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ISSN 1518-8280REVISTAUNIJUSJURÍDICAVol. 4 Nº 1Agosto/2001


Universidade de UberabaMinistério Público do Estado de Minas GeraisUNIJUSREVISTA JURÍDICAISSN 1518-8280Rev. Semestral • Uberaba MG • V.4 • N.1 • Ago. 2001


© Universidade de UberabaMarcelo PalmérioReitorCurso de DireitoRenato de Pádua MontandonDiretorMinistério Público do Estado de Minas GeraisSandra Maria da SilvaPromotora de JustiçaCoordenação EditorialMaria Cremilda Sucupira MontandonProjeto gráfico e editoraçãoAlexandre Francisco da Silva Pereiraale.pe@ig.com.brEditor executivoMárcio J. R. Ferreirarissardi@uol.com.brFicha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de UberabaRevista Jurídica UNIJUS / Universidade de Uberaba, MinistérioPúblico do Estado de Minas Gerais; coordenação de MariaCremilda Sucupira Montandon. — V.4, n. 1 (ago., de 2001)— Uberaba: UNIUBE, 2001.202 p.ISSN 1518-82801. Direito – Brasil. I. Universidade de Uberaba. II. MinistérioPúblico do Estado de Minas Gerais. III. Montandon, MariaCremilda Sucupira, coord.CDD: 340.0981


UNIJUSREVISTA JURÍDICAConselho EditorialAdroaldo Junqueira Ayres NetoAlexandre Walmott BorgesDale Fonseca e Silva NunesEdmundo Lima Arruda JúniorGil Ferreira de MesquitaGuido Luiz Mendonça BilharinhoJoão DelfinoJoão Vicente DavinaJosé Alfredo de Oliveira BarachoLuís Fernando CoelhoMiralda Dias DouradoRosemiro Pereira LealVicente de Paulo Cunha BragaNota: Os trabalhos apresentados exprimem conceitos daresponsabilidade dos seus autores, coincidentes ou não, comos pontos de vista da coordenação da Revista


Universidade de UberabaAv. Nenê Sabino, 1801Bairro Universitário38.055-500 – Uberaba – MGTel.: (0xx34) 319-8800 / ramal 8897Fax: (0xx34) 314-8910Internet: http//www.uniube.bre-mail: maria.montandon@uniube.brForum Mello VianaRua Lauro Borges, 974ª Promotoria de Justiça – Núcleo de Estudos Jurídicos de Uberaba38.010-060 – Uberaba – MGTel.: (0xx34) 332-0878Fax: (0xx34) 666-8996Editorial Cone SulRua Monte Caseros, 27505590-130 - São Paulo-SPTel.: (11) 3727 1458


SUMÁRIOEDITORIAL 09ARTIGOSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMAS 10Suzana Gauer VieiraANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGALNO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADO 39Gil Ferreira de MesquitaAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIO 53Verônica Altef BarrosA EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIAL 64Leonardo Vitório SalgeA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHOE O DIREITO ECONOMICO 75Andréa Queiroz FabriA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO DE EXECUÇÃO 92Paulo Leonardo Vilela CardosoCONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDO: 99UMA ANÁLISE DO MAL ENTENDIDO NA INTERPRETAÇÃO DE UM TEXTO LEGALLima Beatriz de Araújo Kappel · Mirian Silveira Parreira · Ormenzinda Maria RibeiroLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELAR 111Luciana de Oliveira NavesMINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENAL 128Edihermes Marques CoelhoMINISTÉRIO PUBLICO 141Carlos Alberto Rodrigues BorgesNOSSO CRIME POLÍTICO 150Ricardo PrataO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL 158Juliana Bizinotto de FreitasSOBERANIA E FEDERALISMO 176André Luis Del NegriRESENHASALEXY, ROBERT – TEORIA DE LOS DRECHOS FUNDAMENTALES. 185Alexandre Walmott BorgesBARROSO, PÉRSIO HENRIQUE – CONSTITUINTE E CONSTITUIÇÃO. PARTICIPAÇÃO 191Alexandre Walmott BorgesGARAPON, ANTOINE. “O JUIZ E A DEMOCRACIA : O GUARDIÃO DAS PROMESSAS” 193Ricardo PrataLIMA, MARIA ROSYNETE OLIVEIRA – DEVIDO PROCESSO LEGAL. 194Gil Ferreira de MesquitaINSTRUÇÕES AOS COLABORADORES 197


EDITORIALAtarefa de apresentar o quarto número daRevista Jurídica Unijus foi incumbência pormim aceita com grande satisfação. Contudo,ao lado deste sentimento gratificante depoder colaborar com Universidade de Uberaba, salta-meo peso da responsabilidade.De início, torna-se dispensável apresentar a publicação,que desta feita conta com trabalhos envolvendo a maisvariada temática na contribuição de professores da <strong>Uniube</strong>e profissionais de outras universidades. O motivo principalde satisfação pelo convite está aqui, ao encontrar profissionaiscom formações tão diversificadas, numa integraçãoindispensável ao desenvolvimento acadêmico moderno.A responsabilidade aumenta e preocupa de certa forma,como dissemos, porque a Unijus vem se tornando umapublicação cada vez mais esperada pela comunidade jurídicade todo o país – não mais apenas para os mineiros ouleitores do Triângulo Mineiro. Isso, é evidente, aumenta adedicação daqueles que fazem a Unijus diariamente, numtrabalho de constante aprimoramento.A expectativa de todos, tenho certeza, estará atendidanesta nova edição.Boa leitura.Gil Ferreira de MesquitaProfessor da Universidade de Uberaba


A TEORIA DEMOCRÁTICADE JÜRGEN HABERMASSuzana Gauer Vieira*sumárioConsiderações Iniciais1. A Teoria Dialética e o ParadigmaComunicativo2. Os Paradigmas Democráticos: Democracialiberal, republicana e democracia deliberativa.3. A Desobediência Civil e o Princípio daSoberania Popular4. Estado Democrático de Direito:Dialética entre Direitos Humanose Soberania Popular5. O Novo Paradigma JurídicoProcedimental e Reflexivo6. Conclusão7. Referências bibliográficasresumoEste artigo é um resumo de uma pesquisa mais ampla que será oportunamente publicada e foidesenvolvida no primeiro semestre do ano de 2000 como subsídio teórico para as disciplinasde Teoria Geral do Direito e Sociologia Jurídica ministradas no Curso de Direito da Universidadede Uberaba.CONSIDERAÇÕES INICIAISA obra de Jürgen Habermas integra arica e plural tradição de pensadores críticose democráticos da modernidade. Suatrajetória intelectual é marcada pela buscada construção de uma teoria social críticae dialética, propondo-se, desse modo, acontinuar e complementar o projeto doscríticos da Escola de Frankfurt, ao reataras relações entre teoria e práxis histórico-social,pensamento crítico eações emancipatórias. De outro lado, suaobra testemunha uma incansável e obstinadatentativa de defesa da democraciae das ações dialógicas e interativascomo condição para uma legítima convivênciasocial. 1O pensador de Frankfurt compartilhacom a filósofa Hannah Arendt a preocupaçãocom a reconstrução de uma esferapública autêntica, através da recuperaçãodos vínculos da política com aliberdade. Para Arendt, a práxis livre surge____________________* Susana Gauer Vieira, Bacharel em Direito – UNISINOS –RS; Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC);Professora de Teoria Geral do Estado no Curso de Direito da Universidade de Uberaba; Professora de Criminologia e de Sociologia Jurídica noCurso de Direito, UNIT, Uberlândia1 Jürgen Habermas nasceu em 1929 em Düsseldorf, na Alemanha. Estudioso de Filosofia, Sociologia, Psicologia, Literatura, Política e Direito,participa, junto com Otto Appel, da segunda geração da Escola de Frankfurt. No entanto, supera em muitos aspectos a tradição dos críticosda cultura, ao formular teses radicalmente inovadoras, como as desenvolvidas nos livros “A Crise de Legitimação no Capitalismo Tardio”,“Teoria da Ação Comunicativa” e “Direito e Democracia”, onde apresenta uma das mais importantes críticas aos modos de exercício do podertecnocrático nas sociedades capitalistas, analisando o processo de falsificação da práxis social pelo predomínio de uma racionalidade técnicae instrumental e estuda as condições para o estabelecimento de uma racionalidade crítica, através de processos dialógicos de comunicaçãonos âmbitos da comunidade científica e da vida social coletiva. Ele acredita que somente a dinamização de ações defensivas e ofensivas dasociedade civil, orientadas por uma racionalidade crítica, poderão barrar a colonização e empobrecimento da esfera cultural do mundo davida, impedindo os abusos dos detentores de poder no Estado e no mercado e garantindo a sobrevivência das normas constitucionais democráticascriadas pelos cidadãos.10


do agir em conjunto dos homens na esferapública da política, quando estespodem discutir seus problemas e tomardecisões conjuntas, compartilhando aexperiência da igualdade e da felicidadepública, através do exercício da cidadania.O exercício da autonomia políticados cidadãos, nos momentos em queestes se dispõem a agir coletivamente,mudando os rumos da história e da sociedadeatravés do debate público plural,possibilita a humanização dos indivíduose a renovação de sua cultura. A esferapública da política aparece, assim, comoexpressão do processo instituinte de direitose afirmação da liberdade e singularidadedo ser humano na história. Há,nesse sentido, uma aposta na possibilidadede entendimento público como condiçãopara a criação de normas democráticasque encaminhem a busca de soluçõesracionais para os problemas dacomunidade.No presente artigo, pretende-se discutiruma pequena parte da trajetória teóricade Jürgen Habermas, procurandoexplicitar, dentro do possível e frente àslimitações de espaço inerentes a um artigo,as principais críticas do autor às teoriaspositivistas e seu esforço na construçãode uma teoria social crítica, atravésda elaboração do paradigma comunicativo,regido por uma racionalidadecrítica e dialógica, assim como algumasde suas contribuições para a compreensãodo direito e da democracia nas sociedadescontemporâneas.O estudo de autores democráticosnos Cursos jurídicos justifica-se plenamente,especialmente em países como onosso, onde estamos atravessando umagrave e profunda crise de nossas instituiçõespolítico-jurídicas, cuja origemA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSencontra-se numa trajetória autoritária edespótica de condução do Estado. NoBrasil, os governantes ainda exercem opoder político de forma oligárquica eabsolutista, através de práticas patrimonialistase privatistas, desviando recursospúblicos e utilizando-os para a promoçãode interesses particulares, desprezandoos princípios do Estado de DireitoDemocrático, violando sistematicamentea Constituição e os Direitos humanosbásicos da nossa população. Nossa intençãono presente artigo é a de trazer algumascontribuições de Habermas quepodem servir como subsídios teóricos paratodos aqueles que acreditam na democraciae lutam pela consolidação do EstadoDemocrático de Direito e a efetivação dosDireitos Humanos de nosso povo.1A TEORIA DIALÉTICAE O PARADIGMA COMUNICATIVOHabermas assimila a crença iluministanos potenciais normativos emancipatóriospresentes no projeto da modernidade.Seus estudos representam uma das críticasmais contundentes ao processodestrutivo da razão, atacando o cerne dascorrentes irracionalistas de Nietzsche aospós-modernos contemporâneos. Para ele,a crise da modernidade, e a barbárie realmenteexistente nas sociedades capitalistascontemporâneas, somente poderáser seriamente enfrentada, com a retomadae reatualização da racionalidade debase crítica, o pensamento crítico e apráxis dialógica autêntica, já que o principalproblema das sociedades atuais resideno processo de falsificação e reificaçãoda razão. Tal processo se manifestasob as mais diversas formas de11


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASirracionalismo social e político, evidenciando-sena tendência generalizada demercantilização e burocratização da vidasocial, diante do predomínio dos imperativose interesses do mercado e doEstado, apoiados na instrumentalizaçãoda ciência e da tecnologia, sobre o princípioda sociabilidade democrática. Arazão, enquanto <strong>capa</strong>cidade humana reflexivae crítica ordenadora das açõesrepresenta uma conquista da modernidadee pode nos ajudar a encontrar alternativasfrente a realidade de “um séculoque como nenhum outro nos ensinou oshorrores da não-razão existente”. 2As diversas crises do mundo contemporâneoexigem a ruptura e superaçãodos modelos filosófico e científicotradicionais, o paradigma subjetivistacartesiano e positivista característico damodernidade, deixando clara a necessidadede construção de novos modos deconhecimento, radicalmente comprometidoscom a solução dos problemas atuais.Ao contrário da postura da neutralidadeaxiológica, postulada pelos teóricospositivistas, fundada na oposição arbitráriae ilusória entre conhecimento e interesse,ciência e poder, fatos e valores,ser e dever-ser, Habermas advoga o compromissoético-político do cientista coma democracia, os direitos humanos e comos projetos e reivindicações dos movimentossociais emancipatórios preocupadoscom a busca de soluções para os gravesproblemas culturais, sociais e ecológicosde nosso tempo.A crítica às ideologias científicas ereconstrução dialética das relações entreconhecimento e interesse deve ser a tarefainicial de uma teoria crítica, buscando-se,assim, desvendar os reais comprometimentosda ciência com o processode dominação social. O projeto habermasianoconsiste, pois, em recuperarpara o campo do conhecimento a racionalidadecrítica e dialógica, por meio dareaproximação do conhecimento com apráxis histórico-social, buscando resgatara dimensão prática e crítica da razãoabafada e colonizada pela racionalidadetécnica e instrumental positivista.Trata-se de um projeto teórico quepretende ser “útil para a interpretação dacrise atual e para promover o esclarecimento”.3 Nesse sentido, Habermas podeser considerado um continuador do projetoiluminista, porém afasta-se dos ideaisda filosofia idealista e subjetivista do séculoXVIII, através da construção doparadigma pragmático comunicativo.Não há na sua obra qualquer tentativa defundamentação ontológica do conhecimento,através da busca de uma verdadeabsoluta e definitiva, nem a crençanuma racionalidade evolutiva e intrínsecaà história. O paradigma comunicativopretende romper com a filosofia racionalistae subjetivista, cujas premissas cartesianas– separação dicotômica e arbitráriaentre sujeito/objeto, a tese do sujeitode conhecimento onipotente voltado parao domínio instrumental da realidade etc. -acabaram por legitimar o conhecimentocientífico como um poderoso instrumentode dominação da natureza e dos homens.O modelo científico positivista levouas últimas conseqüências os ideais____________________2 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1997, v. 1, p. 123 SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Razão Comunicativa e Emancipação. 3 a . ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994, p. 11112


____________________4 HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e Interesse. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 186, 214-215A TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSsubjetivistas e totalitários cartesianos, a talponto de Habermas considera-lo como umdos principais sustentáculos ideológicos dassociedades industriais tecnocráticas.As ciências empíricas e analíticas,fundadas na lógica racional e no cálculotécnico, provocaram uma funcionalizaçãoe reificação do conhecimento, cujo resultadofoi o abandono da reflexão críticae do pensamento humano autêntico.Aos poucos, as ciências se transformamem atividades voltadas para a busca de resultadoseficientes através da transformaçãoda natureza e do mundo, preocupandoseprioritariamente com o planejamento econtrole da vida social, a partir do domínioracional e instrumental da realidadeexterna.Para a construção do novo paradigma,Habermas julga necessária a distinçãoentre as ciências fundamentadasnos métodos empírico-analíticos e asciências históricas e hermenêuticas. Éque as teorias positivistas adotam os métodosempírico-analíticos, transformandoa realidade observável num objeto demanipulação técnica, e com isso reduzema atividade científica a uma tarefameramente instrumental a serviço dosinteresses dominantes. Desse modo, alinguagem se dissocia dos processossociais interativos e dialógicos e a “experiênciabiográfica individualizada” ésuprimida em benefício da “experiênciarepetitiva dos sucessos do agir instrumental”.Ao contrário das teorias positivistasque separam conhecimento e práxishistórico-social, as ciências hermenêuticase históricas reconhecem as relaçõesentre teoria e experiência histórica, sujeitoe objeto de conhecimento, assumindo-secomo atividades críticas e criadorasde novas realidades, a partir do diálogodemocrático com a sociedade. Asteorias críticas buscam “assegurar aintersubjetividade da compreensão nasformas correntes de comunicação e garantiruma ação sob normas que sejamuniversais”, pretendendo assim compreendernos contextos plurais e individualizadosda práxis sócio-cultural, os modosde “auto-concepção dos indivíduose dos grupos”, visando “orientar a açãoe o entendimento recíproco” dos sujeitosna coletividade, sempre pressupondo“a possibilidade de um acordo semcoação e de um reconhecimento mútuosem violência”. Em síntese, as ciênciashermenêuticas orientam-se por um interesseprático e emancipatório, distinto dosinteresses perseguidos pelo conhecimentotécnico. É que as ciências hermenêuticasestão interessadas em compreenderas ações sociais sempre “que entraem crise uma experiência comunicativa”,porém o seu objetivo não é o da“apreensão da realidade objetivada”, masa preocupação com a “conservação deum entendimento intersubjetivo, em cujohorizonte a chamada realidade pode, pelaprimeira vez, irromper como algo”. 4Os estudos de Habermas são o testemunhode um pensamento dialético eanti-dogmático, de uma atitude intelectualaberta ao diálogo e à crítica democrática.Isto lhe permitiu recolher sugestõese contribuições teóricas importantesnos mais diversos campos do conhecimento,tanto que suas influências passampelos filósofos do idealismo alemão,especialmente Kant e Hegel, pelacrítica dialética de Marx e a sociologia13


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMAScompreensiva de Weber, as contribuiçõesda filosofia analítica e das correntes pragmatistas,os estudiosos da linguagem, dapsicanálise, o diagnóstico dos críticos deFrankfurt, e, inclusive, pelos estudos dossociólogos sistêmicos, como Parsons eLuhman. Esta postura crítico-dialética,fundada no diálogo plural com as diversasproduções teóricas da modernidade,possibilitou-lhe a construção de um ricopensamento e a confirmação de uma vidaregida efetivamente por uma práxis comunicativae dialógica, o que contribuipara o seu reconhecimento como umadas mentalidades mais criativas e democráticasdo nosso tempo.A atitude dialética contrapõe-se aopensamento dogmático, monológico eimpositivo, às críticas arrogantes e destruidorasdas teorias contrárias, assimcomo às soluções únicas, firmadas semo apoio de bons argumentos em processosdeliberativos e racionais de discussãopública democrática. A propostahabermasiana radicaliza a tradição antigae a moderna hegelo-marxiana, ao levar asério o projeto de uma compreensão histórico-dialéticada vida social. A propósito,lembra Beno Siebeneichler:a crítica dialética opõe-se, nessalinha de pensamento, a uma críticadogmática...(...) a crítica dogmáticaprocura impor à teoria criticada a própriavisão. Demonstrando a falsidadeda teoria contrária, ela conclui pelaverdade da própria. Tal crítica é sempreexterior ao objeto criticado, nãoconseguindo realmente leva-lo a sério.(...) ... aos olhos da crítica dialética,as contradições da teoria criticadanão constituem indícios de fraquezado pensamento do autor tratado,mas indicadores de que um determinadoproblema ainda não foi resolvidodefinitivamente ou que está encoberto.Por isso, a crítica dialética estásempre numa relação de independênciae de dependência com relação àteoria criticada. 5O caráter democrático de seu pensamentoencontra suas raízes na tradiçãohumanista iluminista e socialista,nas heranças plurais da modernidadee projetos críticos que o autorsoube valorizar, porém que foram devidamentereavaliados e reelaboradoscom base nas novas condições dapráxis histórico-social contemporânea.O pensador de Frankfurt pretendecontribuir para o processo de transformaçãoda sociedade, por meio dasseguintes estratégiasa) liberar o potencial de racionalidadeenquisitado nas culturas deexperts em política, ciência, arte, filosofiab) sensibilizar o esclarecimento ea reflexão crítica para aquilo que foides-aprendido no decorrer de nossosprocessos de aprendizagem culturale social, ou seja, a substância éticada tradição, a idéia de vida boa, bemvivida. Porque sem a idéia de vidaboa, o discurso prático, consensual,de todos com todos, seria vazio. Impõe-seuma apropriação discursiva dasubstância ética da tradição. Coincideneste ponto com W. Benjamin na idéiade que é preciso conjurar os espíritosdo passado.c) Estabelecer e fortalecer instituiçõesaptas a orientar a modernizaçãosocial numa direção não ca-____________________5 SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jurgen Habermas: Razão Comunicativa e Emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. p.2714


pitalista e não-opressiva. Caso contrário,o esclarecimento seria apenasilusória.d) Referir exemplarmente oesclarecimento a movimentos sociaisconcretos que atualmente seopõem a colonização do mundo davida. Tais movimentos podem servistos como potenciais de protestos:a denúncia, por parte da maioria– que deixa de ser silenciosa –de unilateridade elitista das culturasde experts. A busca alternativade técnicas e práticas esquecidas.Os movimentos de crítica social eecológica ao capitalismo tardio, àstendências de burocratização e administraçãodo direito, da ciência eda política. 6A TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSSeus estudos pretendem auxiliar noesclarecimento crítico da população,contribuindo, assim, para a discussão ebusca de soluções democráticas para osgraves problemas das sociedades contemporâneas,mas não são teses de umpensador idealista que pretende ditar normasà realidade e substituir a práxis social.Se há algo de utópico no seu projeto,o que o qualifica como um pensadorque radicaliza as teses e os projetos normativosemancipatórios da modernidade,é a sua crença e defesa obstinada da democracia,compreendida como um processoonde se expressam possibilidadesobjetivas de tomada de posição de umpúblico que pode agir crítica e racionalmentediante de situações opressivas enos momentos de crises. Uma certeza oacompanha em toda a sua trajetória intelectual:os problemas do nosso tempo eas diversas crises de natureza ética, política,social e ecológica só poderão serenfrentadas seriamente através da implementaçãode processos democráticos dediscussão e de deliberação. A pesquisarecente de Habermas desenvolvida no livro“Direito e Democracia” pretende esclarecerestas questões: 7Nas atuais sociedades ocidentais,a política perde sua autoconsciênciae a orientação perante o desafioiminente de uma delimitaçãoecológica, do crescimento econômicoe da disparidade crescente entre ascondições de vida no Norte e no Sul;perante a tarefa historicamente peculiarde reorganização de sociedadesonde imperava o socialismo de Estado;perante a pressão de correntesmigratórias oriundas das regiõesempobrecidas do Sul e do Oriente;perante os riscos de novas guerrasétnicas, nacionais e religiosas, dechantagens atômicas e de lutas internacionaisde partilha. Aquém dos floreiosretóricos, predomina a pusilanimidade.Nas próprias democraciasestabelecidas, as instituições existentesda liberdade não são mais inatacáveis,mesmo que a democracia aparentementecontinue sendo o idealdas populações. Suponho, todavia,que a inquietação possui uma razãomais profunda: ela deriva do pressentimentode que, numa época de políticainteiramente secularizada, não sepode ter nem manter um Estado dedireito sem democracia radical. Apresente pesquisa pretende transformaresse pressentimento num saberexplícito.____________________6____. Obra citada. p. 156-1577HABERMAS, Jürgen. Obra citada, 1997, p. 1315


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASA obra de Habermas sofreu muitascríticas, especialmente na América Latina,porém a divulgação recente desuas idéias vem contribuindo para desfazerconclusões ortodoxas, apressadase superficiais. As acusações deelitismo e idealismo são, além de infundadas,profundamente injustas, jáque o seu projeto não se restringe adefesa de uma democracia de especialistas,ao estilo do governo platônicoque ditaria o melhor para a sociedade epara a política, independentemente daconsulta e da manifestação pública dacidadania. Ao contrário do pragmatismocientífico proposto por Popper, que restringeo diálogo e o consenso ao âmbitoda comunidade científica, apostandoapenas na possibilidade dos cientistasindicarem soluções racionais paraa política, o projeto habermasiano vislumbraa democracia como um processopolítico e social, exercido emmúltiplas instâncias e arenas de deliberaçãopública, não ficando, assim, presoaos muros da academia e a orientaçõessábias e paternalistas dos intelectuais.Para ele, o processo democráticonão pode ficar limitado apenas aocampo do debate científico, pois semanifesta nas diversas instâncias informaise plurais da sociedade civil e nosespaços institucionalizados do Estado.Habermas recolhe as contribuiçõese projetos da sociedade civil, através daorganização e propostas dos diversosmovimentos sociais, buscando contribuirteoricamente para a construção desua legitimidade, acompanhando e auxiliandono processo de renovação políticae cultural da sociedade. A popularizaçãoe utilização de suas teses nosdiversos encontros da sociedade civilnacional e internacional são o testemunhoda atualidade, utilidade e importânciade suas contribuições teóricas. Alémdisso, ele não está preocupado apenascom questões científicas ou técnicas,porém com problemas econômicos, sociais,morais, éticos e políticos reais propostospela sociedade, através de associaçõese movimentos sociais, assimcomo com as questões levantadas pelasesferas públicas oficiais.O pensador de Frankfurt julga queas posturas elitistas prejudicam os processosde integração social e a continuidadedas práticas solidárias necessáriasa manutenção da sociabilidadedemocrática. Por isso, denuncia comoum dos principais problemas de nossassociedades o crescente e radicaldistanciamento da cultura elitista dosespecialistas – críticos de arte, cientistase intelectuais, filósofos, economistas,burocratas e juristas - da esferacultural comunicativa informal dasociedade civil. Acima de tudo, ele estápreocupado com os riscos que colocamem perigo a democracia nas sociedadesatuais, principalmente em funçãodo predomínio dos princípios domercado e da burocracia estatal, e, maisespecificamente, com a conjugação dessesprincípios sob a égide dos projetosprivatistas neoliberais, cientificistas eglobalitários. O paradigma comunicativoe deliberativo tem como pretensãopromover o reencontro do cientista comas práticas emancipatórias dos movimentosdemocráticos da sociedade civil,visando construir alternativas paraas diversas crises das sociedades contemporâneas.16


2OS PARADIGMASDEMOCRÁTICOS:DEMOCRACIA LIBERAL,REPUBLICANA E DEMOCRACIADELIBERATIVA.A TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSHabermas pretende superar os paradigmasda democracia liberal e republicana,através da adoção do paradigmapolítico deliberativo e procedimental. Paraele, os princípios do Estado Democráticode Direito precisam ser interpretadossegundo as exigências das sociedadesplurais e complexas contemporâneas.Nestas novas condições, o Estado nãomais pode ser interpretado como um sistemapolítico voltado para a proteção dosinteresses privados e liberdades econômicasdos proprietários, já que o Estadoliberal, o Estado mínimo e não-interventor,puramente voltado para a proteçãode uma sociedade econômica acha-sederrogado e superado historicamente,apesar dos discursos ideológicos neoliberaisque tentam ressucitá-lo. As tarefasdo Estado contemporâneo alcançam outrasáreas de proteção social, reclamadaspelas necessidades da sociedade civil.Por outro lado, as correntes republicanas,apoiadas nas concepções contratualistasque apóiam a legitimidade dapolítica na idéia de um Estado representantedas tradições e valores éticos dacomunidade, também não conseguemmais abarcar a realidade complexa e pluraldas sociedades contemporâneas e anova compreensão da democracia introduzidapelas práticas de cidadania dosmovimentos sociais.Nas condições presentes nas sociedadescontemporâneas complexas e racionalizadas,o sistema político institucionalizadoassume tarefas importantes deintegração social. Por meio das normasjurídicas, a política deve se comunicarcom os diversos âmbitos sociais, regulandoas atividades do mercado, da sociedadee da administração estatal. O conceito dedemocracia deliberativa nos ajuda a compreenderesta nova realidade, pois pressupõeo reconhecimento de processos democráticosinstitucionalizados no Estadoe informais presentes na sociedade civil,processos estes que se conjugados podemlegitimar as decisões políticas.Os processos políticos deliberativosconstituem-se “através dos procedimentosformais de formação institucionalizadada opinião e da vontade, ou apenas informalmente,nas redes da esfera públicapolítica”, mantendo “um nexo internocom os contextos de um mundo davida racionalizado”. As discussões públicasorientadas por processosinstitucionalizados para a tomada de decisõespolíticas dependem das fontes informaisda sociedade que se alimentamde “uma cultura política libertária” e “umasocialização política esclarecida”, formadasespontaneamente na sociedade civil,principalmente através de “iniciativas deassociações” e movimentos autônomosque dificultam “as intervenções diretasdo aparelho político”. Portanto, a democraciadeliberativa é exercida nas arenase canais de participação política institucionalizadosou informais que se comunicampor meio da linguagem do Direito.A democracia deliberativa fundamenta-sena idéia de um poder comunicativoque “resulta das interações entre a formaçãoda vontade institucionalizada constitucionalmentee esferas públicas mobilizadasculturalmente, as quais encontrampor seu turno, uma base nas associações17


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASde uma sociedade civil que se distanciatanto do Estado como da economia”. 8O conceito de democracia deliberativaprocura radicalizar a idéia republicanade soberania popular, inserindo-anos processos democráticos dialógicosoriundos da práxis política da sociedadecivil. Trata-se do processo de validaçãodiscursiva das decisões políticas e daimplementação da política democráticae do direito legítimo, com base na concordânciadialógica e intersubjetiva doscidadãos. Assim, “ a idéia de democracia,apoiada no conceito de discurso,parte da imagem de uma sociedadedescentrada, a qual constitui – ao ladoda esfera pública política – uma arenapara a percepção, a identificação e o tratamentode problemas de toda a sociedade”.A soberania do povo se realizanos processos públicos deliberativos formaise informais, através da implementaçãode práticas plurais e dialógicas doscidadãos. Os processos democráticosdeliberativos formam o poder social comunicativoe este, como manifestação diretada soberania do povo, empresta ounão legitimidade as decisões políticas parlamentares.As decisões políticas parlamentaressó são legítimas e, portanto, democráticasquando se apóiam nas reivindicaçõese na aprovação da sociedade civil: 9A soberania popular não residenum sujeito individual, nem emcompetências jurídico-constitucionais;ela simplesmente passa a serinterpretada de modo intersubjetivista.A soberania do povo retira-separa o anonimato dos processosdemocráticos e para a implementaçãojurídica de seus pressupostoscomunicativos pretensiosospara fazer-se valer como poder produzidocomunicativamente.A soberania do povo é, portanto,um processo que se realiza na atualizaçãoda opinião pública na esferasocietária. A sociedade civil mobilizadaassume a autoria do poder público comunicativo,exercendo a vigilância críticados atos governamentais e a denúnciados atos políticos ilegítimos, assimcomo o poder instituinte e constituintedos direitos democráticos, permanecendocomo a fonte de todo poder políticolegítimo. A noção de democracia deliberativasugere o exercício contínuo dacrítica pública, independentemente decensuras e deformações, assim, comoo livre gozo das liberdades comunicativasnas ações da sociedade civil. Aspráticas dos cidadãos autônomos, pormeio da autodeterminação comunicativae participativa, possibilita a afirmação,reinterpretação, revisão e reatualizaçãodos princípios constitucionais doEstado de Direito, no sentido de lembraraos detentores do poder que estesdevem respeitar os direitos fundamentaisda população inseridos na Constituiçãoe os novos direitos que ela estáse atribuindo, em razão de suas necessidadese em nome do exercício da soberaniapopular.Esta compreensão renovada da democraciapressupõe uma interpretaçãohistórica e reflexiva da Constituição,entendendo-a como um processo de realizaçãoe construção de uma sociedadelivre e justa, <strong>capa</strong>z de instituir asbases de legitimidade para uma convivênciasocial democrática. Os intérpre-____________________8HABERMAS, J. Obra citada, v. 2, p. 24-259HABERMAS, J. Obra citada, v. 2, p. 2418


tes da Constituição são os cidadãos - enão apenas os juristas e especialistasem direito que tendem a substituir osverdadeiros criadores do direito - já queo poder constituinte, enquanto expressãoda soberania popular, pertence aoscidadãos, que o exercem através douso de sua autonomia política. Os cidadãossão os reais autores da ordemjurídica positiva e os legítimos titularesda soberania popular. São eles queprecisam se entender sobre os modosde organização da vida social e sobreas normas que podem regular legitimamenteas suas relações sociais.A instituição de uma sociedade democráticadepende, assim, da existênciade espaços públicos democráticos, ondeos cidadãos possam refletir criticamentesobre suas tradições, fazer uso da razãopública, através da crítica às instituições,as decisões políticas autoritárias e normasimpositivas, buscando a correçãode rumos, reformas e mudanças em buscade uma vida social livre e não-tutelada.As instituições democráticas são oresultado de conquistas da sociedade,especialmente de um público que nãose acomoda diante de concessões autoritáriase benesses privadas e frente aosabusos do poder econômico e político.3A DESOBEDIÊNCIA CIVILE O PRINCÍPIO DASOBERANIA POPULAR____________________10HABERMAS, J. Obra citada, v.2 p. 117A TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSA desobediência civil pode ser definidacomo um conjunto de “atos de transgressãosimbólica não violenta” das normasjurídicas. 10 Os atos de desobediênciacivil representam o aparecimento dacidadania na cena pública, quando os cidadãosretomam o princípio da soberaniapopular em suas mãos e relembram aosgovernantes que a sociedade é a verdadeiratitular do poder constituinte. Na verdade,o poder popular não desaparece coma elaboração da Constituição, pois nassociedades democráticas, o processoconstituinte se afirma e reatualiza continuamente,através das ações comunicativas,deliberativas e críticas da cidadania.A justificação da desobediênciacivil apóia-se, além disso, numacompreensão dinâmica da constituição,que é vista como um projetoinacabado. Nesta ótica de longo alcance,o Estado democrático de direitonão se apresenta como umaconfiguração pronta, e sim, comoum empreendimento arriscado, delicadoe, especialmente, falível ecarente de revisão, o qual tende areatualizar, em circunstâncias precárias,o sistema de direitos, o queequivale a interpreta-los melhor e ainstitucionaliza-los de modo maisapropriado e a esgotar de modo maisradical o seu conteúdo. Esta é aperspectiva de pessoas privadasque participam ativamente na realizaçãodo sistema de direitos e asquais, invocando as condiçõescontextuais modificadas, gostariamde sobrepujar na prática a tensãoque existe entre facticidade social evalidade. 11Portanto, os movimentos de desobediênciacivil representam um processopolítico desencadeado pela sociedadeem momentos de crise, organizados con-11____. Obra citada, v.2, p. 11819


