,a idéia <strong>de</strong> que não há responsabilida<strong>de</strong> sem culpa, atribuin<strong>do</strong>-se àculpa prepon<strong>de</strong>rância na etiologia <strong>do</strong> ato ilícito. 10Destaque-se que, na concepção subjetiva ou psicológica daculpa, o foco da responsabilida<strong>de</strong> civil encontra-se na figura <strong>do</strong> ofensor,vez que se mostra imprescindível a análise <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> anímico <strong>do</strong>agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano. Por esta razão, tal noção impinge à vítimaprova diabólica da culpa <strong>do</strong> agente, o que levou, posteriormente, àconstatação <strong>de</strong> que o lesa<strong>do</strong>, por força da dificulda<strong>de</strong> probatória,restava, muitas vezes, sem in<strong>de</strong>nização pelos danos sofri<strong>do</strong>s.Com o objetivo <strong>de</strong> superar a dificulda<strong>de</strong> probatória que se impunhaà vítima, impulsionou-se a criação <strong>de</strong> presunções <strong>de</strong> culpa,caben<strong>do</strong> ao suposto agente provar que não agiu com culpa. Ao la<strong>do</strong>disso, assistiu-se ao formidável <strong>de</strong>senvolvimento da responsabilida<strong>de</strong>objetiva, fundada na teoria <strong>do</strong> risco, crian<strong>do</strong>-se inúmeras hipóteses <strong>de</strong>responsabilida<strong>de</strong> sem culpa. 117RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilida<strong>de</strong> civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 4, p. 145.8“Negligentia, <strong>de</strong>sidia etc, e, nos textos, culpa, termo genérico, que po<strong>de</strong> empregar-se em senti<strong>do</strong> estrito,para se distinguir <strong>de</strong> <strong>do</strong>lus, é a falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>vida atenção” (MIRANDA, Pontes <strong>de</strong>. Manual <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong>Brasileiro. In: Paulo <strong>de</strong> Lacerda (coord.). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jacintho Ribeiro <strong>do</strong>s Santos, 1927, p. 130).9DIAS, José <strong>de</strong> Aguiar. Da responsabilida<strong>de</strong> civil, cit. p. 148-149.10CHIRONI, G. P. La colpa nel diritto civile odierno: colpa extra-contrattuale. 2 .ed. Torino: FratelliBocca Editori, v. 1, 1903. p. 35.11Sobre a evolução da responsabilida<strong>de</strong> civil, a partir das presunções <strong>de</strong> culpa e, posteriormente, o crescimentodas hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva, v. TEPEDINO, Gustavo. “A evolução da responsabilida<strong>de</strong>civil no direito brasileiro e suas controvérsias na ativida<strong>de</strong> estatal”. In: Temas <strong>de</strong> Direito <strong>Civil</strong>. 3. ed. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Renovar, 2004, p. 193 e ss.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008229


As transformações econômicas e sociais, que <strong>de</strong>terminaram acriação <strong>de</strong> novas categorias na responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>stinadas asolucionar os problemas que se impunham à época, culminaram, noséculo XX, na mudança <strong>de</strong> seu foco, que se <strong>de</strong>slocou <strong>do</strong> agente causa<strong>do</strong>r<strong>do</strong> dano à vítima, com vistas à reparação mais ampla possível<strong>do</strong>s prejuízos por ela sofri<strong>do</strong>s. Na esteira <strong>de</strong>stas transformações pelasquais passava a responsabilida<strong>de</strong> civil, o conceito <strong>de</strong> culpa psicológicaou subjetiva revelou-se insuficiente, impon<strong>do</strong>-se, a partir <strong>de</strong> então, asua revisão.Surge, assim, o conceito <strong>de</strong> culpa objetiva ou culpa normativa,cria<strong>do</strong> pelos irmãos MAZEAUD. De acor<strong>do</strong> com esta concepção, aculpa consiste em erro <strong>de</strong> conduta que não seria cometi<strong>do</strong> por umapessoa avisada, colocada nas mesmas circunstâncias externas <strong>do</strong>autor <strong>do</strong> dano. 12 Dito por outras palavras, para se verificar se o agenteincorreu em culpa, <strong>de</strong>ve-se analisar não o seu la<strong>do</strong> psicológico,aí incluídas as suas particularida<strong>de</strong>s psíquicas ou morais (culpa inconcreto), porque tais circunstâncias lhe são internas, mas, antes,impõe-se a comparação objetiva entre a sua conduta e a <strong>de</strong> um tipoabstrato – o bonus pater familias –, toma<strong>do</strong> como mo<strong>de</strong>lo geral <strong>de</strong>comportamento, que <strong>de</strong>ve ser coloca<strong>do</strong> nas mesmas circunstânciasexternas <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> dano (culpa in abstracto). Assim, caso o tipoabstrato, hipoteticamente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> nas mesmas circunstânciasexternas <strong>do</strong> agente, não violasse a regra <strong>de</strong> conduta, o agente teráagi<strong>do</strong> com culpa.Note-se que o tipo abstrato <strong>de</strong> comparação se traduz na figura<strong>do</strong> homem normal, o homem médio, avisa<strong>do</strong> e pru<strong>de</strong>nte, que vive emsocieda<strong>de</strong>, e age sempre, em <strong>de</strong>terminadas circunstâncias, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> uniforme.13 Trata-se, na expressão <strong>de</strong> CHIRONI, <strong>do</strong> homo economicus, 14e não <strong>de</strong> um super-homem. Ao propósito, afirma DE PAGE, que o homemmédio não po<strong>de</strong> ser o homo juridicus, uma pura abstração, poisque este seria irreal e absur<strong>do</strong>, mas o homem abstratamente diligente,12“La faute quase-délictuelle est une erreur <strong>de</strong> conduite telle qu’elle n’aurait pás été commise par une personneavisée placée dans les mêmes circonstances externes que l’auteur du <strong>do</strong>mmage ” (H. e L. MAZEAUD, Traitéthéorique et pratique <strong>de</strong> la responsabilité civile délictuelle et contractuelle, cit. n. 381).13LIMA, Alvino. <strong>Culpa</strong> e risco. São Paulo: Editora Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1999, 2. ed. rev. e at. pelo Prof.Ovídio Rocha Barros San<strong>do</strong>val, p. 58.14CHIRONI, G. P. La colpa nel diritto civile odierno: colpa extra-contrattuale, cit. p. 127.230 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


pru<strong>de</strong>nte e circunspecto. 15 Nos or<strong>de</strong>namentos romano-germânicos,refere-se, comumente, à noção <strong>de</strong> bonus pater familias, a qual correspon<strong>de</strong>,nas famílias anglo-saxãs, ao reasonable man.Na apreciação da culpa in abstracto – repita-se ainda uma vez –,não se consi<strong>de</strong>ram as disposições especiais <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> ato, o seu grau<strong>de</strong> compreensão das coisas, seus meios ou possibilida<strong>de</strong>s individuais,mas compara-se a sua conduta com a <strong>do</strong> homem abstratamente diligente,pru<strong>de</strong>nte e circunspecto, sem aferir a sua educação, instrução ouaptidões pessoais. 16 Nesta direção, afirma-se que o indivíduo <strong>de</strong>ve serconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> culpa<strong>do</strong> ainda que “tenha feito o seu melhor para evitaro dano”, isto é, mesmo que não tenha a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir como ohomem <strong>de</strong> diligência média naquelas circunstâncias <strong>do</strong> caso concreto.17 Contu<strong>do</strong>, não se <strong>de</strong>sprezam, por completo, as circunstâncias <strong>de</strong>tempo, lugar, usos, costumes e hábitos sociais, ten<strong>do</strong> em vista que ohomem médio se insere nas mesmas condições externas <strong>do</strong> autor <strong>do</strong>ato, ou seja, diante <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> concreta. 18Em síntese, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a concepção normativa da culpa,para se verificar se o agente agiu culposamente, <strong>de</strong>ve-se proce<strong>de</strong>r aum juízo normativo entre a sua conduta e a <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo abstrato <strong>de</strong>comportamento, abstrain<strong>do</strong>-se das circunstâncias internas <strong>do</strong> agente,<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m intelectual, e aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> apenas às circunstâncias externas,<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m física, presentes no momento da prática <strong>do</strong> ato. Assim,avalia-se o comportamento <strong>do</strong> agente <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o que se espera15DE PAGE, Henri. Traité élémentaire <strong>de</strong> droit civil belge. 12. ed. Bruxelles : Établissements Émile Bruylant,t. 2, 1948, p. 887-888. Ressalta o autor, ainda, que, na apreciação da culpa in abstracto, <strong>de</strong>ve-se levar emconta certas circunstâncias objetivamente concretas, <strong>de</strong>nominadas externas, como tempo, lugar, classe social,os usos etc. Confira-se: “Forcément, le type <strong>de</strong> comparaison ne pourra pás être un homo juridicus, une pureabstraction. Il serait irréel, et par conséquent, absur<strong>de</strong>. On <strong>do</strong>it <strong>do</strong>nc nécessairement tenir compte <strong>de</strong> certainescirconstances concrètes, mais objectivement concrètes, tels les circonstances <strong>de</strong> temps, <strong>de</strong> milieu, la classesociale, les usages, les mœurs, les habitu<strong>de</strong>s sociales, etc… C’est ce qu’on a appelé les circonstances externes,pour les opposer aux circonstances ‘internes’ ou subjectives” (p. 888).16LIMA, Alvino. <strong>Culpa</strong> e risco, cit. p. 58.17“Il soggetto che tiene un comportamento non conforme ai canoni obiettivi <strong>de</strong>lla diligenza è in colpa anche seabbia fatto <strong>de</strong>l suo meglio per evitare il danno, senza riuscirvi a causa <strong>de</strong>lla sua inettitudine personale (imperizia,mancanza <strong>de</strong>l normale gra<strong>do</strong> di intelligenza, età avanzata, ecc.) od economica” (BIANCA, Massimo. Dirittocivile, cit. p. 157). No mesmo senti<strong>do</strong>, na common law, exemplifica Patrick ATIYAH que “(...) although thelaw only requires reasonable care, it is no <strong>de</strong>fence for a driver to say that he was <strong>do</strong>ing the best. His best maysimply not be good enough. Drivers <strong>do</strong> not have to display the abilities and skill of a Damon Hill or a MichaelSchumacher, but they must display the abilities of the ordinary reasonably careful driver. And a driver who issimply unable to <strong>do</strong> this, because he just is a bad driver, or even because he has a physical disability, will beguilty of negligence just the same” (The Damages Lottery. Oxford: Hart, 1997, p. 5).18Esta é a constatação <strong>de</strong> LIMA, Alvino. <strong>Culpa</strong> e risco, cit. p. 60.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008231


