O mundo pelo buraco da fechadura - Fonoteca Municipal de Lisboa
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De Jamie Li<strong>de</strong>llespera-se sempreo inesperadoMudou <strong>de</strong> Berlim para Nova Iorque e <strong>de</strong> Mocky paraBeck. Só ain<strong>da</strong> não <strong>de</strong>ixou a soul, mas adicionou-lheuma certa dose <strong>de</strong> estranheza no novo álbum,“Compass”. Vítor BelancianoMúsicaO homem não está aqui para enganarninguém. No seu álbum mais conhecido,“Multiply” (2005), cantava notema-título “I’m so tired so tired sotired so tired of repeating myself, gottatake a trip and multiply”, <strong>da</strong>ndonospistas sobre a sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong>inquieta. Por essa altura, quando oentrevistámos, dizia-nos alegrementeque tinha “tendência para uma certaesquizofrenia”, ou <strong>pelo</strong> menos parase “colocar em situações <strong>de</strong> extremos.”Niti<strong>da</strong>mente, Jamie Li<strong>de</strong>ll gosta <strong>de</strong>gestos largos. Gosta <strong>de</strong> se pôr em causa.Faz o que lhe apetece. Já foi maníacodos computadores em algunsdiscos. Mas também cantor soul, <strong>da</strong>quelesque acor<strong>da</strong>m a cantar MarvinGaye pela manhã e acabam a ser elespróprios, à noite, num palco qualquer.No novo álbum, “Compass”,não se percebe exactamente o quequer ser. Dizemos nós, que em algumascanções vislumbramos um TomWaits psicadélico, noutras um OtisRedding tecnológico e noutras ain<strong>da</strong>um Prince bala<strong>de</strong>iro como que triturado<strong>pelo</strong>s Grizzly Bear.É o seu disco mais disperso, nãoexiste propriamente um centro, umai<strong>de</strong>ia nuclear, mas ele parece convicto<strong>da</strong>s suas razões. “É o meu álbummais pessoal, tanto a nível lírico como<strong>da</strong> música”, diz, argumentando quenecessitava <strong>de</strong> se afastar <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>on<strong>de</strong> criou os anteriores álbuns – Berlim– e do grupo <strong>de</strong> cúmplices comquem regularmente colabora, em especial<strong>de</strong> Mocky. É que os dois últimosálbuns (“Multiply” e “Jim”, <strong>de</strong> 2008)haviam sido criados em regime <strong>de</strong>parceria com o cantor e músico canadiano.Desta feita existe também um naipe<strong>de</strong> colaboradores <strong>de</strong> respeito. Mas oprocesso foi completamente diferente.No ano passado, o inglês mudou-separa Nova Iorque. Uma modificaçãoque na<strong>da</strong> teve a ver com música, emborareconheça que a cena tecno minimal,à qual a capital alemã é associa<strong>da</strong>,o foi aborrecendo progressivamente(“Tornou-se <strong>de</strong>masiadoprevisível e falta-lhe o funk”). Hojeestá mais atento ao que se passa emBrooklyn. “Nova Iorque é uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong>incrível, mais humana, calorosa ecolaborativa do que estava à espera”,afirma.Também no ano passado, recebeuum telefonema <strong>de</strong> Beck, com quemtinha an<strong>da</strong>do em digressão em 2006,perguntando-lhe se queria encetaruma colaboração com ele: “Foi umtelefonema <strong>de</strong>cisivo, porque não sabiao que fazer naquela altura e o queaconteceu acabou por precipitar umasérie <strong>de</strong> acontecimentos”.Li<strong>de</strong>ll esteve em estúdio com Beckdois dias e, posteriormente, viria aparticipar no projecto “Record Club”,que não é mais do que uma forma <strong>de</strong>o músico americano reunir uma série<strong>de</strong> conhecidos em estúdio para criaremversões <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado álbum.Li<strong>de</strong>ll participou na gravação<strong>de</strong> versões <strong>de</strong> “Oar”, <strong>de</strong> Skip Spence.“Sempre gostei<strong>de</strong> experimentaros limites<strong>da</strong> tecnologia, masao mesmo tempo<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s cantoressoul, <strong>da</strong> energia<strong>da</strong> voz (...). Até porqueo espírito aventureirooriginal<strong>da</strong> electrónica já nãoé a mesma coisa”Foi aí que conheceu James dson, lendário baterista quetocou com Marvin Gaye ou BillWithers.Ga-“Depois <strong>da</strong> primeira sessãocom Beck, <strong>de</strong>sapareci duranteum mês, tinha a cabeça a latejar,tinha conhecido JamesGadson, um tipo incrível, caloroso,e só pensava em fazermúsica”, diz. Incentivado porBeck, e entusiasmado com oclima <strong>da</strong>s gravações, acabarampor reunir-se todos emestúdio, na companhia <strong>da</strong>cantora Feist e <strong>de</strong> Pat Sansone,dos Wilco, agora paraaju<strong>da</strong>r Li<strong>de</strong>ll no seu novoálbum.“De repente tinha aquelagente to<strong>da</strong> a trabalhar paramim, Beck a <strong>da</strong>r-me força,foi fantástico. E quando nãofoi possível completar algumasi<strong>de</strong>ias, <strong>de</strong>senvolvemolasmais tar<strong>de</strong>, através <strong>de</strong>email, como aconteceucom Pat Sansone ou Gonzales.”Outra aju<strong>da</strong> importantefoi a <strong>de</strong> Chris Taylor, lí<strong>de</strong>rdos Grizzly Bear. “Duranteuma série <strong>de</strong> tempo an<strong>da</strong>va obcecadocom o álbum ‘Veckatimes’, tudo lo me parecia complexo e sofisticado.D<strong>de</strong>pois pu<strong>de</strong> confrontar-me com aaqui-forma simples e <strong>de</strong>spreocupa<strong>da</strong> comoChris trabalha. Parece fazer pouco,mas obtém muitos resultados.”Efeito surpresaApesar <strong>da</strong>s muitas colaborações,Li<strong>de</strong>ll insiste que este é o seu discomais pessoal. Aquele em que não seescon<strong>de</strong>. A razão, diz, é uma mulher.O título <strong>de</strong> algumas canções (“Completelyexposed”, “She needs me” ou“Your sweet boom”) é significativo.“Fartei-me <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> mim, a partir<strong>de</strong> temáticas genéricas que supostamentepo<strong>de</strong>m interessar à maioria.Neste disco optei por me olhar ao espelho<strong>de</strong> forma diferente e gostei.”As aventuras <strong>de</strong> Li<strong>de</strong>ll iniciaram-sequando <strong>de</strong>ixou a casa dos pais, emCambridge, para iniciar um curso <strong>de</strong>ciência médica na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Bristol. Depois <strong>de</strong> uma interrupção<strong>de</strong> seis meses, <strong>de</strong>vido a doença, mudoupara filosofia, em parte porque,Jamie Li<strong>de</strong>llchateou-se <strong>da</strong>cena tecnominimal <strong>de</strong>Berlim eentusiasmousecomBrooklyn:“Nova Iorqueé uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong>incrível”30 • Sexta-feira 21 Maio 2010 • Ípsilon