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMAStra a violação dos Direitos Fundamentaise pela ampliação dos direitos existentes.Legitima-se juridicamente, pois representaa expressão concreta da soberania dopovo, o que atualiza a “idéia original deauto-constituição de uma comunidade deparceiros do direito, livres e iguais”. 12 Esteé o significado de uma Constituição democrática,formada pelo entendimento doscidadãos em torno dos princípios e normasfundamentais para a organização davida social e para a proteção das liberdadesindividuais e públicas. Toda vez que asoberania do povo é desprezadapelos governantes através do desprezoaos direitos fundamentais da população,esta ocupa a cena pública pararelembrar o significado do processo democráticoinstituinte de direitos. A repressãoàs manifestações populares reivindicatóriasde direitos e contrárias aos atosilegítimos dos governantes só confirmamo que os titulares da soberania popularestão publicamente denunciando, isto é, ailegitimidade do poder político estatal, pordesprezo e violação aos Direitos humanose desrespeito ao princípio democráticoda soberania do povo.Em síntese, os atos de desobediênciada população relembram aos governantesa origem democrática do poderpolítico e que “a formação legal da vontadepolítica não pode se desligar dosprocessos de comunicação da esferapública”. Tais atos contestam as decisõespolíticas ilegítimas e violentas, quasesempre revestidas com a <strong>capa</strong> da legalidadeformal, lembrando a origem socialdo poder político e do direito. A sociedade,“quando entra em crise, serve-seda opinião pública para atualizar os conteúdosnormativos do Estado Democráticode direito, e para contrapô-los à inérciasistêmica da política institucional”. 134ESTADO DEMOCRÁTICODE DIREITO: DIALÉTICAENTRE DIREITOS HUMANOSE SOBERANIA POPULARNa sua Teoria do Discurso, o pensadorde Frankfurt defende a tese de quesomente os processos democráticosdiscursivos e deliberativos fornecem legitimidadeao direito. Somente os processoscomunicativos e os mecanismosdemocráticos participativos garantem alivre manifestação da autonomia públicados cidadãos. Tais processos precisamser assegurados através da institucionalizaçãojurídica dos direitos políticos decomunicação e de participação. Assim,“a teoria do discurso explica a legitimidadedo direito com o auxílio de processose pressupostos de comunicação –que são institucionalizados juridicamente– os quais permitem levantar a suposiçãode que os processos de criação ede aplicação do direito levam a resultadosracionais”. 14As decisões políticas, administrativase judiciais devem obediência a processoscomunicativos e argumentativos,o que significa que a validade e legitimidadedas normas jurídicas, em últimaanálise, será testada através de processosde validação discursiva presentes na____________________12____. Obra citada, v.2, p.12913HABERMAS, J. Obra citada, v.2, p. 117.14Idem, v. 2, p. 11720


sociedade. Em outros termos, as leis, asdecisões políticas e judiciais dependemda aprovação pública da sociedade. Decisõesracionais são, pois, aquelas quepreenchem as condições e pressupostosessenciais do discurso, fundamentandoseem argumentos sérios e relevantes eque se submetem ao processo de validaçãodemocrática e aceitação social dasnormas.As normas jurídicas e as decisõespolíticas e judiciais só podem ganhar ostatus de normas válidas e legítimasquando baseadas e justificadas racionalmenteno princípio do tratamento igualitáriodos sujeitos de direitos que vivemnuma comunidade jurídica. A igualdadejurídica e social só se efetiva com o reconhecimentoe garantia dos DireitosFundamentais, o que é necessário para oexercício da autonomia privada e públicados cidadãos. Os Direitos Fundamentaisexpressam um sistema de direitos egarantias que assimilam a dialeticidadebásica dos direitos individuais, sociais,coletivos e políticos, ou seja, a relaçãocomplementar entre as liberdades subjetivasnecessárias a realização da autonomiaindividual e as liberdades públicasimprescindíveis ao exercício da soberaniado povo e autonomia pública dos cidadãos.Habermas pretende construir o modelodialético de democracia deliberativa,superando assim os paradigmas dicotômicose antagônicos da democracia liberale republicana, tomando como tarefafundamental à retomada dos vínculose relações complementares entre os conceitosde direitos humanos e soberaniado povo. É que a tradição liberal tende a____________________15HABERMAS, J. Obra citada, v.1, p.134A TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSpriorizar o tema dos direitos humanos,entendendo-os como os direitos naturaismorais e individuais a serem resguardadospelo Estado. Para os liberais, os direitoshumanos são a expressão da autodeterminaçãomoral que fundamenta,em última instância, a legitimidade dopoder político estatal. Já o paradigmarepublicano prioriza a perspectiva da soberaniado povo, enfatizando as tradiçõesda comunidade ético-política como aorigem do poder político, através da recordaçãodo ato fundador que conferelegitimidade às instituições republicanase as práticas da cidadania.Desse modo, as teorias liberais e asrepublicanas consideram os temas dosdireitos humanos e da soberania popularcomo modelos rivais e concorrentes,sem apontarem uma via teórica que integredialeticamente o estudo da autonomiaprivada e pública dos cidadãos.Habermas pretende superar tais problemas,com a construção de uma nova teoriada democracia, fundamentada nosprocessos públicos comunicativos edeliberativos.De um lado, as correntes liberais“postulam o primado dos direitos humanosque garantem as liberdades pré-políticasdo indivíduo e colocam barreirasà vontade soberana do legislador político”.15 Os pensadores liberais apóiam seusargumentos nas teorias jusnaturalistasque postulam a origem dos direitos humanosno estado de natureza . Os direitoshumanos, para estes autores, seriama expressão de normas naturais racionaise obrigatórias que são impostascomo deveres absolutos à consciênciamoral dos homens.21


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASDe outro lado, as correntes republicanasdefendem a idéia de “auto-organizaçãodos cidadãos” e, portanto, a primaziado princípio da soberania popular.Assim, “aos olhos de uma comunidadenaturalmente política, os direitos humanossó se tornam obrigatórios enquantoelementos de sua própria tradição, assumidaconscientemente”. Os republicanossó consideram como válidos os direitosreconhecidos pela “vontade ético-política”da comunidade. Por seu turno, osvalores éticos e políticos da comunidadesão aqueles ancorados nas tradições eescolhas da coletividade. 16Porém, para Habermas, a autonomiapública entendida como a expressão daautodeterminação política e como processode “auto-legislação de cidadãos”não pode ser derivada da idéia jusnaturalistade “auto-legislação moral de pessoassingulares”, como pretendia Kant.Tal proposta subordina o “direito à moral”e isto minimiza o poder social comunicativoe “a idéia de uma autonomiaque se realiza no médium do próprio direito”.A auto-organização de uma comunidadejurídica pelos cidadãos “exigeque os que estão submetidos ao direito,na qualidade de destinatários, possamentender-se também enquanto autores dodireito”. O processo de “auto-legislaçãode civis”, permite a introdução do “princípioda democracia, a qual passa a conferirforça legitimadora ao processo denormatização” jurídica. 17O reconhecimento e garantia dos direitossubjetivos iguais a todos, a autonomiaprivada dos indivíduos, e das liberdadespúblicas comunicativas, a soberaniapopular exercida pelos cidadãos,permite uma reconstrução lógica e democráticada origem do sistema jurídico.Por isso, Habermas adota o princípioda democracia deliberativa para explicara origem social e dialógica do direito.A relação complementar entre Direitoshumanos e soberania do povo,entre autonomia privada e pública possibilitaa reconstrução da história do Estadode Direito e a compreensão do processodemocrático que confere legitimidadeao direito.A democracia deliberativa fornece asbases para a legitimidade do direito positivo,pois “o princípio da democraciaresulta da interligação que existe entre oprincípio do discurso e a forma jurídica”.Tal processo inicia “com a aplicaçãodo princípio do discurso ao direito àliberdades subjetivas de ação em geral –constitutivo para a forma jurídica enquantotal – e termina quando acontecea institucionalização jurídica de condiçõespara um exercício discursivo da autonomiapolítica”, pois, dessa forma, é possível“equiparar retroativamente a autonomiaprivada, inicialmente abstrata,com a forma jurídica”. Esta compreensãoda origem dos “direitos forma umprocesso circular, no qual o código dodireito e o mecanismo para a produçãodo direito legítimo, portanto o princípioda democracia, se constituem de modoco-originário”. 18Desse modo, o pensador frankfutianointroduz uma análise global e dialética dosDireitos Fundamentais, compreendendo-____________________16____. Obra citada, v.1, p. 13417____. Idem, v.1, p.13418____. Obra citada, v.1, p. 157- 15822


os como o conjunto de direitos de proteçãoàs liberdades individuais, sociais epolíticas necessárias para uma convivênciasocial livre e democrática, com o respeitoàs liberdades públicas e à dignidadee integridade da pessoa humana. Osdireitos fundamentais são direitos essenciaisque devem traduzir os mecanismose garantias necessárias ao exercício daautonomia individual e pública. Estespodem ser resumidos como os direitossubjetivos e pessoais, as garantias judiciaise processuais para a defesa dos direitossubjetivos, os direitos políticos departicipação e comunicação da sociedadecivil que conferem legitimidade aopoder e os direitos sociais e coletivos quepermitem uma vida digna, com base nagarantia de igualdade de oportunidades econdições de segurança social e coletivacontra os riscos das sociedades contemporâneas.São os(1) Direitos fundamentais que resultamda configuração politicamenteautônoma do direito à maiormedida possível de iguais liberdadessubjetivas de ação.Esses direitos exigem como correlatosnecessários:(2) Direitos fundamentais que resultamda configuração politicamenteautônoma do status de ummembro numa associação voluntáriade parceiros do direito;(3) Direitos fundamentais que resultamimediatamente da possibilidade depostulação judicial de direitos e daconfiguração politicamente autônomada proteção jurídica individual.Estas três categorias de direitosnascem da aplicação do princípiodo discurso ao médium doA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSdireito enquanto tal, isto é, àscondições da formalização jurídicade uma socialização horizontalem geral. (...) ... esses direitosfundamentais garantem a autonomiaprivada de sujeitos jurídicossomente na medida em queesses sujeitos se reconhecemmutuamente no seu de destinatáriosde leis, exigindo destarteum status que lhe possibilita apretensão de obter direitos e defaze-los valer reciprocamente. Somenteno próximo passo os sujeitosde direito assumem tambémo papel de autores de sua ordemjurídica, através de:(4) Direitos fundamentais à participação,em igualdade de chances, emprocessos de formação da opiniãoe da vontade, nos quais oscivis exercitam sua autonomiapolítica e através dos quais oscivis exercitam sua autonomiapolítica e através dos quais elescriam direito legítimo.(5) Direitos fundamentais a condiçõesde vida garantidas social,técnica e ecologicamente, na medidaem que isso for necessáriopara um aproveitamento, emigualdade de chances, dos direitoselencados de (1) até (4) 19Resumindo, primeiramente os direitossubjetivos e as liberdades privadasdevem serreconhecidos e distribuídos igualmentea todos. Estas liberdades subjetivassão direitos de proteção à autonomiaindividual que necessitam do reconhecimentorecíproco dos sujeitos que pretendemviver numa comunidade regidapelo direito.____________________19____. Obra citada, v.1, p.159-16023


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASEm segundo lugar, a aquisição dostatus de membro de uma comunidadejurídica implica a aceitação do direitopositivo como sistema legítimo e adequadopara regular a vida coletiva e aaceitação do Estado de direito como órgãoautorizado a instituir normas jurídicas,através do Parlamento, em favor dacoletividade estabelecida num determinadoespaço geográfico territorial e numaépoca delimitada historicamente. Paratanto, os atores sociais devem abrir mãodo uso privado da força em benefício domonopólio legal estatal da violência, poréma utilização da força estatal só legitimao uso da violência legal para a proteçãodos direitos da própria coletividade.Através da aquisição do status de sujeitode direito pertencente a uma associaçãojurídica, o sujeito adquire a condição decidadão e os direitos de participação noEstado. Na perspectiva da teoria comunicativa,com a “aplicação do princípiodo discurso”, a aquisição do status decidadão implica “que cada um deve serprotegido contra a subtração unilateraldos direitos de pertença” à comunidadejurídica, mas também deve ser reconhecidoo “direito de renunciar ao status demembro” do Estado. Em terceiro lugar,os sujeitos de direitos precisam contarcom os instrumentos e princípios processuaisde defesa de seus direitos subjetivos,através do acesso livre aos Tribunais,com os meios e garantias judiciaisadequados a sua proteção. Estes sãoos “direitos elementares de justiça, quegarantem a todas as pessoas igual proteçãojurídica, igual pretensão a ser ouvido,igualdade de aplicação do direito,portanto, direito a serem tratados comoiguais perante à lei”. 20Portanto, o sistema jurídico é estabelecidopela institucionalização do “direitoa iguais liberdades subjetivas de ação,bem como os correlatos dos direitos àassociação e das garantias do caminho dodireito”. Tais direitos formam o núcleodo sistema jurídico ou “o código do direito”que “é dado preliminarmente aos sujeitosdo direito como a única linguagemna qual podem exprimir a sua autonomia.Representam os “princípios jurídicos pelosquais o legislador constitucional seorienta”, o que significa que uma Constituiçãodemocrática deve necessariamentereconhecê-los e propiciar as garantiaspara a sua efetiva proteção. 21Em quarto lugar, os direitos de participaçãopolítica devem ser asseguradosa todos os cidadãos, já que são os direitosque possibilitam o exercício da autonomiapública. O sistema jurídico deverágarantir mecanismos e “as condiçõessob as quais os cidadãos podem avaliar, àluz do princípio do discurso, se o direitoque estão criando é legítimo”. Na verdade,são os próprios cidadãos, como “civis querefletem e decidem – no papel de um legisladorconstitucional – como devem ser osdireitos que conferem ao princípio do discursoa figura jurídica de um princípio dademocracia”. Seguindo o caminho propostopelo “princípio do discurso, podem pretendervalidade as normas que poderiamencontrar o assentimento de todos os potencialmenteatingidos, na medida em queestes participam de discursos racionais”.Nesse sentido, as liberdades públicas e “osdireitos políticos procurados têm que ga-____________________20____. Obra citada, v.1, p.161-16221____. Obra citada,v.1, p.162-16324


A TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSrantir, por isso, a participação em todosnos processos de deliberação e de decisãorelevantes para a legislação, de modo que aliberdade comunicativa de cada um possavir simetricamente à tona, ou seja, a liberdadede tomar posição em relação a pretensõesde validade criticáveis”. O reconhecimentodas liberdades comunicativasdecorre dos processos informais presentesna sociedade civil e no mundo da vida,orientado por uma práxis dialógica, voltadapara o entendimento, já “as autorizaçõespara o uso público da liberdade comunicativadependem de formas de comunicaçãoasseguradas juridicamente e deprocessos discursivos de consulta e de decisão”.22O reconhecimento da autonomia privadae da autonomia pública originou-sedo mesmo processo de instituição democráticado direito, já que os direitossubjetivos e os direitos democráticos secomplementam e são co-originários. Osdireitos humanos e a soberania do povosurgem, pois, no mesmo processo deconstituição de um Estado Democráticode Direito. Com essa visão global, evitase,as reduções e oposições anti-dialéticaspresentes nas teorias liberais e republicanas.As interpretações liberais tendema minimizar o papel da cidadania e daautonomia pública dos cidadãos na atualizaçãodo princípio da soberania popular,defendendo direitos naturais de naturezamoral que são reconhecidos pelasnormas jurídicas estatais ou ficam a esperada formalização pelo direito positivo.Já as interpretações republicanas reduzema importância dos direitos humanos,instrumentalizando-os “para fins deuma legislação soberana”. 23Em síntese, para Habermas, “nadavem antes da prática da autodeterminaçãodos civis, a não ser, de um lado, o princípiodo discurso, que está inserido nas condiçõesde socialização comunicativa emgeral e, de outro lado, o médium do direito”.Através do direito, o princípio do discursotransforma-se em princípio da democracia,por meio do qual os cidadãospassam a exercer a cidadania com base noreconhecimento dos direitos políticos comunicativose de participação. A soberaniado povo e a autonomia pública se manifestamnos processos democráticos dedeliberação pública e no exercício dos direitospolíticos fundamentais. Já, os direitossubjetivos que configuram o status desujeitos de direitos garantem a dignidade eintegridade humana e estabelecem as “condiçõesnecessárias que apenas possibilitamo exercício da autonomia política”. 24Porém, os direitos privados não podemlimitar o exercício da autonomiapolítica dos cidadãos. Os direitos individuaissão institucionalizados juridicamentecomo direitos subjetivos, por isso,“compete aos destinatários decidir seeles, enquanto autores” do direito, irão“empregar sua vontade livre, se vão passarpor uma mudança de perspectivasque os faça sair do círculo dos própriosinteresses e passar para o entendimentosobre normas <strong>capa</strong>zes de receber o assentimentogeral, se vão ou não fazer usopúblico de sua liberdade comunicativa”. 25____________________22HABERMAS, J. Obra citada, v.1, p. 163-16423____. Obra citada, v.1, p. 164 -16524____. Obra citada, v.1, p. 165-16625____. Obra citada v.1, p. 16725


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASA partir de uma interpretaçãodialética, Habermas tentou demonstrar aorigem democrática do direito, isto é, osurgimento da legitimidade dos direitoshumanos e da soberania popular do próprioestabelecimento democrático da legalidade.Sua preocupação em resgatara gênese democrática do Direito consisteem responder a uma questão mais profundae que se consubstancia na tentativade reconstruir e entender o dilema queacompanha a história do direito namodernidade e que pode ser subscritonos conflitos entre as dimensões dafacticidade e validade, a positividade elegitimidade das normas jurídicas estatais.Esta tensão só se desfaz quando apopulação assume conscientemente aresponsabilidade pela criação dos direitos,investindo-se legitimamente natitularidade e autoria do direito, especialmenteatravés da implementação de práticaspolíticas na sociedade civil que visamreconquistar os espaços de liberdadeperdidos e os direitos ameaçados. Odireito não pode ser concebido como umsistema jurídico fechado que se auto-legitimaatravés de procedimentos formaise da vontade da maioria parlamentar,como postulam as teorias positivistas esistêmicas. A participação popular noprocesso de elaboração das leis é umaconquista histórica da modernidade edemonstra o grau de dependência do direitocom relação à democracia. Tanto éassim “que as instituições jurídicas daliberdade decompõem-se quandoinexistem iniciativas de uma populaçãoacostumada à liberdade”. 26A legitimidade do direito depende,portanto, do respeito aos processos e____________________26____. Obra citada, v.1, p. 168procedimentos discursivos democráticos,pois as normas jurídicas devem expressaras decisões fundamentadascomunicativamente e resultantes de entendimentosracionais.Habermas aponta três tipos distintosde discursos legítimos e três formasrespectivas de argumentação e validaçãodemocrática das normas. Resumidamente,nos discursos moraisbusca-se o estabelecimento da justiçae de normas universais válidas paratodos, isto é, aquilo que é correto, válidoe essencial para toda a humanidade.Os discursos éticos pretendem definiro que é bom para a comunidade,isto é, as normas que traduzem valorese tradições importantes para umacoletividade determinada. As decisõesmorais e éticas dependem de entendimentosdemocráticos e normas estabelecidasconsensualmente entre todos osparticipantes envolvidos nos processospúblicos deliberativos. Já as questõespragmáticas envolvem conflitos de interessese as decisões oriundas destesdebates não envolvem um consensoabsoluto, porém traduzem negociaçõese compromissos expressos em determinadasnormas sobre questões fundamentais.Em síntese,em discursos pragmáticos, nósexaminamos se as estratégias deação são adequadas a um fim, pressupondoque nós sabemos o quequeremos. Em discursos ético-políticos,nós nos certificamos de umaconfiguração de valores sob o pressupostode que nós ainda não sabemoso que queremos realmente.Em discursos desse tipo, é possívelfundamentar programas, na26


medida em que eles são adequadose, num sentido amplo, bons para nós.No entanto, uma boa fundamentaçãoprecisa levar em conta um outroaspecto – o da justiça. Antes dequerer ou aceitar um programa, é precisosaber se a prática correspondenteé igualmente boa para todos.(...)Uma norma só é justa, quando todospodem querer que ela seja seguidapor qualquer pessoa em situaçõessemelhantes. 27O processo democrático deliberativocoloca em ação procedimentos discursivosem que se manifesta a correlaçãoentre a produção das normas jurídicas e aformação da opinião e da vontade por meiodo poder comunicativo. Tal situaçãoapóia-se num “modelo processual”argumentativo que “parte de questionamentospragmáticos, passa pela formaçãode compromissos e discursos éticos,atingindo a clarificação de questões morais,chegando finalmente a um controlejurídico de normas”. Tal procedimento éindispensável para “a formação discursivamenteestruturada da opinião e da vontadede um legislador político”. 28Assim as questões morais reclamamsoluções justas e universalizáveis. Questõeséticas devem ser resolvidas na basede um entendimento consensual sobrevalores fundamentais para a coletividade,enquanto que os problemas pragmáticosexigem negociações e compromissosdos “partidos que agem voltados parao sucesso”. Os processos de negociaçãonas questões de natureza pragmáticassão adequados para situaçõesconflituosas nas quais não é possívelA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSneutralizar as relações de poder, como épressuposto nos discursos racionais denatureza moral e ética. Os conflitos pragmáticosexigem o estabelecimento deacordos fundados no equilíbrio destesinteresses. Tais negociações devem levarao estabelecimento de compromissoseqüitativos que sejam vantajosos paratodos os envolvidos, com a exclusão dosagentes que se negam a cooperar e tambémnão podem se basear na aceitaçãode “explorados que investem na cooperaçãomais do que ganham com ela”.Nestes casos não se fala em consensoem torno de princípios ou valores, poisos compromissos democráticos são firmadospor diferentes partidos pelos maisdiversos motivos e razões. 29As decisões de natureza ética e oscompromissos diante de questões pragmáticasnão excluem de antemão a questãoda justiça, já que tais decisões devempassar pelo teste da justificativa racionale moral, na medida em que os acordos edecisões obtidas através de procedimentosdiscursivos a princípio se fundamentamna suposição do igual reconhecimentode interesses e direitos de todos osenvolvidos.Os parlamentares, durante o processolegislativo, nos debates e discussõespolíticas, precisam fundamentar suasdecisões em argumentos morais, éticose pragmáticos. Porém, tais argumentos,ao contrário dos argumentos sociais cotidianos,não podem contrariar os princípiosfundamentais do sistema jurídico.Por isso, as decisões políticas parlamentaresdevem passar pelo teste de sua____________________27____. Obra citada, v.1, p.20228____. Obra citada, v.1, p. 20429____. Obra citada, v.1, p. 20727


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMAScoerência com a legislação vigente. Istotambém acontece no processo de controlejudicial, quando da possibilidade derevisão posterior das leis pelo Judiciário.O “princípio da soberania popular”representa, pois, “a charneira entre o sistemade direitos e a construção de um Estadode Direito”. Este princípio postula que“todo o poder do Estado vem do povo” eque, portanto, a legitimidade do poder políticoestatal é deduzida “do poder comunicativodos cidadãos”. Os cidadãos são osautores e criadores do direito, por meiodos processos democráticos que permitema livre “formação da opinião e da vontadeestruturada comunicativamente”. Portanto,a soberania do povo é um processodemocrático contínuo, cuja tarefa fundamentalé a solução dos conflitos e problemassociais, a partir da tomada de decisõespolíticas democráticas e racionais. A“institucionalização jurídica de determinadosprocessos e condições de comunicação”possibilita o exercício das “liberdadescomunicativas iguais e simultaneamenteestimula para o uso pragmático, ético emoral da razão prática, ou seja, para a compensaçãoeqüitativa de interesses”. 30A soberania popular é exercida diretamentepela população, através dosmovimentos e organizações da sociedadecivil, quando a “competência legislativa”é transferida “para a totalidade doscidadãos que são os únicos <strong>capa</strong>zes degerar, a partir de seu meio, o poder comunicativode convicções comuns”. Oscidadãos precisam se convencer da legitimidadedas decisões políticas e isto éfeito por meio de “consultas e tomadasde decisão face to face”, com a utilizaçãode procedimentos e mecanismos departicipação popular no exercício do poderpolítico nas esferas públicas estataisformais e societárias informais. Nos Estadosde direito, o exercício da soberaniapopular também está a cargo de parlamentose estes devem exercer o podercomo representantes do povo, justificandosuas decisões com base nos “discursospragmáticos, éticos e morais” e preenchendo“condições de negociações eqüitativas¨.31 Os representantes do povo noLegislativo tem como missão específicaa solução dos problemas sociais e a tomadade decisões políticas através da elaboraçãode leis. Tais decisões devem obediênciaaos procedimentos democráticos,ao princípio da soberania popular e aosconteúdos do Direitos Fundamentais.Porém, o Parlamento não deliberasomente por meio de seus membros, poisa efetivação dos princípios jurídicos dopluralismo ideológico e político na práxispolítica dos cidadãos possibilita a formaçãode uma opinião pública crítica nasociedade, através de diversas organizaçõese manifestações políticas, que tentaminfluenciar o sistema político. Daí“a necessidade de complementar a formaçãoda opinião e da vontade parlamentar,bem como dos partidos políticos,através de uma formação informal daopinião na esfera pública política, abertaa todos os cidadãos” e desenvolvida emprocessos deliberativos da sociedade civil.O princípio da soberania popular tambémse concretiza pelo reconhecimentoe exercício do “princípio da ampla garantialegal do indivíduo, proporcionadoatravés de uma justiça independente”. 32____________________30HABERMAS, J. Obra citada, v.1, p. 212-21331____. Obra citada, v.1, p 213-21428


As leis, aprovadas pelo parlamento elegitimadas pela população, constituemo instrumento para a defesa judicial de“pretensões jurídicas individuais”, garantidaspelas ações e princípios processuaisque proporcionam “uma proteção jurídicaindividual ampla”. As decisões doPoder Judiciário apóiam-se em discursosde aplicação do direito, o que significaque suas decisões, num Estado Democráticode Direito, não podem se afastardos princípios e normas do sistemajurídico positivo e, fundamentalmente,das normas constitucionais, garantindo,assim, o respeito aos Direitos fundamentaise ao princípio da soberania popular.O Judiciário, para a imposição de suassentenças e execução do direito, recorreaos “meios de repressão do aparelho deEstado, passando a dispor, ele mesmo, deum poder administrativo”. É por isto queele deve ficar separado das tarefas da legislação,permanecendo ligado ao sistemajurídico. As sentenças judiciais devem garantir“ a segurança do direito”, através dedecisões legais e constitucionalmente fundamentadas.Porém, tais decisões devemser submetidas ao teste de legitimidadesocial, fundado na “aceitabilidade racionaldas decisões judiciais” pela população noexercício da soberania popular. 33O princípio da soberania popularimplica também o respeito dos governantesaos “princípios da legalidade daadministração e do controle judicial eparlamentar da administração”. Os atosadministrativos devem obediência aoprincípio da legalidade, o que significa queA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSo Poder Executivo está subordinada aoprincípio da soberania popular, através dasleis elaboradas democraticamente e legitimadaspela população, e “de tal modo queo poder administrativo só se regenera apartir do poder comunicativo produzidoconjuntamente pelos cidadãos”. 34 O princípioda reserva legal permite a nulidadedos atos administrativos ilegais e contráriosaos interesses públicos. A Constituiçãoe a legislação democrática fornecem os limitespara as ações do Executivo e do Judiciário.O princípio da legalidade, baseado no“primado da lei legitimada num processodemocrático significa, do ponto devista cognitivo, que a administração nãopode interferir nas premissas que se encontramna base de suas decisões”. Emoutros termos, “o poder administrativonão pode interferir em processos de normatizaçãodo direito e da jurisdição”. Asintervenções abusivas e indevidas doExecutivo nas esferas de ação dos poderesLegislativo e Judiciário ferem o “princípioda proibição de arbitrariedade nointerior do Estado”, os direitos individuaise “os pressupostos comunicativos dediscursos legislativos e jurídicos, estorvandoos processos de entendimento dirigidospela argumentação, que são osúnicos <strong>capa</strong>zes de fundamentar a aceitabilidaderacional de leis e decisões judiciais”.A fiscalização pública dos atos doExecutivo pelo Parlamento, pelo Judiciárioe pela sociedade civil servem parainibir os abusos e arbitrariedades da Administração.35____________________32____. Obra citada, v.1, p. 212, 21433____. Obra citada,, v.1, p. 215-21634____. Obra citada, v.1, p. 212-213, 216-21735____. Obra citada, v.1, p. 21729


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASPor fim, o princípio da soberaniapopular se concretiza no respeito ao“princípio da separação entre Estado esociedade, que visa impedir que o podersocial se transforme em poder administrativo,sem passar antes pelo filtro daformação comunicativa do poder”. Talprincípio foi formulado como postuladobásico do Estado liberal clássico, visandoa constituição de um Estado mínimo,restrito as funções de “segurança internae externa” e voltado para a proteçãodas liberdades econômicas dos proprietáriosna sociedade civil. Neste “modelode Estado de direito burguês” há umaseparação entre as tarefas públicas degarantia da ordem social e as atividadesprivadas, dedicadas ao exercício das atividadeseconômicas . A sociedade civil“auto-regulada, liberada de regras doEstado” se encarregaria da solução dosdemais problemas no livre jogo da concorrênciae produção de mercadorias. Talprincípio liberal sofreu uma profundatransformação nas sociedades contemporâneas,como conseqüência das lutassociais pela ampliação dos direitos e coma criação do Estado social, devendo hojeser interpretado como expressão da autonomiapolítica da cidadania, isto é, “agarantia jurídica de uma autonomia socialque atribui a cada um, enquanto cidadão,as mesmas chances de utilizar-sede seus direitos políticos de participaçãoe comunicação”. 36O “poder social” dos grupos econômicosnão pode interferir diretamente naadministração pública, em respeito aoprincípio da separação entre interessespúblicos e privados e o ao “princípio daresponsabilidade democrática dos detentoresde cargos políticos em relação aoseleitores e aos parlamentos”. O Estadonão é politicamente neutro, porém ele temque “adquirir uma parcela de autonomiaem relação a potenciais de poder ancoradosna estrutura social”, sob pena deexercício autoritário e abusivo do poder,como assistimos nas sociedades contemporâneas,onde o poder político permaneceancorado em “arranjos corporativistas”,distanciando-se, assim, da “pretensãode realizar justiça política atravésda implantação de um direito legitimamentenormatizado”. 37O Estado Democrático de Direito,por meio da Constituição, “institucionalizao uso público das liberdades comunicativas”e “regula a transformação do podercomunicativo em administrativo”.Este modelo de Estado deve propiciar asgarantias jurídicas fundamentais para:um exercício efetivo da autonomiapolítica de cidadãos socialmenteautônomos para que o podercomunicativo de uma vontadeformada racionalmente possa surgir,encontrar expressão em programaslegais, circular em toda a sociedadeatravés da aplicação racional,da implementação administrativade programas legais e desenvolversua força de integração social- através da estabilização deexpectativas e da realização de finscoletivos. 38A legitimidade do direito não estádesvinculada dos princípios de justiça,____________________36____. Obra citada, v.1, p.213, 21837____. Obra citada, v.1, p 219-22038____. Obra citada. v.1, p. 220-22130


já que os argumentos morais não são dispensadosdo processo de criação e aplicaçãodo direito, pois acompanham osmomentos de discussão pública deliberativa.Os princípios morais, além deacompanharem os processos democráticosde instituição do Direito, estão inclusiveinstitucionalizados juridicamente,através das normas jurídicas constitucionais,como no caso dos DireitosFundamentais, positivados como princípiosjurídicos deontológicos obrigatórios.Na verdade, “para ser legítimo, o direitode uma comunidade jurídica concreta,normatizado politicamente, tem queestar, aos menos, em sintonia com princípiosmorais que pretendem validade geral,ultrapassando a própria comunidadejurídica”. 39Os princípios de justiça quando adquirema forma de normas jurídicas obrigatóriasrepresentam uma conquista quepode ser potencializada e atualizada nosdiscursos das instituições democráticase nas instâncias da sociedade civil, atravésda implementação do debate públicodeliberativo.A Teoria comunicativa traz a legitimaçãoda política e do direito para o contextoda práxis social concreta, defendendoa tese de que somente os procedimentosdiscursivos democráticos presentesnas práticas deliberativas emprestamvalidade as decisões políticas e judiciais.O público de cidadãos assume,assim, a tarefa de criação do Direito,como legítimos autores do sistema jurídico,sem mais a necessidade de recorrera uma justificação ética transcendentaldas normas jurídicas. Nesse sentido,A TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUS“uma compreensão procedimentalistaconseqüente da constituição aposta nocaráter intrinsecamente racional das condiçõesprocedimentais que apóiam a suposiçãode que o processo democrático,em sua totalidade, propicia resultadosracionais”. Dessa forma, a racionalidade“incorpora-se nas condições pragmático-formaispossibilitadora de uma políticadeliberativa, não sendo necessáriocontrapô-la a esta última como se fosseuma autoridade estranha, situada além dacomunicação política”. 405O NOVO PARADIGMA JURÍDICOPROCEDIMENTAL E REFLEXIVOO pensador de Frankfurt está interessadoem pensar as possibilidades paraa preservação das instituições democráticase os processos deliberativos quepossam manter as fontes comunicativasde produção do direito legítimo. Para ele,a democracia só pode ser adequadamentedefendida pelas associações e esferaspúblicas informais presentes na sociedadecivil, comprometidas com a emancipaçãoe com a preservação e a criaçãode formas solidárias de relacionamentosocial. A crise da modernidade exige aatuação da sociedade civil e a retomadadas ações democráticas, fato que se comprovacom a emergência das práticaspolíticas e culturais renovadoras e emancipatóriasdos movimentos sociais contemporâneos.Estes aparecem no cenáriopúblico implementando projetos culturais,econômicos, sociais e políticos,fundamentados na recuperação dos va-____________________39____. Obra citada. v.1, p. 350-35140HABERMAS, J. Obra citada, v. 1, p. 35431