<strong>do</strong> bonus pater familias e não <strong>do</strong> que se <strong>de</strong>veria esperar daqueleque praticou o ato.Na <strong>do</strong>utrina brasileira, Alvino Lima, ao se <strong>de</strong>dicar ao estu<strong>do</strong>da culpa, asseverou que a teoria da culpa normativa proposta pelosirmãos Mazeaud incidia em <strong>do</strong>is graves erros. O primeiro <strong>de</strong>les correspon<strong>de</strong>riaà exclusão <strong>do</strong> elemento vonta<strong>de</strong> consciente como principalfundamento para a fixação <strong>do</strong> erro <strong>de</strong> conduta. Ou seja, mostrar-se-iaindispensável que o agente a que se preten<strong>de</strong> imputar a culpa fossecapaz <strong>de</strong> conhecer e apreciar a conduta <strong>do</strong> homem normal, isto é,<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> comparação. Não se trata – ressalta o autor – <strong>de</strong> apreciara culpa in concreto, vale dizer, <strong>de</strong> avaliar as faculda<strong>de</strong>s, as aptidõesou os <strong>de</strong>feitos psíquicos <strong>do</strong> agente, mas apenas sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>apreciação da conduta normal <strong>do</strong> homem, “a fim <strong>de</strong> que lhes possamospedir contas <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>svio <strong>do</strong> caminho palmilha<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>sos cidadãos pru<strong>de</strong>ntes”. 19 Ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa crítica, sustenta Alvino Limaque o segun<strong>do</strong> erro <strong>de</strong> concepção da teoria resi<strong>de</strong> na exclusão, porcompleto, na apreciação da culpa in abstracto, <strong>de</strong> certos elementospessoais <strong>do</strong> agente que <strong>de</strong>vem ser pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> suaresponsabilida<strong>de</strong>. Tal não se confun<strong>de</strong> com uma espécie <strong>de</strong> retorno àculpa psicológica, mas, antes, consiste em se <strong>de</strong>terminar se o agentepo<strong>de</strong>ria agir, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com sua razão e inteligência, como agiria obonus pater familias. 20 Daí muitos autores afirmarem que a culpacompõe-se <strong>de</strong> <strong>do</strong>is elementos: um objetivo, traduzi<strong>do</strong> na omissão dadiligência <strong>do</strong> bonus pater familias; e, outro, subjetivo, consistentena consciência <strong>do</strong> ato, “no po<strong>de</strong>r querê-lo, livremente po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ou<strong>de</strong>ven<strong>do</strong> prever as suas conseqüências”. 21Sem embargo da discussão <strong>do</strong>utrinária acerca da necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> o agente conhecer a conduta <strong>do</strong> homem médio e ser capaz <strong>de</strong> seorientar segun<strong>do</strong> este padrão <strong>de</strong> comportamento para ser responsabiliza<strong>do</strong>,o certo é que a culpa normativa afasta o subjetivismo inerenteà concepção psicológica da culpa, fortemente atrelada à intenção eàs circunstâncias pessoais <strong>do</strong> agente, provocan<strong>do</strong> o seu divórcio coma moral, e facilitan<strong>do</strong>, em última análise, a prova da culpa.19LIMA, Alvino. <strong>Culpa</strong> e risco, cit. p. 63.20LIMA, Alvino. <strong>Culpa</strong> e risco, cit. p. 65.21LIMA, Alvino. <strong>Culpa</strong> e risco, cit. p. 67.232 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


Ressalte-se que esta mudança <strong>de</strong> concepção da culpa (<strong>de</strong>psicológica a normativa) foi criticada por alguns <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res.Assim, René Demogue sustenta que a culpa normativa, ao a<strong>do</strong>tar ocritério <strong>do</strong> bom pai <strong>de</strong> família – objetivo –, proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se à análisein abstracto da culpa, contraria a idéia <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> subjetiva.22 Por outro la<strong>do</strong>, há quem sustente que a culpa apreciada inconcreto revela-se mais apta a “incitar os indivíduos a se mostraremmais pru<strong>de</strong>ntes”. 23Observe-se que o próprio critério <strong>do</strong> bom pai <strong>de</strong> família, a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>na concepção normativa da culpa, foi alvo <strong>de</strong> severas críticaspor parte da <strong>do</strong>utrina. 24 Indaga-se quem, afinal, seria este bom pai<strong>de</strong> família, senão um ente abstrato, etéreo, <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> da generalida<strong>de</strong>das pessoas. Em razão das dificulda<strong>de</strong>s em se <strong>de</strong>terminar opadrão <strong>de</strong> comportamento <strong>do</strong> bonus pater familias, Giorgio Giorgisustenta que o julga<strong>do</strong>r, no momento <strong>de</strong> verificar a conduta culposa<strong>do</strong> ofensor, acaba a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> critérios pessoais, 25 o que se traduziria,certamente, na a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> parâmetro <strong>de</strong> conduta que ele ou seus conheci<strong>do</strong>sa<strong>do</strong>tariam nas mesmas circunstâncias. Em outras palavras,o mo<strong>de</strong>lo abstrato <strong>de</strong> conduta <strong>do</strong> bonus pater familias correspon<strong>de</strong>ao comportamento que o juiz ou seus conheci<strong>do</strong>s a<strong>do</strong>tariam, hipoteticamente,se situa<strong>do</strong>s nas mesmas circunstâncias <strong>do</strong> caso concreto.Tal parâmetro <strong>de</strong> comportamento afigura-se tão inacessível e pessoalquanto o padrão <strong>de</strong> comportamento <strong>do</strong> ofensor, 26 a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> na análiseda culpa in concreto.Além disso, em inúmeras situações, propiciadas pelos avançoscientíficos e tecnológicos e pela crescente complexida<strong>de</strong> sócio-econômica,o juiz não <strong>de</strong>terá o conhecimento técnico específico que lhe22DEMOGUE, René. Traité <strong>de</strong>s obligations en général – Sources <strong>de</strong>s obligations, tomo III, Paris: Librarie<strong>Art</strong>hur Rousseau, 1923, p. 426: “Il faut avouer que la responsabilité in abstracto est contraire au point <strong>de</strong>départ <strong>de</strong> la théorie subjective <strong>de</strong> la responsabilité. S’étant placée nettement au point <strong>de</strong> vue <strong>de</strong> l’auteur ellese refuse à s’y placer jusqu’au bout fait ici une concession à la théorie objective <strong>de</strong> la responsabilité. (…) Eneffet l’irresponsabilité <strong>do</strong>nt on bénéficie lorsqu’il y avait impossibilité d’empêcher le <strong>do</strong>mmage ne s’expliquepas”.23Confira-se um apanha<strong>do</strong> das diversas posições em LIMA, Alvino. <strong>Culpa</strong> e risco, cit. p. 65.24Cf. a crítica <strong>de</strong> René Savatier, Traité <strong>de</strong> la responsabilité civile en droit français, tomo I, Paris: LGDJ,1951, p. 7. V., ainda, no âmbito da common law, Peter Cane. Atyiah’s acci<strong>de</strong>nts, compensation and theLaw. Lon<strong>do</strong>n: Wei<strong>de</strong>nfeld and Nicolson, 1987, p. 37.25GIORGI, Giorgio. Teoria <strong>de</strong>lle obbligazioni nel Diritto Mo<strong>de</strong>rno Italiano. Turim: UTET, 1927, v. IX,p. 49.26SCHREIBER, An<strong>de</strong>rson. Novos paradigmas da responsabilida<strong>de</strong> civil: da erosão <strong>do</strong>s filtros da reparaçãoà diluição <strong>do</strong>s danos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 39.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008233


