“Crosslinking”<strong>de</strong> colágeno no tratamento do ceratocone361Este efeito, no entanto, não se mostra homogêneono tecido corneano. Durante a análise histológica ebiomicroscópica dos botões corneanos submetidos à temperatura<strong>de</strong> 70º C pô<strong>de</strong>-se observar um efeito predominantementeacentuado nas 200µm anteriores da córnea,on<strong>de</strong> a arquitetura organizada e a presença <strong>de</strong>birrefringência ainda encontravam-se presentes (15) .Efeitos morfológicosDurante o processo <strong>de</strong> envelhecimento naturaldo tecido corneano ocorre um aumento no diâmetro dafibra <strong>de</strong> colágeno <strong>de</strong> 4,5% (17,18) . As alterações <strong>de</strong>scritasno processo <strong>de</strong> envelhecimento foram evi<strong>de</strong>nciadas namicroscopia eletrônica <strong>de</strong> córneas <strong>de</strong> coelhos submetidosao procedimento <strong>de</strong> crosslinking induzido pela UVAassociado à riboflavina (16) . As fibras <strong>de</strong> colágenocorneano apresentaram um aumento, em média, <strong>de</strong>12,2% <strong>de</strong> seu diâmetro no estroma anterior e 4,6% noestroma posterior quando comparado ao grupo controle.A diferença <strong>de</strong> 9,3% maior do efeito no estroma anteriorem relação ao posterior corroborou para evidênciapreviamente <strong>de</strong>scrita <strong>de</strong> uma indução maior <strong>de</strong>crosslinking na porção anterior da córnea (19) .O diâmetro da fibra colágena <strong>de</strong>monstrada porWollensak et al. neste experimento obteve um aumentomédio na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 3,96 nm (16) . Não houve perda datransparência corneana em nenhuma amostra corroborandopara evidência <strong>de</strong> um procedimento seguro (19) .Efeitos enzimáticosEm pacientes com ceratocone a <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> produtosresultantes da <strong>de</strong>gradação do colágeno(telopeptí<strong>de</strong>os), <strong>de</strong>tectadas na lágrima, foi <strong>de</strong>monstradacomo sendo cerca <strong>de</strong> 3,5 vezes maior, quando comparadoao grupo controle. Esta evidência contribuiu tardiamentepara a <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> um catabolismo enzimáticoacelerada no ceratocone, quando comparado a olhosnormais (20,21) .Durante o processo <strong>de</strong> estudos laboratoriais, nointuito <strong>de</strong> avaliar os efeitos do tratamento <strong>de</strong> crosslinkingfotoinduzido, foi possível observar um importante<strong>de</strong>créscimo nas taxas dos subprodutos da <strong>de</strong>gradaçãodo colágeno em córneas tratadas. A este fato atribui-seuma menor ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas enzimas envolvidasno turn-over <strong>de</strong> colágeno corneano, como asmetaloproteinases matriciais tipo 1 e 13 (MMP’s),tripsina humana tipo 2 e catepsina K (22) .Efeitos sobre os ceratócitosA radiação ultravioleta, por si só, po<strong>de</strong> exercerum efeito <strong>de</strong>letério na camada <strong>de</strong> ceratócitos. A intensida<strong>de</strong><strong>de</strong>ste efeito está diretamente ligada ao comprimento<strong>de</strong> onda <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> seus espectros. O espectroUVA é o maior <strong>de</strong> todos, com comprimento entre 315 e400nm. Esta característica confere ao mesmo uma capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> transmissão na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 25 a 35% <strong>de</strong> suairradiação às camadas mais profundas da córnea, sendoabsorvido no estroma anterior on<strong>de</strong> exerce importanteefeito citotóxico (23) .O processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sepitelização corneana tambémexerce um efeito lesivo aos ceratócitos, porém <strong>de</strong> formamenos intensa, acometendo somente os 50µm anterioresda córnea. A riboflavina, por ser uma substânciaendógena, não exerce qualquer efeito citotóxico diretoao estroma corneano (23,24) .Wollensak et al. <strong>de</strong>monstraram in vitro os efeitosda irradiação proposta para o tratamento do ceratoconeem culturas <strong>de</strong> ceratócitos provenientes <strong>de</strong> córneas <strong>de</strong>suínos. A análise dos tecidos tratados