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMAS____________________41HABERMAS, J. Obra citada, v.2, p. 189-190lores da solidariedade e da autonomiapública da cidadania. As associaçõescomunitárias, movimentos culturais,ONGs e as redes de movimentos sociaisnacionais e internacionais representamensaios e experimentações de novas organizaçõessociais e políticas em buscada construção de uma nova cultura democráticae solidária.Com base na teoria da democraciadeliberativa, formula os princípios norteadoresde uma nova cultura jurídica, projetoeste já anunciado nas práticas dosnovos movimentos sociais. Para tanto,julga necessária a superação dos paradigmashegemônicos no campo da teoriado direito, pois pensa que os modelosjurídicos liberal e social burocráticos jánão mais respondem as necessidades,conflitos e problemas propostos pelassociedades plurais contemporâneas.As crises cultural e valorativa – denatureza ética, jurídica e moral –, ecológica,social e política das sociedadescontemporâneas, colocam para a teoriado direito a tarefa de reexaminar osparadigmas jurídicos tradicionais, no sentidode construir uma nova compreensãodo direito, apta a responder a naturezacomplexa, plural e conflituosa dassociedades atuais.A proposta de Habermas, seguindoas contribuições dos cientistas sociais econstitucionalistas democráticos contemporâneos,consiste na edificação doparadigma jurídico procedimental, buscando“influenciar não só os operadoresjurídicos, mas todos os atingidos” pelasregulamentações jurídicas. Portanto, talprojeto de edificação do novo paradigmaé uma tarefa conjunta dos cientistas sociais,em especial dos sociólogos e estudiososda teoria do direito, juristas, magistrados,parlamentares, operadores jurídicose, principalmente, dos movimentosdemocráticos da sociedade civil. Estenovo projeto cultural visa a construção eefetivação dos princípios do Estado Democráticode Direito, compreendendo-ocomo projeto de realização dos direitoshumanos e da soberania do povo. Oparadigma jurídico procedimental e reflexivopressupõe o entendimento democráticodos cidadãos sobre as formasadequadas para a sua solução de seusproblemas.O projeto jurídico procedimentalista,“divergindo do paradigma liberal e doEstado social” dispensa e “não antecipamais um determinado ideal de sociedade,nem uma visão de vida boa ou deuma determinada opção política”. Nessesentido, representa um modelo formal namedida em “que apenas formula as condiçõesnecessárias segundo as quais ossujeitos do direito podem, enquanto cidadãos,entender-se entre si para descobriros seus problemas e o modo desolucioná-los”. O novo paradigma comunicativoprocura “influenciar não somentea auto-compreensão das elites queoperam o direito, na qualidade de especialistas,mas também a de todos os atingidos”.Tal proposta de recuperação de umaprática discursiva dialógica “não visa adoutrinação, nem é totalitária”, na medidaque “o novo paradigma submete-se àscondições de discussão contínua”. 41Habermas quer resguardar os processoscomunicativos dialógicos, as relaçõesintersubjetivas orientadas pelo entendimentocooperativo, que são a fonte32


principal para o exercício da autonomiapública da cidadania. Somente os sujeitosque são diretamente atingidos pelosproblemas sociais e por situações de injustiçapodem definir, através do diálogoentre os iguais no sofrimento e na vivênciados dramas existenciais e sociais, os princípiose normas que são necessárias parao estabelecimento de uma vida digna e umaconvivência social justa e democrática. Acomunidade jurídica deve ficar atenta asreivindicações políticas e jurídicas da sociedadecivil, se quiser contribuir com oprocesso de consolidação da democraciae com a realização do direito.O Estado Democrático de Direitorepresenta um processo de construçãode uma sociedade livre, autônoma eemancipada, projeto este que só sobrevivee se atualiza pelas ações culturaiscríticas, vigilantes e criativas da sociedadecivil. O paradigma procedimentalistareconhece o processo democrático demanifestação da soberania do povo,como a fonte do poder comunicativo quefornece, em última análise, validade e legitimidadeao direito. A autonomia públicada cidadania e o princípio da soberaniapopular expressam a idéia de que “oshomens agem como sujeitos livres namedida em que obedecem às leis que elesmesmos estabelecem, servindo-se denoções adquiridas num processo intersujetivo”.42Através desse processo democrático,com as garantias jurídicas e políticasdo exercício das liberdades políticascomunicativas e participativas, especialmenteatravés do reconhecimento dopluralismo político e ideológico, a sociedadepode exercer a crítica pública das____________________42HABERMAS, J. Obra citada, v.2, p. 190A TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSnormas jurídicas e das decisões políticas,judiciais e administrativas. Tal situaçãorepresenta a contínua relação detensão entre as dimensões da positividadeou vigência formal (facticidade) e validadematerial do direito (legitimidade).Numa sociedade democrática, somenteo público de cidadãos pode validar críticae discursivamente as normas jurídicas,emprestando, assim, legitimidade àsdecisões estatais.O paradigma procedimental leva asério os problemas, os projetos, as contribuiçõese soluções apresentadas pelasociedade civil, já que segundo as propostasda democracia deliberativa e domodelo reflexivo de direito, os própriosenvolvidos devem definir as formas desolução de seus problemas e as normasadequadas para tal resolução. Na realidade,este novo paradigma tende a acompanharos projetos de construção de umanova cultura política e jurídica, fundamentadasnos princípios da democraciadeliberativa e na recuperação dos valoresda solidariedade e da autonomia políticadefendidos na esfera pública societária.Para o modelo de direito procedimental,“a sociedade civil e a esfera públicapolítica constituem” as fontes legítimase democráticas das normas jurídicas esão “pontos de referência extremamentefortes, à luz dos quais, o processo democráticoe a realização do sistema dedireitos adquirem uma importância inusitada”.Isto porque nas sociedades contemporâneas,marcadas pelos processosde mercantilização e burocratização davida social, “as fontes mais escassas nãosão a produtividade de uma economiaorganizada pela economia de mercado,33


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASnem a <strong>capa</strong>cidade de regulação da administraçãopública”, pois “o que importapreservar é, antes de tudo, a solidariedadesocial, em vias de degradação, e asfontes do equilíbrio da natureza, em viasde esgotamento”. E somente poderemospensar em regenerar as fontes de açõessolidárias nas sociedades atuais, por meiodas iniciativas democráticas da sociedadecivil. 43O paradigma reflexivo e procedimentaldespede-se igualmente de umainterpretação idealista da Constituição. AConstituição não pode mais ser interpretadacomo um projeto utópico ou comoum processo substitutivo da utopia, queparte da idéia de “uma unidade entre razãocoletiva e onipotência secularizadainstitucionalizada no Estado”. Antes, aConstituição é um projeto da sociedadeque pretende a sua realização concreta,através da atualização dos Direitos Humanose da democracia nas práticas dacidadania da sociedade civil. A Constituição,enquanto um processo que pretenderealizar o Estado de Direito Democrático,“configura a idéia de uma sociedadecivil e de sua <strong>capa</strong>cidade de influirsobre si mesma através de processosdiscursivos e através de institucionalizaçãointeligente”. 44Para esta nova compreensão da democracia,o poder constituinte não sedespede da cena pública logo após a elaboraçãoda Constituição, pois permanececontinuamente atuante e vigilante nosprocessos de discussão e de formaçãoda vontade política. A sociedade civil é averdadeira titular do poder constituinte eisso tem efeitos importantes para a legitimidadedo poder político estatal, já queeste só obtém legitimidade através doreconhecimento do poder comunicativopopular. Em síntese, o poder constituinteoriginário está presente nas esferaspúblicas de formação da opinião e davontade popular que se manifestam permanentementenos cenários da sociedadecivil. O processo constituinte é, assim,permanente e não pode ser suspensoe interrompido quando da promulgaçãoda Constituição. Ele se presentifica e seatualiza através das ações da sociedadecivil na defesa de seus Direitos fundamentaise nas reivindicações por novos direitos,<strong>capa</strong>zes de satisfazerem as carências,necessidades e desejos da população.Habermas está preocupado com acrise do Estado Constitucional e acreditaque somente a democratização dasrelações sociais e políticas podem impediro esfacelamento dos princípios e normasconstitucionais democráticas. Oparadigma procedimental estabelece asformas comunicativas para o entendimentorecíproco dos cidadãos. No entanto,sabemos que nas sociedades contemporâneasas decisões políticas sãotomadas pelos governos e pelas burocraciaspartidárias e tecnocráticas, quetendem a expressar alianças entre o Estadoe os detentores de poder no mercado,auxiliados por processos publicitáriosdesenvolvidos pelos meios de comunicação.Na verdade, tais instituições tendema substituir a discussão pública democráticanos Parlamentos e a possibilidadede uma formação da opinião públicacrítica na sociedade civil, por instrumentospublicitários e deformadores da____________________43HABERMAS, J. Obra citada, v.2, p. 18944____. Idem, p. 18934


vontade e opinião do público. A própriapolítica e o processo eleitoral tendem ase transformar num espetáculo sujeitoàs leis do mercado publicitário e aos interessesdominantes, comandadas porcorporações e grupos de interesses.No entanto, para Habermas, “os atoresda sociedade civil, até agora negligenciados,podem assumir um papel surpreendentementeativo e pleno de conseqüências,quando tomam consciênciada situação de crise”. Nessas situações,as organizações e movimentos sociais dasociedade civil “têm a chance de invertera direção do fluxo convencional decomunicação na esfera pública e no sistemapolítico, transformando destarte omodo de solucionar problemas de todoo sistema político”. 45Ao contrário do sistema político estatal,a esfera pública societária se mostrasensível para captar os graves problemasda sociedade, transformando-osem temas de interesse geral, através daformação da opinião pública crítica. Foramos atores da sociedade civil nacionale internacional, preocupados com osdestinos da humanidade, os primeiros adenunciar os problemas e propor soluçõesdemocráticas para as diversas crisesdas sociedades contemporâneas.Basta lembrar...dos grandes temas surgidosnas últimas décadas – pensemos naespiral do rearmamento atômico,nos riscos do emprego pacífico daenergia nuclear, no risco de outrasinstalações técnicas de grande porteou de experimentos genéticos,pensemos nas ameaças ecológicasA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUSque colocam em risco o equilíbrioda natureza (morte das florestas,poluição da água, desaparecimentode espécies, etc.), no empobrecimentoprogressivo e dramático doTerceiro Mundo e nos problemas daordem econômica mundial, nos temasdo feminismo, no aumento daimigração que traz conseqüênciaspara a composição étnica e culturalda população, etc. 46Tais problemas não são levantadospelos integrantes do Estado e pelos detentoresde poder no mercado, porémpor ativistas de movimentos sociais nacionaise internacionais, ONGs, cientistas,intelectuais, religiosos, artistas e porsetores profissionais comprometidoscom a construção de uma vida socialdemocrática, com base na edificação deuma cultura solidária e na defesa demelhorias na qualidade de vida individuale coletiva.Ao lembrar a origem democráticados direitos humanos, Habermas pretendedemonstrar a importância do paradigmajurídico procedimental e reflexivoque se apóia na idéia de que são ospróprios autores do direito quem estabelecemas normas justas e democráticasadequadas para regular a sua vidasocial e para suprir suas necessidadessociais e existenciais. Assim, ao contráriodos paradigmas liberal-burguês esocial de direito, fundamentados nummodelo jurídico formal e burocráticolegala cargo de especialistas, o paradigmaprocedimental busca sua origem,comprovação e validade nos processossociais e políticos democráticos comunicativos:____________________45HABERMAS, J. Obra citada, v.2, p. 11546____. Idem, v.2, p. 11535


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASDiferindo do direito formuladoou desenvolvido por juristas profissionais,o teor e o estilo dos direitosfundamentais revelam enfaticamentea vontade declarada depessoas privadas que reagem a experiênciasconcretas de repressãoe de ataque aos direitos humanos.Na maioria dos artigos referentesaos direitos humanos ressoa o ecode uma injustiça sofrida, a qual passaa ser negada, por assim dizer,palavra por palavra”. 47A construção de uma cultura jurídicademocrática, atenta às reivindicaçõesda sociedade civil e ao processo de criaçãosocial dos direitos pelos novos movimentossociais, é uma tarefa do nossotempo que demandará esforços dos juristase operadores do direito que buscamalternativas para a crise das instituiçõespolítico-jurídicas e acreditam nacontribuição do direito para o processode renovação cultural das sociedadescontemporâneas. A superação doparadigma jurídico positivista burocrático-legalque legitimou os modelos deEstado liberal e social representa o principaldesafio a ser suplantado para a plenaconsolidação do Estado democráticode Direito, informado por uma culturade respeito aos Direitos Humanos Fundamentaise aos novos direitos que opovo autônoma e soberanamente vem seatribuindo através do exercício da práxispolítica da cidadania.6CONCLUSÃO____________________47HABERMAS, J. Obra citada, v.2, p. 123-124No atual estágio de desenvolvimentoglobal do capitalismo, agrava-se a crisedo Estado Constitucional Democrático,com o ressurgimento de práticasautocráticas e absolutistas, através daimplementação de velhas e novas formasde apropriação privada dos benspúblicos, aprofundando-se a confusãoentre os interesses públicos e privados– mercado e Estado - e a tendência aocontrole despótico e burocrático da sociedade.Tal processo é ainda mais gravenos países marcados por uma trajetóriapolítica autoritária e patrimonialistacomo o Brasil, onde ao lado da crescentee desmedida onda de corrupçãoestatal, assistimos a subordinação doPaís às políticas privatistas neoliberaisque tendem a levar o país a um processode regressão social sem precedentes.A liberação ilimitada do mercadonacional, com a flexibilização dasrelações de trabalho, a privatização dossetores públicos, inclusive os sociais eestratégicos, a desconstitucionalizaçãodos direitos sociais, a falta de políticasde crescimento econômico e distribuiçãoda riqueza, a constante e cotidianaviolação criminosa dos direitos humanosbásicos de nossa população indicamum ataque cruel a nossa já frágildemocracia e uma flagrante ilegitimidadedos governantes no exercício dopoder político estatal.No entanto, a gravidade destes problemase as conseqüentes crises da democraciarepresentativa e do Estado nacionale social podem levar a sociedadecivil a manifestações e reações, visandoreatar os vínculos que unem oEstado ao poder comunicativo societário.Sabemos que nenhum Estado semantém legitimamente sem o consen-36


A TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASUNIJUStimento democrático da população, ouapenas com base em procedimentosparlamentares formais previstos naConstituição, como pretendem ingenuamenteas correntes positivistas. Asdecisões políticas, transformadas emleis pela aprovação da maioria do parlamento,não conferem por si só validadeao Direito, pois tais decisões sóserão legítimas se não contrariarem osDireitos Fundamentais e os princípiosdo Estado Democrático de Direito, expressospelos valores da dignidade humana,igualdade jurídica e social, e osdireitos que garantem as liberdades individuaise públicas, com o respeito aosdireitos individuais, sociais, coletivose políticos. Além disso, as leis precisamser avaliadas criticamente pelacidadania, passando pelo teste de suaaceitação pública e social. Esta éuma das principais contribuições dateoria da democracia deliberativa deHabermas que podem nos auxiliar atomar posição diante dos atos autoritáriose ilegítimos dos nossosgovernantes.Os movimentos sociais tiveramum papel fundamental na redemocratizaçãodo Brasil, especialmente nosanos 80, participando ativa e corajosamenteem momentos decisivos de nossavida pública, permanecendo vigilantese atentos aos processos políticosinstitucionais, inclusive no processoconstituinte de 1987, quando marcaramsua presença no cenário políticonacional com conquistas democráticasimpensáveis até então. Hoje, reaparecea necessidade de sua intervenção noprocesso político institucional e tudoindica que a esfera pública societáriatende a ser reativada diante das denúnciasde corrupção estatal e dos atos deviolação à Constituição, a gravidade dacrise econômica, a violência e arbitrariedadedos atos dos governantes noexercício do poder político.A reação crítica dos movimentosdemocráticos da sociedade civil representano atual contexto histórico-socialuma necessidade improrrogável e oúnico obstáculo sério que poderá serinterposto aos abusos e violências cometidaspelos detentores do poder políticoe econômico em nosso País. Foradessa alternativa, continuaremos mergulhadosna crise social e econômicaagravada pelas políticas neoliberais queobrigam milhões de brasileiros a suportaremcondições de vida desumanase injustas, com a perspectiva nadaalentadora de aumento da violência edos conflitos sociais que podem noslevar a uma regressão social sem precedentes,inviabilizando projetos de vidacoletiva e a sobrevivência das classespopulares e das diversas culturas nacionais.As lutas pela efetivação dosDireitos Humanos e pela consolidaçãodo Estado Democrático de Direito emnosso País são tarefas inadiáveis queexigem um esforço maior da sociedadecivil na construção de uma opiniãopública crítica e corajosa no exercícioda cidadania, buscando a instituição depráticas e projetos sociais que resgatema dignidade humana e solidariedadesocial e promovam as condições parauma convivência social democrática.37


UNIJUSA TEORIA DEMOCRÁTICA DE JÜRGEN HABERMASreferências bibliográficasHABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação no capitalismo tardio. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1980____. Conhecimento e Interesse. Rio de Janeiro: Zahar, 1982____. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989____. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, 2 v.____. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1992FREITAG, Bárbara. Teoria Crítica: ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1988SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Razão Comunicativa e Emancipação. 3. ed. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 199438


ANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDOPROCESSO LEGAL NO DIREITOBRASILEIRO E COMPARADOGil Ferreira de Mesquita*sumário1. Introdução2. Antecedentes históricos3. A Constituição Imperial4. Da Constituição Republicana à EmendaConstitucional nº 1 (1969)resumo5. O due process of law no direito comparado6. Conclusão7. Referências bibliográficasO presente estudo foi realizado na tentativa de apresentar aos leitores alguns aspectos dodevido processo legal no direito pátrio e em outros ordenamentos jurídicos, demonstrandoseu desenvolvimento histórico, sua presença (ou não) em nossas Constituições, alguns importantesposicionamento doutrinários e, principalmente, o atraso constitucional brasileirono tocante à previsão expressa da secular garantia do due process of law.1INTRODUÇÃOO uruguaio Eduardo Couture, no finalda década de 40, apontava para aunião indissolúvel entre processo eConstituição. Para ele o processo seriaum instrumento da tutela do direito, quesomente seria realizada através das previsõesconstitucionais. Neste passo aConstituição pressupõe a existência doprocesso, como garantia de defesa dapessoa humana, sendo que os TextosConstitucionais do século XX, com algumasexceções, reconhecem a neces-sidade de apresentarem “proclamaçãoprogramática de princípio do direito processual”no conjunto dos direitos e garantiasda pessoa humana (BARACHO,1984, p. 125).Modernamente continuam inseparáveisas normas processuais e a Constituição1 . Por este prisma, a doutrina aponta– didaticamente – a existência de umDireito Constitucional Processual e de umDireito Processual Constitucional. O primeiro,conforme aponta NERYJÚNIOR, (1999, p. 20-21), seria o “conjuntodas normas de direito processual quese encontram na Constituição Federal” e____________________* Gil Ferreira de Mesquita – Advogado, Professor de Teoria Geral do Processo da Universidade de Uberaba – UNIUBE e do Centro Universitáriodo Triângulo – UNIT, Mestrando em Direito Público pela Universidade de Franca – UNIFRAN e Diretor do Instituto de Estudos JurídicosContemporâneos – IJCON.1 Para GUERRA FILHO (1997, p. 179), “de uma perspectiva formalista, segundo a qual o que é próprio de uma constituição seria o estabelecimentode normas para a elaboração e identificação de outras normas da ordem jurídica nela baseada, podemos perfeitamente classificar as normas ‘pornatureza’ constitucionais como processuais. De fato, todo o aspecto organizatório, a distribuição de competências e de poderes entre as diversasesferas estatais, reveste-se de um caráter processual, ao tratar de matéria diversa daquela que se considera aqui de direito material, já que nãoimpõem diretamente nenhum padrão de comportamento a ser assumido pelos integrantes da sociedade política. Por outro lado, não se pode deixarde considerar tipicamente constitucional a fixação de certos modelos de conduta, pela atribuição de direitos, deveres e garantias fundamentais,onde se vai encontrar a orientação para saber o que se objetiva atingir com a organização delineada nas normas de procedimento”.39


UNIJUSANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOo segundo seria “a reunião dos princípiospara o fim de regular a denominadajurisdição constitucional”. ParaBARACHO (1984, p. 126) o Direito ProcessualConstitucional compreende oestudo dos instrumentos processuaisgarantidores do cumprimento das normasconstitucionais 2 , enquanto o DireitoConstitucional Processual ocupa-se doestudo sistemático dos conceitos, categoriase instituições inseridas no textoconstitucional. Trata-se, pois, de “umavia de duas mãos, pois se o direito processualé estruturado constitucionalmente,também mediante o processo podesebuscar a concretização da idéia de justiçaplasmada, com alto grau de abstração,na Constituição”, conforme afirmaCAMBI (2001, p. 103) em excelentemonografia.No exemplo brasileiro esta discussãoé relativamente nova, pois emboratodas as Cartas tenham trazido uma quantidaderazoável de regras processuais 3 –de maneira preponderante dirigidas aoprocesso penal – somente com a ConstituiçãoFederal de 1988 tais garantias foramefetivamente reconhecidas por todosaqueles que operam o direito. A explicaçãoé simples, como afirma NERY JÚNIOR(1999, p. 19): “isto se deve a um fenômenocultural e político por que passoue tem passado o Brasil ao longo de suaexistência. Referimo-nos ao fato de oPaís ter tido poucos hiatos de tempo emEstado de Direito, em regime democrático,em estabilidade política enfim”.A maior inovação processual da atualConstituição Federal é justamente a previsãoexpressa do due process of law(devido processo legal), que para algunsautores é considerado um “super princípio”.Para outros, chega a ser confundidocom o próprio Estado de Direito 4 , dadaa sua excessiva abrangência, desdobrando-seem uma série de outros princípios(BASTOS, 1995, p. 209).2ANTECEDENTES HISTÓRICOSA garantia do devido processo legaltem origem na Inglaterra, através daMagna Carta (Magna Carta Libertatum)outorgada pelo Rei João Sem Terra(Lackland) 5 no ano de 1215, contendouma série de direitos feudais conquistadospelos barões ingleses que marcharamsobre Londres em 24 de maio de1215, ocasião em que demonstraram todoseu descontentamento com o soberano,obtendo apoio irrestrito dos londrinos.Encontramos na obra do professorJayme de ALTAVILA (1997, p. 147) alição de que tal revolução ocorrera porque“habituados à suavidade das antigasleis, baseadas nos seus costumes, os inglesessentiam o látego do plantageneta____________________2 No entender de CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (1993, p. 73) o “direito processual constitucional abrange, de um lado, (a) a tutelaconstitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária e do processo; (b) de outro, a jurisdição constitucional”. Esta últimacompreende, para os autores, o controle judiciário da constitucionalidade das leis e dos atos da Administração, bem como a jurisdição constitucionaldas liberdades, com o uso dos remédios constitucionais-processuais.3 As disposições processuais contidas nas Constituições brasileiras são bem tratadas por Roberto Rosas em sua obra “Direito processual constitucional”,publicada pela Revista dos Tribunais.4 Para José Afonso da SILVA (1993, p. 103), o Estado de Direito era um conceito tipicamente liberal, cujas características básicas foram a submissãoao império da lei, a divisão de poderes e enunciado e garantia dos direitos individuais.5 Filho de Enrique II e de Leonor de Aquitânia, chamado “sem terra” porque não fora contemplado na herança paterna, subiu ao trono não pordireito divino, mas por sufrágio, sendo coroado na festa da Ascensão, em 27 de maio de 1199, em sucessão a seu irmão, o Rei Ricardo Coraçãode-Leão.Morreu aos 19 de outubro de 1216, de disenteria.40


ANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOvelhaco e se conjuraram numa luta sincerapelo clima de segurança e estabilidadedo passado, jurando fidelidade sobreas relíquias dos seus santos”. Podemosatribuir esta revolta ao fato de que,para sustentar suas campanhas bélicas,João passou a exigir elevados tributosdos barões e estes a seu turno, passarama “exigir periodicamente, como condiçãopara o pagamento dos impostos, oreconhecimento formal de seus direitos”(COMPARATO, 1999, p. 59).O encontro efetivo entre o soberanoe os revoltados deu-se no dia 15 de junho,em Runnymede, ocasião em quefora apresentado aquele o documentointitulado Articles of the Barons, que serviriade base para a Carta Magna. Estedocumento trazia em sua cláusula 39 6 ,por alguns chamada de “coração da MagnaCarta”, a estipulação de que “nenhumhomem livre será detido ou preso, nemprivado de seus bens, banido ou exiladoou, de algum modo, prejudicado, nemagiremos ou mandaremos agir conta ele,senão mediante um juízo legal de seuspares ou segundo a lei da terra”. Emborainicialmente escrito em latim, o documentoconsagrou as expressões by thelawful judgement of his equals e, talveza mais importante, the law of the land 7 .Posteriormente, esta última expressãofoi substituída por due process of law,conforme conhecemos modernamente,o que ocorreu somente em 1354, duranteo reinado de Eduardo III, após ediçãode lei do Parlamento inglês, onde o atualtermo é “curiosamente atribuído a umUNIJUSlegislador desconhecido” (CASTRO,1989, p. 10).Daí, as determinações daquela conquistados barões ingleses passaram avigorar nos ordenamentos posteriores,como nas constituições das colônias inglesasda América do Norte: Declaraçãodos Direitos da Virgínia (1776), Declaraçãode Delaware (1776), Declaração dosDireitos de Maryland (1776), Declaraçãodos Direitos da Carolina do Norte (1776),Declaração do Estado de Vermont (1777),Constituição de Massachussetts (1780),Constituição do Estado de NewHampshire (1784) e outras.Somente para ilustrar, vejamos o teorda carta de Massachussetts, de 25 de outubrode 1780, que em sua parte primeira,inciso XII preceituava: “nenhum cidadãopoderá ser preso, confinado, despojado ouprivado de seus bens, imunidades, privilégios,fora da proteção da lei, exilado, ouprivado de sua vida, liberdade, ou de seupatrimônio, exceto por julgamento de seuspares, ou pela lei da terra”.Não obstante a consagração trazida noordenamento colonial, a Declaração de Independênciados Estados Unidos não previuo princípio já firmado naquelas declaraçõesestaduais, limitando-se a “proclamaro princípio de que todos os homenssão iguais por criação e dotados de direitosinalienáveis, como a vida, a liberdade e abusca da felicidade” (GRINOVER, 1973,p. 27). Também a Convenção de Filadélfia,aprovando a Constituição Americana(1787), não contemplou a proteção aosdireitos individuais.____________________6 É costume da doutrina apresentar tais garantias na ordem em que vieram dispostas na Magna Carta, ou seja em cláusulas. Aliás, preferimos falarem cláusulas, e não em artigos ou itens. Por tratar-se de um pacto entre o Soberano e os Barões esta terminologia nos parece a mais adequada.Todavia, há quem afirme, como COMPARATO (1999, p. 57), que a o texto foi redigido sem divisões nem parágrafos, mas é “comumenteapresentado como composto de um preâmbulo e de sessenta e três cláusulas”.7 Conforme aponta Jorge MIRANDA, a Magna Charta, foi confirmada seis vezes por Henrique III, três vezes por Eduardo I, catorze vezes por EduardoIII, seis vezes por Ricardo II, seis vezes por Henrique IV, uma vez por Henrique V e uma vez por Henrique VI (MORAES, 1998, p. 25).41


UNIJUSANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOPor iniciativa de Thomas Jefferson,Madison e Mason, foi submetido ao CongressoNacional o conjunto das primeirasEmendas, num total de dez, chamado deBill of Rights, que foram incorporadas àConstituição em abril de 1791. Fez-se constarna Emenda nº 5 o princípio do devidoprocesso legal, nos seguintes termos:“Ninguém será obrigado a responderpor um crime capital ou infamante,salvo por denúncia ou acusação peranteum grande júri, exceto em se tratandode casos que, em tempo de guerra ou deperigo público, ocorram nas forças deterra ou mar, ou na milícia, durante serviçoativo; ninguém poderá pelo mesmocrime ser duas vezes ameaçado em suavida ou saúde; ninguém poderá ser constrangidoa depor contra si mesmo emprocesso criminal, nem ser privado davida, liberdade, ou bens, sem processolegal. Nem a propriedade privada poderáser expropriada para uso público semjusta indenização”.Também a Emenda nº 14, ratificadapelos legislativos estaduais em 1868, trouxeestipulação referente àquele princípio,tendo, em síntese, a redação: “nenhumEstado privará qualquer pessoa da vida,liberdade ou propriedade sem o devidoprocesso legal”.Por estas modificações trazidas àConstituição dos Estados Unidos, o institutodo due process of law “foi ampliadopara proteger o povo, em relação tambémàs leis e constituições estaduais, jáque nos Estados Unidos, onde o princípiofederalista – e descentralizador – émuito forte, os Estados têm competênciapara legislarem sobre o direito material(substantivo) e processual (adjetivo),na correta classificação de Bentham”(SILVEIRA, 1997, p. 27).A lição de Carlos Roberto SiqueiraCASTRO (1989, p. 11) aponta a granderesponsabilidade que tiveram os EstadosUnidos em influenciar a adoção de tal princípiopor outros ordenamentos, porque“através do fenômeno da recepção, o direitonorte-americano foi o herdeiro diretodessa garantia constitucional, tendo tidoo mérito de embalá-la, criá-la e fazê-la florescercom inexcedível criatividade”.Já no direito brasileiro, a inclusãodefinitiva e expressa da garantia do dueprocess of law veio somente com a ConstituiçãoFederal de 1988, que em seu art.5º, LIV prevê que “ninguém será privadoda liberdade ou de seus bens sem odevido processo legal”, sendo esta ordemcomplementada pelo inciso LV domesmo artigo: “aos litigantes, em processojudicial ou administrativo, e aosacusados em geral são assegurados ocontraditório e a ampla defesa, com osmeios e recursos a ela inerentes”.Daí, vê-se que o Brasil, com um atrasosecular – e somente na sua oitavaConstituição – trouxe finalmente a seuordenamento jurídico este princípio conquistadopelos barões ingleses em 1215,do qual derivam para o processo civil,penal e administrativo uma série de outrasgarantias.Contudo, embora de maneira nãoexpressa, as Cartas Constitucionais brasileirastrouxeram estipulações que garantiramaos cidadãos alguns direitos queinfluenciaram grandes debates jurídicosentre aqueles que desacreditavam completamentena presença da garantia emnosso ordenamento e os que pretendiamenxergá-la onde fosse possível. Passaremosa comentar esta ausência sentida,principalmente quanto à Constituição de1824, a primeira a omitir-se.42


ANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADO3A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL 8____________________8 Os dispositivos Constitucionais aparecem neste trabalho em suas redações originais.UNIJUSO pensamento liberal do final do séculoXVIII e início do século XIX produziuuma natural influência no Brasil,mesmo durante a regência de D. João.Com a volta da família real para Portugal,ficando o Brasil sob a regência deD. Pedro I, surge um movimento com ointuito primeiro de dar ao país a sua primeiraConstituição.Isso é evidente quando a convocaçãoda Assembléia Constituinte dá-seantes mesmo da proclamação da independência,vindo a instalar-se em 3 demaio de 1823 sob a presidência de D.José Caetano da Silva Coutinho, tendodiscursado na sessão de abertura o Imperador.Por não conseguir resultado satisfatórioem seus trabalhos, a Constituintefoi dissolvida em 6 de novembro de 1823e a incumbência de elaborar um novoprojeto para a lei maior foi entregue aoConselho de Estado, órgão formado pordez membros. Na verdade, esse gruponão elaborou efetivamente outro projeto,apenas incidiu seus esforços paraaprimorar o que fora apresentado peloImperador, que esteve presente em váriasreuniões do Conselho, participandodiretamente dos debates.Terminada a elaboração do projeto –em menos de um mês – a primeira CartaConstitucional deveria passar pelo crivodas câmaras municipais, então o maisimportante órgão de representatividadedos governados. Essa “consulta às bases”deu-se principalmente em virtudeda preocupação sempre presente do Imperadorem manter sua imagem de liberale a necessidade de apagar da memóriados brasileiros a impressão deixadapela violência contra a Constituinte recentementedissolvida.Após encaminhar o projeto às câmaras,elas manifestaram seu desejo de outorgaimediata da Constituição, o que foiprontamente atendido por D. Pedro I, quea jurava em 25 de março de 1824. Sobreo célere procedimento escrevem PauloBONAVIDES e Paes de ANDRADE(1988, p. 80): “tudo terminou como D.Pedro I queria: uma Constituição outorgada;liberal em matéria de direitos individuais,mas centralizadora e autoritáriana soma dos poderes que concedia aomonarca constitucional”.O comentário tem sua explicaçãoporque a Constituição de 1824 trouxe,além dos três poderes políticos idealizadospor Montesquieu (legislativo, executivoe judiciário), um quarto poder,denominado Poder Moderador, consubstanciadono art. 98: “o Poder Moderadoré a chave de toda a organização Política,e é delegado privativamente ao Imperador,como Chefe Supremo da Nação, eseu Primeiro Representante, para queincessantemente vele sobre a manutençãoda Independência, equilíbrio, e harmoniados mais Poderes Políticos”. Curiososos atributos da figura imperialcontidos no artigo seguinte: “a pessoado Imperador é inviolável, e Sagrada. Elenão está sujeito a responsabilidade alguma”.Outro exemplo interessante refereseao processo legislativo (art. 64), quandoo Imperador não aprovasse determinadoprojeto de lei. Na hipótese, responderiaà Câmara dos Deputados que de-43


UNIJUSANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOseja meditar sobre o assunto, devendoaquela casa legislativa responder: “louvaa Sua Magestade Imperial o interesse,que toma pela Nação”.No entanto, a Constituição Imperialé considerada, por alguns autores, a maisliberal de todas as cartas políticas brasileiras.Celso BASTOS (1995, p. 50), inclusive,leciona que “a Constituição outorgadaem 1824, embora sem deixar detrazer consigo características que hojenão seriam aceitas como democráticas,era marcada, sem dúvida, por um grandeliberalismo que se retratava, sobretudo,no rol dos direitos individuais queera praticamente o que havia de maismoderno na época ” .Assim, sendo a Constituição Imperialuma legítima propagadora dos ideaisliberais que reinavam à época, nada maislógico que muitos desses direitos individuaistivessem como espelho a Declaraçãodos Direitos do Homem e do Cidadão,declarada e reconhecida pela AssembléiaNacional francesa em 1789. Omestre Pimenta Bueno, citado porCRETELLA JÚNIOR (1995, p. 31), chegoua declarar que “nosso direito públicopositivo é a sábia Constituição Política,que rege o Império; cada um de seusbelos artigos é um complexo resumidodos mais luminosos princípios do direitopúblico filosófico, ou racional”.Para José CRETELLA JÚNIOR(1995, p. 31-32), sob a influênciainquestionável do jurista e pensador francêsBenjamim Constant, a Carta Imperialpode ser considerada um hino à liberdade,principalmente pelos seguintes aspectos:assegurou a inviolabilidade dosdireitos civis e políticos do brasileiro;evidenciou o princípio da legalidade; firmouo princípio da irretroatividade da lei;aboliu privilégios que não fossem essenciaise inteiramente ligados aos cargospor utilidade pública; outorgou plena liberdadede consciência, crença e culto;ordenou que ninguém seria perseguidopor motivo de religião, desde que estanão ofendesse a moral pública e fosserespeitada a religião oficial do Estado;aboliu os açoites, a tortura, proibiu amarca de ferro quente e todas as demaispenas cruéis, dentre outros avanços.No que toca ao due process of law, amodernidade destacada por Celso Bastosnão pode ser aceita, nem tampoucoa observação da maioria dos constitucionalistasde que a base para a CartaImperial tivesse sido a Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão. Afirmamosassim porque é imperdoável aomissão da Carta de 1824 em relaçãoàquele princípio do devido processo legal,já que em outros ordenamentos, bemmais antigos, já havia a previsão. É certoque a própria Constituição Americanade 1787 também omitiu-se, mas o equívocofoi reparado com a edição do festejadoBill of Rights (1791), a que fizemosreferência anteriormente.A própria declaração da França ordenavaem seu art. 7º que “nenhum homempode ser acusado, encarcerado nemdetido a não ser nos casos determinadospela lei e consoante as formas por elaprescritas”, numa clara referência ao direitoconquistado pelos ingleses nos camposdominados pela tirania.A Constituição Política do Império,sob a rúbrica de “Garantias dos DireitosCivis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros”,fez constar do artigo 179 a quantidadelouvável de trinta e cinco incisosprevendo direitos individuais. Além dosjá citados quando do comentário de44


ANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOCretella Júnior, alguns foram ditadoscomo verdadeiras garantias de um ilusóriodevido processo penal, como comentao magistrado Paulo Fernando SILVEIRA(1997, p. 28): “não há registro históricono sentido de que, ao tempo da Constituiçãoimperial outorgada por D. PedroI, em 1824, haja o direito brasileiro tomadoconhecimento do instituto do devidoprocesso legal, senão vaga, nebulosae, imprecisamente, na área criminalprocedimental”.São exemplos desta afirmação: ninguémpoderá ser preso sem culpa formada,exceto nos casos declarados naLei (inciso VIII); ainda com culpa formada,ninguém será conduzido à prisãoou nela conservado estando já preso, seprestar fiança idônea, nos casos, que aLei a admite (inciso IX); à exceção deflagrante delito, a prisão não pode serexecutada, senão por ordem escrita daautoridade legítima (inciso X) e; ninguémserá sentenciado, senão pela autoridadecompetente, por virtude de lei anterior, ena forma por ela prescrita (inciso XI).Esta larga previsão merece o comentáriode Ada Pellegrini GRINOVER (1973,p. 128), para quem, “em matéria penal,substancial ou processual, as Constituiçõesbrasileiras sempre foram ricas emgarantias, vedando penas e protegendo aliberdade física, expedindo normas sobrea prisão legal, erigindo em princípioconstitucional a incomunicabilidade dapena, assegurando a integridade física emoral do preso, garantindo o contraditórioe o direito de ampla defesa”.Evidente, pois, que a garantia do dueprocess of law – expressamente – nãofigurou no texto imperial. A doutrina, noentanto, dedicou-se para encontrá-la noextenso rol de garantias, naturalmenteUNIJUSdirecionadas à esfera penal. PaulinoJACQUES (1958, p. 369), por exemplo,chegou a afirmar que o art. 179, item11, consagrava o devido processo legal,ordenando que “ninguém será sentenciado,senão pela Autoridade competente,por virtude de Lei anterior, e na fórmapor ella prescripta”.4DA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANAÀ EMENDA Nº 1 (1969)É indiscutível que nenhuma dasConstituições brasileiras anteriores à de1988 trouxe a garantia do devido processolegal, de maneira expressa. Parecetambém indiscutível para a doutrinaque as previsões trazidas nos textos magnosfazem referência às ações tipicamentepenais e pode-se considerar assim apenaspela leitura dos dispositivos constitucionais.Inseparável de nossa discussão omagistério de JACQUES (1958, p.369), entendendo que as Constituiçõesde 1891 e 1937 traziam de maneira implícitaa cláusula da “legalidade do processo”,como prefere tratar o dueprocess. A Carta Republicana, para ele,incluía a garantia no art. 72, § 15:“ninguém será sentenciado, senão pelaautoridade competente, em virtude delei anterior e na forma por ella regulada”.Já a Carta de 1937 incluiu a garantiano preceito da irretroatividadeda lei penal (art. 122, item 13): “nãohaverá penas corpóreas perpétuas. Aspenas estabelecidas ou agravadas nalei nova não se aplicam aos fatos anteriores(...)”.Sem embargo dos posicionamentoscontrários, alguns autores firmaram en-45


UNIJUSANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOtendimento de que, tendo todas as Constituiçõesbrasileiras, com exceção daImperial 9 , consagrado a possibilidade deaplicação de outros direitos e garantiasdecorrentes do regime e dos princípiosadotados pela Constituição, ocorreu nestasCartas a adoção pelo direito constitucionalbrasileiro da cláusula do dueprocess of law, já que a enumeração dosdireitos e garantias do Texto Constitucionalautorizava sua aplicação em todosos contextos jurídicos, sociais e políticos.Carlos Alberto Bittencourt (LIMA,1999, p. 166), na vigência da Constituiçãode 1946, defendia que “sendo o nossoregime com base precipuamente noamericano, é manifesto que todas aquelasgarantias que o direito constitucionaldos Estados Unidos reconhece aos cidadãosamericanos se incluem, também,ex vi do art. 144 da nossa Constituição 10 ,entre os que assistem, necessariamente,aos cidadãos brasileiros. Esta conclusãoé tanto mais importante quanto é certoque, em virtude dela, deverá ter plenaaplicação entre nós a cláusula do dueprocess of law, que o legislador constituintenão enumerou expressamente”. JáPinto FERREIRA (1983, p. 571), adotandoa chamada “técnica constitucionaldo liberalismo político”, defende que agarantia do devido processo legal estariainserta – por derivação lógica e em linhasamplas – no mandamento do art.141, § 4º, da Constituição de 1946, queditava: “a lei não poderá excluir da apreciaçãodo Poder Judiciário qualquer lesãode direito individual”.Sob a égide da Constituição de 1967,José Frederico Marques (LIMA, 1999,p. 167) proclamava que “no direitopátrio, está implícita entre as garantiasconstitucionais, a do chamado dueprocess of law em face do que diz o art.150, § 35, da Constituição do Brasil de1967 11 (...)”. Em outro estudo, o próprioFrederico MARQUES (1976, p.372) entendia que o art. 153, § 4º daEmenda Constitucional nº 1, de 1969 12 ,consagrava o devido processo legal aomesmo instante em que garantia aos cidadãoso direito ao processo, ou seja, oexercício pleno da tutela jurisdicional nasolução das lides. Afirmava que “o direitode pedir a intervenção do Judiciárioconsiste, pois, em direito ao devido processolegal” com suas implicações essenciais:direito de ação em paridade como direito de defesa, a garantia do contraditórioe a imparcialidade do juiz.Parece, todavia, que a imagemmarcante do devido processo legal nasConstituições que antecederam o Textode 1988 foi a de uma garantia que, nahipótese de ser reconhecida pelos estudiososdo direito, era aplicada apenas aoprocesso penal. Válido o exemplo da ProfessoraAda Pellegrini GRINOVER(1973, p. 129), de que a antiga CorteSuprema – em Agravo de Petição no anode 1936 – a propósito da argüição deinconstitucionalidade de norma processualcivil, em face do art. 113, item 24 13 ,____________________9 Paulino Jacques, como já anotado anteriormente, entendia que mesmo a Constituição Imperial consagrava o devido processo legal.10 “A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípiosque ela adota.”11 A redação deste dispositivo é idêntica à constante da nota anterior.12 “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão do direito individual (...).”13 “A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os meios e recursos essenciais a esta.”46


ANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOda Constituição de 1934, entendeu que oreferido preceito, a par dos incisos 21 e31, consagrava garantias a réus somenteno âmbito das ações penais. Natural,pois, reconhecermos que as Constituiçõesbrasileiras cuidaram diligentementedas garantias individuais na esfera doprocesso penal, o que não ocorreu noâmbito processual civil.5O DUE PROCESS OF LAW NODIREITO COMPARADO.A comparação entre sistemas jurídicostem sido utilizada pelos juristas háalguns séculos. Embora o surgimentooficial do direito comparado para a comunidadejurídica internacional tenhaocorrido no primeiro Congresso Internacionalde Direito Comparado – realizadoem Paris em 1900 – não podemos considerartal data como seu marco inicial.Conta René DAVID (1978, p. 25) que “acomparação dos direitos, considerados nasua diversidade geográfica, é tão antigacomo a própria ciência do direito”. Segundoo francês, Aristóteles estudou 158constituições que regeram cidades gregasou bárbaras para escrever seu tratadosobre a Política; que a lei das XII Tábuasnão foi concebida senão após um estudocomparado realizados nas cidades daGrande Grécia; e Montesquieu, na tentativade penetrar no espírito das leis e alinhavarprincípios para um sistema degoverno ideal, não fez outra coisa senãoesforçar-se pela comparação.UNIJUSO direito brasileiro, contudo, não seutilizou deste consagrado método paratrazer ao ordenamento pátrio a garantiado devido processo legal no tempo emque devia. É indiscutível que a atualConstituição Federal (art. 5º, LIV) inovouem relação ao textos anteriores, trazendoexpressamente tal garantia destinadaao processo civil, penal e administrativo,havendo litigantes ou acusado.Esta previsão inédita desdobra-se emoutras garantias específicas, que não sãoobjeto deste trabalho, mas que merecemser verificadas na melhor doutrina 14 .Porém, o que pretendemos evidenciarneste tópico – além dos aspectos gerais dodevido processo legal – é a afirmação históricado atraso constitucional brasileiro emrelação a outros Estados, porque já afirmamosalhures o vazio cronológico quehá entre a origem inglesa do due process oflaw, a sua previsão no direito norte-americanoe a Constituição brasileira de 1988.Na Alemanha, conforme apontaLIMA (1999, p. 47-48) a Lei Fundamentalde Bonn, datada de 23 de maio de 1949,contém “garantias rígidas e explícitas contraa ingerência do Estado nos direitosfundamentais, entre as quais destacamosuma norma equivalente ao conteúdo dodevido processo legal, em sua feiçãoprocedimental”: o faires Verfahren, ou odireito a um processo honesto ou justo,fundamentado no princípio do Estado deDireito 15 . Em outras palavras, o fairesVerfahren é a exata correspondência dodireito alemão ao devido processo legalnorte-americano, em âmbito processual.____________________14 A doutrina costuma arrolar como garantias advindas do devido processo legal: a garantia do juiz natural, o contraditório, a ampla defesa, apublicidade, a igualdade processual, inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos, dentre outras.15 “Capitulo 20 - (1) La Republica Federal Alemana es un Estado Federal democratico y social. (2) Todo poder estatal emana del pueblo, quien loejercera en las elecciones y votaciones y a traves de organos especiales de legislacion, de ejecucion y de jurisdiccion. (3) El Poder Legislativoestara vinculado al orden constitucional y el Poder Ejecutivo y el Judicial estaran sujetos a la ley y al derecho. (4) Todo aleman tendra derechode resistencia, cuando no exista otro remedio, contra quienquiera que se proponga eliminar el orden de referencia.”47


UNIJUSANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOÉ bom salientar, ainda, que o direitoalemão sofreu influência negativa do nazismona primeira metade do século, oque não impediu que fossem criados eficazesinstrumentos garantidores dos direitosfundamentais em face da atuaçãoautoritária dos poderes estatais.No direito espanhol o trabalho da doutrinaconsiste em interpretar o art. 24 daConstituição, datada de 1978 e retirar desuas disposições a garantia do devido processolegal. Dita o artigo: “1) Todas laspersonas tienem derecho a obtener la tutelaefectiva de los jueces y tribunales enel ejercicio de sus derechos e intereses legítimos,sin que, en ningún caso, puedaproducirse indefensión. 2) Asimismo, todostienem derecho al Juez ordinario predeterminadopor la ley, a la defensa y ala asistencia de letrada, a ser informadosde la acusación formulada contra ellos,a un proceso público sin dilacionesindebidas y com todas las garantías, autilizar los medios de prueba pertinentespara su defensa, a no declarar contra símismos, a no confesarse culpables y a lapresunción de inocencia. (...)”.Como pode ser visto, tal dispositivovem dividido em dois itens: para o primeiroitem a interpretação da doutrina éno sentido de que sua redação faz referênciaao direito à jurisdição (direito deação), sendo um “direito de acesso” nãocompreendido no devido processo legal.Já no segundo item estaria a previsão dagarantia, pelos espanhóis chamada deproceso debido. Comenta ESPARZALEIBAR (1995, p. 166): “donde encajaríapropiamente el proceso debido, encualquiera de sus acepciones, es en elart. 24.2 que, y siempre a decir de ladoctrina mayoritaria, recoge las garantíasque, ya dentro del proceso, aseguran comsu cumplimiento el carácter de debidodel proceso al que se apliquen”. Para oautor, o conteúdo do processo devido éconstituído pelas seguintes prerrogativas:direito ao juiz ordinário, à assistência deadvogado, de ser informado da acusaçãoformulada, direito a um processopúblico sem dilações indevidas e comtodas as garantias, direito a utilizar osmeios de prova pertinentes para sua defesa,direito a não declarar contra si mesmoe a não confessar-se culpado, e direitoà presunção de inocência.Na Constituição da Argentina – datadade 1853 – encontramos diversosdispositivos que, segundo seus doutrinadores,passaram a integrar o chamadodebido proceso legal desde aqueleséculo, como pode ser observado emseu artigo 18: “ningún habitante de laNación puede ser penado sin juicioprevio fundado en ley anterior al hechodel proceso, ni juzgado por comisionesespeciales o sacado de los jueces designadospor la ley antes del hecho dela causa. Nadie puede ser obligado adeclarar contra sí mismo, ni arrestadosino en virtud de orden escrita deautoridad competente. Es inviolable ladefensa en juicio de la persona y delos derechos. (...)”.A este respeito, baseada nos ensinamentosde Juan Francisco Linares eAugusto Mario Morello, leciona MariaRosynete Oliveira LIMA (1999, p. 57):“o dispositivo retrocitado é tido comobaluarte da liberdade do indivíduo devidoao seu amplo conteúdo – exigênciade processo prévio, reserva legal,anterioridade, juiz natural, ampla defesae outros – os quais são consideradoscomo nuances da garantia emfoco”.48


ANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOA Constituição do Panamá, datada de1904, previa em seu artigo 22, § 1º, que“nadie podrá ser juzgado ni sentenciadosino por los jueces o tribunales competentes,en virtud de las leyes anterioresal delito cometido y en la forma que éstasestablezcan”. Esta redação sofreu pequenasalterações estruturais nos Textosposteriores (1941, 1946, 1972 e 1983).Até a década de 70 o devido processolegal no direito panamenho era destinadoapenas ao processo penal 16 , uma vez queo próprio texto da Constituição falava emdelito. Neste passo, a garantia consistiaem “un derecho fundamental del sujeto,según el que nadie será sancionado penalmentesi previamente no se declarasu responsabilidad penal en un juicio seguidode acuerdo con las formalidadesprevistas en la ley y con pleno respetode los derechos que en el ordenamientose consagran en favor de tal persona”,conforme afirma MUÑOZ POPE (1999,p. 17-18).Modernamente, conforme apontaArturo HOYOS (1987, p. 64), o debidoproceso legal é assegurado aos litigantesem processos cíveis, criminais, trabalhistas,etc., nas seguintes dimensões:oportunidades razoáveis de serem ouvidaspor um juízo competente, previamenteestabelecido em lei, independente eimparcial; de manifestarem a respeito daspretensões e manifestações da parte contrária;de produzir provas lícitas relacionadascom o objeto do processo e de contradizeras produzidas pelo adversário; eUNIJUSfazer uso dos meios de impugnação previstosem lei contra decisões judiciais.Em verdade, trata o autor daquilo quepodemos chamar de “desdobramentosdo devido processo legal”, o que ocorreatravés dos princípios do juiz natural,contraditório, ampla defesa e duplograu de jurisdição, já consagrados entrenós. O próprio MUÑOZ POPE(1999, p. 20), autor dedicado ao temasobretudo no campo processual penal,destaca que em nenhum caso o Estadopode prescindir do processo para imporuma determinada sanção penal oude outra natureza, “ya que el derechotiene la virtualidad de extender-se a todala actividad jurisdiccional, sin importarla clase de proceso, pues es aplicable atodos los sectores del ordenamiento jurídicopátrio”.No México, a Constituição Federalde 1857 17 previa em seu artigo 14, parágrafosegundo: “nadie puede ser privadode la vida, de la libertad, de susposesiones, propiedades o derechos, sinomediante juicio seguido ante los tribunalespreviamente establecidos, en el que secumplan las formalidades esenciales delprocedimiento y conforme a las leysexpedidas com anterioridad al hecho”.Este dispositivo, segundo BURGOA(2000, p. 524), consagra a garantia deexata aplicação da lei, posteriormente interpretadapela doutrina e pela SupremaCorte de Justiça como garantia de audiência18 . Segundo o professor, o art. 14da CF desdobra-se em quatro garantias____________________16 Segundo LIMA (1999, p. 152), há registro de uma sentença da Corte Suprema de Justiça, datada de 1956, em ação de divórcio, fundamentadana violação do art. 32 da Constituição de 1946, à época, consagradora do devido processo legal.17 A atual Constituição manteve este artigo, com mínimas alterações em sua redação, sem, contudo, modificar o alcance da garantia.18 BARACHO (1984, p. 123), lembrando o magistério de Héctor Fix-Zamudio, informa que a Constituição Mexicana pretendeu consagrar o devidoprocesso legal tendo como modelo o direito norte-americano, mas a redação defeituosa motivou interpretação jurisprudencial que levou à garantiade justiça.49


UNIJUSANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOespecíficas de segurança jurídica: que oprocesso seja iniciado antes do ato deprivação do direito; que tal processo tramitepor tribunais previamente estabelecidos;que para o mesmo sejam observadasas formalidades essenciais do procedimento;e que a sentença seja ditadaconforme as leis existentes, com atençãoao fato ou circunstância que houverdado motivo ao processo.Ainda para BURGOA (2000, p. 524),a garantia de audiência é uma das maisimportantes dentro de qualquer ordenamentojurídico, sendo a principal defesade que dispõe todo governado frente aosatos do Poder Público que tendam aprivá-lo de seus mais caros direitos e seusmais preciosos interesses. Conclui omexicano (2000, p. 537) que “el tenorde esta disposición constitucional, concebidaen sus propios términos en elProyecto de Constitución elaborado pordon Venustiano Carranza y que fueronaprovados sin discusión en el Congresode Querétaro, corresponde a la fórmulanorteamericana del ‘debido proceso legal’,tal como ha sido interpretada por lajurisprudencia de la Suprema Corte delos Estados Unidos ”.Na Guatemala, a Constituição queentrou em vigor no dia 14 de janeiro de1986 previu, em seu artigo 12, o “direitode defesa”. Na verdade, trata-se de umconjunto de garantias à pessoa – contraditório,juiz natural e ampla defesa – quevêm a formar o devido processo legalnos termos consagrados mundialmente.Vejamos: “la defensa de la persona y susderechos son inviolables. Nadie podráser condenado, ni privado de susderechos, sin haber sido citado, oído yvencido en proceso legal ante juez o tribunalcompetente y preestablecido.Ninguna persona puede ser juzgada porTribunales Especiales o secretos, ni porprocedimientos que no estén preestablecidoslegalmente”.A Nicarágua promulgou sua Constituiçãoaos 19 de novembro de 1986 efez constar expressamente, de modo pioneiroem relação ao Brasil, o princípiodo devido processo legal, conforme redaçãodo artigo 33: “nadie puede sersometido a detención o prisión arbitraria,ni ser privado de su libertad, salvopor causas fijadas por la ley y con unarreglo a un procedimiento legal”. Obviamente,trata-se de disposição inerenteaos processos penais. Entretanto, o artigoseguinte amplia a proteção do art. 33,ao prescrever que todo processado temdireito, em igualdade de condições: à presunçãode inocência, a um processo semdilações presidido por tribunal estabelecidoem lei, direito a recurso, à defesaampla e adequada desde o início doprocesso, a uma sentença fundamentadanos termos da lei, etc. Já a Constituiçãodo Uruguai de 1934, previa emseu artigo 12 que “nadie puede ser penadoni confinado sin forma de procesoy sentencia legal”.Vê-se, pois, que o Brasil não conseguiutrazer à sua Constituição, senão em1988, aquela garantia que em outros paísesjá havia sido consagrada. Talvez,porque as Cartas Constitucionais brasileirastenham sido concebidas em períodosde turbulência político-social, impedindoque o legislador constituinte tivessepensamento voltado aos direitos e garantiasindividuais. É bom lembrar que aCarta Política de 1988 foi elaborada embases democráticas, com representaçãoreal do povo. Aliás, os regimes autoritáriosque vigoraram no Brasil sempre ge-50


ANOTAÇÕES SOBRE O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO DIREITO BRASILEIRO E COMPARADOUNIJUSraram momentos de instabilidade jurídica,impedindo que as Constituições fossemrespeitadas ou até mesmo aplicadasefetivamente, seja no tocante àquelasgarantias individuais, seja no âmbito processualde maneira geral.6CONCLUSÃODiante das considerações apresentadas,podemos concluir:I – A Magna Carta, outorgada peloRei João Sem Terra, no ano de 1215, naInglaterra, constitui o mais importante documentoda história dos direitos humanos,por conter inéditos direitos concedidos porum rei aos seus súditos, constituindo-seno maior modelo para as declarações dedireito que lhe sucederam.II – As Constituições brasileiras –anteriores à promulgada em 1988 – sempreconsagraram o devido processo legalno rol dos direitos e garantias individuais.Contudo, sendo de amplitude limitada,caracterizava-se somente como um “devidoprocesso penal procedimental”;III – A partir da Constituição da Repúblicados Estados Unidos do Brazil(1891) até Emenda Constitucional nº 1(1969), a previsão de que a enumeraçãodos direitos e garantias do texto da Constituiçãonão era taxativa, mas exemplificativa,autorizando a sua aplicação emtodos os contextos jurídico-políticos, fezcom que a mais autorizada doutrina defendessea adoção evidente da garantiado due process of law pelo ordenamentoconstitucional brasileiro.IV – Com a Constituição de 1988, oBrasil inaugurou nova fase em seu ordenamentoconstitucional, posto que previstapela primeira vez expressamente a garantiado devido processo legal, estendida aos litigantesdos processos civil, penal e administrativo,desaparecendo o atraso por vezessecular em relação a outras nações 19 .V – Seja no Brasil, seja no exterior, odevido processo legal manifesta-se comomecanismo eficaz ao estabelecimento deum verdadeiro Estado Democrático deDireito, impedindo que os direitos fundamentaisdo cidadão sejam afetados pelopoder público 20 .referências bibliográficasALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 7. ed. São Paulo: Ícone, 1997.BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense,1984.BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Brasília:Senado Federal, 1988.BRASIL. Senado Federal. Secretaria de Documentação e informação. Direitos humanos. 2.ed.Brasília, 1996.____. Senado Federal. Secretaria de Documentação e informação. Direitos humanos: declaraçõesde direitos e garantias. 2. ed. Brasília, 1996.____________________19 A citação dos países neste trabalho é meramente exemplificativa, não tendo sido esgotadas as possibilidades de outros ordenamentos estarem àfrente do brasileiro quanto à previsão expressa do princípio do devido processo legal.20 Sugerimos como leitura a obra “O devido processo legal na Constituição Brasileira de 1988 e o Estado Democrático de Direito”, de ElizabethMaria de Moura, uma publicação do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, editado por Celso Bastos Editor (2000).51


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AS COMISSÕES DECONCILIAÇÃO PRÉVIAE O ACESSO AO JUDICIÁRIOVeronica Altef Barros*sumário1. Introdução.2. Das comissões de conciliação prévia – Lei 9.958/002.1. Da sua constituição2.2 Do procedimento3. Do acesso ao Poder Judiciário3.1. Do princípio da separação dos Poderese a função jurisdicionalresumo3.2. Do princípio da inafastabilidadeda função jurisdicional3.3. Da jurisdição3.4. Da ação3.4.1. Das condições da ação4. Conclusão5. Referências bibliográficasEm 12 de janeiro de 2000, a Lei 9.958/00 criou as comissões de conciliação prévia como formaextrajudicial de solução dos conflitos individuais de trabalho, propondo, no seu bojo, a obrigatoriedadeda tentativa de conciliação, quando da sua instituição nas empresas ou sindicatos,previamente à propositura da demanda trabalhista. Diante de tal determinação legal, algunsjuristas ainda divergem sobre a constitucionalidade da lei, alegando sua incompatibilidade como princípio da inafastabilidade jurisdicional. Assim, observa-se a necessidade de analisar aaplicação do preceito constitucional e seus limites, bem como a adequação da Lei 9.958/00 e suafinalidade frente ao momento de busca de meios alternativos de solução de conflitos.1INTRODUÇÃOAs comissões de conciliação préviaforam criadas com a finalidade de solucionarextrajudicialmente os conflitos individuaisde trabalho, as quais poderãoser instituídas tanto nas empresas comonos sindicatos, neste último caso as normasde constituição e funcionamentoserão estabelecidas em negociação coletiva.Já quanto àquelas instituídas nasempresas, a Lei 9.958/00 dispõe sobre oseu procedimento. Assim o empregadodeverá apresentar a demanda à comissão,que marcará sessão de tentativa deconciliação em dez dias.Entretanto, caso não haja conciliação,deverá ser elaborada uma declaraçãoconstando a tentativa de conciliaçãofrustrada com a descrição do seu objeto,a fim de que possa ser juntada à eventualreclamação trabalhista (§ 2º, art. 625-D). Havendo impossibilidade da tentativade conciliação, em tais comissões, pormotivos relevantes, estes deverão ser____________________* Veronica Altef Barros – Professora de Direito do Trabalho nos cursos de Direito e Administração de Empresas do Centro Universitário doTriângulo – UNIT, Mestranda em Direito Privado pela Universidade de Franca – UNIFRAN, Especialista em Direito Processual Civil e DireitoComercial pela Universidade de Uberlândia – UFU.53


UNIJUSAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOapresentados na petição inicial da açãointentada perante a Justiça do Trabalho.(§ 3º, art. 625-D).Dentro de uma interpretação literal,observa-se que a lei tem como obrigatóriaa tentativa prévia de conciliação. Eem razão daqueles dispositivos, os juristasvêm divergindo quanto à constitucionalidadedos mesmos.Aqueles que os consideram inconstitucionais,argumentam que os parágrafosmencionados infringem o princípioconstitucional da inafastabilidade do controlejurisdicional ou do direito de açãoe, por conseguinte, o princípio da separaçãodos poderes, tendo em vista que olegislador não pode afastar do Poder Judiciárioqualquer apreciação de lesão ouameaça de direito, bem como significariaum obstáculo ao acesso ao Judiciáriopara os indivíduos.Aqueles que advogam pela sua constitucionalidade,entendem que a tentativade conciliação prévia nas comissões trata-sede uma forma de configuração dointeresse de agir como condição da açãoindividual trabalhista, uma vez que oempregado não estará impedido de exercerseu direito de ação no caso de frustadaa conciliação.Assim, nota-se a necessidade de analisaro principio constitucional do direitode ação e os limites estabelecidosna legislação infraconstitucional comocondição para seu exercício, pois, casoa tentativa de conciliação prévia nas comissõesfor considerada como condiçãoda ação, e caso não seja observada,ter-se-á, por conseguinte, a extinçãode ações individuais de trabalhosem julgamento do mérito. Em contrapartida,caso sejam consideradas inconstitucionais,sua aplicação poderáser inutilizada, desconsiderando ummeio alternativo de solução dos conflitostrabalhistas.2DAS COMISSÕESDE CONCILIAÇÃO PRÉVIA– LEI 9,958/00.2.1. Da sua constituição.Em 13 de janeiro de 2000, foi publicadaa Lei 9.958 que altera e acrescentaartigos à CLT, os quais dispõem sobreas Comissões de Conciliação Prévia epermitem a execução de título executivoextrajudicial na Justiça do Trabalho.As Comissões de Conciliação Préviatêm como idéia básica o incentivo à soluçãoextrajudicial mediante conciliaçãodos conflitos individuais de trabalho, afim de diminuir as reclamações trabalhistas,bem como aproximar a solução detais conflitos da realidade tanto do empregadorcomo do empregado, uma vezque serão as próprias partes que a promoverão,auxiliadas pelos conciliadoresrepresentantes de cada uma delas.A Lei 9.958/00 dispõe que tais comissõessão facultativas, e poderão serconstituídas tanto por empresas ou grupode empresas, independentemente donúmero de empregados, como pelos sindicatos.Alguns juristas vêm fazendo umainterpretação extensiva quanto ao localde instituição, em que aquelas tambémpoderão ser instituídas por federações econfederações, uma vez que não haveriainviabilidade de seu objetivo (ALMEIDA,2000, p. 224).A constituição das Comissões deConciliação criadas por empresas ou gruposde empresas está regulada na pró-54


pria lei. Elas compõem-se de 2 a 10 membros,havendo tantos suplentes quantosforem os titulares, devendo ser observadaa paridade de representação entreempregados e empregadores.Os representantes dos empregadosserão escolhidos em escrutínio secreto,fiscalizado pelo sindicato da categoriaprofissional. Já os representantes doempregador serão indicados livremente.Todos os integrantes da comissão,quer representantes dos empregados querdos empregadores, contam com mandatode um ano, permitida apenas umarecondução, gozando de estabilidade osrepresentantes dos empregados, sejamtitulares ou suplentes, até um ano após otérmino do mandato. Em relação a talestabilidade provisória pode-se fazer umaanalogia com os dirigentes sindicais ouintegrantes da CIPA, em que o termo inicialda garantia será a partir do registroda candidatura.No que diz respeito às comissõesconstituídas no âmbito do sindicato, estasdeverão observar as normas estabelecidasem instrumento de negociaçãocoletiva, cabendo esta definir sua constituiçãoe funcionamento.2.2. Do procedimento.AS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOUNIJUSCompete às comissões, a tentativade solução de conflitos individuais de trabalho,uma vez que para os conflitoscoletivos já se prevê a tentativa prévia denegociação coletiva, com participaçãoobrigatória dos sindicatos, anterior aodissídio coletivo, conforme o dispostonos §§ 1º e 2º do art. 114 da ConstituiçãoFederal.A comissão poderá ser provocadapor petição do trabalhador ou termo redigidopor um de seus membros. Não hánecessidade de apresentação de documentosou indicação de testemunhas,pois não se prevê como fase obrigatóriaa instrução. (art. 625-D, § 1º)Distribuídas as cópias aos interessados,a comissão designará sessão, aser realizada no prazo máximo de dezdias da data da provocação, para tentativade conciliação (art. 625-F). Na sessãodesignada, haverá a tentativa de conciliaçãoentre as partes, auxiliadas peloconciliador. Celebrado acordo, lavra-seum termo, assinando as partes e os conciliadores(art. 625-E, parágrafo único),no qual devem constar, de forma clara eprecisa, as parcelas e/ou direitos objeto daconciliação, os valores pagos ao trabalhadore o registro das pretensões a respeitoda quais a composição não foi possível,visto que a lei não impõe que seja necessariamentetotal a conciliação, admitindo-sea negociação parcial do objeto do conflito.Porém, ressalta-se que o constante do termode conciliação tem eficácia liberatória,afastando outras pretensões. Assim,as ressalvas existentes devem ser claramentemencionadas naquele.O termo de conciliação vale comotítulo executivo, de caráter extrajudicial,permitindo, por consequência, imediatoajuizamento de ação de execução, casoos valores acordados não sejam pagosnas datas estipuladas.Não sendo alcançada a conciliação,será fornecida ao trabalhador e à empresa“declaração da tentativa conciliatóriafrustada com a descrição do seu objeto”,a fim de comprovar a negociaçãodiante de uma eventual reclamação trabalhista(art. 625-D, § 2º).Diante desta norma constante do §2º do art. 625-D, bem como do § 3º do55


UNIJUSAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOmesmo artigo, que dispõe sobre a necessidadede declarar na petição inicialda reclamação trabalhista, os motivosrelevantes que impossibilitaram a tentativade conciliação perante as comissões,pode-se concluir, com base numa interpretaçãoliteral, que a Lei 9.958/00 criouum procedimento prévio para o ajuizamentodas ações trabalhistas, o quê, emprincípio, não estaria em desacordo como princípio constitucional da inafastabilidadejurisidicional?3DO ACESSO AOPODER JUDICIÁRIO3.1. Do princípio da separação dosPoderes e a função jurisdicional.O art. 1º da Constituição Federal dispõeque a República Federativa do Brasilconstitui-se em Estado democrático deDireito. Vale dizer que o Estado de Direitoé o que se subordina ao Direito, ouseja, que se sujeita a normas jurídicasreguladoras de sua ação. No entanto, paraque seja efetiva a vinculação do Estado àlei, exige-se que, dentro dele, uma mesmaautoridade não seja incumbida de fazera lei e de, ao mesmo tempo, aplicá-la.Assim, as funções de fazer as leis, aplicálase resolver os conflitos, devem pertencera autoridades distintas e independentes,o quê se denomina separação de Poderes(SUNDFELD, 1993, p. 37-38).A separação de Poderes consiste nadivisão do exercício do poder políticoentre órgãos distintos, aos quais dá-se onome de poder: Poder Legislativo, PoderExecutivo e Poder Judiciário, e queirão se controlar mutuamente, porémcom independência, ou seja, nenhum dospoderes do Estado poderá interferir nasatribuições previstas para o outro. CadaPoder exerce uma espécie de função.Ao legislativo cabe a função legislativa,correspondente à edição de normas geraise abstratas (as leis), seja para regularos demais atos estatais, seja pararegular a vida dos cidadãos. Ao Executivocabe a função administrativa, istoé, a atividade de, em aplicação da leianteriormente editada, cobrar tributos,prestar serviços, ordenar a vida privada.Ao Judiciário cabe a função jurisdicional:julga, sob provocação do interessado,os conflitos entre indivíduos,ou entre indivíduos e o Estado (SUN-DFELD, 1993, p. 42).Assim, ao lado da função de legislare administrar, o Estado, no exercício desua função jurisdicional, foi absorvendoo papel de dirimir as controvérsias quesurgiam quando da aplicação da lei, ouseja, aquele substitui os titulares dos interessesem conflito para, imparcialmente,buscar a pacificação do conflito, que osenvolve, com justiça (CINTRA, et. al.,1998, p. 127).Portanto, à função jurisdicional cabeo papel de fazer valer o ordenamento jurídico,de forma coativa, toda vez queseu cumprimento se dê com resistênciae o lesado comparece diante do PoderJudiciário, o qual, tomando conhecimentoda controvérsia, irá ditar o direito aplicávelao caso concreto (BASTOS, 1989,p. 170).A Constituição brasileira, dentre osdireitos e garantias individuais e coletivos,inscreve o princípio da inafastabilidadeda função jurisdicional, segundo oqual “a lei não excluirá da apreciação doPoder Judiciário lesão ou ameaça a direito”(art. 5º, XXXV).56


3.2. Do princípio da inafastabilidadejurisdicional.Desde a Constituição de 1891 o Brasilse filiou à separação de Poderes, de maneiradesenganada. E, como já mencionado,este sistema constitucional mostra-secomo um dos sustentáculos do Estado deDireito (FERREIRA, 1997, p. 170). Destaforma, firmaram-se duas idéias:“Uma é a de que toda lesão de direito,toda controvérsia, portanto, poderiaser levada ao Poder Judiciário e este teriade conhecê-la, respeitada a formaadequada de acesso a ele disposta pelasleis processuais civis.A outra é a de que toda jurisdição, oque significa dizer, toda decisão definitivasobre uma controvérsia jurídica, sópoderia ser exercida pelo Poder Judiciário.Não haveria jurisdição fora deste,nem no Poder Executivo, nem no PoderLegislativo” (FERREIRA, 1997, p. 532).Entretanto, durante o Estado Novode 1937, francamente ditatorial, passousea excluir da apreciação do Judiciárioatos emanados do Chefe de Estado e dosseus auxiliares diretos, sendo frequentesos decretos-lei que colocavam direitosindividuais ao desamparo da Justiça”(MALUF, 1980, p. 401).Assim, a Constituição de 1946, querendorefrear o descaminho, inseriu talprincípio em seu texto com redação quaseidêntica à atual: “a lei não poderá excluirda apreciação do Poder Judiciárioqualquer lesão de direito individual.”Tanto a redação de 1946, 1967, eatual de 1988, dirigem a regra ao Legislativo:a lei não poderá excluir (...) SahidMALUF (1980, p. 401) em comentárioà Constituição de 1967 considera “inconstitucionaisquaisquer preceitos legaisAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOUNIJUSque, direta e indiretamente, impedirem acognição pelo Judiciário de assuntos queenvolvam direitos individuais decorrentesdo ordenamento jurídico constitucional.Em tais casos, não poderá haverdecisão preclusiva em processos administrativos,pois os interessados têm sempre,em qualquer hipótese, direito de levaro pronunciamento administrativo àapreciação do Judiciário. (...) Tal regra éfundamental no sistema republicano democrático,e, consequentemente, intocávelpara o poder reformador e para aprópria função constituinte secundária.Sua supressão, sem dúvida, solapa umadas bases da República democrática.”Wolgran FERREIRA (1997, p. 533),posiciona-se no mesmo sentido: “(...) leialguma poderá auto excluir-se da apreciaçãodo Poder Judiciário quanto à suaconstitucionalidade nem poderá dizer queela seja ininvocável pelos interessadosperante o Poder Judiciário para resoluçãodas controvérsias que surjam da suaaplicação. Trata-se de fundamento democráticoo contido neste parágrafo. Éa independência dos Poderes quem aconselhaa sua expressão.”Portanto, conforme os constitucionalistas,tal princípio significa que havendoviolação do direito, “qualquer queseja a lesão ou mesmo sua ameaça, surgeimediatamente o direito subjetivo públicode ter, o prejudicado, a sua questãoexaminada por um dos órgãos do PoderJudiciário” (BASTOS, 1989, p. 172).A partir deste princípio constitucional,alguns juristas, em comentário aos§§ 2º e 3º do art. 625-D da CLT, acrescentadospela lei 9.958/00, que dispõesobre as comissões de conciliação prévia,vêm divergindo quanto à sua constitucionalidade.57


UNIJUSAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOCléber Lúcio de ALMEIDA (2000,p. 226-227), entende que a tentativa deconciliação prévia nas comissões nãoconstitui afronta ao art. 5º, inciso XXXV,da CF/88, apresentando os seguintes argumentos:que a atribuição das comissõesfoi limitada à tentativa de conciliaçãodos conflitos individuais de trabalhoe não ao seu julgamento; que o empregadopoderá recorrer ao Poder Judiciáriosem qualquer entrave quanto às parcelasexpressamente ressalvadas, asquais, por consequência, não têm eficácialiberatória; que a prévia tentativa deconciliação é condição para a propositurada ação coletiva, conforme os arts.616, § 4º da CLT e 114, § 2º da CF/88, eo STF não a têm como inconstitucional,então, o mesmo raciocínio aplicar-se-iaàs ações individuais.Para Estevão MALLET (2000, p.444), “a obrigação de prévia tentativa deconciliação, cuja legitimidade já foi postaem causa, antes mesmo de entraremem vigor as disposições da Lei n. 9.958/00, não se mostra inconstitucional. Nãoatrita com a garantia de ação, que nadatem de incompatível com a chamada jurisdiçãocondicionada. (...) É certo queo direito de acesso aos tribunais não permiteque se exclua, em hipótese alguma,a possibilidade de solução jurisdicionaldo conflito. Mas esse direito não impõetenha de ser toda e qualquer demandasubmetida direta e incondicionadamenteà solução jurisdicional. Na verdade, se acondição a ser satisfeita antes do ajuizamentoda ação revela-se legítima, namedida em que se funda em interessepúblico, não se destinando apenas a protelara tutela jurisidicional ou a beneficiaro demandado, não se está diante de exigênciaabusiva”.Ives Granda da Silva MARTINS Filho(2000, p. 166), não menciona expressamentesobre a constitucionalidadedos artigos, mas apresenta entendimentode que o empregado deve apresentarsua demanda à comissão, para apreciaçãoprévia, e acrescenta que a mesmaconstitui pressuposto processual para oajuizamento da ação trabalhista, comoforma de prestigiar as soluções autônomasdos conflitos trabalhistas.No mesmo sentido, Maurício RAN-DS (2000, p. 467) entende que a exigênciade prévia conciliação, trata-se de condiçãoda ação, pois “o trabalhador passaa ter o interesse de agir se tiver previamentetentado-a. Ou seja, para que oautor tenha interesse de agir, impõe-seque ele submeta sua demanda à conciliaçãopela comissão. Isto equivale ao requisitoimposto pelo art. 114 da CF sobrea negociação direta antes do ajuizamentodo dissídio coletivo. O interessede agir, de acordo com a nova lei, somentesurge depois da tentativa de conciliação.Por isto, não se trata de exclusãode lesão de direito da apreciação doJudiciário. A lei apenas acrescentoumais uma exigência para que surja o interessede agir configurador da condiçãoda ação a que se refere o inciso VIdo art. 267 do CPC.”Entretanto, Jorge Pinheiro CASTE-LO (2000, p. 448), posiciona-se pela inconstitucionalidadedos dispositivos, pois“as condições da ação jamais podem sertidas como condições de acesso ao PoderJudiciário. (...) O interesse de agirnecessário para o exercício do direito deação e para se obter o julgamento domérito está presente a partir do inadimplemento(já há, nesta situação, a necessidadeconcreta da jurisdição) (...) visto58


que com o afirmado inadimplemento, noplano material, está configurado e satisfeitoo interesse de agir processual própriodo direito constitucional de ação, nãose podendo exigir a presença de um segundointeresse de agir administrativo, parasó então se poder demandar em juízo.”Diante de tais argumentos cabe analisaros limites do acesso ao judiciárioimposto pela Constituição, a fim de verificarquais requisitos poderão ser consideradoscondições da ação, e, por conseguinte,interesse de agir para a propositurada ação trabalhista individual. Porém,antes, necessário se faz retornar aoestudo da jurisdição, mas no que diz respeitoà lei processual.3.3. Da jurisdição.Para desempenho da função jurisdicional,estabeleceu-se a jurisdição, comoo poder que toca ao Estado, entre as suasatividades soberanas, de formular e fazeratuar a vontade da lei, quando o sujeitodo conflito de interesses, deduzindosua pretensão, invocá-la do Estado.No entanto, dispõe o art. 2º do CPC:“nenhum juiz prestará a tutela jurisdicionalsenão quando a parte ou o interessadoa requerer, nos casos e forma legais”(grifo nosso).Assim, o presente artigo engloba doisprincípios fundamentais do processo civil:“1º) o de que não existe (como regraquase absoluta), em nosso sistema jurídico,processo ‘ex officio’, o que é umadecorrência da aplicação do princípiodispositivo: somente se inicia um processoem virtude de pedido do interessadoou da parte, e ainda, o conteúdo doprocesso e do procedimento respectivoe o efeito desejado, seja uma lide, sejaAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOUNIJUSmesmo em relação a um pedido de jurisdiçãovoluntária - são outrossim, delineadospor quem requer; 2º) por outro lado,desde que o pedido da parte ou o requerimentodo interessado tenham sido feitos‘nos casos e formas legais’, nasce odever do Estado de prestar a tutela jurisdicional”(ALVIM, 1990, p. 281)Como visto, o direito Constitucionalassegura a apreciação pelo Poder Judiciário,constando, para isso, em seu textoa regra do art. 5º, XXXV: “a lei não excluiráda apreciação do Poder Judiciáriolesão ou ameaça a direito”, ou seja, a leinão pode subtrair da apreciação do PoderJudiciário, o direito do indivíduo depedir a tutela jurisdicional, quando aleguequalquer lesão ou ameaça a direito.Observa-se, entretanto, que a lei processualvigente prescreve que se prestaráa tutela jurisdicional, desde que requerida“nos casos e formas legais”. Istosignifica que a tutela jurisdicional é asseguradaa qualquer parte ou interessado,que, em se dirigindo ao juiz e relatandolhea ocorrência de determinados eventosda vida, protegidos pelo Direito material,o faça correta e oportunamente(ALVIM, 1990, p. 282).Portanto, “não será suficiente tãosomentepedir ao judiciário, para obtersetutela jurisdicional (...). Quando o legisladorse refere a ter de ser a tutelarequerida na forma legal, isto significaque, necessariamente, há requisitos quenão poderão ser desobedecidos, sob penade, se o tiverem sido, não ser ela prestadaaquele que a pediu, tal como o tenhafeito. A tutela, neste caso, significaráexclusivamente o indeferimento liminardo que se pede” (ALVIM, 1990, p. 285).Em suma, sempre terá havido prestaçãoda função jurisdicional, quer no caso59


UNIJUSAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOde se dar ao processo por nulo; querquando se reconheça incorrente qualqueruma das condições da ação ou de pressupostoprocessual; quer, por último,quando julgue o próprio mérito; ou seja,de qualquer modo terá sido, o autor, ouvidopelo Judiciário, ainda que, sua pretensãonão tenha sido satisfeita.3.4. Da Ação.A jurisdição é inerte, pois só atua diantede casos concretos de conflitos deinteresses e sempre na dependência dainvocação dos interessados, tendo emvista que são deveres primários destes aobediência à ordem jurídica e a aplicaçãovoluntária de suas normas nos negóciosjurídicos praticados (THEODO-RO Júnior, 2000, p. 34). Deste modo,cabe ao titular da pretensão resistida invocara função jurisdicional, através doexercício do direito de ação.No entanto, para que a tutela jurisdicionalseja prestada, a ação deve obedecera forma legal, conforme estabelecidapela legislação processual. Mas, dispõeo art.5º, XXXV, da CF/88, que “a leinão excluirá da apreciação do Poder Judiciáriolesão ou ameaça a direito.” Assim,embora o destinatário desta normaseja o legislador, de certa forma atinge atodos, pois aquele e ninguém mais poderáimpedir o jurisdicionado de pedir atutela jurisdicional.Dentro de uma interpretação literal eampla do dispositivo constitucional, poder-se-iaquestionar: a legislação processualcivil, norma infraconstitucional, aoestabelecer, de uma certa maneira, barreiraspara o acesso ao judiciário comoas condições da ação e os pressupostosprocessuais, por exemplo, não estariainfringindo o princípio da inafastabilidadejurisdicional ou direito de ação?Para sistematizar tal questão, entendeArruda ALVIM (1990, P. 378) queexistem dois tipos de ação: “a) uma decunho eminentemente genérico e sediadano Direito Constitucional: é o direitode ação constitucional (art. 5º, XXXV,da CF/88); b) a outra - que é processual- regulada no processo, mas nasce dopróprio direito constitucional, enquantoo Direito Constitucional é pressupostoda norma infra-constitucional.” E exemplificaseu entendimento: “se alguém sedirige ao Judiciário e in limine tem a suaação inadmitida, terá, certamente, exercidoum direito de ação, ao nível em queesse está previsto no Direito Constitucional.No entanto, não terá tido a açãoprocessual, dado que, para esta indispensáveissão certas condições.”Neste raciocínio, pode-se dizer quea ação é direito público subjetivo e abstratode natureza constitucional. Subjetivoe abstrato porque não se trata de direitoà tutela jurisdicional, mas direito depedir a tutela jurisdicional, “uma vez quenele se contém pedido que pode ficar sematendimento, ou então ser a final satisfeito.Em uma e outra hipóteses, existiue foi exercido o direito de ação, independentementedo resultado final” (MAR-QUES, 1974, P. 378). E constitucionalporque está garantido expressamente,como direito fundamental, no art. 5º,XXXV, da CF/88, mas observa-se, quandoexercido esse direito, vindo a instauraçãodo processo, é o direito processualque passa a regulamentar a ação.Portanto, a tutela jurisdicional somentepoderá ser exercida quando a parteou interessado provocar a função jurisdicionaldo Estado através da ação e desde60


que esta preencha as condições e pressupostosprevistos na legislação processual,sem que isso seja considerado umabarreira de acesso ao judiciário, constitucionalmentegarantido, pois o direitode ação é um direito abstrato que independedo resultado final. Assim, sendoexercido, mas havendo seu indeferimento,por exemplo, por falta de qualquerdas condições da ação, ter-se-á o exercíciodo direito de ação no plano constitucional,mas a carência de ação no planoprocessual. Logo, “esse direito deação, garantido constitucionalmente, nãosignifica direito absoluto, pois a lei processualdetermina quais os requisitospara que alguém possa fazer valer o comandoque emerge do texto constitucionalreferido” (NERY Júnior, 1996, p. 34).Retornando às comissões de conciliaçãoprévia, poder-se-ia dizer que asmesmas tratam-se de condição da açãotrabalhista individual? Pois, neste sentido,não se poderia considerá-las inconstitucionais.Para se verificar esta questão,passa-se à análise do que vem a seras condições da ação, e mais especificamenteo interesse de agir.3.4.1. Das condições da ação.Viu-se que para haver a prestação datutela jurisdicional, e, por conseguinte,uma sentença de mérito sobre a pretensãodeduzida, primeiro deve-se ter a provocaçãoda parte ou interessado atravésda ação, mas não somente no plano constitucional,principalmente no plano processual,e para isso necessário se faz opreenchimento das condições da ação,pois não se pode alcançar a tutela jurisdicionalmediante qualquer manifestaçãode vontade perante o órgão judiciário.AS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOUNIJUSAssim, condições da ação são requisitosessenciais para a existência da ação,bem como para atingir-se a tutela jurisdicional,os quais por essa razão, devem serexaminados preliminarmente à apreciaçãodo mérito, em cada caso concreto.Três são as condições da ação: possibilidadejurídica do pedido; interesseprocessual; legitimação para agir.Tendo em vista o tema apresentado,abordar-se-á somente o interesse processual.Essa condição da ação assenta-se napremissa de que, embora o Estado tenhao dever de prestar a tutela jurisdicionalquando provocado, não lhe convém acionaros órgãos judiciários sem que dessaatividade se possa extrair algum resultadoútil. Assim, é preciso, que a prestaçãojurisdicional solicitada seja, em cadacaso concreto, necessária e adequada.Tem-se por necessidade da tutelajurisdicional quando da “impossibilidadede obter a satisfação do alegado direitosem a intercessão do Estado - ou porquea parte contrária se nega a satisfazê-la,sendo vedado ao autor o uso de autotutela,ou porque a própria lei exige quedeterminados direitos só possam serexercidos mediante prévia declaração judicial”.E por adequação, “a relação existenteentre a situação lamentada pelo autorao vir a juízo e o provimento jurisdicionalconcretamente solicitado. O provimento,evidentemente, deve ser apto acorrigir o mal de que o autor se queixa,sob pena de não ter razão de ser” (CIN-TRA, et. al., 1998, p. 257).Portanto, “para verificar-se se o autortem interesse processual para a açãodeve-se responder afirmativamente à seguinteindagação: para obter o que pretende,o autor necessita da providência61


UNIJUSAS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOjurisdicional pleiteada? Desta forma, faltaráo interesse processual se a via jurisdicionalnão for indispensável, como, porexemplo, se o mesmo resultado puderser alcançado por meio de um negóciojurídico sem participação do judiciário”(GRECO Filho, 1981, p. 72-7).Logo, o interesse processual é aqueleque se expressa pela indispensabilidadedo uso do processo pelo autor, sob penade ficar sem meios para fazer valer seudireito material pretendido (ALVIM,1990, p. 380).Neste sentido, ter-se-á com a instituiçãodas comissões de conciliação préviauma nova forma de se alcançar o mesmoresultado que seria pretendido na reclamaçãotrabalhista, sem que haja necessidadeda intervenção dos órgãos do judiciário.Assim, poder-se-á considerá-lascomo uma condição da ação trabalhistaindividual, uma vez que sem a tentativade conciliação prévia perante aquelas, faltaráo interesse processual, tendo, porconseguinte, a extinção do processo semjulgamento do mérito, sem que isto signifiqueo cerceamento do exercício do direitode ação no plano constitucional.4CONCLUSÃOO princípio da separação dos poderesdetermina que a função jurisdicionalcabe exclusivamente ao Poder Judiciário,porém a mesma somente poderá ser exercidacom a provocação do jurisdicionadoatravés do direito de ação. Mas este direitonão é absoluto. Para que a tutela jurisdicionalseja prestada, é necessário queestejam presentes os requisitos previstosna lei processual que são os pressupostosprocessuais e as condições da ação.Assim, pode-se falar em direito deação em dois planos: no plano constitucionale no plano processual, ou seja,quando o jurisdicionado apresenta suapretensão ao órgão do judiciário, estáexercendo seu direito de ação no planoconstitucional, porém, a tutela jurisdicional,somente será prestada quando apretensão do autor possuir, além da possibilidadejurídica do pedido e a legitimidadede parte, o interesse processual, quesignifica que o autor não poderá ver suapretensão satisfeita senão com a intervençãodo Poder Judiciário.Neste sentido, no que diz respeito àsComissões de conciliação prévia, quantoà exigência, constante nos parágrafos2º e 3º do art. 625-D da Lei 9.958/00, deapresentação do conflito individual detrabalho perante aquelas, antes de proporqualquer reclamação trabalhista, nãoestá eivado de inconstitucionalidadecomo posicionam-se alguns juristas, poisnão se está tirando do trabalhador a possibilidadede pleitear em juízo, ou seja,de exercer seu direito constitucional deação. Somente impõe-se que o mesmo,antes de mover a máquina judiciária, utilize-sede meios alternativos de soluçãode conflitos, sem que haja a intervençãodo judiciário, demonstrando, desta forma,caso não haja nenhuma conciliação,o interesse processual, necessário paraque o Estado apresente sua tutela jurisdicional,através da sentença de mérito.Vale ressaltar que, as técnicas processuais,hoje, devem servir mais às funçõessociais, e as cortes não são a únicaforma de solução de conflitos a ser considerada,devendo os meios alternativosserem buscados como forma de ir maisalém do que uma simples solução, aproximando-secada vez mais da Justiça,.62


AS COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA E O ACESSO AO JUDICIÁRIOUNIJUSreferências bibliográficasALMEIDA, Cléber Lúcio de. Comissões de conciliação prévia - considerações sobre a lei n.9.958/2000. Revista LTr, v.64, n.02, p.224-229, fev., 2000.ALVIM, Arruda. Tratado de direito processual civil. 2 ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 1990. v.1.BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 deoutubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. v.2.CASTELO, Jorge Pinheiro. Comissão de conciliação prévia - filosofia, ideologia e interessesenvolvidos na lei, inconstitucionalidades, perplexidades e situações específicas - limitações,exceções e alternativas. Revista LTr, v.64, n.04, p.446-455, abr., 2000.CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros,1998.FERREIRA, Wolgran Junqueira. Direitos e garantias individuais: comentários ao artigo 5ºda CF/88. São Paulo: EDIPRO, 1997.GRECO Filho, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1981.MALLET, Estêvão. Primeiras linhas sobre as comissões de conciliação. Revista LTr, v.64, n.04, p.439-445, abr., 2000.MALUF, Sahid. Direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980.MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1974. v.1.MARTINS Filho. A justiça do trabalho do ano 2000: as leis ns. 9.756/1998, 9.957 e 9.958/2000, a emenda constitucional n.24/1999 e a reforma do judiciário. Revista LTr, v. 64,n.02, p.161-171, fev.,2000.NERY Júnior, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 3. ed. SãoPaulo: R T, 1996.RANDS, Maurício. As comissões de conciliação prévia. Revista LTr, v.64, n.02, p.465-467,abr., 2000.SUNDEFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 2. ed. São Paulo: Malheiros,1993.THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense,2000. v.1.63


A EXCLUSÃO DE SÓCIO PELAMAIORIA DO CAPITAL SOCIALLeonardo Vitório Salge*sumário1. Pródromo2. Affectio societatis3. As vias de exclusão do sócio4. Causas legais de dissolução da sociedade5. Ampliação dos casos de exclusão pela doutrina6. Quanto à desnecessidade de previsão contratual7. Não necessidade de declaração judicial8. Causa justificada e sua apreciaçãopelo judiciário9. A desarmonia entre os sócios comocausa de exclusão10. ConclusãoresumoO texto aborda a possibilidade de os sócios detentores da maioria do capital social despediremdo quadro societário o sócio minoritário mediante simples deliberação e posterior arquivamentona Junta Comercial de alteração contratual com fundamento em motivo justo, especialmentea quebra da affectio societatis e a desinteligência reinante entre os sócios, tudo semnecessidade de previsão contratual, lei ou decisão do Poder Judiciário, já que esta permissãodecorre da natureza contratual do negócio.Palavras-Chave: Sociedade – Dissolução Parcial – Demissão de Sócio1PRÓDROMOA exclusão de sócio pela sociedade,especialmente pela maioria do capitalsocial, é tema que vem ilustrar antiga discussãodoutrinária e jurisprudencial existenteno direito societário a respeito dapossibilidade de dissolução parcial dasociedade por vontade dos sócios, ausentequalquer disposição expressa nocontrato social, na legislação e sem anecessidade de prévia decisão judicial.Inicialmente, impende salientar queo termo dissolução deriva do latim dissolutio,de dissolvere (desatar, desligar,separar), possuindo na terminologia jurídica,o sentido genérico de extinção eruptura. (DE PLÁCIDO E SILVA, 1993,p.103).No direito societário, o termo dissoluçãopode assumir aspectos distintos.Um deles é a dissolução, a extinção totalda sociedade, que efetivamente culminarácom a extinção da pessoa jurídica.O outro sentido refere-se à dissoluçãoparcial, que não tem por fim extinguirtotalmente o vínculo societário, mas apenasdeliberar a retirada de algum sóciopor vontade da maioria do capital social,não implicando, repita-se, a liquidação donegócio, de modo que este prosseguirácom os sócios remanescentes.O presente estudo está totalmentevoltado para a dissolução parcial da sociedadede pessoas, mormente quando____________________* Leonardo Vitório Salge, Advogado e Consultor Jurídico em Uberaba/MG, Pós-Graduando em Direito Empresarial pela Universidade de São Josédo Rio Preto/SP - UNIRP64


operada exclusão de sócio minoritáriopor vontade dos sócios majoritários, detentoresda maioria do capital social, independentementede previsão contratual,lei ou decisão judicial, apenas à simplesvista do arquivamento na Junta Comercialda alteração contratual onde sedelibera a exclusão com fundamento emjusto motivo.2AFFECTIO SOCIETATISAntes de adentrarmos o tema proposto,é condição necessária ter presenteque o contrato de sociedade é um contratosinallagmatico plurilaterale, ondeo elemento fundamental é o escopo ouobjetivo comum, inexistente nas demaisespécies contratuais, mais conhecidocomo affectio societatis, traduzido porTHALLER (1898, p. 122) como “um elode colaboração ativa entre os sócios.”Ocasiões podem ocorrer, contudo,em que algum sócio passa a atuar comopessoa que não se encontra na sociedadepara somar esforços com os demais,visando ao fim comum para o qual tevenascimento a sociedade. Pode restar evidenciadoainda que o dever de colaboraçãoa que está jungido algum dos sóciospassou a inexistir, ou ainda, verificar-se aprevalência de interesse pessoal sobre ointeresse da sociedade. Estes são apenasalguns exemplos destacados de um enormeuniverso de situações que demonstrama quebra da affectio societatis, passíveis,portanto, de ocasionar a dissoluçãoparcial da sociedade. Uma variadagama de situações podem gerar desarmoniaentre os sócios o que sem dúvidaafetará também a vontade de somar esforçose violará a affectio societatis.A EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIAL3AS VIAS DE EXCLUSÃODO SÓCIOUNIJUSMARTINS (1940, p. 128-129) lecionaque “... a retirada dos sócios, nostermos do artigo 339 do Código Comercialresulta de duas situações distintas:a) a de despedir-se o sócio antes de dissolvidaa sociedade. Acontece isso porvia do contrato chamado de retirada desócio. A retirada, ou despedida, efetuasepelo consenso unânime dos sócios.As mesmas vontades que coincidirampara a constituição da sociedade operam,sem discrepância, para modificá-la, regulandoa situação de saída de um deles,a inteiro aprazimento geral; b) a de ser osócio despedido antes de dissolvida asociedade. Verifica-se, nesta hipótese, ocontrato chamado de exclusão de sócio.Realiza-se sem o consentimento do excluído,à revelia e, em regra, contra asua vontade. Se esta se manifestasse favoravelmente,ele não seria excluído:despedir-se-ia. A exclusão se dá, portanto,em vista de deliberação da maioriados sócios, não de sua unanimidade (...).A deliberação, nesse sentido, todavia,carece ser justificada: a causa justa éessencial à validade do ato, nos mesmoscasos em que a lei a permite.”Dos termos do artigo citado resultamduas situações bem distintas: a de o sóciotomar a decisão de despedir-se antes dedissolvida a sociedade, ocasião em que adecisão será da vontade do sócio; e deoutro lado a de ser o sócio despedido antesde dissolvida a sociedade, onde dá-sepropriamente a exclusão do sócio semdissolução da sociedade. Trata-se de dissoluçãoparcial. Neste último caso, a exclusãoocorrerá, obviamente, sem o seu65


UNIJUSA EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIALconsentimento, o que não ocorre na primeiraoportunidade, devendo ficar claroque a dissolução da sociedade, em ambosos casos, poderá ser parcial.4CAUSAS LEGAIS DE DISSOLUÇÃODA SOCIEDADEA morte e a in<strong>capa</strong>cidade de um dossócios figuram entre as causas de dissoluçãoda sociedade (CCom, artigos 308 e335 e CC, artigos 1.399, IV, 1.402 e1.403), admitindo, contudo, a legislação,o prosseguimento da sociedade com ossócios remanescentes e até com os herdeirosdo falecido, e desde que a sociedadenão seja daquelas em que a pessoa dosócio é o fundamento da união. Em nãoocorrendo esta hipótese haverá de existirprevisão no contrato de ingresso dos herdeiros,já que em caso contrário poderiamos sócios remanescentes recusar aparticipação destes no quadro social.A essas duas hipóteses de resolução,acrescente-se outras duas, previstas noCódigo Comercial de 1850, sendo elas:a) a falta de integralização da parte subscritano capital social(art. 289); e b) noexercício, por parte do sócio de indústria,sem estar para isso autorizado, deatividade comercial estranha à sociedade(art. 317).Cuidam elas da rescisão da sociedadea respeito do sócio, importando noseu afastamento compulsório por deliberaçãoda sociedade, a que se dá o nomegenérico de exclusão.Apenas a título de ilustração, a falênciade um dos sócios também era causade dissolução da sociedade. Agora,entretanto, assim não mais se procederájá que a Lei Falimentar, no seu artigo 48,determina tão somente a apuração doshaveres do sócio falido para devolução àmassa, permanecendo a sociedade comos demais sócios.Por sua vez, o artigo 339 do CódigoComercial determina que: “O sócio quese despedir antes de dissolvida a sociedadeficará responsável pelas obrigaçõescontraídas e perdas havidas até o momentoda despedida. No caso de haverlucros a esse tempo existentes, a sociedadetem direito de reter os fundos e interessesdo sócio que se despedir, ou fordespedido com causa justificada, até seliquidarem todas as negociações pendentesque houverem sido intentadas antesda despedida.”Até aqui, tanto a doutrina como a jurisprudêncianão vacilava quanto à exclusãode sócio da sociedade e uma vez presentea hipótese legal, nada mais restavaao sócio senão retirar-se da sociedade,isto porque a determinação era legal e contraela não havia entendimento contrário.Ocorre que são inúmeros os motivosgeradores de conflito que quebrama harmonia da sociedade e que passarama ser vistos como casos de exclusão desócio da sociedade, surgindo a indagaçãoa respeito de se nestas demais situaçõespoderiam também os sócios descontentesexcluir o faltoso. Concluiu-se,ao fim de longa discussão, que isto éperfeitamente possível desde que o motivoda exclusão seja justo.5AMPLIAÇÃO DOS CASOS DEEXCLUSÃO PELA DOUTRINAO artigo 339 do Código Comercial,segundo nos ensina LEÃES (RDM100/86), deu surgimento à seguinte66


indagação: seria ele aplicável somente noscasos explicitamente previstos nos artigos289 e 317, ambos do Código Comercialou era extensivo também a situaçõesoutras que não aquelas contempladas?O entendimento doutrinário, num primeiromomento, passou a ser no sentidode que a dissolução parcial era aplicável aoutros casos, além daqueles explicitamenteprevistos nos artigos 289 e 317, ambosdo Código Comercial, desde que verificadaexpressa estipulação no contrato deconstituição da sociedade.Esta interpretação inicialmente foiveiculada por J. X. Carvalho de MEN-DONÇA (1945, p. 149), dominando adoutrina e a jurisprudência pátrias durantelarga margem de tempo, a qual fundamentava-senos seguintes termos: “se forpactuado no contrato social que a maioriados sócios pode destituir ou excluir qualquerdeles em dadas circunstâncias, épossível a exclusão de sócio. Se se podeestipular no contrato de sociedade que,retirado um sócio, a sociedade continue asubsistir entre os demais (cláusula comumespecial para o caso morte), é tambémlícito pactuar a exclusão de sócio pelamaioria em casos especiais cogitados nomesmo contrato. A sociedade regula-sepela convenção das partes sempre que estanão for contrária às leis comerciais. Quea cláusula é licita não há dúvida.”Mais tarde observou MARTINS(1984, p. 260) que foi dado ao pronunciamentode J. X. Carvalho de Mendonça, eaos termos do art. 339 do Código Comercial,um significado que manifestamentenão tinham. Salientou que Carvalho deMendonça não exprimiu pela exigência deprevisão contratual, mas sim pela licitudeda inclusão desta cláusula no contrato social.Advertiu ainda que o artigo 339 doA EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIALUNIJUSCódigo Comercial não exige deva existiruma cláusula expressa nesse sentido.Após estes debates doutrinários, a reboquesurgiu a inclinação da jurisprudênciade admitir a exclusão do sócio, mesmona ausência de cláusula contratualespecífica, condicionando-a apenas àexistência de causa justa.Veja-se que a doutrina e a jurisprudênciapacificaram-se no sentido de serpossível a exclusão de sócio minoritáriopela maioria do capital social, não pela unanimidadedos sócios, mas desde que hajamotivação justa que conduza à exclusão.Ausente o motivo justo, a decisão da maioriado capital social desafiará a anulaçãopelo Poder Judiciário com reintegração dosócio excluído na sociedade com todosos direitos a ele inerentes.A legislação comercial, entretanto, nadadispõe a respeito dos motivos que possamlevar à exclusão de sócio minoritário pelavontade da maioria do capital social, ficandoa cargo dos sócios a análise de cadasituação. Nesse aspecto, a melhor soluçãoafigura-se a não enumeração pela normados casos de dissolução parcial, já que cadasociedade conta com nuances próprias,sendo difícil, senão impossível a sua amplaenumeração. Conveniente assim que fiquemos sócios livres para decidir, sempreem defesa dos interesses da sociedade enão de interesses pessoais.6QUANTO À DESNECESSIDADEDE PREVISÃO CONTRATUALAcirrado foi o debate a respeito danecessidade de que o contrato social contivessecláusula expressa enumerando osmotivos que dariam ensejo à exclusãodo sócio da sociedade. A doutrina,67