permita se inserir nas circunstâncias <strong>do</strong> caso para verificar a atuaçãoculposa <strong>do</strong> ofensor. 27 É o que ocorre, por exemplo, na hipótese em queo juiz <strong>de</strong>va verificar se o administra<strong>do</strong>r <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> companhia, aoaprovar a incorporação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> controlada indiretamentepela companhia administrada por outra socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> mesmo grupoeconômico, age com culpa, isto é, em violação ao melhor interesseda companhia administrada. O juiz, à evidência, não <strong>de</strong>tém conhecimentoespecífico que lhe permita concluir se a operação econômicafoi vantajosa para a companhia administrada.Com o intuito <strong>de</strong> se <strong>de</strong>terminar o padrão abstrato <strong>de</strong> comportamentoa ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> na análise da culpa, conferin<strong>do</strong>concretu<strong>de</strong> à regra <strong>do</strong> bonus pater familias, a <strong>do</strong>utrina propõea fixação <strong>de</strong> standards <strong>de</strong> conduta específicos que irão variar <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> com cada tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>. Conforme leciona Maria CelinaBodin <strong>de</strong> MORAES:(...) Através da nova concepção [culpa normativa], existirãotantos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> diligência quanto forem os tipos <strong>de</strong> conduta(profissional, <strong>de</strong>sportiva, na direção <strong>de</strong> veículos etc.) presentes nocontato humano, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que os parâmetros, entre os tipos, serãovariáveis (e diz-se que foram ‘subjetiva<strong>do</strong>s’ ou relativiza<strong>do</strong>s).Isto é o que permite que se estabeleçam padrões – standards – <strong>de</strong>conduta que exigirão <strong>do</strong> agente um comportamento judicioso,o qual variará em cada situação, consi<strong>de</strong>radas sua profissão e<strong>de</strong>mais circunstâncias pessoais. 2827Neste senti<strong>do</strong>, SCHREIBER, An<strong>de</strong>rson: “Não apenas as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, como também a crescentecomplexida<strong>de</strong> da vida contemporânea, a especialização <strong>do</strong>s setores econômicos e o avanço <strong>de</strong>sconcertantedas novas tecnologias resultam em que, muitas vezes, o juiz se vê diante <strong>de</strong> situações às que não se po<strong>de</strong>transportar. Como po<strong>de</strong>ria o julga<strong>do</strong>r, individualmente, no isolamento <strong>de</strong> seu gabinete, por exemplo, estabelecero cuida<strong>do</strong> médio que <strong>de</strong>ve ser a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> na elaboração das <strong>de</strong>monstrações financeiras <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong>empresa, na reparação <strong>de</strong> uma aeronave, na atuação policial em confronto com o crime organiza<strong>do</strong>, na manipulação<strong>de</strong> material genético? Tais hipóteses revelam talvez a mais notável <strong>de</strong>ficiência <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo abstrato<strong>de</strong> comportamento: a sua unicida<strong>de</strong>” (Novos paradigmas da responsabilida<strong>de</strong> civil: da erosão <strong>do</strong>s filtrosda reparação à diluição <strong>do</strong>s danos, cit. p. 39-40).28Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danos morais, cit. p. 213. No mesmosenti<strong>do</strong>, SCHREIBER, An<strong>de</strong>rson. Novos paradigmas da responsabilida<strong>de</strong> civil: da erosão <strong>do</strong>s filtros dareparação à diluição <strong>do</strong>s danos, cit. p. 40: “Pren<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se a uma elevada generalização, tanto o bonuspater familias quanto o reasonable man tornam-se inúteis à avaliação das novas situações concretas em suarica multiplicida<strong>de</strong>. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um padrão único <strong>de</strong> diligência parece, <strong>de</strong> to<strong>do</strong>, incompatível com umarealida<strong>de</strong> complexa e plural, como a que caracteriza as socieda<strong>de</strong>s contemporâneas. Daí verificar-se, por todaparte, um fenômeno que se po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>signar como fragmentação <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> conduta, ou seja, a utilização<strong>de</strong> parâmetros <strong>de</strong> comportamento específicos e diferencia<strong>do</strong>s para as mais diversas situações”.234 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


O estabelecimento <strong>do</strong>s standards <strong>de</strong> conduta pelos magistra<strong>do</strong>sse efetivará por meio <strong>do</strong> recurso a entida<strong>de</strong>s e órgãos técnicos e aosperitos que possuam o conhecimento especializa<strong>do</strong> <strong>de</strong> que se necessitapara a avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> comportamento. Esta asolução sustentada por An<strong>de</strong>rson Schreiber, para quem(...) os tribunais passam a recorrer à assistência <strong>de</strong> órgãos, entida<strong>de</strong>se técnicos periciais que tenham conhecimento específicosobre o tipo <strong>de</strong> comportamento que se avalia. Ao invés <strong>de</strong> sevaler <strong>de</strong> um tão genérico quanto irreal bonus pater familias,seja na avaliação <strong>do</strong> transporte <strong>de</strong> material genético que restoudanifica<strong>do</strong>, seja na avaliação <strong>de</strong> uma companhia acusada <strong>de</strong>divulgar balanços adultera<strong>do</strong>s, as cortes ten<strong>de</strong>m, cada vez mais,a se socorrer <strong>de</strong> parâmetros específicos <strong>de</strong> conduta que levemem conta, no primeiro caso, os procedimentos técnicos habituais,as condições em que se <strong>de</strong>u o transporte, as recomendações daAgência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s especializadas; e, nasegunda hipótese, as normas gerais <strong>de</strong> contabilida<strong>de</strong>, as práticashabituais na elaboração <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrações financeiras, o grau<strong>de</strong> controle da auditoria externa, e assim por diante. 29Ressalte-se, aqui, o importante papel a ser <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> pelos advoga<strong>do</strong>s,insta<strong>do</strong>s a disponibilizarem aos juízes pareceres especializa<strong>do</strong>s e da<strong>do</strong>stécnicos que lhes auxiliem na fixação <strong>do</strong>s standards <strong>de</strong> comportamento.Assim, ao se valerem <strong>do</strong>s conhecimentos técnicos <strong>de</strong> que dispõemos órgãos e os peritos especializa<strong>do</strong>s, os juízes estarão aptos aestabelecer o padrão <strong>de</strong> comportamento a ser espera<strong>do</strong> <strong>do</strong> agente no<strong>de</strong>sempenho daquela ativida<strong>de</strong> específica. Não se trata <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>noà regra <strong>do</strong> homem médio (isto é, <strong>do</strong> bonus pater familias), mas, antes,<strong>de</strong> sua especificação, ao se <strong>de</strong>terminar o que o médico “médio”,o motorista “médio”, o administra<strong>do</strong>r “médio” fariam nas mesmascircunstâncias em que se situava o ofensor. A culpa, em suma, passaa significar a violação a um standard <strong>de</strong> conduta. 3029SCHREIBER, An<strong>de</strong>rson. Novos paradigmas da responsabilida<strong>de</strong> civil: da erosão <strong>do</strong>s filtros da reparaçãoà diluição <strong>do</strong>s danos, cit. p. 41.30MORAES, Maria Celina Bodin <strong>de</strong>. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danosmorais, cit. p. 212.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008235


2. OS GRAUS DE CULPA NO DIREITO BRASILEIRO E O SEUSIGNIFICADO DIANTE DA NORMATIZAÇÃO DA CULPA. AINTRODUÇÃO DA REGRA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART.<strong>944</strong> DO CÓDIGO CIVILTradicionalmente, divi<strong>de</strong>-se a culpa, quanto à sua intensida<strong>de</strong>ou gravida<strong>de</strong>, em três graus: grave, leve e levíssima. Na culpa grave,afirma-se, o autor, embora não tenha agi<strong>do</strong> com a intenção <strong>de</strong> causaro dano, comportou-se como se o tivesse queri<strong>do</strong>, daí equiparar-se ao<strong>do</strong>lo. A culpa leve, por sua vez, correspon<strong>de</strong>ria à falta <strong>de</strong> diligênciamédia, que um homem normal empregaria em sua conduta. E a culpalevíssima, por fim, diria com a conduta que escaparia ao padrãomédio, mas que um diligentissimo pater familias, especialmentecuida<strong>do</strong>so, observaria. 31 Trata-se <strong>do</strong> grau máximo <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>, atençãoe prudência humanamente possível, que a<strong>do</strong>taria o diligentíssimopai <strong>de</strong> família.A tripartição <strong>do</strong>s graus <strong>de</strong> culpa associa-se, frequentemente,à classificação da culpa em negligência, imprudência e imperícia,a fim <strong>de</strong> se verificar se o agente agiu com culpa grave, leveou levíssima, e remonta à idéia <strong>de</strong> culpa psicológica, uma vezque analisa a intenção <strong>do</strong> agente na <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> grau <strong>de</strong>culpa.Note-se que, a <strong>de</strong>speito da referência quase unânime da <strong>do</strong>utrinabrasileira aos graus <strong>de</strong> culpa, estes sempre foram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>sirrelevantes para o direito brasileiro no que tange à responsabilida<strong>de</strong>aquiliana, impon<strong>do</strong>-se a reparação <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a extensão <strong>do</strong>dano e, portanto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> ofensor.Dito diversamente, pouco importa a gravida<strong>de</strong> da culpa para o cálculoda in<strong>de</strong>nização, que se medirá <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a extensão <strong>do</strong>dano. A regra era extraída <strong>do</strong> art. 1.060 <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 1916,in verbis:“Ainda que a inexecução resulte <strong>de</strong> <strong>do</strong>lo <strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r, as perdase danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantespor efeito <strong>de</strong>la direto e imediato”.31SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Responsabilida<strong>de</strong> civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2001, p. 71.236 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


