13.07.2015 Views

O mundo pelo buraco da fechadura - Fonoteca Municipal de Lisboa

O mundo pelo buraco da fechadura - Fonoteca Municipal de Lisboa

O mundo pelo buraco da fechadura - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Os figurantes que GerardoNaumann convoca para “UnaObra Útil” são, em certo sentido,duplos <strong>da</strong> protagonistaTo ServeDe Simone Aughterlony e Jorge Léon.Deserve<strong>Lisboa</strong>. Maria Matos Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Frei Miguel Contreiras,52. De 08/06 a 09/06. 3ª às 21h. 4ª às 19h. Tel.: 218438801. 5€ a 12€.Vous Êtes Servis<strong>Lisboa</strong>. Cinema São Jorge. Av. <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, 175. De 04/06 a 06/06.6ª a Dom. às 17h. Tel.: 213103400.House Without a Maid<strong>Lisboa</strong>. Fun<strong>da</strong>ção Me<strong>de</strong>iros e Almei<strong>da</strong>. Av. Frei Miguel Contreiras,52. De 03/06 a 06/06. 5ª a Dom. <strong>da</strong>s 15h às 20h.Obra multidisciplinar que se divi<strong>de</strong> em três (filme,instalação, palco), o projecto “To Serve” traz para o plano<strong>da</strong> narrativa teatral a ausência <strong>de</strong> “pathos” na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>semprega<strong>da</strong>s domésticas. Po<strong>de</strong>ria ser uma variação <strong>de</strong>romances clássicos, se os autores não insistissem numaexploração miserabilista <strong>da</strong>s figuras que convocam e nacuriosi<strong>da</strong><strong>de</strong> mórbi<strong>da</strong> em relação à vi<strong>da</strong> dos outros, fruto<strong>da</strong> convicção <strong>de</strong> que o voyeurismo é a condiçãoessencial para conhecermos melhor o outro. T.B.C.Uma sO que se fazportuguesas <strong>de</strong>Una Obra ÚtilDe Gerardo Naumann.Kaldor diz que o seu objectivo era“criar uma experiência semântica do<strong>mundo</strong>”. Porque quando estamossempre na mesma língua “aceitamostudo como um <strong>da</strong>do adquirido, nuncatemos <strong>de</strong> confrontar-nos com a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> comunicação”.<strong>Lisboa</strong>. Junta <strong>de</strong> Freguesia <strong>de</strong> Santos-o-Velho (Ginásio).R. Esperança, 49. De 22/05 a 25/05. Sáb. a 3ª às 19h.A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a vi<strong>da</strong> po<strong>de</strong> ser arte, se para isso tiver osmeios necessários, está na base <strong>de</strong>sta peça inspira<strong>da</strong>num diário <strong>de</strong> uma emprega<strong>da</strong> doméstica perdi<strong>da</strong><strong>de</strong> amores, comprado na rua (uma história banal, comosão banais muitas <strong>da</strong>s histórias que o teatro conta).Multidisciplinar, é uma peça que coloca em causao próprio processo dramático, <strong>de</strong>smontando osmecanismos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma história. GerardoNaumann <strong>de</strong>safia, mais do que as convenções teatrais,o modo como elas se interligam com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. T.B.C.Um teatro útilPensar o monolinguismo do outro émais do que pensar a utili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> linguagem.Ca<strong>da</strong> um dos cinco chinesesem palco terá <strong>de</strong> encontrar uma forma<strong>de</strong> representar uma palavra (umobjecto, um sentimento). Ao mesmotempo, essa é também a função doteatro, “encontrar uma representação”,diz Kaldor.A perspectiva documental em Kaldor,contudo, permite-lhe quebrar ocontrato pré-estabelecido <strong>pelo</strong> teatrocom a audiência. O seu trabalho “criaum <strong>de</strong>sconforto ou uma insegurançasuficientes para fazer a audiência reagire questionar”. A criadora afirmaque está mais