UNIJUSA EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIALcontudo, fez prevalecer a sua total desnecessidade,fundada no argumento deque todo o contrato traz implícito clausularesolutiva regulada em nosso direitoentre as regras dos contratos bilaterais,ou seja, no artigo 1.092, parágrafo únicodo Código Civil, pela qual a parte lesadapelo inadimplemento, pode semprerequerer a rescisão do contrato.Apesar da não necessidade da inclusãodestas cláusulas no contrato social,conforme adiante será demonstrado, nãohavia e não há impedimento de sua estipulação.E aqui cabe um parêntese paramencionar um método de interpretaçãoque se afigura especialmente útil quandose trata de cláusulas contratuais elaboradaspor sócios não afetos à terminologiajurídica, isto porque a linguagem doscontratos não costuma primar pela técnicairrepreensível, devendo, portanto,o intérprete procurar o sentido de suaspalavras não no conceito dos juristas, masno estilo dos profanos, consoante o magistériode DANZ citado por FLORES(1988, p. 67) in verbis: “Y esta averiguaciónse verifica exclusivamente segúnlo efectuaría un profano, sin atenderpara nada a la construccion jurídicaque el juez dé más tarde al asunto; todaoutra interpretación es falsa.”De volta ao tema propriamente dito,aquela teoria ganhou repercussão em 1926,quando a partir da obra de Sebastião Soaresde Faria denominada Da Exclusão deSócios nas Sociedades de ResponsabilidadeIlimitada, passou-se a entender que havendona sociedade uma relação sinalagmática,o poder de exclusão seria inerente aocontrato social, não podendo dele ser desprovidamesmo à míngua de uma expressareferência legal. (ap. LEÃES, p. 88)GOMES (1999, p. 71), após salientarque sob o ponto de vista de sua formação,negócio jurídico unilateral é o quedecorre fundamentalmente da declaraçãode vontade de uma só pessoa e que o bilateralse constitui mediante concurso devontades; que do ponto de vista dos efeitosque produz, no primeiro caso criaráele obrigações para apenas uma das partese, no segundo, estas obrigações sãoinerentes a todas as partes envolvidas,depreende-se que o contrato de formaçãode uma sociedade, é um contrato sinalagmáticoou bilateral, porque cria obrigaçõespara as duas partes do ponto devista dos efeitos que produz. Todos ossócios deverão contribuir para a criação,manutenção e desenvolvimento do negócio.Neste sentido, ambos os sócios têmobrigação de contribuir para o fim comumao qual está voltada a sociedade.Interessante ainda salientar que nocontrato de sociedade se observa que avontade dos sócios não é antagônica, nãoestão presentes interesses opostos, osinteresses contrastantes das partes convergempara um único objetivo, o fimúltimo da sociedade para a qual voltaramseus esforços que, logicamente, variaráde acordo com cada uma delas.LEÃES (p. 88/89) conclui que nocontrato de sociedade, essa condiçãoresolutória colhe efeito peculiar determinandoo inadimplemento por parte de umdos sócios contratantes, não a resoluçãototal do contrato, mas apenas do vínculodo sócio inadimplente.A doutrina, especialmente TEIXEI-RA (1956, p. 244), assim leciona: “inclinamo-nosa crer que, em determinadascircunstâncias, mesmo em falta de previsãoestatutária, poderão os sócios emmaioria, por justa causa, decretar a exclusãoou eliminação do sócio faltoso.”No mesmo sentido, MIRANDA (1965,p. 372) aduz que: “a cláusula de despedida68


por justa causa não precisa que se inclua(no contrato), porque o princípio é legal.”GOMES (1974, p. 244) é peculiarao lecionar que “(...) o art. 15 da lei dassociedades por quotas de responsabilidadelimitada admite a interpretação, conformea qual é perfeitamente dispensávela clausula contratual expressa, já quea maioria dos quotistas pode alterar ocontrato social e, portanto, despedir umdeles, com a única limitação de haver justificativapara a deliberação.”A 2ª Câmara do Tribunal de AlçadaCível de São Paulo ao julgar a apelação233.864, entendeu “ser admissível emnosso estatuto comercial, a exclusão, porvontade da maioria, de sócio, com causajustificada. A desarmonia entre ossócios pode gerar a dissolução social oua exclusão de um deles. E, neste últimocaso, a omissão do contrato não impedea despedida compulsória.” (RT 510/131)Finalmente, a jurisprudência do SuperiorTribunal de Justiça é pacífica no sentidode que é possível a exclusão de um dossócios por deliberação da maioria, independentementede previsão contratual ou pronunciamentojudicial (REsp. 7.183 – Amazonas,de 02/04/91, in RSTJ vol. 3 (22),p. 433), acórdão este amparado ainda nalição de GOMES (1984, p. 258), segundoo qual: “(...) aos outros sócios assiste direitode excluir da sociedade aquele que setornou elemento perturbador de sua existênciae desenvolvimento, menos porquetenham e possam exercer poder disciplinarsobre o turbulento ou pernicioso do que pelaconduta inadimplente que passou a ter.”Diante das motivações jurídicas acimaé de se concluir que não há a mínimanecessidade de que o contrato social apresentecláusula expressa autorizando a exclusãode sócio em razão de o princípioestar implícito e ser decorrente de lei.A EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIAL7NÃO NECESSIDADE DEDECLARAÇÃO JUDICIALUNIJUSAs indagações a respeito do tema nãopararam por aí. Surgiu a quaestio jurisda necessidade de que o ato de exclusãodo sócio dependeria de decisão judicialpara demitir-se da sociedade, por vontadeda maioria do capital social, o sóciominoritário faltoso, tudo com fundamentono parágrafo único do artigo 119 doCódigo Civil que assim determina: “Acondição resolutiva da obrigação podeser expressa, ou tácita; operando, noprimeiro caso, de pleno direito, e por interpelaçãojudicial, no segundo.”Desta forma, observa-se que a sociedadeestaria dissolvida de pleno direitocaso houvesse previsão expressa no contratosocial. Ao contrário, alguns doutrinadorespassaram a sustentar que ausentequalquer cláusula neste sentido, somenteatravés de sentença judicial estaria dissolvidaa sociedade. Daí a necessidadede recurso ao Poder Judiciário para exclusãode sócio, já que nesse caso havianecessidade de prova do não cumprimentodo estipulado.Neste sentido, arrebatando toda sortede dúvidas quanto à desnecessidadede decisão judicial, LEÃES (p. 90) concluique não é esta a interpretação possíveldo artigo 119 do Código Civil, jáque a interpelação judicial é procedimentonão contencioso, produtivo de efeitosjurídicos no direito material, raramenteno processual, sendo forma deexteriorização da vontade, não negóciojudicial. Da sua não contenciosidadedecorre a impossibilidade de defesa, interposiçãode recurso, ou sentença. Naespécie, a atividade do juiz é, pois, me-69


UNIJUSA EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIALramente administrativa, nada tendo dejurisdicional, sendo descabida até a suainclusão, tecnicamente, entre as medidascautelares.Por outro lado, se infere que ao PoderJudiciário não é vedado manifestar-se arespeito da justa causa determinante daexclusão de sócio. Não são raros os casosem que o sócio socorre-se junto ao pretório.Ocorre, entretanto, que os sócios nãoestão obrigados a buscar junto àquele Poderautorização para proceder à alteraçãocontratual e em decorrência disso a exclusãose processará à vista da alteração contratualarquivada na Junta Comercial.Ante toda esta discussão e em decorrênciadela, a legislação se ajustou aosanseios da doutrina e o procedimento deexclusão poderá ser extrajudicial, comoaliás já previa o art. 6º, I “c” da Lei 6.939/81 e Instrução Normativa 7 do DNRC,de 16.09.86, disposições legais revogadaspela atual Lei 8.934/94, desde queindicado o motivo e a destinação do capitalsocial minoritário. Deverá ser judicialquando se tratar de afastamento compulsóriode sócio majoritário, segundo oensinamento de Marco Antônio MarcondesPereira. (RDM 100/75)8CAUSA JUSTIFICADA E SUAAPRECIAÇÃO PELO JUDICIÁRIOQuando presentes na sociedade situaçõesque demonstrarem a atuação dosócio em desacordo com o dever de colaboraçãoa que está submetido – affectiosocietatis – pode-se dizer que manifestase encontra justa causa a autorizarsua exclusão da sociedade. Uma vezinadimplido este dever de colaboração,de presença fundamental no contratosocial, habilitada estará a sociedade aexcluir o sócio inadimplente fundamentadana prevalência do interesse socialsobre o individual.Reconhecido o poder da sociedade,consolidado nas mãos da maioria do capitalsocial, deve-se evitar que a decisãode exclusão do sócio tido como faltosose degenere em abuso de direito. É precisoque o Poder Judiciário esteja bem atentoa esta peculiaridade já que são raros ospronunciamentos judiciais adentrando especialmenteo mérito que levou a sociedadea expulsar o sócio tido por faltoso,limitando-se em muitos casos a referendara decisão de exclusão, mormente seesse modus operandi estiver fundamentadona desarmonia entre os sócios ou aquebra da affectio societatis.Esta verificação de efetiva justa causatoma sentido já que por detrás destesmotivos o sócio minoritário pode estarsendo prejudicado em seus direitos, passandoa não mais auferir lucros da sociedadee desfrutar dos demais direitosde sócio.O motivo determinante da exclusãodeve ser entendido como todoaquele que acarrete o total inadimplementodo dever de colaboração, nãohavendo para o caso concreto possibilidadeútil de o sócio permanecer presoao vínculo social.Como restou asseverado, de fato éconferida ao Poder Judiciário a possibilidadede se imiscuir no mérito da determinaçãoda sociedade para que se aquilatea real ocorrência determinante damotivação de exclusão do sócio, isto paraevitar os desmandos da maioria do capitalsocial, ao contrário do que ocorre como mérito dos atos administrativos que setornou parte intocável pelo Judiciário.70


A EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIALUNIJUSPoder-se-ia argumentar que a exclusãode sócio pela maioria do capital socialsem amparo em decisão judicial configurariacaso de aplicação da justiça comas próprias mãos, o que ofenderia aindaos princípios de igualdade de tratamentodos sócios, do devido processo legal eda ampla defesa, estes dois últimos previstosconstitucionalmente.Não há, entretanto, motivo nem razãojurídica para que a decisão de exclusãose configure nestes termos, desdeque observado o procedimento legal deexclusão fundamentado em decisão damaioria do capital social e por motivojusto declarado na alteração contratual.Restou salientado que subsistirá,sempre sobranceira, a possibilidade de osócio excluído buscar abrigo junto aoPoder Judiciário visando anular a deliberaçãoda maioria, o que pode ocorrer atravésde ação anulatória precedida, se foro caso, de ação cautelar inominada buscandoa suspensão dos efeitos do arquivamentoda alteração contratual na JuntaComercial decidindo pela exclusão dosócio do quadro societário, assegurando,inclusive, enquanto não transitar emjulgado a decisão, o direito de auferir oslucros da sociedade e de manter o statusde sócio. Assim, não há que se falar emprejuízo decorrente da ausência de ampladefesa.Quanto ao princípio de igualdade detratamento dos sócios, também este nãoserá violado. Neste sentido cumpre trazerà baila a lição de NUNES (1968, p.275) que ainda hoje se afigura atual eque assim dispõe: “Pensamos, porém,que o estrito respeito daquele princípio(o princípio da igualdade de tratamentodos sócios) exige somente que cada umdos sócios não possa ser objeto do arbítrioda maioria, que não possa ser vítimade medidas arbitrárias e discriminatóriasque se pretendem tomar em relação a ele,sem justificação bastante. Esta a razãode ser de tal princípio, que de modo algumresulta prejudicado quando se excluirum sócio com fundamento emmotivo grave. Por outro lado, o princípiode igualdade dos sócios, se concedeiguais garantias contra as arbitrariedadesda maioria, significa também que uns eoutros devem colaborar no exercício daatividade econômica a que a sociedadese destina, devem contribuir para a prossecuçãodo interesse comum (cada um,evidentemente, de acordo com a posiçãoque ocupa na sociedade). Já se vê,portanto, como a exclusão do sócio cujapresença na sociedade se torna incompatívelcom a boa marcha dos negóciossociais, longe de contrariar o aludido princípio,resulta afinal de uma exigência daprópria idéia de tratamento igualitário dossócios: à sociedade há que ser lícito excluiraquele que não colabora na realizaçãodo escopo comum.”Não há retoques a serem aplicados àmanifestação do doutrinador portuguêsacima citado. É imperioso que se tenhapresente na decisão de exclusão a manutençãona sociedade de elementos aptosa realizar o seu objeto social. Nomomento em que a maioria do capitalsocial tem nas mãos o poder de excluiro sócio inadimplente por motivo justo,a desigualdade de tratamento em momentoalgum se configura já que é princípio“tratar igualmente os iguais e desigualmenteos desiguais na medida emque eles se desigualam.” A se entendero contrário estar-se-ia dando ao sócioinadimplente para com as suas obrigaçõessociais um tratamento privilegiado,71


UNIJUSA EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIALadmitindo que ele possa não prestar colaboraçãoativa e desfrutar, em contrapartida,dos benefícios que a sociedadelhe oferece, inclusive participaçãonos lucros.LEÃES (p. 95) conclui que no afastamentode um sócio por deliberaçãoda maioria do capital social, a perda dostatus socii que o mesmo irá sofrer representaa conseqüência inevitável daexclusão, evento esse cuja possibilidadefaz parte do próprio desenho da condiçãode sócio.9A DESARMONIA ENTREOS SÓCIOS COMO CAUSADE EXCLUSÃOAfigura-se por demais importantee incluí-se entre uma das causas de exclusãodo sócio minoritário pela maioriado capital social o rompimento daharmonia reinante na sociedade. Se adesarmonia entre os sócios é causa dedissolução total da sociedade de pessoas,com muito mais razão poderátambém amparar a dissolução parcialcom a conseqüente exclusão do sóciofaltoso.COMPARATO (1978, p. 140-1)assim leciona a respeito deste tema: “afalta de pagamento da subscrição éapenas um dos muitos casos de inadimplemento,pelo sócio, dos deveres queassumiu contratualmente, e que podemse reduzir a uma idéia genérica: a colaboração.O sócio que paralisa o normalfuncionamento da sociedade porsimples inimizade pessoal com outro,ou com os outros; que assume emnome da sociedade obrigações estranhasao objeto social e no interessepróprio; que desvia a clientela da empresaem proveito próprio ou alheio,rompe a vontade de colaboração ativa,consciente, igualitária de todos os contraentesem vista da realização de umlucro a dividir, que Paul Pic consideroucomo tradução atual da affectio societatis.”A jurisprudência seguiu esse rumoe em variadas decisões assim decidiu:“Sociedade civil – Exclusão de sóciopor deliberação da maioria em virtudeda desarmonia na sociedade – Possibilidade,independentemente de normalegal expressa, previsão contratual oupronunciamento judicial – Impossibilidade,no entanto, de que remanesçaqualquer prejuízo para o excluído, relativamenteao seu afastamento, razãopela qual faz jus a que os haveres sejamatualizados pelo valor monetário.AgIn 115.133-4/5 – 4.ª Câm. – j.24.06.1999 – rel. Des. Fonseca Tavares.4.ª Câm. de Direito Privado doTJSP (RT 768/213-216).Já o Tribunal de Alçada Cível doEstado de São Paulo, ao julgar a apelação206.433, se pronunciou no sentidode que se se aceita como razão dedissolução social, a desarmonia entreos sócios, “há lógica em que o mesmoocorra em relação à exclusão.” (Bol.Jur. ADCOAS n. 35.042/75. A 2ª Câmarado mesmo Tribunal entendeu “seradmissível, em nosso estatuto comercial,a exclusão, por vontade da maioria,de sócio, tendo a desarmonia comocausa justificada. A desarmonia entreos sócios pode gerar a dissolução so-72


A EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIALUNIJUScial ou a exclusão de um deles. E, nesteúltimo caso, a omissão de contratonão impede a despedida compulsória.”(RT 510/131)O Superior Tribunal de Justiça pacificandoo assunto decidiu que “basta adesinteligência entre os sócios para gerara exclusão de um deles, independentementede previsão contratual ou de pronunciamentojudicial” (RSTJ 28/457-8,4ª Turma, julgado em 13.08.91, Rel.Min. Barros Monteiro)Para arrematar o assunto a respeitoda desarmonia como causa de exclusãodo sócio, muito a propósito é oensinamento do comercialista RE-QUIÃO (1959, p. 263) que ao cuidarda matéria, em bem lançadas linhasdeixa claro que o sócio que entra paraa sociedade traz em seu dever a obrigaçãode cooperar para o objetivo social,de modo que os esforços devemser somados, num “clima de compreensãoe colaboração mútuas”, Se osócio é causa de desarmonia, criandoobstáculos de toda sorte torna-seinadimplente da obrigação implícita demodo que sua exclusão se impõe embenefício dos demais.10CONCLUSÃOO tema da exclusão de sócio minoritáriopela maioria do capital socialé bastante interessante e resultado delonga evolução doutrinária e jurisprudencial,especialmente devido a que oCódigo Comercial teve nascimento noano de 1850, e apesar de ainda ser relativamenteatual, deve-se ajustar àmodernidade.Percebe-se que a exclusão do sóciominoritário pela maioria do capitalsocial é possível independentemente deprevisão no contrato social, de lei oumesmo de decisão jurisdicional paratanto. É a presença do poder de mandonas mãos da maioria do capital socialque, entretanto, deve agir com prudêncianas decisões de exclusão dosócio minoritário, sob pena de não surtirefeitos já que desafiará reparo pelojudiciário.Verifica-se que as construções jurisprudenciaisderam suporte para quea sociedade de pessoas tenha meios clarosde sobreviver ante os desmandosdo sócio faltoso e pernicioso para a sociedade.Com a solução encontrada, mantém-seíntegro o princípio da preservaçãoda empresa, sem necessidadede ocorrência da dissolução total dasociedade. Caberá, repita-se, sempreao sócio excluído a busca de amparojunto ao Poder Judiciário para reparodos abusos que forem encontrados nadecisão social optante por sua exclusão,devendo o mérito desta decisãoser apreciado com vigor para que seevite toda sorte de enriquecimento ilícitodos sócios majoritários que muitasvezes, escorados em suposto motivojusto se aproveitam para retirardo sócio minoritário a possibilidade deauferir lucros com o capital destinadoa integrar a sociedade na forma dequotas sociais.73


UNIJUSA EXCLUSÃO DE SÓCIO PELA MAIORIA DO CAPITAL SOCIALreferências bibliográficasALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. 8. ed. São Paulo:Saraiva, 1995BULGARELLI, Waldirio. Sociedades Comerciais. 3. ed. Atlas, 1991.GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.GOMES, Orlando. Direito societário, estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1984.GOMES, Orlando. Novas questões de direito civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1974.LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros, Exclusão extrajudicial de sócio em sociedade porquotas, Revista de Direito Mercantil n. 100, p. 85/97.LENS, Carlos Eduardo Thompson Flores. A exclusão de sócio na sociedade por quotas deresponsabilidade limitada. Revista dos Tribunais, v. 638, p. 64-68, 1988.MARTINS, Fran. Direito societário. Rio de Janeiro, 1984.MARTINS, Waldemar Ferreira. Compêndio das sociedades comerciais. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1940.MENDONÇA, J.X. Carvalho. Tratado de direito comercial brasileiro. São Paulo, 1945, v.3.MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, t. XLIV, 1965.NUNES, A. J. Avelãs. O direito de exclusão nas sociedades comerciais, Coimbra, 1968.REQUIÃO, Rubens. A preservação da sociedade comercial pela exclusão do sócio,Curitiba, 1959.TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada.São Paulo: Max Limonad, 1956.THALLER, E. Traité elémentaire de droit commercial, Paris, LGDJ, 1898.74


A FLEXIBILIZAÇÃO DASRELAÇÕES DE TRABALHOE O DIREITO ECONÔMICOAndrea Queiroz Fabri *sumário1. Introdução2. A necessidade da intervenção do Estado nasrelações de trabalho3. A evolução tecnológica e a modificação dasrelações de produção4. A lei trabalhista no Brasil5. Os tributos incidentes sobre as relaçõesde trabalho6. Os apelos pela flexibilização7. Conclusão: Flexibilização necessáriae prudente8. Referências bibliográficasresumoEsse texto revisita os fatos históricos relevantes para a compreensão das relações trabalhistase sua regulamentação jurídica no contexto social e econômico do Brasil propondo a flexibilizaçãodessas, relações no sentido de reverter os efeitos perversos da pressão do capital sobreas classes trabalhadoras desse país.1INTRODUÇÃOA situação econômica atual do Paísleva-nos a refletir sobre os problemas sociaispor ela gerados, bem como a estudarformas de amenizar tais anomalias.As dificuldades presenciadas nas relaçõesde trabalho em virtude da questãoeconômica mostram que a flexibilizaçãotorna-se urgente, no sentido de reverteros efeitos perversos da pressão do capitalna atualidade, em especial nos paísesem desenvolvimento. No caso do Brasilestes efeitos têm sido o desemprego e oemprego informal 1 e suas inevitáveisconseqüências nas ordens jurídico-eco-nômica e social. Esta questão vem sendoventilada nas aulas do Curso deMestrado em Direito Econômico da UniversidadeFederal de Minas Gerais, soba orientação da Professora Isabel Vaz,tendo nos causado inquietude quanto àsua solução. Resta-nos portanto, detectaras causas do problema empregatícioe do desemprego no contexto nacionalpara logo, opinar sobre uma possívelsolução, não para a relação de trabalhosomente, vista pelo seu ângulo privado,mas sim, para seus reflexos na coletividade,como meio de desenvolvimentoeconômico, individual e social.Para tanto, mister revisitarmos osacontecimentos históricos concernentes____________________* Andrea Queiroz Fabri graduou-se na Universidade de Uberaba em 1998, concluiu o Curso de Especialização em Direito do Estado pela ESA/OAB de Minas Gerais em convênio com a Universidade de Uberaba e atualmente está cursando a matéria Direito Geral Econômico no Cursode Mestrado em Direito Econômico da UFMG.1 Por emprego informal entende-se aquele em que nem trabalhador nem empregador contribuem para financiar os ônus do Estado, principalmentena seguridade social.75


UNIJUSA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOàs relações trabalhistas e suas influênciasna elaboração das leis pertinentes, comparando-oscom a realidade hodierna e suaadequação ao ordenamento jurídico. Imprescindívelainda uma incursão aos ramos doDireito que se relacionam com a questãotrabalhista, inclusive o Tributário e o Previdenciário,no intuito de fazer com que capitale trabalho se harmonizem, cedendo aosobjetivos da ordem econômica vigente.Pretendemos com este estudo, longede impor soluções, abrir o debate sobre aflexibilização das relações de trabalho demaneira mais preocupada com o todo econômicodo que com os ideais da empresaou do trabalhador, características de pareceresparciais sem cunho científico.Esperamos assim poder contribuirpara um desenvolvimento dentro da economicidade,isto é, que, no caso, ensejeem maior número de empregos e menosprejuízo para a comunidade, de formaque o trabalhador possa verdadeiramentegozar dos mínimos direitos que lhesão conferidos pela Constituição.2A NECESSIDADE DA INTERVENÇÃODO ESTADO NAS RELAÇÕESDE TRABALHOTem-se notícia de que durante a IdadeMédia o sistema econômico feudal erapredominante. Em troca de segurança osmais fracos trabalhavam nas terras dosenhor. Era um tempo em que cada propriedadese auto sustentava, como bemdescreve Hunt 2 :“A grande maioria da população cuidavado cultivo da terra, visando à alimentaçãoe ao vestuário, ou criava ovelhas,para obter a lã e o vestuário.“Os costumes e a tradição são achave para a compreensão das relaçõesmedievais. Em lugar de leis, talqual as conhecemos hoje, o que governavaeram os costumes vigentesno feudo. Na Idade Média, não haviaautoridade central forte que pudesseimpor o cumprimento de um sistemade leis. Toda a organização medievalse baseava em um sistema de serviçose obrigações mútuas, envolvendotoda a hierarquia feudal”.Como todo sistema tem seu nascimento,apogeu e declínio, o feudalismofoi dando lugar ao comércio, não só pelointercâmbio com os árabes, mas tambémpela sua evolução intrínseca, evidenciadana troca do plantio de dois parao de três campos, resultando num maioraproveitamento das propriedades da terra,bem como pela substituição de boispor cavalos 3 .Como pode ser percebido, desdecedo, os detentores do poder procuramdiminuir custos com maior energia emenor número de homens. O cavalo passoua fazer as vezes dos bois e, para lidarcom o arado era necessário somenteum servo, ao invés de três 4 .Assim, excedentes foram sendo produzidose trocados nas feiras que, como decorrer do tempo, foram se transformandoem cidades, onde o trabalho especializadoproduzia artefatos ao gostodo senhor feudal que, cada vez mais,sentia necessidade de adquiri-los, em trocados produtos do feudo.____________________2 HUNT, E. K.. História do pensamento econômico. 7.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981. (tradução de José Ricardo Brandão Azevedo). p.30.3 HUNT, E. K.. História do pensamento econômico. 7.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981. (tradução de José Ricardo Brandão Azevedo). p.31-33.4 HUNT, E. K.. História do pensamento econômico. Trad. José Ricardo Brandão Azevedo. 7.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981. Titulo original:History of economic thought. p.32.76


As cruzadas também desempenharamimportante papel para a intensificaçãodo comércio 5 , que, por sua vez, contribuiupara enfraquecer o poder do senhorfeudal e aparecer uma nova classe– comerciante - que, num primeiro momento,era somente intermediária no quecompreendia comprar e revender produtos.Num estágio mais avançado estaclasse tornou-se proprietária da matériaprima,dos instrumentos e do local ondeos artesãos lhe vendiam a força de trabalho6 . Este estágio marca o início docapitalismo, com a figura daquele quehoje podemos chamar de empresário.O desejo de maior produção fez comque o capitalista investisse em forças distintasda humana, tendo aderido ao desenvolvimentoindustrial, através da aquisiçãode máquinas a partir do séculoXVIII, tais como a lançadeira volante e amáquina a vapor 7 , que minimizaram oscustos com trabalhadores, ao mesmotempo que incrementaram a produção.Como a vida no campo já não satisfaziaas necessidades da época, grandeparte da população se aglomerava nas cidades,fazendo com que qualquer condiçãoe remuneração nas fábricas fossesuficiente, problema mais tarde detectadopor Marx 8 . Acidentes provocadospelo cansaço de longas jornadas de trabalhoe a falta de medidas de segurança,A FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOUNIJUSproteção a mulheres e crianças foi relatadanuma revista radical de 1828, The Lion,como expõe Heilbroner 9 sobre a históriade Robert Blincoe, uma das oito criançasenviadas a uma fábrica em Lowdham:“Os meninos e as meninas – tinhamtodos cerca de dez anos – eramchicoteados dia e noite, não apenaspela menor falta, mas também paradesestimular seu comportamento preguiçoso.E comparadas com as de umafábrica em Litton, para onde Blincoefoi transferido a seguir, as condiçõesde Lowdham eram quase humanas.Em Litton, as crianças disputavamcom os porcos a lavagem que era jogadana lama para os bichos comerem;eram chutadas, socadas e abusadassexualmente; o patrão delas, umtal de Ellice Needham, tinha o horrívelhábito de beliscar as orelhas dospequenos até que suas unhas se encontrassematravés da carne...”Por exagerado que nos pareça tal relato,condições análogas levaram idealistasa melhorarem, de alguma forma, oambiente de trabalho, dentre eles, o conhecidosocialista utópico Robert Owen,da comunidade de Nova Lanark 10 .Estes acontecimentos eram justificadospelas instituições políticas, que influenciavamnas características das relaçõesde trabalho 11 . Tanto o capitalismocomo o Bill of Rights, de 1689, a Declaraçãodos Direitos do Homem e do Cida-____________________5 HUNT, E. K.. História do pensamento econômico. Trad. José Ricardo Brandão Azevedo. 7.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981. Titulo original:History of economic thought. p.34.6 HUNT, E. K.. História do pensamento econômico. Trad. José Ricardo Brandão Azevedo. 7.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981. Titulo original:History of economic thought. p.35-36.7 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Fundamentos do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1970. p.18-19.8 HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. Trad. Therezinha M. Deustsch. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Coleção Oseconomistas. Titulo original: The wordly philosophers. p.152.9 HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. Trad. Therezinha M. Deustsch. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Coleção Oseconomistas. Titulo original: The wordly philosophers. p.101-102.10 HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. Trad. Therezinha M. Deustsch. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Coleção Oseconomistas. Titulo original: The wordly philosophers. p.102-112.11 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Fundamentos do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1970. p.26.77