As noções <strong>de</strong> <strong>do</strong>lo e a culpa, portanto, fundiram-se na idéia<strong>de</strong> ato ilícito, 32 positiva<strong>do</strong> no art. 159 <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 1916, nosseguintes termos:“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ouimprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, ficaobriga<strong>do</strong> a reparar o dano”.Deste mo<strong>do</strong>, no direito brasileiro, por força da <strong>de</strong>simportânciaatribuída aos graus <strong>de</strong> culpa, consagrou-se a regra <strong>de</strong> que a in<strong>de</strong>nizaçãome<strong>de</strong>-se pela extensão <strong>do</strong> dano, aferida <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o nexocausal, impon<strong>do</strong>-se uma vez configurada a prática <strong>do</strong> ato ilícito. Poresta razão, mesmo nas hipóteses <strong>de</strong> culpa levíssima, impunha-se a reparação,traduzida no adágio latino in Lex Aquilia et levissima culpavenit. A regra se coadunaria com o <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong> foco da responsabilida<strong>de</strong>civil da figura <strong>do</strong> ofensor para a da vítima, objetivan<strong>do</strong>-sea mais ampla reparação possível pelos danos por esta sofri<strong>do</strong>s, e coma ausência <strong>de</strong> caráter punitivo <strong>do</strong> direito civil, que, ao contrário <strong>do</strong>direito penal, não recomenda a análise <strong>do</strong>s graus <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> ofensorpara a sua con<strong>de</strong>nação.De outra parte, a responsabilização <strong>do</strong> ofensor, mesmo nas hipóteses<strong>de</strong> culpa levíssima, afigurar-se-ia incompatível com a concepçãonormativa <strong>de</strong> culpa. Com efeito, na culpa objetiva ou normativa, ainobservância <strong>do</strong> standard médio <strong>de</strong> conduta legitimamente exigívelna prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada ativida<strong>de</strong> equivaleria, na culpa subjetiva,à culpa leve. A culpa grave, por outro la<strong>do</strong>, traduziria a violação astandard <strong>de</strong> conduta posiciona<strong>do</strong> abaixo <strong>do</strong> standard médio. E a culpalevíssima, por sua vez, correspon<strong>de</strong>ria a um standard <strong>de</strong> condutasitua<strong>do</strong> acima <strong>do</strong> standard médio, a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo homem diligentíssimoe, por isso mesmo, inexigível, via <strong>de</strong> regra, <strong>do</strong> homem médio.Deste mo<strong>do</strong>, a culpa leve e grave acarretariam sempre a responsabilização<strong>do</strong> agente, ao passo que a culpa levíssima não teria, nocomum <strong>do</strong>s casos, o condão <strong>de</strong> ensejar a responsabilização daqueleque <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> observar a regra <strong>de</strong> conduta normalmente a<strong>do</strong>tada32SANTOS, J. M. Carvalho. Código civil brasileiro interpreta<strong>do</strong>, v. XX. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria FreitasBastos, 1962, 7. ed. p. 195.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008237


pelo homem diligentíssimo, já que este padrão <strong>de</strong> conduta revela-seinexigível da generalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens na prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadaativida<strong>de</strong>. 33 Note-se, ao propósito, que os graus <strong>de</strong> culpa leve, gravee levíssima <strong>de</strong>vem ser li<strong>do</strong>s à luz da concepção normativa da culpa,afastan<strong>do</strong>-se da carga subjetiva ou psicológica <strong>de</strong> outrora, e adquirin<strong>do</strong>,por conseguinte, feição objetiva.Sobre a imposição <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> agente nas hipóteses<strong>de</strong> culpa levíssima, Silvio Rodrigues criticava esta solução legal, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-ainjusta. Sustentava o autor que nos casos <strong>de</strong> culpa levíssima,na qual incorrem mesmo pessoas extremamente cautelosas, <strong>de</strong>veria ojuiz se valer <strong>de</strong> benignida<strong>de</strong> para fixar a in<strong>de</strong>nização, flexibilizan<strong>do</strong> aregra segun<strong>do</strong> a qual a in<strong>de</strong>nização me<strong>de</strong>-se pela extensão <strong>do</strong> dano. 34Em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua tese, assim exemplificava o autor:“Se uma pessoa, no vigésimo andar <strong>de</strong> um prédio, distraidamentese encosta na vidraça e esta se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> para cair na rua e matarum chefe <strong>de</strong> família, aquela pessoa, que cometeu apenas umainadvertência, po<strong>de</strong>rá ser con<strong>de</strong>nada ao pagamento <strong>de</strong> uma enormein<strong>de</strong>nização, capaz <strong>de</strong> consumir toda a economia <strong>de</strong> sua família.Pequena culpa, geran<strong>do</strong> enorme e <strong>do</strong>lorosa conseqüência.” 35O legisla<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 2002 positivou expressamente,no caput <strong>do</strong> art. <strong>944</strong>, a regra <strong>de</strong> que a in<strong>de</strong>nização me<strong>de</strong>-se pela extensão<strong>do</strong> dano, já sedimentada em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, sobrea qual se assentava a idéia <strong>de</strong> responsabilização <strong>do</strong> agente mesmo nashipóteses <strong>de</strong> culpa levíssima, com o seguinte teor:33Como observa Maria Celina Bodin <strong>de</strong> MORAES, “O brocar<strong>do</strong> latino in lege Aquilia et levissima culpavenit ainda hoje é chama<strong>do</strong> a justificar a atribuição <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> em caso <strong>de</strong> culpa levíssima. Nãoobstante, a diligência normal, ao se reconduzir ao standard médio, configura o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> conduta profissionalespera<strong>do</strong>, não parecen<strong>do</strong> nem possível nem razoável manter-se uma exigência acima <strong>do</strong> standard no âmbitoda concepção normativa da culpa. Fez-se referência a esta teoria da culpa justamente por sua incompatibilida<strong>de</strong>em relação a um juízo punitivo” (Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>sdanos morais, cit. p. 216-217).34“Tal solução, que é a da lei, não me parece justa, principalmente nos casos <strong>de</strong> culpa extremamente leve.Em tais hipóteses, quan<strong>do</strong> o dano adveio <strong>de</strong> negligência ou imprudência <strong>do</strong> agente, portanto <strong>de</strong> culpa, mas<strong>de</strong> culpa levíssima, como a em que incorre mesmo a pessoas extremamente pru<strong>de</strong>nte e cautelosa, <strong>de</strong>via olegisla<strong>do</strong>r recomendar ao juiz que usasse <strong>de</strong> benignida<strong>de</strong> no fixar a in<strong>de</strong>nização. Aliás, tenho para comigoque em muitos casos <strong>de</strong> culpa levíssima a sentença absolutória se funda na inexistência <strong>de</strong> culpa, embora sejainegável a existência daquela” (RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilida<strong>de</strong> civil, cit. p. 149).35RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilida<strong>de</strong> civil, cit. p. 188.238 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


“A in<strong>de</strong>nização me<strong>de</strong>-se pela extensão <strong>do</strong> dano”.Entretanto, no parágrafo único <strong>do</strong> mesmo dispositivo, trouxeexceção a esta regra, nos seguintes termos:“Parágrafo único. Se houver excessiva <strong>de</strong>sproporção entre agravida<strong>de</strong> da culpa e o dano, po<strong>de</strong>rá o juiz reduzir, eqüitativamente,a in<strong>de</strong>nização”.Como se vê, o dispositivo confere ao juiz a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir,<strong>de</strong> forma eqüitativa, a in<strong>de</strong>nização, quan<strong>do</strong>, no caso concreto,haja excessiva <strong>de</strong>sproporção entre o grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> agente e o danocausa<strong>do</strong>. Assim, o preceito autoriza a restrição à in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida àvítima mediante a análise <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> ofensor. Ao reintroduzira discussão acerca da repercussão <strong>do</strong>s graus <strong>de</strong> culpa na fixação dain<strong>de</strong>nização, a norma vai na contramão <strong>de</strong> solidificada <strong>do</strong>utrina daresponsabilida<strong>de</strong> civil acerca da <strong>de</strong>simportância <strong>do</strong>s graus <strong>de</strong> culpapara o cálculo da in<strong>de</strong>nização e da busca da mais ampla reparaçãopossível pelos danos sofri<strong>do</strong>s pela vítima. 36 Além disso, a norma voltaa atenção <strong>do</strong>s estudiosos para a culpa, categoria cada vez mais esquecidacom as crescentes hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva, epara a figura <strong>do</strong> ofensor, preteri<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina em relação à vítima.Surge, a partir daí, acalora<strong>do</strong> <strong>de</strong>bate <strong>do</strong>utrinário acerca <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> ealcance da norma contida no parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código<strong>Civil</strong>. É ver-se.3. O SENTIDO E ALCANCE DA NORMA CONTIDA NO PARÁ-GRAFO ÚNICO DO ART. <strong>944</strong> DO CÓDIGO CIVILO legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong> 2002, ao inserir a regra contida no parágrafoúnico <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong>, inspirou-se no art. 43 <strong>do</strong> Código36A norma utiliza, com efeito, <strong>do</strong>is parâmetros para a fixação da in<strong>de</strong>nização – o grau <strong>de</strong> culpa e a extensão <strong>do</strong>dano – os quais se afiguram contraditórios. Daí afirmar Maria Celina Bodin <strong>de</strong> MORAES: “A escolha legislativapela irrelevância <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> culpa foi uma opção <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m lógica. Uma alternativa excluía a outra, porque dasduas, uma: ou bem se <strong>de</strong>terminava a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o dano, e o grau <strong>de</strong> culpa não po<strong>de</strong>ria ser leva<strong>do</strong>em consi<strong>de</strong>ração, ou bem se media a conduta, permitin<strong>do</strong> a in<strong>de</strong>nização menor <strong>do</strong> que seria necessário àreparação, em caso <strong>de</strong> culpa mais leve” (Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>sdanos morais, cit. p. 297).Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008239