sob diferentes intensida<strong>de</strong>s<strong>de</strong>monstrou um limiar <strong>de</strong> citotoxicida<strong>de</strong> naor<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 5mW/cm² quando somente tratada com UVA,e uma redução para 0,5 mW/cm² quando se utilizou aassociação UVA-riboflavina. Estes resultados evi<strong>de</strong>nciama função catalisadora da riboflavina no processo (24) .Posteriormente, Wollensak et al. estudaram através<strong>de</strong> microscopia eletrônica, córneas <strong>de</strong> suínos tratadassob diversas intensida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> irradiação. Os achadosin vivo <strong>de</strong>monstraram bastante semelhança com o experimentoanterior utilizando cultura <strong>de</strong> ceratócitos suínos,reafirmando o limiar <strong>de</strong> citotoxicida<strong>de</strong> (25) .Nestes estudos, não foi observado nenhum caso<strong>de</strong> alteração na transparência ou espessura corneana,efeito também ausente durante a realização <strong>de</strong> ensaiosclínicos com humanos que serão <strong>de</strong>scritos a seguir (24,25) .Efeitos colateraisA radiação UV representa um importante fatorlesivo à córnea, cristalino, e retina. Os danos causadospelos raios UV <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do comprimento <strong>de</strong> onda daradiação, da área sobre a qual ela inci<strong>de</strong>, bem como dotempo <strong>de</strong> exposição.Na ausência <strong>de</strong> um fotossensibilizante, lesõesendoteliais foram <strong>de</strong>monstradas na presença <strong>de</strong> comprimentos<strong>de</strong> ondas maiores que 350nm e intensida<strong>de</strong>superior a 3mW/cm² (26) . Durante experimentos realizados,o limiar <strong>de</strong> segurança para a lesão fotoativa foi<strong>de</strong> 70 J/cm² para o cristalino, 42 J/cm² para a córneae 4.3 m W/cm² para a retina (24,25,27) .Comparando-se estes valores citados à dose utilizadadurante o procedimento <strong>de</strong> crosslinking UVA-R induzidoem humanos (3mW/cm², 5.4 J/cm²), nenhum dano é esperadono endotélio corneano, cristalino ou mesmo retina (24,25,27) .Rev Bras Oftalmol. 2009; 68 (6): 359-64
362Amaral RC, Solari HPA concentração da riboflavina instilada nasuperfície ocular apresenta significativa relevância noprocesso <strong>de</strong> absorção e difusão da mesma nas camadasmais profundas da córnea. Com um peso molecular <strong>de</strong>376,37 g/mol, o epitélio intacto representa uma barreiraà sua difusão, fazendo-se <strong>de</strong> forma lenta e incompleta.Por esse motivo, <strong>de</strong>ve-se realizar o <strong>de</strong>sbridamento préviodo epitélio corneano, no intuito <strong>de</strong> acelerar a saturação<strong>de</strong> riboflavina no estroma corneano (27,28) .O coeficiente <strong>de</strong> absorção da solução <strong>de</strong>riboflavina aumenta linearmente até uma concentração<strong>de</strong> 0,04%, mantendo-se constante a partir <strong>de</strong>ste pontopara concentrações entre 0,05% e 0,1%. Após trintaminutos da aplicação, a concentração <strong>de</strong> 0,04% <strong>de</strong>riboflavina passa a ser <strong>de</strong>tectável em qualquer ponto auma profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 400µm, apresentando um <strong>de</strong>créscimo<strong>de</strong> concentração à medida que se aprofunda notecido corneano. Esta concentração cria uma espécie <strong>de</strong>barreira adicional a todas as estruturas localizadas posteriormenteao estroma corneano, incluindo endotéliocorneano, câmara anterior, íris, cristalino e retina (28) .A citotoxicida<strong>de</strong> da irradiação UVA-R durante aexposição terapêutica e seus efeitos na camada <strong>de</strong>ceratócitos e endotélio foi estudada por Wollensak etal. (23,24) . Em córneas <strong>de</strong> coelhos e em cultura in vitro <strong>de</strong>ceratócitos <strong>de</strong> suínos, após o tratamento com UVA-Rsob os parâmetros recomendados, foi observada apoptose<strong>de</strong> ceratócitos a uma profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> até 300µm (23,24) .Em conformida<strong>de</strong> com estes achados laboratoriais, amicroscopia confocal <strong>de</strong> 10 córneas tratadas nosparâmetros recomendados revelou morte <strong>de</strong> ceratócitosa uma profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 270-350µm no estroma, comrepopularização e recuperação total <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>celular após seis meses do tratamento. Nenhum dano aoendotélio foi observado em qualquer momento do tratamento(29) .No ensaio clínico mais recente, on<strong>de</strong> foram estudadosefeitos colaterais do tratamento em córneas <strong>de</strong>humanos tratadas in vivo, foram relatados como efeitoscolaterais: opacida<strong>de</strong> estromal leve transitória eautolimitada, infiltrado estromal estéril na proporção <strong>de</strong>7.6% e cicatriz estromal em 2.8% dos casos (30) .Estudos clínicosO pioneirismo na utilização <strong>de</strong> UVA-R em pacientescom ceratocone data <strong>de</strong> 1998, na Alemanha, quandoWollensack et al. trataram 16 olhos com diagnóstico<strong>de</strong> ceratocone progressivo e mo<strong>de</strong>rado. Após o acompanhamentoentre 1 e 3 anos, a progressão do ceratoconefoi paralisada em todos os casos, com melhora daacuida<strong>de</strong> visual e redução do valor ceratométrico máximoem 50% dos casos. Em nenhum caso foi observadaqualquer perda na transparência corneana ou diminuiçãona celularida<strong>de</strong> endotelial (31) .Na segunda fase <strong>de</strong>ste ensaio, 22 pacientes comceratocone mo<strong>de</strong>rado a avançado foram tratados, com52% dos olhos incluídos apresentando progressão dadoença, com valor ceratométrico máximo entre 48 e 72dioptrias. A progressão do ceratocone foi interrompidaem todos os pacientes tratados, além disso, em 70% doscasos ocorreu uma redução <strong>de</strong> duas dioptrias no valorceratométrico (K) máximo. A acuida<strong>de</strong> visual medidaapós a melhor correção apresentou ganho médio <strong>de</strong> 1,26linhas, com redução <strong>de</strong> 1,14 ± 2.18 dioptrias <strong>de</strong> equivalenteesférico. Em 22% dos olhos contralaterais utilizadoscomo controles, no entanto, houve progressão daectasia com um aumento médio <strong>de</strong> 1,48 dioptrias naceratometria máxima. A transparência da córnea e docristalino, bem como a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> das células endoteliaispermaneceram inalteradas (32) .<strong>Nov</strong>os resultados obtidos com acompanhamento<strong>de</strong> 3 a 5 anos, também em Dres<strong>de</strong>n, mostraram que todosos 60 olhos com ceratocone tratados pararam <strong>de</strong> evoluir.Em 31 olhos ocorreu um aplanamento discreto do conecom valor médio <strong>de</strong> 2,87 D e a melhor acuida<strong>de</strong> visualcorrigida aumentou em 1,4 linhas (33) .Outro estudo europeu mostrou uma redução média<strong>de</strong> 2,5 D no equivalente esférico, confirmada topograficamente,com melhora na acuida<strong>de</strong> visual e diminuição<strong>de</strong> parâmetros topográficos. Caporossi et al. eMazzotta et al. publicaram seus resultadoscorrelacionando os dados clínicos com evidências observadasà microscopia confocal e topoaberrometria noseguimento <strong>de</strong> seis meses (29,34) . O HRT II-RCM(Hei<strong>de</strong>lberg Retinal Tomograph II Rodstock CornealModule) registrou um efeito confinado aos 350µm anterioresda córnea, enquanto que a topoaberrometria <strong>de</strong>tectouum aumento na simetria corneana (34) .Nestes estudos não houve evidências <strong>de</strong> qualqueralteração endotelial ou da pressão intraocular e pô<strong>de</strong>-seconfirmar in vivo o potencial <strong>de</strong> regeneração da camada<strong>de</strong> ceratócitos já especulada durante os ensaioslaboratoriais (25,27,29,34) .Des<strong>de</strong> o início dos ensaios clínicos, mais <strong>de</strong> 272pacientes, contabilizando um total <strong>de</strong> 480 olhos comceratocone foram submetidos ao tratamento com o crosslinkingem Dres<strong>de</strong>n. A recente publicação dos resultadosapós o acompanhamento dos pacientes pelo período<strong>de</strong> 6 anos confirmou a tendência positiva dos resultadospreliminares. Ao final do terceiro ano, o aplainamentodo ápice corneano <strong>de</strong>monstrou um <strong>de</strong>créscimo do valorceratométrico máximo na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 4.84 dioptrias. OsRev Bras Oftalmol. 2009; 68 (6): 359-64
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