UNIJUSA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOdão, de 1789, e a Declaração da Virgínia,de 1776, inspirados nos princípios definidospor Locke, Montesquieu, Rousseaue Voltaire e pela escola econômica liberal,propunham uma separação entrePoder Público e poder privado 12 .Num modelo econômico que pressupõeuma ordem natural, deixando osindivíduos, nos contratos, livres de qualquerinterferência do Estado, a igualdadeentre capitalista e trabalhador não émais que formal. Se antes o trabalhadorse encontrava ligado à corporação, agoraestava sem qualquer proteção 13 , comotambém ressalta Vianna 14 :“Em nome da liberdade, que nãopodia sofrer restrições, sob o pretextoda autonomia contratual, abstinhase,entretanto, o legislador de tomarmedidas para garantir uma igualdadejurídica que desaparecia diante da desigualdadeeconômica”.Os acidentes de trabalho, as condiçõesdas crianças e das mulheres, noentanto, foram objeto de preocupaçãopara muitos, como Marx, sendo forçosauma modificação no regime das propriedadesque, segundo Isabel Vaz, “talvezconfigurem o instituto jurídico mais visadopelas transformações sociais.” 15Um dos mais importantes documentosno sentido de proteção ao trabalhadorfoi a Encíclica Rerum Novarum 16 ,de1891, manifestada por Leão XIII, que,de acordo com Isabel Vaz 17 , sustenta “ atemática da justa distribuição, idéia que,tanto quanto o marxismo, esteve na origemda formação das ligas camponesase operárias, embrião do cooperativismo”.Segadas Vianna 18 classifica tal documentocomo integrante de uma primeirafase da universalização da legislação deproteção ao trabalho, qualificando Owencomo o pioneiro da idéia de internacionalizaçãodesta legislação já em 1815. Aindano século XIX foi presenciada uma iniciativagovernamental por parte da CâmaraFrancesa, em 1884 e, entre 1889 e 1890,ocorreu em Berlim uma reunião para adiscussão das relações trabalhistas, poriniciativa do Imperador Guilherme II.A segunda fase, para Vianna, iniciouseem 1901, com a fundação da AssociaçãoInternacional para a Proteção Legaldos Trabalhadores, na Basiléia. Entre1905 e 1906 conferências de caráter técnicoforam realizadas e, em 1913, emBerna, foram apresentados dois projetosde convenções internacionais proibindoo trabalho noturno aos menores e limitandoem dez horas a duração do trabalhode adolescentes e mulheres. Tais projetosnão foram assinados em 1914 devidoao início da Primeira Grande Guerraque, para o autor cujo trabalho semenciona, é marco de separação entre asegunda e a terceira fase do processo deuniversalização da legislação do trabalho.A terceira fase é marcada pelo Pactoda Sociedade das Nações, a partir do____________________12 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Fundamentos do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1970. p.26-29.13 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Fundamentos do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1970. p.28.14 Conforme VIANNA, José de Segadas. SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, E. Délio; VIANNA, José de Segadas. Instituições de direito dotrabalho. 3. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1963. p.23.15 VAZ, Isabel. Direito econômico das propriedades. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 66.16 Conforme VIANNA, José de Segadas. SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, E. Délio; VIANNA, José de Segadas. Instituições de direito dotrabalho. 3. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1963. p. 30; NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Fundamentos do direito do trabalho. São Paulo:LTr, 1970. p. 41; CAMARGO, Ricardo Antonio Lucas. Ordem jurídico- econômica e trabalho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 54.17 VAZ, Isabel. Direito econômico das propriedades. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 70.18 Conforme VIANNA, José de Segadas. SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, E. Délio; VIANNA, José de Segadas. Instituições de direito dotrabalho. 3. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1963. p. 30-31.78


qual foi firmado o compromisso de umapaz mundial, tendo como base a justiçasocial. Seu artigo 23 reza que os membrosdesta Sociedade esforçar-se-ão paraassegurar condições de trabalho equitativase humanitárias para o homem, amulher e a criança, em seus próprios territóriose nos países aos quais se estendemsuas relações de comércio e indústriae, com esta finalidade, estabelecerãoe manterão as organizações internacionaisnecessárias, o que coincide exatamentecom a Parte XIII do Tratado de Versailles,de 28 de junho de 1919, que instituiu aOrganização Internacional do Trabalho. 19No início do século XX direitos trabalhistasganharam lugar nas constituiçõesdos Estados, como na mexicana, de 1917,na de Weimar, de 1919 e na Carta delLavoro, de 1927, denotando o reconhecimentoestatal da urgência da sua intervençãonas relações de trabalho. 203A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICAE A MODIFICAÇÃODAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃOA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOUNIJUSUm incremento das máquinas e datecnologia permitiram cada vez mais oaumento da produção com menor númerode trabalhadores.O sistema produtivo inicialmentedescrito por Smith 21 sobre o grau de especializaçãoe divisão do trabalho e os métodosde organização deste criados por FrederickW. Taylor constituem fatores importantespara entendermos os problemasdas relações trabalhistas na atualidade.Segundo Ricardo Carneiro, 22 o fordismo,movimento que teve início porvolta de 1914, com Henry Ford, introduzindoa jornada diária de oito horas e ofive dollar day, pouco mais fez do queimplementa os novos conceitos de produtividadede Taylor:“... através da decomposição de tarefase da separação entre trabalho manuale intelectual, gerando uma fragmentaçãoentre os níveis de gerência, concepção,controle e execução dentro doprocesso produtivo.” 23Para Ford, no entanto, o trabalhadordeveria receber melhores salários, deforma que pudesse adquirir os bens queproduzia. Isto implicava em direcionar aatenção das pessoas para os benefíciosdaquele estilo de vida, através da “propagaçãodo american way of life, principalmentepela indústria cinematográfica,”24 impulsionando a internacionalizaçãodo modo de produção fordista.Este processo, todavia, foi interrompidocom a crise de 1929, que provocoufalências e desemprego nos EstadosUnidos, tendo atingido quase todosos países ocidentais cujos empresários____________________19 Estes fatos não excluem leis limitando horas de trabalho, dentre outros “direitos”, desde 1802, na Inglaterra, mesmo que não correspondessemtotalmente aos desejos dos trabalhadores.20 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 21. ed. São Paulo: LTr, 1994. p.40-41.21 HUNT, E. K.. História do pensamento econômico. Trad. José Ricardo Brandão Azevedo. 7.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981. Titulo original:History of economic thought. p.78-79.22 CARNEIRO, Ricardo. A contribuição da economia do meio ambiente para o aperfeiçoamento da legislação e da política ambiental brasileira.Dissertação de Mestrado em Direito Econômico sob a orientação do Professor Doutor João Bosco Leopoldino da Fonseca, defendida na Faculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2000. p. 42-43.23 Os problemas advindos da divisão do trabalho já haviam sido detectados por Marx, em O Capital, como salienta HUNT, em História dopensamento econômico. Trad. José Ricardo Brandão Azevedo. 7.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981. Titulo original: History of economicthought.p.504-505.24 CARNEIRO, Ricardo. A contribuição da economia do meio ambiente para o aperfeiçoamento da legislação e da política ambiental brasileira.Dissertação de Mestrado em Direito Econômico sob a orientação do Professor Doutor João Bosco Leopoldino da Fonseca, defendida na Faculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2000. p. 43-46.79


UNIJUSA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOhaviam especulado com as ações provenientesdos vastos lucros advindos daexpansão do mercado consumidor. 25Como a crise deitava suas raízesnum acúmulo de produção devido à suanão aceitação pelo mercado externo, principalmenteo europeu, o desemprego tornou-seinevitável. 26Superada a crise da década de 30, osEstados Unidos passaram a intervir na economiapor meio do New Deal. Após a SegundaGuerra, o fordismo retomou suaproposta globalizante com o Plano Marshall,reabrindo as possibilidades do mercadoeuropeu à produção americana, 27 devidoaos estragos da guerra.Com a recuperação econômica doJapão e da Europa Ocidental em meadosda década de 60 o modelo fordista iniciousua queda. Com a alta do petróleo na décadade 70 a crise fordista foi agravada,fazendo com que as empresas produzissemnovos bens e procurassem novosmercados consumidores, impondo a adequaçãoa novos modelos de organizaçãosocial e econômica na década de 80. 28As transnacionais, devendo instalarseem locais diversos de sua origem, àprocura de consumidores, matéria-primae mão-de-obra baratos, agravam osproblemas de emprego nos países hospedeiros.Estes não têm tecnologia paracompetir com os produtos das transnacionaisque, operando com menos empregadose maior produção, acarretam ofechamento de estabelecimentos nacionais,gerando mais desemprego. A patologiaparece não ter fim, como ressalta oProfessor Rosemiro Leal: 29“As crises continuam favorecendoa expansão do mercado consumidore consequentemente o aumentoda dependência monetária do TerceiroMundo (sede incessante das crises)30 , cujos credores são os grandesoligopólios, EMN, 31 EmpresasTransnacionais, cartéis, corporaçõesfinanceiras internacionais.”Estas novas experiências portanto,exigiram uma modificação das relaçõesde trabalho, como enfatiza Carneiro: 32“Os mercados de trabalho, porexemplo, passaram por uma profundareestruturação, tendo o poder sindicalsido enfraquecido pela modernizaçãodos processos produtivos, pela fortevolatilidade do mercado, pelo aumentoda competição, pelos enormes contingentesde mão-de-obra excedente (desempregados)e pela implosão dos____________________25 CARNEIRO, Ricardo. A contribuição da economia do meio ambiente para o aperfeiçoamento da legislação e da política ambiental brasileira.Dissertação de Mestrado em Direito Econômico sob a orientação do Professor Doutor João Bosco Leopoldino da Fonseca, defendida na Faculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2000. p. 46.26 CARNEIRO, Ricardo. A contribuição da economia do meio ambiente para o aperfeiçoamento da legislação e da política ambiental brasileira.Dissertação de Mestrado em Direito Econômico sob a orientação do Professor Doutor João Bosco Leopoldino da Fonseca, defendida na Faculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2000. p. 46-47.27 CARNEIRO, Ricardo. A contribuição da economia do meio ambiente para o aperfeiçoamento da legislação e da política ambiental brasileira.Dissertação de Mestrado em Direito Econômico sob a orientação do Professor Doutor João Bosco Leopoldino da Fonseca, defendida na Faculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2000. p. 47.28 CARNEIRO, Ricardo. A contribuição da economia do meio ambiente para o aperfeiçoamento da legislação e da política ambiental brasileira.Dissertação de Mestrado em Direito Econômico sob a orientação do Professor Doutor João Bosco Leopoldino da Fonseca, defendida na Faculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2000. p. 48-49.29 LEAL, Rosemiro Pereira. Soberania e mercado mundial: a crise jurídica das economias nacionais. 2. ed. revista e atualizada. Leme: Editorade Direito, 1999. p. 257-258.30 Destaque do autor.31 EMN é utilizado pelo autor para se referir às Empresas Multinacionais.32 CARNEIRO, Ricardo. A contribuição da economia do meio ambiente para o aperfeiçoamento da legislação e da política ambiental brasileira.Dissertação de Mestrado em Direito Econômico sob a orientação do Professor Doutor João Bosco Leopoldino da Fonseca, defendida na Faculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2000. p. 49.80


modelos tradicionais de organização daclasse trabalhadora, os quais dependiam,em grande medida, do acúmulo deoperários nas fábricas. Os contratos detrabalho passaram a ser flexibilizados,com a redução aparente do empregoregular e permanente e sua substituiçãopelo trabalho temporário, subcontratadoou terceirizado.”4A LEI TRABALHISTA NO BRASILPara conhecermos as leis referentesàs relações de trabalho no Brasil podemosnos dirigir brevemente ao relato deSegadas Vianna. 33A primeira Constituição do País,seguindo os ideais liberais do séculoXIX, extinguiu as corporações de ofício,assegurando a liberdade do trabalho.Em 1888 foi abolida a escravidão,cuja liberdade conferida aos escravosnos parece semelhante àquelaDECLARADA aos trabalhadores dascorporações que, sem preparo ou capital,não poderiam deixar de serviraos mais fortes.Em 1903 permitiu-se a organizaçãosindical, após aquele período de individualismoque impedia a união de trabalhadorespara lutar pelos seus direitos. ALei de Acidentes de Trabalho foi aprovadaem 1919.Em 1923 instituiu-se o seguro socialpara os ferroviários; em 1925 foi aprovadaa Lei de Férias.A FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOUNIJUSEm meio ao governo populista foicriado, em 1930, o Ministério do Trabalho,com a aprovação da Lei Sindicalno ano seguinte. Em 1932 veio a Leisobre Convenções Coletivas, tendo sidocriadas as Juntas de Conciliação e Julgamento.O primeiro grande instituto de segurosocial foi criado em 1934 e a lei deindenização sem justa causa foi editadaem 1935. Em 1936 foram criadas asComissões de Salário Mínimo e aJustiça do Trabalho foi organizada em1940.Após todos estes documentos, aConsolidação das Leis do Trabalho foiaprovada em maio de 1943 e o direito degreve reconhecido três anos depois, tendogerado um total superior a mil e duzentasgreves entre 1957 e1960. 34Passado aquele período e a repressãoda ditadura, os direitos trabalhistasforam alçados à categoria constitucionalem 1988, no artigo 7°, e os direitos coletivosno artigo 8°.Imperam hoje tanto as regras prescritasna Consolidação das Leis do Trabalhoe leis esparsas, como os dispositivosda Constituição, mesmo sendo muitosdeles reflexos de uma época em quea excessiva regulamentação era imprescindível.Ao contrário, o resultado da aplicaçãohodierna de determinados dispositivosdaquelas leis acarreta prejuízos aopróprio trabalhador, uma vez que não seadaptam à realidade econômica.____________________33 Conforme VIANNA, José de Segadas. SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, E. Délio; VIANNA, José de Segadas. Instituições de direito dotrabalho. 3. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1963. p.32-36.34 Vianna cita greves violentas em São Paulo em 1957; greves e agitações em Niterói, em 1959, com cento e doze feridos; em 1960,greve geral noRio Grande do Sul, dos trabalhadores dos transportes urbanos no Rio de Janeiro, dos metalúrgicos em São Paulo, com feridos, dos marítimos,ferroviários e portuários, esta, sob inspiração comunista, em novembro. SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, E. Délio; VIANNA, José deSegadas. Instituições de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1963. p.36.81


UNIJUSA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICO5OS TRIBUTOS INCIDENTESSOBRE AS RELAÇÕESDE TRABALHOAtualmente, no Brasil, iniciar ou mesmocontinuar um empreendimento tem setornado inviável. Isto se deve à elevadacarga tributária que recai sobre as relaçõesde trabalho, que, quando não encarecemos produtos finais para o consu-TRIBUTOPISCOFINSINSSFGTSCONT. SINDICALCONT. SOCIALICMSIPIIRPFIRPJISSSIMPLESinclui: PIS, COFINS,CONT. SOCIAL,IR, INSS da empresaNo caso da indústria incluitambém o IPI, por isso adiferença de 0,5%____________________35 v.r. = Valor de referência.36 e.p.p. = Empresa de Pequeno Porte.EMPREGADO PAGA7,65%, 8,65%, 9% ou 11%1 dia de serviço ao anoCondição: se a receita for até deR$ 1.200.000,00 e não for excluído pela leimidor, desencadeia processos de falênciae a conseqüente perda de empregos. Justificadoestá nosso interesse pelo tema,uma vez que elevados tributos comprometema livre iniciativa, consagrada noartigo 170, caput da Constituição vigentee alguns dos princípios da ordem econômica,como a busca do pleno emprego ea redução das desigualdades sociais.De acordo com o ordenamento jurídicovigente, são estes os tributos a serempagos pela empresa:EMPREGADOR PAGArural (pessoa jurídica) : 0,65 % sobre a receita brutaurbano: 0,65 % sobre a receita bruta da empresa3% sobre o faturamento brutoindústria 28,8% sobre a folha de pagamentocomércio 27% sobre a folha de pagamentorural: 2% sobre a receita brutasobre a retirada de pro labore dos sócios 20 %8% sobre a folha de pagamentoaté 150 x v.r. 1 = 0,8%de 150 a 1.500 x v.r. = 0,2 %de 1.500 a 150.000 x v.r. = 0,1%de 150.000 a 800.000 x v.r. = 0,02 %Sobre o lucro real 9%Sobre o lucro presumido 1,08%de 7% a 35%de 0 a 75%até R$ 900,00 por mês = isentode R$ 900,00 a R$ 1.800,00= 15%acima de R$ 1.800,00= 27,5%15%3% é o básico mas varia de 1 a 20%Varia de 3% a 9,1 %, conforme tabela abaixoaté R$60.000 3% comércio 3,5% industriade R$60.000 a R$90.000 4% comércio 4,5% indústriade R$90.000 a R$120.000 comércio 5% indústria 5,5%acima de R$120.000 deixa de ser micro e passa a ser epp 2de R$120.000 a R$240.000 comércio 5,4% indústria 5,9%de R$240.000 a R$360.000 comércio 5,8% indústria 6,3%de R$360.000 a R$480.000 comércio 6,2% indústria 6,7%de R$480.000 a R$600.000 comércio 6,6% indústria 7,1%de R$600.000 a R$720.000 comércio 7% indústria 7,5%de R$720.000 a R$840.000 comércio 7,4% indústria 7,9%de R$840.000 a R$ 960.000 comércio 7,8% indústria 8,3%de R$960.000 a R$1.080.000 comércio 8,2% indústria 8,7%de R$1.080.000 a R$1.200.000 comércio 8,6% indústria 9,1%82


Pelo quadro acima é possível vislumbraro quanto custa o exercício da atividadeeconômica no País, mesmo com ainstituição do SIMPLES, que não dispensaempregador e empregado do pagamentodas contribuições sociais.A inclusão destas contribuições noquadro pode causar espanto, justamentepelo fato de, em alguns casos tambémser devida pelo empregado, seumaior “interessado”. No entanto, entendemosimprescindível sua inclusão norol dos tributos incidentes sobre a empresa,em seu conceito de conjunto dosfatores de produção, porquanto esta,junto ao Poder Público, é responsávelpela vida econômica e bem-estar dacoletividade, na medida em que, atravésdo oferecimento de empregos, colaborapara o incremento dos institutosda repartição e consumo.Embora o artigo 145 da ConstituiçãoFederal, em seus incisos I, II e III,respectivamente, delimita os tributos entreimpostos, taxas e contribuições demelhoria, as contribuições sociais oraadotam característica de cada uma dasespécies de tributo.Como o próprio artigo 149 da atualConstituição, referindo-se ao 195, § 6°prevê a observância dos princípios dalegalidade e anterioridade, exceto para ascontribuições de seguridade social, devemas contribuições sociais obedeceras regras do Direito Tributário. Assimdispõe Hugo Machado: 37A FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOUNIJUS“Diante da vigente Constituição,portanto, pode-se conceituar a contribuiçãosocial como espécie de tributocom finalidade constitucionalmentedefinida, a saber, a intervençãono domínio econômico, interessede categorias profissionais ou econômicase seguridade social”.Interessam-nos, sobretudo, as contribuiçõesde seguridade social, que têmfeito tanto trabalhador como empregadorsentir seus efeitos econômicos atravésdo desemprego, da falência e de umaterceira via, denominada informalidade.De conformidade com o artigo 194,caput da Constituição de 1988, “a seguridadesocial compreende um conjuntointegrado de ações de iniciativa dos poderesPúblicos e da sociedade, destinadas aassegurar os direitos relativos à saúde, àprevidência e à assistência social”.A competência para a instituição destascontribuições é exclusiva da União, sendoque, pelo artigo 165, § 1°, III da ConstituiçãoFederal, esta espécie de tributo ingressadiretamente no orçamento daseguridade social por lei anual, “abrangendotodas as entidades e órgãos a ela vinculados,da administração direta e indireta,bem como os fundos e fundações instituídose mantidos pelo Poder Público.”O fato de os outros entes da federaçãopoderem instituir as mesmas contribuiçõesnão exclui a supremacia da Uniãonesta competência, vez que é válido somentepara os respectivos servidores.Desta maneira, todos os outros recursosingressos direcionam-se ao TesouroNacional, apesar da descentralização eadministração participativas elencadas noartigo 194, parágrafo único, VII da Constituiçãovigente. 38Não é desconhecida a ineficiência deadministrações centralizadas, sendo no-____________________37 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 305-306.38 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 312-313.83


UNIJUSA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOtórios os problemas da assistência à saúde,assistência social, previdência e aposentadoriada maioria da população. Estesfatos, no entanto, vão de encontrocom o artigo 149 da Constituição, quecaracteriza as contribuições sociais pelasua finalidade, vinculando a relação jurídicaentre os órgãos do Poder Público eo contribuinte. 39Não obstante muitos possam contrariara posição acima, alegando não caberao Direito Tributário questionar a destinaçãoda arrecadação 40 , concordamoscom o Professor Werther Botelho, aoafirmar que as contribuições sociais têmafetação obrigatória 41 e ainda: “O destinoda arrecadação é elemento legitimador daexação tributária.” 42Assim, a desproporção entre arrecadaçãoe gastos torna aquela injustificada.Sobre o quanto arrecadado pela Uniãoem contribuições esclarece Machado: 43“O exame dos balanços gerais daUnião revela que as contribuições deprevidência, que representavam, em1989, apenas 34% da receita tributária,passou a oscilar entre 110% e 121%nos anos de 1990 até 1994. Em 1995 aarrecadação dessa contribuiçõescorrespondem a mais de 148% da receitatributária. Em outras palavras, ascontribuições de previdência corresponderam,em 1995, a quase vez e meiatudo quanto a União arrecadou comtodos os seus tributos.”Se o ingresso é tanto e os gastos nãoatingem os fins para os quais o tributofoi criado, favorece a proposital sonegação.Por outro lado, as elevadas alíquotaslevam ao desemprego e à informalidade,fazendo com que inúmeros trabalhadoresprefiram garantir-se de investimentosprivados. Tal fato, por sua vez,acarreta maior ônus aos contribuintes,porquanto mesmo os não pagadores devemser (mal) assistidos pela seguridadesocial, como dispõe o artigo 203 daConstituição Federal.6OS APELOS PELAFLEXIBILIZAÇÃOJá foi comentada a necessidade dainstituição de normas de proteção ao trabalho.A importância destas normas,portanto, reveste-se de caráter histórico,tornando-as obsoletas e até prejudiciaisem determinados momentos.Vive-se numa época globalizada, naqual a tecnologia ultrapassa as fronteirasestatais na figura das transnacionais, espelhodo poder econômico privado. É impossívelsobreviver economicamente comos meios produtivos de poucos anos atrás.Da mesma maneira, o trabalho deve sofreruma evolução, sob pena de prejudicar oque dele precisa, como expõe Díaz: 44____________________39 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.305.40 Conforme ICHIHARA, Yoshiaki. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 20. “Depois de pago o tributo ou extinta a relação tributária,se o Estado-membro destina 20% (vinte por cento) da receita do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços aos Municípios, se o empréstimocompulsório é devolvido depois de 1 (um) ou 2 (dois) anos, ou, ainda, se com o produto da arrecadação dos tributos o Estado constrói pontes,viadutos, estradas, sustenta a mordomia etc., estes elementos são regulados por normas de Direito Financeiro, ou qualquer outra, mas sãototalmente alheios ao Direito Tributário.”41 BOTELHO, Werther. Da tributação e sua destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 58-59.42 BOTELHO, Werther. Da tributação e sua destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 57.43 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 313.44 DÍAZ, Eugenio. Concertación social en Chile. In: Debate Laboral. Revista Americana e Italiana de Derecho Del Trabajo. Año V. n. 11 (2)/ 1992. p.187.84


“La revolución en los medios decomunicación y las innovacionestecnológicas para sancionar las dosprincipales dimensiones de estastransformaciones producen alteracionessustanciales en el funcionamientode la economía. Las distanciasse estrechan, los tiempos seacortan, las barreras geográficasdesaparecen, los ritmos de producciónse aceleran, la competitividad es cadavez más exigente. La internacionalizaciónde todas las dimensiones dela vida, en particular de la economía,es un dato nuevo que no podemosignorar.”Tal evolução também é responsávelpelo desemprego, vez que a automaçãovem substituindo o trabalho humano,principalmente nos países da periferia,onde as transnacionais se instalam, fechandoestabelecimentos nacionais in<strong>capa</strong>zesde produzir com a mesma eficiênciaa baixo custo.Não só o desemprego como tambéma informalidade têm preocupado os maisavisados, sendo este fato em muito atribuídoàs rígidas normas trabalhistas e,inclusive, ao “custo não-salarial de umacontratação legal,” 45 no pertinente aos encargossociais.Segundo Antonio Ermírio de Moraes,46 apesar de o desemprego no Brasilser menor que na Alemanha, França,Argentina, Itália e Espanha, maisde sessenta por cento dos brasileirostrabalham sem proteção e nenhumacontribuição.A FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOUNIJUSClama-se a adaptação do mundo jurídicoà mudança da realidade dos fatossociais, evidenciando o Enunciado 342 a“irreversível presença da flexibilização doDireito do Trabalho nos Pretórios Trabalhistas”.47Esta adequação do Direito à realidadefoi feita em países mais desenvolvidospor várias formas. Não se deve esquecer,todavia, que em tais países a arrecadaçãoé louvada pela boa distribuiçãode recursos, não deixando o trabalhadorou o desempregado sem o devidoamparo.Enquanto para as mentes liberais aflexibilização soa como maximização delucros, para os “intervencionistas” lembradesproteção. Unindo-se ambas poder-se-iachegar a um consenso sócioeconômico,através do qual capital e trabalhopossam harmonizar-se.Uma das formas de flexibilização sãoos acordos coletivos, por meio dos quaishá efetiva concertação entre as classesaparentemente opostas sobre as condiçõesde trabalho. 48No Chile, a flexibilização se deu a partirdos Decretos- Leis 2756 e 2758, de1979 49 sobre o direito sindical, sobre istodispondo Tapia:“... el processo flexibilizador delas relaciones individuales unido a lasrestricciones impuestas en el derechosindical, conformaron el marconormativo vigente a 1990, a lo quedebe agregarse una serie de disposicionesque reforzaron el ámbito de laautonomía privada individual.”____________________45 MORAES, Antonio Ermírio de. Um bom começo! Folha de São Paulo. Caderno Opinião. Domingo, 14 de maio de 2000. p. A2.46 MORAES, Antonio Ermírio de. Um bom começo! Folha de São Paulo. Caderno Opinião. Domingo, 14 de maio de 2000. p. A2.47 RODRIGUES, Antonio Carlos Menezes. Flexibilização e alteração contratual. In: LTr. Suplemento Trabalhista. São Paulo: Ano 32. 045/96. p. 259-263.48 DÍAZ, Eugenio. Concertación social en Chile. In: Debate Laboral. Revista Americana e Italiana de Derecho Del Trabajo. Año V. n. 11 (2)/1992. p.179-190.85


UNIJUSA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICONaquele mesmo País, em 1994, umnovo Código do Trabalho foi publicado, passandoa contratação por tempo determinadopara um ano, dentre outras normas. 50Os Estados Unidos são outro exemplode flexibilização das relações de trabalho,em especial no Silicon Valley. Semuitos vão contra a tomada de alternativaspara a questão do desemprego, outrosprocuram soluções possíveis.Estima-se que relações trabalhistasexistentes por intermédio de agências detrabalho temporal representam um por centodo emprego total nos Estados Unidos. 51O part-time job, muito comum naInglaterra, também serviu como soluçãonos Estados Unidos. 52 Ainda, o trabalhopor conta própria, os trabalhadores a domicílionão declarantes e as relações desubcontratação fazem hoje parte do quadroamericano. 53 Neste ponto vê-se possíveluma solução para os problemas causadospela tecnologia, visto tratarem osEstados Unidos um dos países tecnologicamentemais desenvolvidos do planeta.Estas situações de flexibilização, aocontrário do que se pode prever num primeiromomento, de forma alguma traduzemo completo abstencionismo estatal.Conforme Evans- Klock, Kelly, Richardse Vargha, 54 a intervenção das autoridadespúblicas dá-se por:“1- Subvenciones a trabajadorespara reducir su jornada de trabajonormal, a fin de repartir el empleo entreun porcentaje mayor de la fuerzalaboral total.“2- Medidas para reducir la ofertade mano de obra, generalmente incentivandola jubilación antecipada.“3- Incentivos a los empleadorespara que readiestren o redistribuyana los trabajadores en vez de prescindira ellos.”O Estado, nesse sentido, deve agirnão só como remediador, mas tambémcomo responsável pelo futuro do trabalhoatravés de programas de <strong>capa</strong>citação,como bem ressaltam os autores acimacitados: 55 “Junto a las medidas encaminadasa evitar o limitar despidos,especialmente cuando resultan inadecuadaso insuficientes, los programasde activación del mercado detrabajo pueden mejorar la <strong>capa</strong>cidadede los trabajadores para conseguirun empleo y la de la economía paracrear nuevos puestos e trabajo.”Ainda, os mesmos autores descrevema situação da flexibilização na Alemanha:56____________________49 TAPIA GUERRERO, Francisco. Autonomía colectiva y legislación del trabajo en Chile. In: Debate Laboral. Revista Americana e Italiana deDerecho Del Trabajo. Año V. n. 11(2)/1992. p.169.50 BRONSTEIN, S. Arturo. Reforma laboral en la América Latina. In: Revista Internacional del Trabajo. v.116. n.1/1997/Primavera. p.18.51 CARNOY, Martin; CASTELLS, Manuel; BENNER, Chris. Flexibilidad en Silicon Valley. In: Revista Internacional del Tabajo. v.116. n.1/1997/Primavera. p.37.52 CARNOY, Martin; CASTELLS, Manuel; BENNER, Chris. Flexibilidad en Silicon Valley. In: Revista Internacional del Tabajo. v.116. n.1/1997/Primavera. p.38.53 CARNOY, Martin; CASTELLS, Manuel; BENNER, Chris. Flexibilidad en Silicon Valley. In: Revista Internacional del Tabajo. v.116. n.1/1997/Primavera. p.39-40.54 EVANS-KLOCK, Christine; KELLY, Peggy; RICHARDS; Peter; VARGHA; Corine. Reducciones de plantilla: medidas preventivas y de reparación.In: Revista Internacional del Trabajo. v.118. n.1. 1999. p.55.55 EVANS-KLOCK, Christine; KELLY, Peggy; RICHARDS; Peter; VARGHA; Corine. Reducciones de plantilla: medidas preventivas y de reparación.In: Revista Internacional del Trabajo. v.118. n.1. 1999. p.62. Ver também FOUCAULD, Jean Baptiste de. Sociedad posindustrial y seguridadeconómica. In: Revista Internacional del Trabajo. v.115. n.6. 1996. p.733-739.56 EVANS-KLOCK, Christine; KELLY, Peggy; RICHARDS; Peter; VARGHA; Corine. Reducciones de plantilla: medidas preventivas y de reparación.In: Revista Internacional del Trabajo. v.118. n.1. 1999. p.59.86


“En Alemania, en los casos dedespido colectivo los comités deempresa tienen derecho a elaborarunos acuerdos que son vinculantesjurídicamente, los llamados ‘planessociales’, donde exponen las propuestasalternativas y la compensaciónque se debe dar a los trabajadores.”Portanto, necessária é a flexibilização,sem, contudo, abster-se totalmenteo Estado de disciplinar sobre as relaçõesde trabalho, criando alternativas para osproblemas advindos da automação atravésde oportunidades de <strong>capa</strong>citação detrabalhadores, como é feito nos EstadosUnidos, onde, quanto mais tecnologia,mais empregos, dentro da realidade. Istopossibilita o CONSUMO pelos trabalhadores,tendo em vista a REPARTIÇÃOde renda e salários e conseqüente aumentoda PRODUÇÃO, todos, institutos dedireito econômico 57 , diretamente ligadosao pleno emprego.7CONCLUSÃO:FLEXIBILIZAÇÃO NECESSÁRIAE PRUDENTEFoi mostrada a necessidade da flexibilizaçãocomo meio viável de diminuiros índices de desemprego, promovendomínimas condições de existênciadigna.Para tanto, descrevemos sucintamenteexperiências de países que vivemuma política trabalhista adequada à situaçãoatual.A FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOUNIJUSInobstante sermos a favor da flexibilizaçãopelo concerto nas relações detrabalho, abandonando dispositivos quenão interferem na dignidade do trabalhador,entendemos urgente uma reformulaçãodo próprio Estado, no que concerneao voraz desejo de arrecadação de tributos.Isto porque, como ficou demonstrado,as contribuições sociais incidentessobre as relações de trabalho são em grandeparte responsáveis pelos elevados preçosdos produtos consumidos – devidoaos tributos, processos de falência e seusefeitos econômicos no desemprego e conseqüentequeda do consumo. E o que dizerdos encargos incidentes sobre o trabalhodo empregado doméstico, cujopatrão não tem para quem repassar –consumidor – os gastos efetivados? Estaé uma das situações que têm tornado odesemprego inevitável.Para alguns estas palavras podemparecer “liberais”, de forma que o trabalhadorficaria desprotegido. Não se trata,contudo, de extinguir benefícios dotrabalhador, até mesmo porque nossaseguridade social vem, há muito, desatendendoseus fins. Trata-se de limitar atributação sobre as relações de trabalhopara tornar o emprego possível, pois vimosque as contribuições perfazem amaior parte da arrecadação da União.Se uma das finalidades do tributo é adestinação em desenvolvimento, plenoemprego e bem-estar social, 58 é de sesupor ser a Previdência Social <strong>capa</strong>z deoferecer saúde, aposentadoria e segurança,uma vez que sua arrecadação é vinculadaa seus gastos.____________________57 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 4. Ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 585-614, 552-584, 434-499,respectivamente.58 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito econômico e tributário: comentários e pareceres. São Paulo: Resenha Tributária/ FIEO- FundaçãoInstituto de Ensino para Osasco, 1982. p.1-2.87


UNIJUSA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOSobre o que entendem por seguridadesocial, ensinam Berríos e Davis: 59“El seguro social no es sólo unafunción económica, sino un campode acción en las diversas situacionesde la vida colectiva. Actúa tambiéncomo elemento de cultura, de previsión,de salubridad, da paz. El segurosocial regula el tabajo, laeconomía, la seguridad del asalariado,la justicia social, persigue el equilibrioy el bienestar común. Es una instituiciónque mediante aportes obrigatorios,distribuídos equitativamente entreel patrón, el trabajador y el Estado,tiende a cumplir los deberes quetiene la sociedad de procurar alasalariado una vida mejor y libre detemores y una vejez exenta de miseriay mendicidad.”Dentro deste contexto de existênciadigna inclui-se o direito à habitação, cujoexemplo temos a Alemanha do pós-guerra,procurando solucionar este problemade ordem econômica, como descrevea Professora Isabel Vaz: 60“... adoção de técnicas jurídicasdestinadas ao estímulo à poupançapara a reconstrução de casas, à proteçãoao trabalhador, à ampliação daassistência e da seguridade sociais,tendência aperfeiçoada através dastécnicas de co-gestão.“... ao surgir o problema do alojamentona Alemanha ocidental, a questãoassumia o caráter de calamidadepública, pois, segundo as informaçõesjá mencionadas, 70% da populaçãoestavam desabrigados. A soluçãofoi encontrada aos poucos, masnão foi imposta. Os trabalhadorescomeçaram a ser conscientizadospara a importância de possuir um bemque lhes proporcionasse segurança,mas para cuja obtenção precisavamcontribuir, juntando seus esforçosaos incentivos oficiais. A concretizaçãodo princípio constitucional dapropriedade privada começou comuma ‘política patrimonial’...“... a construção da casa própriafora encorajada desde o início. Osdepósitos efetuados nas caixas econômicashabitacionais dão direito àpercepção de bônus do estado ou aisenções fiscais. Empréstimos públicosem condições especiais ou subvençõesao pagamento dos juros estãoprevistos para quem se dispõe aconstruir sua casa. Terminada a construção,reduções fiscais medianteamortizações aceleradas e isençõestemporárias de impostos prediais sãoconcedidas. A partir de 1950, foi instituídauma poupança beneficiada porprêmios, segundo a qual quem depositara prazo fixo por 6 ou 7 anos umacerta quantia (até um limite máximo préfixado)recebe um prêmio do estadocorrespondente a 14% da soma dapoupança depositada. Se a pessoapossui filhos, a cada um correspondeuma elevação do prêmio em 2%.“Em 1970 foi aprovada a chamada‘Lei dos DM’. Nos termos destalei, o trabalhador cuja renda tributávelnão ultrapasse 24.000 DM, se solteiro,e 48.000 DM, se casado, recebeuma subvenção do estado denominada‘adicional de poupança do assalariado’,de pelo menos 30%, casodeposite ao ano 624 DM (52 DM aomês) como capital ‘gerador depatrimônio”. O depósito deve ser alongo prazo, sob a forma de poupan-____________________59 GAETE BERRÍOS, Alfredo; SANTANA DAVIS, Inés. Seguridad social: estudio teórico-práctico de la nueva legislación chilena y comparada.Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1957. p.9.60 VAZ, Isabel. Direito econômico das propriedades. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.. p.568, 571-572.88