Suíço das Obrigações e na segunda alínea <strong>do</strong> art. 44, com a seguinteredação:“<strong>Art</strong>. 43. 1. Le juge détermine le mo<strong>de</strong> ainsi que l’étendue <strong>de</strong>la réparation, d’après les circonstances et la gravité <strong>de</strong> la faute.2. Des <strong>do</strong>mmages-intérêts ne peuvent être alloués sous forme<strong>de</strong> rente que si le débiteur est en même temps astreint à fournir<strong>de</strong>s sûretés.”“<strong>Art</strong>. 44. (...) 2. Lorsque le préjudice n’a été causé ni intentionnellementni par l’effet d’une grave négligence ou impru<strong>de</strong>nce,et que sa réparation exposerait le débiteur à la gêne, le juge peutequitablement réduire les <strong>do</strong>mmages-intérêts.”Na dicção <strong>de</strong>stes preceitos legais, o juiz irá <strong>de</strong>terminar a extensãoda reparação <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as circunstâncias <strong>do</strong> caso e a gravida<strong>de</strong>da culpa <strong>do</strong> agente. Caso o dano tenha si<strong>do</strong> causa<strong>do</strong> sem intenção,tampouco como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> grave negligência ou imprudência,assegura-se ao juiz a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir eqüitativamente a in<strong>de</strong>nizaçãose a reparação integral <strong>do</strong> dano expuser o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r a situaçãofinanceira precária.Na mesma esteira, o Código <strong>Civil</strong> português a<strong>do</strong>tou norma semelhanteem seu art. 494º, nos seguintes termos:<strong>Art</strong>. 494º. (Limitação da in<strong>de</strong>mnização no caso <strong>de</strong> mera culpa)“Quan<strong>do</strong> a responsabilida<strong>de</strong> se fundar na mera culpa, po<strong>de</strong>ráa in<strong>de</strong>mnização ser fixada, equitativamente, em montanteinferior ao que correspon<strong>de</strong>ria aos danos causa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que o grau <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> agente, a situação económica<strong>de</strong>ste e <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong> e as <strong>de</strong>mais circunstâncias <strong>do</strong> caso ojustifiquem.”De acor<strong>do</strong> com o dispositivo, o magistra<strong>do</strong> po<strong>de</strong>rá fixar a in<strong>de</strong>nização,<strong>de</strong> forma eqüitativa, em montante inferior aos danos causa<strong>do</strong>s,levan<strong>do</strong> em conta não apenas o grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> agente, mas tambéma sua situação econômica e a <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong> e as <strong>de</strong>mais circunstâncias<strong>do</strong> caso, o que não é autoriza<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma expressa pelo parágrafoúnico <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> brasileiro. Além disso, o Código240 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


<strong>Civil</strong> português, em seu art. 499º, 37 esten<strong>de</strong> a aplicação da normaàs hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva. A regra, por outro la<strong>do</strong>,cinge-se à responsabilida<strong>de</strong> aquiliana, vez que, na responsabilida<strong>de</strong>contratual, eventual redução da in<strong>de</strong>nização pelo magistra<strong>do</strong> fugiriadas expectativas <strong>do</strong> contraente lesa<strong>do</strong>. 38Na mesma direção, os “Princípios <strong>de</strong> Direito Europeu da Responsabilida<strong>de</strong><strong>Civil</strong>”, que ainda não estão em vigor, dispõem, no art.10, que o juiz po<strong>de</strong>rá reduzir a in<strong>de</strong>nização caso, diante da situaçãoeconômica das partes, a reparação integral constitua encargo opressivopara o ofensor, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>-se consi<strong>de</strong>rar especialmente o fundamento daresponsabilida<strong>de</strong>, a extensão da proteção <strong>do</strong> interesse e a dimensão<strong>do</strong> dano. 39No que tange especificamente ao or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro,a norma contida no parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código<strong>Civil</strong>, como aludi<strong>do</strong> anteriormente, autoriza o magistra<strong>do</strong> a reduzireqüitativamente a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida à vítima caso haja excessiva<strong>de</strong>sproporção entre o grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> ofensor e os danos por ela sofri<strong>do</strong>s.Com o escopo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar o âmbito <strong>de</strong> aplicação da norma,afigura-se imprescindível verificar, fundamentalmente, (i) qual suahipótese <strong>de</strong> cabimento, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong>, neste passo, se se aplica ao danomoral e ao material; (ii) se faculta ao juiz que se leve em conta ascircunstâncias <strong>do</strong> caso concreto para a redução da in<strong>de</strong>nização; (iii)se inci<strong>de</strong> nas hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva e subjetiva; (iv)se alcança a responsabilida<strong>de</strong> contratual e extrancontratual; e, se, porfim, (v) autoriza os punitive damages no direito brasileiro.Com relação à aplicação <strong>do</strong> parágrafo único à reparação <strong>do</strong>dano moral e material, há quem <strong>de</strong>fenda, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, esta possibilida<strong>de</strong>,representan<strong>do</strong> a norma medida <strong>de</strong> eqüida<strong>de</strong> apta a atenuar a37“<strong>Art</strong>. 499º. (Disposições aplicáveis). São extensivas aos casos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pelo risco, na parteaplicável e na falta <strong>de</strong> preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilida<strong>de</strong> porfactos ilícitos”.38“A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gradação eqüitativa da in<strong>de</strong>mnização, quan<strong>do</strong> haja mera culpa <strong>do</strong> lesante, está consagradana lei para a responsabilida<strong>de</strong> extracontratual (art. 494º), mesmo que fundada no risco (art. 499º),não <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>rar-se extensiva à responsabilida<strong>de</strong> contratual, on<strong>de</strong> se afigura pouco <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com aslegítimas expectativas <strong>do</strong> contraente lesa<strong>do</strong>” (Mário Júlio <strong>de</strong> Almeida Costa. Direito das obrigações, 9. ed.Coimbra: Almedina, 2001, p. 496-497).39“<strong>Art</strong>. 10:401. Limitação da in<strong>de</strong>nização. Excepcionalmente, se face à situação econômica das partes areparação integral constituir um encargo opressivo para o réu, a in<strong>de</strong>nização po<strong>de</strong> ser reduzida. Para tomaresta <strong>de</strong>cisão, <strong>de</strong>ve ter-se em consi<strong>de</strong>ração, especialmente, o fundamento da responsabilida<strong>de</strong> (art. 1:101), aextensão da proteção <strong>do</strong> interesse (art. 2:102) e a dimensão <strong>do</strong> dano”.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008241


esponsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> agente <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as circunstâncias <strong>do</strong> casoconcreto. Nesta direção, os graus <strong>de</strong> culpa teriam relevância relativamenteà quantificação <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar, não já para a suaconfiguração, já que mesmo a leve <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> com o standard<strong>de</strong> conduta acarretaria a responsabilização. Ao la<strong>do</strong> disso, o preceitolegal, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> fixar o quantum <strong>de</strong>beatur da in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> com o grau <strong>de</strong> culpa, não representaria retorno à concepçãopsicológica da culpa. 40Por outro la<strong>do</strong>, outros autores sustentam que a norma, comvistas a <strong>de</strong>terminar a extensão da reparação, restaurou a gradação daculpa em grave, leve e levíssima no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro,associan<strong>do</strong> o grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> agente à análise da culpa psicológica,traduzida na maior ou menor previsibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> danoso ou,ainda, na gravida<strong>de</strong> da negligência, imprudência ou imperícia. 41De outra parte, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>-se que a norma somente incidirá permitin<strong>do</strong>a redução da in<strong>de</strong>nização por dano moral ou material excepcionalmentenas hipóteses em que tal redução se afigure imprescindívelà proteção <strong>do</strong> patrimônio mínimo e da subsistência digna <strong>do</strong> ofensor,ten<strong>do</strong> por fundamento, por isso mesmo, a eqüida<strong>de</strong> e não o grau <strong>de</strong>culpa. Afirma-se que a redução da in<strong>de</strong>nização com base no grau <strong>de</strong>culpa acarretaria insegurança jurídica, pois remeteria à razoabilida<strong>de</strong>ou ao bom senso a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> culpa, além <strong>de</strong> criar injustiças,pois que danos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções po<strong>de</strong>m ser causa<strong>do</strong>s por culpaleve ou levíssima, ao passo que a culpa grave po<strong>de</strong> ocasionar danos<strong>de</strong> pequena monta. Assim, a regra, no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro,continua a ser a <strong>do</strong> caput <strong>do</strong> art. <strong>944</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a norma <strong>do</strong> parágrafoúnico, se interpretada literalmente, revelar-se-ia inconstitucional, vezque viola o princípio da reparação integral <strong>do</strong> dano sofri<strong>do</strong>, funda<strong>do</strong>na cláusula geral <strong>de</strong> tutela da pessoa humana, constitucionalmenteprevista (CF, art. 1º, III), que <strong>de</strong>ve ser o gran<strong>de</strong> norte <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r aofixar o montante da reparação. 42 Por esta razão, o único limite à repa-40Este é o entendimento <strong>de</strong> SCHREIBER, An<strong>de</strong>rson. Novos paradigmas da responsabilida<strong>de</strong> civil: daerosão <strong>do</strong>s filtros da reparação à diluição <strong>do</strong>s danos, cit. p. 43-44.41Confira-se, neste senti<strong>do</strong>, Sergio Cavalieri Filho e Carlos Alberto Menezes Direito. Comentários ao novocódigo civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2004, v. 13, p. 337-338; e, ainda, Miguel Kfouri Neto. Responsabilida<strong>de</strong>civil <strong>do</strong> médico. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2007, p. 75-76.42 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilida<strong>de</strong> civil: estrutura e função. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Renovar, 2008, p. 309-310; 318-321; 323.242 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


ação consiste no limite humanitário, “pois a reparação <strong>do</strong> dano, porforça da mesma norma constitucional, não po<strong>de</strong> privar o ofensor <strong>do</strong>patrimônio indispensável à sua subsistência digna”. 43Há ainda quem sustente que o parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong>Código <strong>Civil</strong> consiste em cláusula aberta que <strong>de</strong>ve ser preenchidavalorativamente com vistas à aplicação direta das normas constitucionais.Assim, na hipótese <strong>de</strong> colisão <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um princípio constitucional,a norma <strong>de</strong>ve ser utilizada como mecanismo <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>raçãopara <strong>de</strong>terminar qual princípio <strong>de</strong>verá prevalecer no caso concreto.Se o princípio da reparação integral tem caráter constitucional, o dispositivoapenas se aplica caso tenha por fundamento outro princípioconstitucional que prevaleça no caso concreto. À guisa <strong>de</strong> exemplo,o preceito conti<strong>do</strong> no parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> incidirá na hipóteseem que a reparação integral <strong>do</strong>s danos prive o ofensor <strong>do</strong> patrimôniomínimo, em prepon<strong>de</strong>rância <strong>do</strong>s princípios da dignida<strong>de</strong> da pessoahumana e da solidarieda<strong>de</strong> social. 44Outros autores, a seu turno, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que a aplicação <strong>do</strong>parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> se restringiria aos danosmateriais, não alcançan<strong>do</strong> o dano moral. Isso porque a norma, <strong>de</strong>natureza infraconstitucional, ao diminuir a in<strong>de</strong>nização da vítimacom base no grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> ofensor, excepcionaria o princípio dareparação integral, funda<strong>do</strong> no princípio constitucional da dignida<strong>de</strong>da pessoa humana. Assim, não seria da<strong>do</strong> à norma infraconstitucionallimitar o alcance da norma constitucional <strong>de</strong> reparação integral <strong>do</strong>dano (<strong>Art</strong>. 5º, V, X, CF). Deste mo<strong>do</strong>, a norma <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong>art. <strong>944</strong> revelar-se-ia inconstitucional relativamente ao dano moral. 45Além disso, a norma traria situações <strong>de</strong> injustiça, pois que danos <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> monta causa<strong>do</strong>s por culpa leve ou levíssima seriam in<strong>de</strong>niza<strong>do</strong>sapenas parcialmente, ao passo que danos <strong>de</strong> pequena monta <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s<strong>de</strong> culpa grave seriam plenamente repara<strong>do</strong>s. Desta feita, criar-se-iapara a vítima situação <strong>de</strong> ressarcimento parcial, o que não se admite em43CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilida<strong>de</strong> civil: estrutura e função, cit. p. 325.44KONDER, Carlos Nelson. “A redução eqüitativa da in<strong>de</strong>nização em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> culpa: apontamentosacerca <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong>”. In: Revista Trimestral <strong>de</strong> Direito <strong>Civil</strong>, v. 29, ano8. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Padma, jan.-mar. 2007, p. 32-33.45JUNKES, Sérgio Luiz. “A culpa e a punição não po<strong>de</strong>m servir <strong>de</strong> critério para a fixação da in<strong>de</strong>nização pordano moral”. In: Nagib Slaibi Filho e Sergio Couto (coords.), Responsabilida<strong>de</strong> civil: estu<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>poimentosno centenário <strong>do</strong> nascimento <strong>de</strong> José Aguiar Dias (1906-2006). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2006, p. 415.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008243


se<strong>de</strong> <strong>de</strong> dano moral. Daí se afirmar que a extensão <strong>do</strong> dano consistiriaem parâmetro muito mais eficaz para a reparação. 46 Por outro la<strong>do</strong>,a avaliação <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> agente para fins <strong>de</strong> quantificação <strong>do</strong>dano moral apenas seria possível caso se admitisse, no or<strong>de</strong>namentojurídico brasileiro, os danos punitivos, o que não ocorre. 47Por fim, há quem <strong>de</strong>fenda, em franca contraposição aos autoresexamina<strong>do</strong>s, que o parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> tem seuâmbito <strong>de</strong> incidência restrito somente ao dano moral, não abrangen<strong>do</strong>o dano material. Isso porque a redução <strong>do</strong> valor da reparação <strong>de</strong>vidaa título <strong>de</strong> danos materiais feriria o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da vítima,o qual possui tutela constitucional e não admitiria tal restrição. Emconseqüência, a aplicação <strong>do</strong> dispositivo aos danos materiais revelarse-iainconstitucional. 48Na verda<strong>de</strong>, o legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong> 2002, ao <strong>de</strong>terminar no parágrafoúnico <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> que em caso <strong>de</strong> “excessiva <strong>de</strong>sproporçãoentre a gravida<strong>de</strong> da culpa e o dano, po<strong>de</strong>rá o juiz reduzir,eqüitativamente, a in<strong>de</strong>nização”, não limitou a aplicação <strong>do</strong> dispositivoseja ao dano moral seja ao material, preten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> abarcar asduas hipóteses.Com efeito, a discussão quanto ao cabimento da norma resi<strong>de</strong>não na natureza <strong>do</strong> dano sofri<strong>do</strong> pela vítima, se material ou moral, mas,antes, na excessiva <strong>de</strong>sproporção entre a gravida<strong>de</strong> da culpa e o dano.Nesta direção, o dispositivo somente incidirá se, no caso concreto,restar configurada a culpa levíssima <strong>do</strong> ofensor que, ao inobservar ostandard <strong>de</strong> conduta normalmente a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo homem diligentíssimonaquela <strong>de</strong>terminada ativida<strong>de</strong>, provocou danos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta àvítima. 49 Deste mo<strong>do</strong>, pouco importa se o dano sofri<strong>do</strong> pela vítima é46BERNARDO, Wesley <strong>de</strong> Oliveira Louzada. Dano moral: critérios <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> valor. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Renovar. 2005, p. 171-172. No mesmo senti<strong>do</strong>, JUNKES, Sérgio Luiz. “A culpa e a punição não po<strong>de</strong>m servir<strong>de</strong> critério para a fixação da in<strong>de</strong>nização por dano moral.” cit. p. 416.47BERNARDO, Wesley <strong>de</strong> Oliveira Louzada. Dano moral: critérios <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> valor, cit. p. 173.48BUSTAMANTE, Thomas e FRANCO SILVA, Denis. “Neminem Lae<strong>de</strong>re: o novo Código <strong>Civil</strong> brasileiro ea integral reparabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s danos materiais <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> ato ilícito”. In: Revista Trimestral <strong>de</strong> Direito<strong>Civil</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: PADMA, out./<strong>de</strong>z. <strong>de</strong> 2004, v. 20, p. 247-258.49Esta parece ser a inspiração que motivou o legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong> 2002 a inserir o dispositivo, ao enfatizar, naexposição <strong>de</strong> motivos, os danos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções causa<strong>do</strong>s pela mera distração <strong>do</strong> agente, a que sesujeita qualquer homem, embora se refira textualmente à culpa leve ou levíssima. Veja-se: “Do mesmo mo<strong>do</strong>,em face <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong>, o fato <strong>de</strong> ser leve a culpa, ou levíssima, não exclui a responsabilida<strong>de</strong>, salvo casosexpressos em lei; e sobretu<strong>do</strong> não vale nunca como atenuante. Todavia não parece justo que, no caso <strong>de</strong>culpa leve, e dano vultoso, a responsabilida<strong>de</strong> recaia inteira sobre o causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano. Um homem que244 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