interessa<strong>da</strong> em “dizeralgo do que em dirigir-[se] a alguém”,e nesse sentido o teatro “é um gatilho”para que o espectador possa“projectar-se”.E assim se chega à questão <strong>da</strong> “utili<strong>da</strong><strong>de</strong>”do teatro, <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>da</strong>r voz àqueles que raramente sãoouvidos, os silenciosos, os “outros”,os que, por estarem afastados doscírculos do po<strong>de</strong>r, não chegam ao telejornalou ao “palco”, aqui lido comometáfora <strong>de</strong> exposição mediática. Noespectáculo “Una Obra Útil”, o argentinoGerardo Naumann utiliza 25 figurantespara compor a história <strong>de</strong>Carina, jovem uruguaia que emigroupara Buenos Aires e aí se tornou emprega<strong>da</strong>doméstica. Em palco estãoo próprio Naumann, um assistente,dois actores, e os figurantes, que mu<strong>da</strong>mto<strong>da</strong>s as noites. Por isso, a obraé sempre diferente: “Não tem diques<strong>de</strong> contenção. É perigosa, cheia <strong>de</strong>risco”, explica Naumann. Por vezesos figurantes perguntam: “Qual é aminha posição?” Não importa, diz oencenador: “O palco não é lugar paraestar agarrado a algo fixo. Gosto queas coisas tenham vi<strong>da</strong> e mu<strong>de</strong>m <strong>de</strong>estado. Por isso, gosto <strong>de</strong> fábricas: sãolugares on<strong>de</strong> os objectos mu<strong>da</strong>m <strong>de</strong>forma veloz. De manhã entra a matéria-primae, em duas ou três horas,saem automóveis.”Naumann encontrou o diário íntimo<strong>de</strong> Carina na rua. A peça é a história,muito fragmenta<strong>da</strong>, <strong>da</strong> jovem uru-uguaiaque passou tempos difíceis emBuenos Aires como emprega<strong>da</strong> doméstica(um tipo social que, nesteAlkantara, ganha relevo também noutroespectáculo, o tríptico “To Serve”,<strong>de</strong> Simone Aughterlony e Jorge Léon).“Os figurantes são úteis para pensaro problema do trabalho, uma vez queos empregados domésticos tambémsão como figurantes na nossa vi<strong>da</strong>”,sublinha o criador. Além do diário <strong>de</strong>Carina, a peça é também o “work inprogress” <strong>de</strong> Naumann a tentar chegara uma i<strong>de</strong>ia para um filme através <strong>de</strong>uma peça <strong>de</strong> teatro. Esta é a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>irautili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> obra: “Também estoua trabalhar ali, porque quero fazer umfilme e este trabalho é pensar o projecto.Os actores actuam, os figurantesestão integrados e fazem o que lhesdizemos. Tudo tem a forma <strong>de</strong> algoem processo, não está resolvido, nãohá um produto final. O produto finalseria o filme, que não está feito. Estessão os processos úteis para chegar aoutras coisas. A obra reflecte o meupróprio processo <strong>de</strong> criação.”Mas a obra reflecte também a utili<strong>da</strong><strong>de</strong>do teatro e, neste sentido,“útil” é uma palavra com que Naumanngosta <strong>de</strong> jogar. Como Kaldor,quer pôr o espectador num lugar <strong>de</strong><strong>de</strong>sconforto e, através do real, questionara sua própria condição. “Oteatro, em geral, resiste à mu<strong>da</strong>nça.Faz muita força para anular o real,para o <strong>de</strong>ixar lá fora: fecha as portas,isola o som, põe cortinas, maquilhao actor, veste-o, dá-lhe um texto para<strong>de</strong>corar. Por mim, <strong>de</strong>ixo as portasabertas, faço obras no espaço público,gosto <strong>de</strong> não resistir ao real quese manifesta, <strong>da</strong>ndo-lhe, <strong>de</strong> algummodo, continui<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quero resistirao teatro como artifício”, explica.Apesar <strong>de</strong>ste <strong>mundo</strong> <strong>de</strong> idosos esquecidosnum centro <strong>de</strong> dia, <strong>de</strong> imigrantesilegais, <strong>de</strong> prostitutas rapta<strong>da</strong>s,<strong>de</strong> escravos mo<strong>de</strong>rnos, <strong>de</strong> emprega<strong>da</strong>sdomésticas sem nome, <strong>de</strong> africanospobres à mercê <strong>da</strong> exploração, ou <strong>de</strong>meros figurantes <strong>de</strong> teatro – apesar <strong>de</strong>tudo isto, conclui Walgrave, muitoscriadores “continuam a procurar a beleza”:A beleza não tem <strong>de</strong> ter umafunção, não precisa <strong>de</strong> explicação: éuma forma <strong>de</strong> consolo, um escape,uma fuga. Isso é que é fascinante.”Talvez a beleza seja isto: no Centro<strong>de</strong> Dia <strong>da</strong> Sé, Maria, ain<strong>da</strong> na sua vozcristalina <strong>de</strong> radialista, aos 77 anos, adizer que “os que ficam para o fim ficamsós”: “Não tenho família, os amigosjá morreram. Hoje sou uma mulhermuito só. Mas isso não me preocupamuito porque tenho o espírito livre.”O “pathos” (ou a ausência <strong>de</strong>le)na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s emprega<strong>da</strong>sdomésticas, em “To Serve”Como numa sala <strong>de</strong> ensaio, mesmoantes <strong>de</strong> serem revela<strong>da</strong>s – é assim afase imediatamente antes <strong>da</strong> aberturado Alkantara Festival. Esse estado<strong>de</strong> experimentação, essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que,agora mesmo, no dia em que o festivalcomeça, há ain<strong>da</strong> criadores à procura<strong>de</strong> soluções e respostas para ca<strong>da</strong>obra, são para o director do Alkantara,o belga Thomas Walgrave, todo oentusiasmo e to<strong>da</strong> a energia. Um poucocomo quando os pratos estão nacozinha, antes <strong>de</strong> irem para a mesa.Há o cheiro, a expectativa, a efervescência,uma certa magia.A metáfora parece divertir ThomasWalgrave, que a justifica também parareferir o risco que ele e os criadoresassumem quando escolhem e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>mquais as obras que farão parte<strong>da</strong> programação, meses antes do festival.No princípio, só existe um embrião<strong>de</strong> projecto, uma i<strong>de</strong>ia. E umrisco. “Entre falar <strong>de</strong> um projecto erealizá-lo vai uma gran<strong>de</strong> distância”,diz. “Existe um risco.” Um pouco comoaconteceria com o prato antes <strong>de</strong>ser cozinhado.Diverte-o também pensar que, nomomento em que fala, os coreógrafose encenadores <strong>de</strong>sta edição do AlkantaraFestival estão ain<strong>da</strong> nessa fase <strong>de</strong>criação. Todos, incluindo os portugueses.É sobre estes que falamos,embora para Walgrave não haja distinçãoentre uns e outros: são todosiguais, <strong>pelo</strong> menos aqui.“vamos sentir falta <strong>de</strong> tudo aquilo<strong>de</strong> que não precisamos”, <strong>de</strong> Vera Mantero& Guests, foi a escolha para aabertura (no Porto) e o encerramento(em <strong>Lisboa</strong>) do festival. A honra justifica-sepela referência que a coreógrafarepresenta para a <strong>da</strong>nça contemporânea<strong>de</strong>ntro e fora <strong>de</strong> Portugal.“É a voz mais conheci<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua geraçãona <strong>da</strong>nça contemporânea em Portugal.É muito importante o que faz.”Cria<strong>da</strong> na Alemanha e também já estrea<strong>da</strong>em Montpellier (França), estanova obra <strong>de</strong> Vera Mantero faz neste10 • Sexta-feira 21 Maio 2010 • Ípsilon

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!