moral ou material, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>-se, ao revés, <strong>de</strong>slocar o foco <strong>de</strong> atenção danatureza <strong>do</strong> dano sofri<strong>do</strong> pela vítima para o grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> agente(li<strong>do</strong> à luz da concepção normativa da culpa) e para a proporção <strong>do</strong>sdanos por ele provoca<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> sua conduta.Se, por um la<strong>do</strong>, o standard <strong>de</strong> conduta a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> normalmentepelo homem diligentíssimo revela-se inexigível <strong>do</strong> homem médio no<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada ativida<strong>de</strong>, exoneran<strong>do</strong>-o, via <strong>de</strong> regra, daresponsabilização pelos danos causa<strong>do</strong>s, por outro la<strong>do</strong>, esta soluçãoafigurar-se-ia sobremaneira injusta se, diante <strong>do</strong>s danos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>sproporções provoca<strong>do</strong>s pela violação <strong>de</strong>sta mesma regra <strong>de</strong> conduta,o agente ficasse isento <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. Daí o senti<strong>do</strong> da normaque, excepcionan<strong>do</strong> a regra <strong>de</strong> que a culpa levíssima não importa reparação,permite o ressarcimento <strong>do</strong>s danos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções, e,ao la<strong>do</strong> disso, atribui ao juiz a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir a in<strong>de</strong>nização.De mais a mais, se é injusto que aquele que agiu com culpa levíssimae provocou danos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções não seja responsabiliza<strong>do</strong>,mostra-se igualmente injusto, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s casos, que o agenteressarça integralmente a vítima, já que a conduta por ele não observadaé inexigível <strong>do</strong> homem médio. Eis a ratio <strong>do</strong> dispositivo que conce<strong>de</strong> aojuiz a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir eqüitativamente a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida peloofensor à vítima na hipótese em que age com culpa levíssima e, a partir dainobservância da regra <strong>de</strong> conduta, acarrete danos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta, buscan<strong>do</strong>o ponto <strong>de</strong> equilíbrio entre os interesses <strong>do</strong> ofensor e da vítima.Lida <strong>de</strong>sta forma, a norma corrobora a idéia <strong>de</strong> que a culpalevíssima, em regra, não impõe a reparação, vez que o standard <strong>de</strong>conduta a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo homem diligentíssimo revela-se inexigível dageneralida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens. Tanto é assim que o legisla<strong>do</strong>r, com o intuito<strong>de</strong> evitar injustiças, previu hipótese excepcional em que a culpalevíssima po<strong>de</strong> acarretar a responsabilização <strong>do</strong> agente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quese verifiquem danos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta, conferin<strong>do</strong> ao magistra<strong>do</strong> afaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir a in<strong>de</strong>nização.economizou a vida toda para garantir a velhice, po<strong>de</strong>, por uma leve distração, uma ponta <strong>de</strong> cigarro atiradaao acaso, vir a per<strong>de</strong>r tu<strong>do</strong> o que tem, se tiver da<strong>do</strong> origem a um incêndio. E não só ele per<strong>de</strong>, mas toda afamília. Notam os autores que acontecimentos trazem em si uma <strong>do</strong>se <strong>de</strong> fatalida<strong>de</strong>. Dir-se-á que a vítimaper<strong>de</strong>; mas per<strong>de</strong>ria igualmente, sem ter a quem recorrer, se a fatalida<strong>de</strong> fosse outra: um raio ou obra <strong>de</strong> ummalfeitor <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>. E a fatalida<strong>de</strong> está em que a distração é uma lei inexorável, à qual nunca ninguémse furtou” (ALVIM, Agostinho. “Direito das obrigações: exposição <strong>de</strong> motivos”. In: Revista <strong>do</strong> Instituto <strong>do</strong>sAdvoga<strong>do</strong>s Brasileiros. Rio <strong>de</strong> Janeiro, ano IV, n. 24, p. 101-102).Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008245


Em síntese, a norma contida no parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong>Código <strong>Civil</strong> aplica-se na hipótese em que o ofensor tenha agi<strong>do</strong> comculpa levíssima e, a partir <strong>de</strong>sta, tenha causa<strong>do</strong> danos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporçõesà vítima, abrangen<strong>do</strong> a reparação <strong>do</strong> dano moral e material.Trata-se <strong>de</strong> opção <strong>de</strong> política legislativa, servin<strong>do</strong> o dispositivo comoválvula <strong>de</strong> escape para permitir ao juiz que, com base na eqüida<strong>de</strong>,reduza a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida pelo ofensor quan<strong>do</strong> atue com culpalevíssima, a fim <strong>de</strong> flexibilizar o sistema e evitar injustiças.Note-se que o dispositivo, para além <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> ofensor,não autorizou expressamente o recurso a outros critérios paraa redução da in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida à vítima, tais como a capacida<strong>de</strong>econômica das partes envolvidas no ilícito e as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>caso concreto. Todavia, o juízo <strong>de</strong> eqüida<strong>de</strong> a que se refere o parágrafoúnico <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> quer justamente significar anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o magistra<strong>do</strong> atentar para outros fatores que, no casoconcreto, autorizem a redução da in<strong>de</strong>nização, <strong>de</strong>ntre eles a condiçãoeconômica da vítima e <strong>do</strong> ofensor. 50 Neste senti<strong>do</strong>, confira-se alição <strong>de</strong> Silvio Rodrigues:“Tal solução é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sabe<strong>do</strong>ria e restabelecerá a justiçafaltante, em muitas hipóteses. De fato, examina<strong>do</strong> o caso concreto,as circunstâncias pessoais das partes e as materiais que ocircundam, o juiz fixará a in<strong>de</strong>nização que enten<strong>de</strong>r a<strong>de</strong>quada.Po<strong>de</strong>rá fazê-la variar conforme as posses <strong>do</strong> agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong>dano, a existência ou não <strong>do</strong> seguro, o grau <strong>de</strong> culpa e outroselementos particulares à hipótese em exame, fugin<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma<strong>de</strong>cisão or<strong>de</strong>nada por regra genérica, no geral <strong>de</strong>satenta daspeculiarida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> caso concreto”. 5150Diversa não se mostra a inspiração que motivou o legisla<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> a inserir no dispositivo o termo“eqüida<strong>de</strong>”, como se vê da exposição <strong>de</strong> motivos relativo ao direito das obrigações <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong>, <strong>de</strong>autoria <strong>de</strong> Agostinho Alvim: “(...) o anteprojeto faculta ao juiz, sem impor, que reduza a in<strong>de</strong>nização. Ele ofará usan<strong>do</strong> da eqüida<strong>de</strong> individualiza<strong>do</strong>ra, ten<strong>do</strong> em vista o caso concreto e as suas circunstâncias” (“Direitodas Obrigações: exposição <strong>de</strong> motivos”, cit. p. 102).51RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilida<strong>de</strong> civil, p. 188-189. No mesmo senti<strong>do</strong>, Milton Paulo<strong>de</strong> Carvalho Filho: “O disposto no parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> ressalva a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>circunstâncias objetivas, ligadas às pessoas da relação obrigacional (por exemplo a situação econômica <strong>do</strong>lesante e <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong>), e as <strong>de</strong>mais circunstâncias <strong>do</strong> caso, aliadas à pequena ou mo<strong>de</strong>rada culpa <strong>do</strong> agente,justificarem a fixação eqüitativa <strong>de</strong> uma in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> montante inferior aos danos” (In<strong>de</strong>nização poreqüida<strong>de</strong> no novo Código <strong>Civil</strong> 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 71).246 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


Por outro la<strong>do</strong>, discute-se se o parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong>Código <strong>Civil</strong> aplica-se apenas à responsabilida<strong>de</strong> subjetiva ou, se, aorevés, se esten<strong>de</strong> às hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva.Parte da <strong>do</strong>utrina sustenta que haveria contradição lógica em serestringir a incidência <strong>do</strong> dispositivo à responsabilida<strong>de</strong> subjetiva. Issoporque se o agente age com culpa leve ou levíssima e gera um danoextenso, na hipótese <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> subjetiva, po<strong>de</strong>rá ter sua responsabilida<strong>de</strong>mitigada com a redução da in<strong>de</strong>nização, ao passo que, seage com culpa levíssima ou sem culpa, em hipótese <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>objetiva, respon<strong>de</strong>rá pela totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> dano causa<strong>do</strong>, 52 o que representaria,inclusive, violação ao princípio da igualda<strong>de</strong> formal. 53Sobre a matéria, elaborou-se o enuncia<strong>do</strong> 46 na I Jornada <strong>de</strong>Direito <strong>Civil</strong>, segun<strong>do</strong> o qual “a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> redução <strong>do</strong> montanteda in<strong>de</strong>nização em face <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> agente, estabelecida noparágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> novo Código <strong>Civil</strong>, <strong>de</strong>ve ser interpretadarestritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparaçãointegral <strong>do</strong> dano, não se aplican<strong>do</strong> às hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>objetiva”. E, posteriormente, aprovou-se o enuncia<strong>do</strong> 380, na IV Jornada<strong>de</strong> Direito <strong>Civil</strong>, o qual suprimiu a parte final “não se aplican<strong>do</strong>às hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva” <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> 46.Contu<strong>do</strong>, tal entendimento, que preten<strong>de</strong> esten<strong>de</strong>r a aplicação<strong>do</strong> dispositivo à responsabilida<strong>de</strong> objetiva, não colhe. O parágrafoúnico <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> se aplica apenas à responsabilida<strong>de</strong>subjetiva, não já à objetiva, pois que a responsabilida<strong>de</strong> objetiva,cuja fonte é a lei, prescin<strong>de</strong> da culpa. Desta feita, seria ilegal utilizaro critério <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> culpa para aferir o quantum da in<strong>de</strong>nização nahipótese <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva sem autorização legislativapara tanto. Diversamente <strong>do</strong> que ocorre no or<strong>de</strong>namento português,em que o art. 499º esten<strong>de</strong> a aplicação da norma contida no art. 494ºàs hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva, o or<strong>de</strong>namento jurídicobrasileiro não apresenta referida autorização legal.52STOCO, Rui. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil. 6. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Revista <strong>do</strong>s Tribunais,2004, p. 1189. Marcelo Junqueira CALIXTO que, conforme visto, sustenta a redução da in<strong>de</strong>nização combase na eqüida<strong>de</strong> e não no grau <strong>de</strong> culpa, por força <strong>de</strong>ste entendimento, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a aplicação <strong>do</strong> dispositivoà responsabilida<strong>de</strong> objetiva (CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilida<strong>de</strong> civil: estruturae função, cit. p. 326).53BERNARDO, Wesley <strong>de</strong> Oliveira Louzada. Dano moral: critérios <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> valor, p. 172.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008247


O art. <strong>944</strong>, parágrafo único, inseri<strong>do</strong> no capítulo II, intitula<strong>do</strong> “Dain<strong>de</strong>nização”, <strong>do</strong> título IX, “Da Responsabilida<strong>de</strong> <strong>Civil</strong>”, se aplica, em tese,à responsabilida<strong>de</strong> extracontratual e à contratual. 54 Entretanto, na prática,o dispositivo não possui gran<strong>de</strong> valia para a responsabilida<strong>de</strong> contratual,pois revela-se extremamente difícil aferir o grau <strong>de</strong> culpa <strong>do</strong> agente noinadimplemento <strong>de</strong> uma obrigação contratual. Exemplo disso consiste nanecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o agente provar alguma exclu<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> nexo causal, não jáa ausência <strong>de</strong> culpa, para que se exima <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> na violação<strong>de</strong> obrigação contratual, a justificar o entendimento <strong>de</strong> muitos autores nosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a responsabilida<strong>de</strong> contratual é objetiva.Por fim, cumpre ao intérprete investigar se o parágrafo único <strong>do</strong> art.<strong>944</strong> autoriza a in<strong>de</strong>nização punitiva no direito brasileiro. Agostinho Alvim,redator <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> obrigações <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 1975, esclareceu queo dispositivo não po<strong>de</strong>ria ser utiliza<strong>do</strong> para aumentar a in<strong>de</strong>nização:“É certo que a maior ou menor gravida<strong>de</strong> da falta não influi sobre ain<strong>de</strong>nização, a qual só se medirá pela extensão <strong>do</strong> dano causa<strong>do</strong>. Alei não olha para o causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> prejuízo a fim <strong>de</strong> medir-lhe o grau<strong>de</strong> culpa e, sim, para o dano, a fim <strong>de</strong> avaliar-lhe a extensão”. 55Por outro la<strong>do</strong>, Regina Beatriz Tavares da Silva, em obra coor<strong>de</strong>nadapor Ricar<strong>do</strong> Fiúza, relator <strong>do</strong> projeto <strong>do</strong> Código na Câmara,ao referir-se ao parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong>, afirmou que “o dispositivoé, no entanto, insuficiente, já que seu caput se adapta somente aodano material e não está a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> ao dano moral”. 56 E, neste senti<strong>do</strong>,propunha a inserção <strong>de</strong> novo parágrafo ao art. <strong>944</strong>, que autorizariao dano punitivo no direito brasileiro, com a seguinte redação: “§ 2º.A reparação <strong>do</strong> dano moral <strong>de</strong>ve constituir-se em compensação aolesa<strong>do</strong> e a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> <strong>de</strong>sestímulo ao lesante”.A <strong>de</strong>speito da não aprovação <strong>de</strong>ste novo parágrafo pela Câmara,há quem sustente, com a atual redação <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong> art.54“Há quem sustente que tais dispositivos [arts. 1.060 e <strong>944</strong>] somente se aplicariam em caso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>contratual. No entanto, nada autoriza, no Código promulga<strong>do</strong>, tal interpretação” (MORAES, Maria Celina Bodin<strong>de</strong>. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danos morais, cit. p. 297).55ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 4. ed. São Paulo: Saraiva,1972, p. 199.56TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Novo código civil comenta<strong>do</strong>. In: Ricar<strong>do</strong> Fiúza (coord.). São Paulo:Saraiva, 2002, p. 841.248 Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008


<strong>944</strong>, que o dispositivo, por meio <strong>de</strong> interpretação sistemática e evolutiva,po<strong>de</strong>rá permitir in<strong>de</strong>nização superior ao montante <strong>do</strong>s danos,em verda<strong>de</strong>ira consagração aos danos punitivos. 57Contu<strong>do</strong>, a atribuição <strong>do</strong> caráter punitivo à responsabilida<strong>de</strong> civilnão se coaduna com a sua finalida<strong>de</strong> essencialmente reparatória, sen<strong>do</strong>admiti<strong>do</strong> apenas em hipóteses excepcionais taxativamente previstasem lei. 58 Com efeito, o parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> autoriza que o juizreduza eqüitativamente a in<strong>de</strong>nização, não fazen<strong>do</strong> menção expressaa eventual possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização para além <strong>do</strong>sdanos causa<strong>do</strong>s na hipótese <strong>de</strong> o ofensor ter agi<strong>do</strong> com culpa grave. 59Por se tratar <strong>de</strong> pena a ser aplicada ao ofensor, os requisitos para suaincidência <strong>de</strong>vem ser expressa e especificamente previstos em lei, oque, à evidência, não ocorre. Daí se tornar imperativo o afastamento dainterpretação segun<strong>do</strong> a qual o parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> autorizariao juiz a conce<strong>de</strong>r à vítima in<strong>de</strong>nização superior aos danos sofri<strong>do</strong>s emcaso <strong>de</strong> culpa grave. 60Em apertada síntese, o parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código<strong>Civil</strong> aplica-se ao ressarcimento <strong>do</strong>s danos morais e materiais, incidin<strong>do</strong>na hipótese em que restar configurada a culpa levíssima <strong>do</strong> ofensore se verificar a ocorrência <strong>de</strong> danos <strong>de</strong> enormes proporções à vítima.Além disso, o juízo <strong>de</strong> eqüida<strong>de</strong> a que se refere o dispositivo traduza necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o magistra<strong>do</strong> atentar para outros critérios, como acondição econômica da vítima e <strong>do</strong> ofensor, que, no caso concreto,autorizem a redução da in<strong>de</strong>nização. De mais a mais, a norma serestringe à responsabilida<strong>de</strong> subjetiva e abarca as hipóteses <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>extracontratual e contratual, embora, nesta última, nãoapresente relevante aplicação prática. E, por último, o dispositivo nãoadmite a in<strong>de</strong>nização punitiva no direito brasileiro.57Eugênio Facchini Neto. “Da responsabilida<strong>de</strong> civil no novo Código”. In: Ingo Wolfgang Scarlet (org.). O novoCódigo <strong>Civil</strong> e a Constituição. Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2003, p. 185. Na mesma direção, Silvio<strong>de</strong> Salvo VENOSA. Direito <strong>Civil</strong>: responsabilida<strong>de</strong> civil. São Paulo: Atlas, 2004, p. 29; e Martins-Costa,Judith. “Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza <strong>de</strong> sua reparação”. In: Judith Martins-Costa (org.).A reconstrução <strong>do</strong> direito priva<strong>do</strong>. São Paulo: Editora Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2002, p. 444-445.58Para aprofundamento sobre o dano punitivo no direito brasileiro, remete-se ao trabalho <strong>de</strong> MORAES, Maria CelinaBodin <strong>de</strong>. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danos morais, cit. passim.59“Ten<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> o legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong> 2002 o verbo ‘reduzir’ e não o verbo ‘pon<strong>de</strong>rar’, o juiz não po<strong>de</strong>rá majorar,além da medida <strong>do</strong> dano, a in<strong>de</strong>nização, em caso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> contratual, indican<strong>do</strong>, mais uma vez, arecusa <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r brasileiro em penalizar o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r, mesmo se este agiu com <strong>do</strong>lo” (MORAES, Maria CelinaBodin <strong>de</strong>. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional <strong>do</strong>s danos morais, cit. p. 297).60Nesta direção, v. CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilida<strong>de</strong> civil: estrutura e função,cit. p. 310-312; e KONDER, Carlos Nelson. “A redução eqüitativa da in<strong>de</strong>nização em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> grau <strong>de</strong>culpa: apontamentos acerca <strong>do</strong> parágrafo único <strong>do</strong> art. <strong>944</strong> <strong>do</strong> Código <strong>Civil</strong>”, cit, p. 34.Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008249

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