ça, ou contrato de poupança para habitação,seguro de vida ou comprade ações da empresa empregadora.“Em alguns casos, e conforme amaior parte das convenções coletivasde trabalho, os 624 DM são pagosquase integralmente pelas empresas.“Quando a convenção coletiva odetermina, as ‘contribuições geradorasde patrimônio’ são depositadastodo mês, diretamente na conta depoupança do assalariado. O dinheironão passa por suas mãos, mas tambémnão constitui retenção de partedo salário a ser recolhido aos órgãosprevidenciários, como no Brasil.”Observando o modelo alemão, noqual o trabalhador possuía uma poupançapara solucionar problemas como ahabitação, pensamos que o mesmo poderiaser feito no Brasil, também paraoutras necessidades do trabalhador. Umaconta privada diminuiria os riscos dedesvios de receitas, solucionando grandesproblemas urbanos. Se possuímosFGTS e PIS/PASEP, cujos rendimentospodem ser retirados em circunstânciasespeciais e não se dispõe do mínimo quea seguridade social garante, os inúmerosencargos exercidos sobre as relações detrabalho não se justificam.Assim, os benefícios da seguridadedevem ser revestidos para as necessidadesdo trabalhador, contribuindo para suaplena formação como agente participativodas decisões da comunidade.A adoção do modelo alemão adaptadoà realidade nacional atual em muitoatenuaria os problemas de ordem econômica.Os encargos são suficientementeA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOUNIJUSaltos para tanto. Impende modificar oquadro tributário nacional no que concerneà empresa e às relações de empregopara alcançar o desenvolvimento nacional,a redução das desigualdades sociaise regionais, objetivos fundamentaisda República Federativa do Brasil, elencadosno artigo 3° da Constituição, vinculantesa qualquer governante.Estamos portanto, de acordo comIves Gandra, 61 ao comentar sobre a diminuiçãoda máquina administrativa e dacobrança de tributos sobre o patrimônioem prol do desenvolvimento:“Tal orientação, provavelmente,desencadearia elevado nível de desenvolvimentoeconômico, com aconseqüente elevação do nível socialdo país, no que o progresso e ajustiça social far-se-iam, com possibilidadesde absorção da mão de obrapública dispensável na própria expansãodo mercado privado.“Paralelamente, à redução de encargostributários sobre o trabalho ea produção, poder-se-ia elevar a tributaçãosobre acréscimos patrimoniais,de toda a espécie, ou seja, emganhos de capital, heranças...“Uma política tributária orientadapara o desenvolvimento econômicoe justiça social, que não tiver nasua essência o estímulo ao trabalho eà produção, compensando a reduçãode encargos pela tributação sobreacréscimos patrimoniais, termina pornão provocar desenvolvimento econômiconem justiça social e gera insatisfaçõesde tal ordem que qualquerprocesso de pleno exercício dos direitose garantias democráticas ficacomprometido.”____________________61 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito econômico e tributário: comentários e pareceres. São Paulo: Resenha Tributária/ FIEO- FundaçãoInstituto de Ensino para Osasco, 1982. p.6.89


UNIJUSA FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOAssim sendo, mesmo que a longoprazo, a flexibilização é mister tanto paraa satisfação do empregador quanto doempregado. Para o primeiro, porque poderácontinuar ou mesmo incrementar aPRODUÇÃO, uma vez que terá mercadoconsumidor para seus produtos. Parao último, porque, a partir da melhor RE-PARTIÇÃO da renda e do salário, poderáCONSUMIR aquilo que produz. Istoprovoca uma inevitável relação de continuidadeentre estes três institutos de DireitoEconômico, quais sejam, a PRO-DUÇÃO, a REPARTIÇÃO e o CONSU-MO. Esta nova forma de direção das relaçõesde trabalho, longe de sacrificardireitos mínimos do trabalhador, deveauxiliá-lo em seu pleno desenvolvimento.Merece deixar frisado que a modificaçãodaquelas relações unicamente noâmbito privado termina por prejudicar ohipossuficiente. Somente se conjugadacom uma reformulação do Estado arrecadadora flexibilização das relações laboraispoderá cumprir seu fim através daeconomicidade, princípio que eleva o DireitoEconômico ao patamar de ciênciade caráter eminentemente humanitário.Por tudo, pensamos como Ford, noque concerne à <strong>capa</strong>cidade do trabalhadorde poder consumir aquilo que produz,o que possibilita a efetividade dosdireitos fundamentais à propriedade pormeio do respeito à ordem econômica,fundada na livre iniciativa e na valorizaçãosocial do trabalho.referências bibliográficasBOTELHO, Werther. Da tributação e sua destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.BRONSTEINS, Arturo. Reforma laboral en América Latina. Revista Internacional delTrabajo. v.116. n.1. primavera 1997.CAMARGO, Ricardo Antonio Lucas. Ordem jurídico-econômica e trabalho. Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 1998.CARNEIRO, Ricardo. A contribuição da economia do meio ambiente para o aperfeiçoamentoda legislação e da política ambiental brasileira. Dissertação de Mestrado emDireito Econômico sob a orientação do Professor Doutor João Bosco Leopoldino da Fonseca,defendida na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2000.CARNOY, Martin; CASTELLS, Manuel; BENNER, Chris. Flexibilidad en Silicon Valley.Revista Internacional del Tabajo. v.116. n.1, primavera 1997.DÍAZ, Eugenio. Experiencias de concertación social en la evolución del quadro políticochileno. Debate Laboral. Revista Americana e Italiana de Derecho Del Trabajo.año 5. v.11, n. 2, 1992.EVANS-KLOCK, Christine; KELLY, Peggy; RICHARDS, Peter; VARGHA, Corine. Reduccionesde plantilla: medidas preventivas y de reparación. Revista Internacional delTrabajo. v.118. n.1. 1999.GAETE BERRÍOS, Alfredo; SANTANA DAVIS, Inés. Seguridad social: estudio teórico-prácticode la nueva legislación chilena y comparada. Buenos Aires: RoqueDepalma, 1957.HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico. Trad. Therezinha M.Deustsch. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Coleção Os economistas. Titulo original: Thewordly philosophers.90


A FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E O DIREITO ECONÔMICOUNIJUSHUNT, E. K.. História do pensamento econômico. Trad. José Ricardo Brandão Azevedo.7.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981. Titulo original: History of economic thought.ICHIHARA, Yoshiaki. Direito tributário. 6.ed. São Paulo: Atlas, 1995.LEAL, Rosemiro Pereira. Soberania e mercado mundial: a crise jurídica das economiasnacionais. 2.ed. revista e atualizada. Leme: Ed. de Direito, 1999.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 1998.MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito econômico e tributário: comentários e pareceres.São Paulo: Resenha Tributária/ FIEO- Fundação Instituto de Ensino para Osasco,1982.MORAES, Antonio Ermírio. Um bom começo! Folha de São Paulo. Caderno Opinião. Dom.14 de maio de 2000.NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Fundamentos de direito do trabalho. São Paulo: LTr,1970.NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 21.ed. São Paulo:LTr, 1994.RODRIGUES, Antonio Carlos Menezes. Flexibilização e alteração contratual. LTr. SuplementoTrabalhista. São Paulo: Ano 32. 045/96.SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 4. ed. SãoPaulo: LTr, 1999.SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, José de Segadas. Instituições dedireito do trabalho. 3.ed. v.1. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1963.TAPIA GUERRERO, Francisco. Autonomía colectiva y legislación del trabajo en Chile.Debate Laboral. Revista Americana e Italiana de Derecho Del Trabajo. año 5. v.11n. 2, 1992.VAZ, Isabel. Direito econômico das propriedades. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.91


A PRESCRIÇÃOINTERCORRENTE NOPROCESSO DE EXECUÇÃOPaulo Leonardo Vilela Cardoso*sumário1. Introdução2. Conceito de Prescrição3. A Prescrição Intercorrente4. Suspensão do Processo Executivo5. Classificação das Normas Suspensivasresumo6. A Suspensão do Processo Executivo e a PrescriçãoIntercorrente7. Conclusão8, Referências bibliográficasO presente trabalho tem por finalidade demonstrar que, embora haja divergência na doutrinae jurisprudência, não ocorre a prescrição intercorrente, quando a execução por quantia certacontra devedor solvente resta suspensa, a requerimento do credor, pela inexistência de benspenhoráveis.1INTRODUÇÃOProcessualmente tem-se em mãosum universo de procedimentos postos àdisposição dos credores para a recuperaçãode seus créditos, mas às vezes opróprio remédio jurídico torna-se ineficaz,trazendo à tona a instauração da “crise”processual. Entre nós esta crise ocorreprincipalmente quando o ProcessoExecutivo é suspenso por não ter o devedorbens suscetíveis de constrição,culminando no sobrestamento temporáriodo procedimento. A dúvida, que sepretende ver dissolvida através do presentetrabalho, resume-se no tempo destesobrestamento, ou seja, qual o prazo fixadopara por fim a suspensão do processocaso o credor, embora diligente,não encontre bens em nome do executado.Isto porque, alguns doutrinadoresacreditam que esta suspensão não podeser eterna já que se esbarra num preceitode direito material, qual seja: a prescriçãointercorrente. Por outro lado, surgeuma vertente contrária, sustentadatanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência,que estando suspensa a execuçãoa requerimento do credor, pela inexistênciaem nome do devedor, de benspenhoráveis, não tem curso o prazo deprescrição, restando o processo executivosuspenso por tempo indeterminado.Percebe-se, com clareza, que a matériaé polêmica sendo motivo de controvérsiasna doutrina e jurisprudência.Contudo, para buscar uma solução parao caso, é preciso conceituar e analisarprofundamente os institutos da Prescri-____________________* Paulo Leonardo Vilela Cardoso, Advogado, mestrando em Direito Privado pela Universidade de Franca - UNIFRAN; Pós-graduado em DireitoEmpresarial pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU - 2000; Pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma Universidade em 1999.92


ção (Direito Material) e também os casosde suspensão e extinção do ProcessoExecutivo (Direito Processual).2A PRESCRIÇÃOAntes de conceituarmos a prescrição,torna-se necessário buscar nas fontesdo Direito os fundamentos que criaramo instituto.Câmara Leal, 1 remontando as fontesromanas, encontrou três fundamentosda prescrição, quais sejam: a)o da necessidade de fixar as relaçõesjurídicas incertas, evitando as controvérsias;b) o castigo à negligência;e c) o do interesse público”. Colocadaa questão neste contexto,deve-se reconhecer que o principalfundamento da prescrição é o interessejurídico-social, considerandoque o instituto da prescrição, medidade ordem pública, que tem por finalidadeextinguir as ações, para que ainstabilidade do Direito não viesse aperpetuar-se, com sacrifício da harmoniasocial.Diante dos fundamentos que criarama Prescrição, Clóvis Beviláqua, citado porWashinton de Barros Monteiro, assimconceituou o instituto:“prescrição é a perda da ação atribuídaa um direito, e de toda a sua<strong>capa</strong>cidade defensiva, em conseqüênciado não-uso dela, durante determinadoespaço de tempo”. 2Câmara Leal 3 , por sua vez, conceituaprescrição como sendo:A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO DE EXECUÇÃOUNIJUS“a extinção de uma ação ajuizável,em virtude da inércia de seu titulardurante um certo lapso de tempo, naausência de causas preclusivas deseu curso.”Extrai-se, portanto, deste conceito,que para ocorrer a prescrição há que seconjugar os seus diversos elementos integrantes,quais sejam a) Objeto: açãoajuízavel; b) Causa eficiente: a inérciado titular; d) Fator operante: o tempo; e)Fator neutralizante: as causas legais preclusivasde seu curso; f) Seu efeito -extinguir as ações. Desta forma, se o titulardo direito pleiteado em juízo, seconserva inativo, deixando de protegêlopela ação, e cooperando para a permanênciado desequilíbrio anti-jurídico,ao Estado compete remover essa situaçãoe restabelecer o equilíbrio, por umaprovidência que corrija a inércia do titulardo direito. E essa providência de ordempública foi o que o Estado teve emvista e procurou realizar pela prescrição,tornando a ação inoperante, declarando-aextinta, e privando o titular, por essa forma,de seu direito, como justa conseqüênciade sua prolongada inércia, e, por essemeio, restabelecendo a estabilidade do direito,pela cessação de sua incerteza.Como visto, a prescrição foi criadapara por fim ao direito de ação do titulardo direito, em virtude de sua inércia, privilegiando,assim, a segurança jurídica ea ordem social.Conclui-se, também, que não é ainércia momentânea que a lei pune coma prescrição, mas sim, a inércia prolongada,fruto da negligência do titular do____________________1 CÂMARA LEAL, Antônio Luiz da. “Da prescrição e decadência”. São Paulo: Editora Saraiva, 1939, p. 12.2 MONTEIRO, Washinton de Barros “Curso de direito civil, parte geral”. 27a ed. São Paulo: Editora Sariava, 1988, p. 286/287.3 CÂMARA LEAL, op. cit., p. 10, nota 2.93


UNIJUSA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO DE EXECUÇÃOdireito. Por esta razão, a lei fixa um prazopara o exercício da ação. Passado oprazo fixado para o ajuizamento da ação,sem que a esta seja ajuizada, opera-se aprescrição, ficando o titular privado deseu exercício3DA PRESCRIÇÃOINTERCORRENTE____________________4 Castro, Amílcar. “Prescrição de direito no curso da lide”. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 124, p. 17A prescrição pode ser intercorrente,ou seja, após a citação, se o processoficar paralisado, a prescrição interrompidainicia novo curso e com omesmo prazo, referente a pretensãocondenatória, a contar da data da paralisação.O Código Civil, no art. 172, I, dispõeque a prescrição se interrompe pelacitação pessoal feita ao devedor, aindaque ordenada por juiz incompetente.Desta forma, a prescrição interrompidarecomeça a correr da data do ato que ainterrompeu, ou do último do processopara a interromper.Qual é, porém, o último ato do processoa que se refere o artigo 173 doCódigo Civil?AMILCAR DE CASTRO, bem examinandoo assunto considera que o artigo173 pode significar tanto o últimoato do processo, ou seja, a sentença,como o último ato praticado, seja elequal for, asseverando, ao final, que aindaparalisada a demanda em seu andamento,por tempo superior ao da prescrição,esta não se consuma e só recomeçaa correr da sentença positiva deacolhimento. 4Porém, para analisarmos a prescriçãointercorrente, teremos que levarem consideração todos os requisitosexigíveis para a ocorrência emgeral, ou seja, a inércia do titular daação, durante um certo lapso de tempo,na ausência de causas preclusivasde seu curso.4SUSPENSÃO DO PROCESSOEXECUTIVOO Código de Processo Civil Brasileiro,prevê em seu artigo 791, as hipótesesprevistas para suspensão do processode execução, ou seja: a) embargos doexecutado; b) morte ou perda da <strong>capa</strong>cidadeprocessual; c) convenção das partes;d) exceções; e) falta de benspenhoráveis.Neste trabalho, porém, analisaremossomente a hipótese prevista no artigo791, III do CPC, ou seja a suspensão daexecução por ausência de bens em nomedo devedor.Para tanto, mister um estudo maisaprofundado no instituto “suspensão doprocesso de execução”.Diz o artigo 793 do Código de ProcessoCivil:“Suspensa a execução, é defesopraticar quaisquer atos processuais.O juiz poderá, entretanto, ordenarprovidências cautelares urgentes”.Durante a suspensão nenhum atoexecutivo novo pode ser praticado, sobpena de nulidade. Subsistem, contudo,os efeitos do processo, como, por exemplo,a penhora e depósito dos bens executados.Pode o juiz, em caráter excepcional,determinar medidas cautelaresque julgar urgentes, como por exemploa alienação de bens facilmentedeterioráveis. (art. 1.113 e §§)94


A eficácia da suspensão é ex nunc, ouseja, atinge o processo apenas na fase ousituação em que se encontrar, projetandoseus efeitos a partir de então só para o futuro.Inibe o prosseguimento da marchaprocessual, mas preserva intactos os atosjá realizados. Ao final da crise de suspensão,o processo retoma seu curso normala partir da fase em que se deu a paralisação,salvo se, a causa de suspensãotransmudar-se, a seu termo, como ocorrenos casos de extinção da execução. 55CLASSIFICAÇÃO DAS NORMASSUSPENSIVASEntende-se por suspensão do processo,o “sobrestamento temporário darelação processual, face a uma criseprovocada em seu curso regular por atoou fatos jurídicos”. 6CÂNDIDO RANGEL DINAMAR-CO 7 , conceitua suspensão como sendouma situação jurídica provisória e temporária,durante a qual o processo (emborapendente, sem deixar de existir) detém oseu curso e entra em vida latente. O procedimentodeixa de seguir avante e, emprincípio, nenhum ato processual podeser realizado durante esse período. Estarsuspenso o processo significa que serãoineficazes os atos que nesse período eventualmentese realizem (CPC, art. 266)É de bom alvitre, citar, até para melhorcompreensão da matéria as classificaçõesdas normas suspensivas. Istoporque o elenco das causas de suspensão,contidas ou não no art. 791 do Códigode Processo Civil, permite algumasA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO DE EXECUÇÃOUNIJUSclassificações úteis ao melhor entendimentoda própria mecânica da suspensãodo processo executivo.Em nosso direito, existem casos desuspensão determinadas por lei, e os casosque admitem a suspensão convencional,ou seja, aquelas que emanam davontade das partes, que resume-se emapenas um caso (art. 791 II, c/c 265, II).Existem, porém, casos em que asuspensão é necessária. São os casos deembargos do executado ou de terceiro;morte ou perda da <strong>capa</strong>cidade processualde qualquer das partes, de seu representantelegal ou de seu procurador,quando for oposta exceção e demais casosprevistos em lei.6A SUSPENSÃO DO PROCESSOEXECUTIVO E A PRESCRIÇÃOINTERCORRENTENeste contexto é que, após conceituara prescrição e as causas suspensivas doprocesso de execução, colocar-se-á osdois institutos lado a lado, para tentar respondero seguinte questionamento:Se a suspensão do processo de execuçãoocorrer por não ter o credor encontrado,em nome do devedor,patrimônio passível de ser penhorado,aplicar-se-á, o instituto da prescriçãointercorrente, iniciando-se, a partir dadata do sobrestamento do feito, a contagemdo prazo prescricional?Para Humberto Theodoro Júnior 8 aresposta é negativa, considerando que oobjeto da execução forçada são os bensdo devedor, dos quais se procura extrair____________________5 THEDORO JÚNIOR, Humberto. “Processo de Execução”. 13a Edição. São Paulo: Editora LEUD, 1989.6 ASSIS, Araken. “Manual do Processo de Execução”. 2a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 9087 DINAMARCO, Cândido Rangel. “Execução Civil”. 5a Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.8 THEDORO JÚNIOR, Humberto. “Processo de Execução”. 13a Edição. São Paulo: Editora LEUD, 1989, p. 436.95


UNIJUSA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO DE EXECUÇÃOos meios de resgatar a dívida exeqüenda.Não há no processo de execução, provasa examinar, nem sentença a proferir.E sem penhora, nem mesmo os embargosà execução podem ser opostos. Daíporque a falta de bens penhoráveis dodevedor importa em suspensão sine dieda execução. (art. 791, III)Contra este argumento, asseveraAraken de Assis 9 que a suspensão indefinidase afigura ilegal e gravosa, porqueexpõe o executado, cuja responsabilidadese cifra ao patrimônio (art. 591), aos efeitospermanentes da litispendência. Mesmoque a responsabilidade respeite a bens futuros,eles servirão ao processo futuro, enão, necessariamente, ao atual.”E também Vicente Grecco Filho,quando afirma que “suspenso o processo,recomeça a correr o prazo prescricionalda obrigação, esta circunstância éespecialmente importante no caso de nãoserem encontrados bens penhoráveis.Decorrido o lapso prescricional, o devedorpode pedir a declaração da extinçãoda obrigação pela prescrição”.A primeira posição parece mais acertadapois, extinguir o processo com julgamentode mérito porque não foram encontradosbens passíveis de serem penhoradosé decisão que privilegia o devedor,ainda mais em uma sociedade em que ainadimplência tem se tornado prática usual.Verifica-se claramente esta injustiça naexecução de um cheque, cujo prazo prescricionalé de seis meses. Neste caso, suspensoo processo por não ter o exequente,embora diligente, encontrado bens apenhora, pode o devedor pedir a extinçãodo processo com julgamento do mérito(artigo 269 IV), pela ocorrência daprescrição intercorrente. A partir destemomento não pode mais o credor postularnova ação de execução e reaver oseu crédito. A omissão do artigo 791,III, em não determinar o modo como seopera a suspensão, causa prejuízo aocredor. O devedor, por outro lado tornasebeneficiário de tal instituto, já que basta,neste interstício de seis meses (utilizandoo exemplo do cheque), ocultarseu patrimônio – prática usual – para sever livre do processo expropriatório.Como se vê, a suspensão ocorre porforça de lei, e não por vontade do titulardo direito. Ora, Como já dizia CâmaraLeal, uma das condições elementares daprescrição é a inércia do titular da ação epor esta razão não há que se falar em inérciado exeqüente quando ele por força delei, está impedido de realizar certos atosprocessuais a não ser diligenciar em buscade bens do devedor, o que hoje, merecedizer, é tarefa árdua. Ora, a prescriçãonasceu para punir o titular do direito quese conserva inativo e não para punir aqueleque, embora diligente, não encontre patrimônioem nome do executado.Desta forma, enquanto não localizadosbens em nome do devedor, impossibilitadose acha o credor de dar o devidoimpulso ao feito. A prescrição, assim,é insuscetível de fluir contra aqueleque não pode agir, sendo esse o caso docredor que não tem como dar seguimentoà execução em razão da inexistência debem penhorável, a qual, por isso mesmo,deve permanecer suspensa nos termosdo art. 791.Diante destes casos, melhor seria oexemplo trazido pela lei de execução fiscal(6.830/80), que, lembrada por Arakende Assis 10 , prevê, em seu artigo 40, que____________________9 ASSIS, Araken. “Manual do Processo de Execução”. 6a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 1.026.10 ASSIS, op. cit. p. 1.027, nota 10.96


A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO DE EXECUÇÃOUNIJUSo juiz suspenderá o curso da execução,enquanto não for localizado o devedorou encontrados bens sobre os quais possarecair a penhora, e, nesses casos, nãoocorrerá o prazo de prescrição.É brilhante, a referida lei, quando prevê,ainda, que decorrido o prazo máximode 1 (um) ano, sem que seja localizado odevedor ou encontrado patrimôniopenhorável, o juiz ordenará o arquivamentodos autos, porém tal arquivamento, temefeito apenas “administrativo”. Isto porque,quando o credor encontrar a qualquertempo bens, o processo será desarquivadopara o prosseguimento da execução.Trata-se de solução que muito poderiaser acolhida pelo Código de Processo Civil,em razão da omissão do artigo 791, III,porém não é aplicável aos demais procedimentosem razão de sua especialidade.7CONCLUSÃOPortanto, firme o entendimento deque estando suspensa a execução, a requerimentodo credor, pela inexistênciade bens penhoráveis, não deve havercurso do prazo prescricional. Isto porquenão se pode imputar qualquer desídiaao credor que não pôde agir por não terencontrado bens do devedor, acrescentando-se,também, que não é a inércia doexeqüente que paralisa o feito, mas sim,disposição processual. Ademais, os institutosda prescrição e decadência têm porescopo a paz social e não o locupletamentode quem quer que seja, ou muito menos apunição do credor em face da ocultaçãoou desaparecimento do devedor. Concluíse,então, que quando se operar a suspensãoda execução por ausência de benspenhoráveis a requerimento do credor, nãoocorre a prescrição intercorrente, posto quenão há negligência do credor, nem tampoucoprovidência que deva tomar. Existe sim,disposição expressa que determina a suspensãosine die da execução (art. 791, III).Para não mais existir lacuna a esterespeito e evitar as decisões contraditóriaspelos tribunais do País, melhor seriauma reforma no artigo 791 do Códigode Processo Civil, para regulamentar amatéria. O ideal, seria que o artigo 791,a exemplo do artigo 40 da Lei 6.830/80,fixasse prazo para o término desta suspensãoe findo este período, o processoseria submetido a uma espécie de arquivamentoadministrativo. Com a adoçãodeste procedimento, o processo de execuçãoao contrário de extinto, é remetidoao arquivo. Com esta hipótese, encontrados,a qualquer tempo, benspenhoráveis em nome do devedor, o processoé desarquivado e a execução prosseguirá.referências bibliográficasASSIS, Araken. Manual do Processo de Execução, 2. ed. São Paulo: RT, 1995.BATALHA, Wilson de Souza Campos. Títulos de Crédito, Doutrina e Jurisprudência.Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 207.CÂMARA LEAL, Antônio Luis da. Da prescrição e da decadência. São Paulo: Saraiva eCia, 1939.CASTRO, Amílcar de. Prescrição de direito no curso da lide, Revista Forense, 124/17.DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil, 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.97


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CONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E(RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDO:UMA ANÁLISE DO MAL-ENTENDIDONA INTERPRETAÇÃO DE UM TEXTO LEGAL.Irma Beatriz de Araújo Kappel * • Míriam Silveira Parreira ** • Ormezinda Maria Ribeiro ***sumário1. Introdução2. Delineando linhas teóricas e metodológicasda proposta2.1. A Sociolingüística e as outras teorias2.2. O mal-entendido na interpretação do texto escritoresumoNesse artigo busca-se analisar a questão do mal-entendido na interpretação de um texto legal,apresentando a Sociolingüística como uma teoria lingüística que se propõe a buscar o que desocial é constitutivo da linguagem e que coloca a ação lingüística ao lado da ação não-lingüística,de modo a compreender o ato lingüístico simultaneamente ao ato social. São examinadas nasmarcas lingüísticas de argumentação do corpus selecionado, a complexidade das relações intertextuaisque permeiam, ou tangenciam o texto legal e que torna evidente a opção por umaproposta de abordagem através de uma teoria que não restrinja a linguagem a um mero instrumentode comunicação, ou que ao menos aponte para o fato de que também a não comunicaçãoou o mal-entendido tem seus propósitos ideológicos. Em um terceiro momento analisaremos.1INTRODUÇÃO“A sociolingüística difere dealgumas preocupações anteriorescom as relações língua sociedade,pelo fato de que, seguindonovas perspectivas da próprialingüística, considera tanto a línguaquanto a sociedade comosendo uma estrutura e não umacoleção de itens ”(FONSECA, 1974, p. 17)2.3. Um breve perfil dos sujeitosque elaboraram os textos3. A análise4. Considerações Finais5. Referências bibliográficasMuitas vezes, para se compreenderas interpretações que são dadas aos textoslegais, busca-se na lingüísticaimanente as respostas a essas questões,na tentativa de condicionar os fatoresinternos ao sistema lingüístico ao que sedenomina interpretação, sem, entretanto,direcionar a análise para uma teoriaque, além de lingüística, vislumbre tambémuma leitura sociológica da situaçãoem evidência.Assim, para analisar a questão domal-entendido na interpretação de um____________________* Irma Beatriz de Araújo Kappel, Mestre em Lingüística pela UFU; doutoranda em Lingüística pela UNESP; professora de Língua Portuguesada Universidade de Uberaba e da Rede Pública Estadual.** Míriam Silveira Parreira, Especialista em Literatura pela PUC/MG; professora de professora de Língua Portuguesa da Universidade deUberaba.*** Ormezinda Maria Ribeiro, Mestre em Lingüística pela UFU; doutoranda em Lingüística pela UNESP; professora do Instituto de Formaçãode Educadores da Universidade de Uberaba e da Rede Pública Municipal99


UNIJUSCONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOtexto legal, esse artigo procura apresentara Sociolingüística como uma teorialingüística que se propõe a buscar o quede social é constitutivo da linguagem eque, sobretudo, coloca a ação lingüísticaao lado da ação não-lingüística, demodo a compreender o ato lingüísticosimultaneamente ao ato social.A questão posta em relevo por essateoria é exatamente como considerar aquiloque é socialmente constitutivo. Umateoria lingüística que leve em conta nãoapenas os enunciados produzidos, mas oevento particular que produziu aenunciação é, ao nosso ver, a base sólidapara uma tentativa de análise de um textolegal, cuja interpretação é dada a partir doque podemos chamar de mal-entendido.Através dessa abordagem, pretendemosrefletir sobre as diferentes interpretaçõesde um mesmo texto legal, situando-nos,sobretudo, nos eixos da Sociolingüística,sem, entretanto, deixar de considerar osaspectos semânticos, pragmáticos, argumentativose discursivos que guardamafinidade com essa teoria.A seguir, examinaremos a complexidadedas relações intertextuais quepermeiam, ou tangenciam o texto emquestão e que torna evidente a opção poruma proposta de abordagem através deuma teoria que não restrinja a linguagema um mero instrumento de comunicação,ou que ao menos aponte para o fato deque também a não comunicação ou o malentendidotem seus propósitos ideológicos.Em um terceiro momento analisaremosas marcas lingüísticas de argumentaçãodo corpus selecionado. As relaçõesintertextuais que ora queremos fazer sópodem ser explicitadas por uma teoria lingüísticaque não só leve em conta os enunciados,mas também a sua enunciação.Aristóteles, ao tratar do valor de verdadede proposições já havia advertido que osenunciados de uma ciência nem sempresão verdadeiros, uma vez que muitas vezesse apresentam como necessariamenteverdadeiros ou como possivelmenteverdadeiros. Dessa forma, a possibilidadee a necessidade modificam o sentidoda simples verdade.2DELINEANDO LINHASTEÓRICAS E METODOLÓGICASDA PROPOSTA“Não há como pensar o Direitosem a sociedade, assim como não hácomo pensar a sociedade sem a linguagem”RIBEIRO (2000, p. 90)A importância da escolha de uma análisede um texto legal, partindo-se não daproposta de uma teoria lingüística imanente,que encaminha para uma análise literal emseu sentido restrito, mas de uma proposta,cujo cerne está na desconstrução do sentidoliteral, pela análise lingüística que desmascarao uso da linguagem como instrumentode comunicação na ordem do consenso,pauta-se basicamente no princípiode que as convenções são de natureza sociale só uma teoria como a Sociolingüística,que se apresenta como uma teoria de ação,pode dar conta de seu papel na constituiçãodo ato e da linguagem, e, conseqüentemente,pode ser competente para procederà leitura de um texto legal que, de umlado não é claro o suficiente para exercer oseu papel de representação de uma ordemlegítima, e, por outro, deixa, nas lacunasque lhe são intrínsecas, a possibilidade deuma outra leitura. Não existe consensoquanto à visão de mundo, existem apenasespaços coincidentes. E é nesse enfoqueque direcionaremos a análise.100


2.1. A Sociolingüística e as outrasteoriasUm ponto essencial para nossa análiseé estabelecer as condições que caracterizame constituem o discurso, nocaso específico o discurso do texto legal,nosso objeto de análise. Para a Análisedo Discurso (A.D.) não há um sujeitoque se apropria da linguagem, masuma forma social de apropriação na qualestá refletida a ilusão do sujeito, ou suainterpelação feita pela ideologia.ORLANDI (1979, p. 47) ressalta quea A.D. procura tipificar os discursos dasdiferentes formações discursivas demodo a destacar constantes justamenteonde o lingüístico e o social se articulam,da mesma forma que a Sociolingüísticadistingue que a variação é sistemática efuncional. Assim, os sistemas de signos“são tomados no jogo das formaçõesdiscursivas que são reflexos e condiçõesdas práticas sociais.”Há, segundo ORLANDI (1996, p.98), uma relação significativa entre a A.D. e a Sociolingüística, uma vez que ospontos em comum na consideração doobjeto de que tratam são evidentes. Paraessa lingüista, o termo sociolingüísticarecobre vários trabalhos extremamentediversos, tais como: etnografia dacomunicação, variação lingüística, relaçãocom a linguagem e até mesmoanálise de discurso, ou seja, trabalhosque tratam da análise da linguagem nocontexto. Essa autora enfatiza, ainda,que na reflexão lingüística acerca dasfunções da linguagem não basta dizerque a função fundamental não é apenasinformar, comunicar, ou persuadir, masé também o reconhecimento pelo afrontamentoideológico.CONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOUNIJUSConcordando que a “arbitrariedade”resulta do fato de haver uma relação entreo discurso e o sistema de produçãono qual existe, entendemos que a teoriado mal-entendido, no texto oral, propostapor GUMPERS (1989, p. 190), nainteração verbal, se adaptada, pode serperfeitamente aplicada ao texto escrito,tendo em vista as várias interpretaçõesque surgem de um mesmo texto, servindoaos nossos propósitos de análise.Nessa perspectiva, adotamos o textocomo uma unidade de sentido, dadopor um efeito ideológico da posição doautor, assim como a interpretação do textoresulta de um efeito ideológico da posiçãodo leitor.MAMEDE (1995, p. 97) asseveraque, no aspecto legal ou jurídico, o Direitoenunciado pelo aparelho de Estadopode ser visto como um conjunto de textosque devem ser atualizados pelos indivíduospara que, na prática social, oscomportamentos e situações que constituemsuas mensagens sejam efetivamentedifundidos e concretizados. Uma vez quenem todos conseguem buscar as normasna fonte, reconhecendo-as comotextos normativos, ao retransmitir asmensagens, provocam alterações de conteúdo,ainda que seja a pressuposição legal,pois nem todos que lêem o enunciadonormativo possuem ‘’competêncialingüístico-jurídica” para atualizá-los adequadamente.Segundo esse jurista, amensagem (a previsão normativa) podefalsear-se ao longo dos elos dessa cadeiade retransmissão, por erro; mastambém por dolo, pois pode-se querermoldar o conteúdo semântico de umanorma ao interesse individual. Assim,esse autor ressalta que, nos espaços criadospor tais distorções far-se-ia necessá-101


UNIJUSCONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOria a intervenção do aparelho de Estado,corrigindo-as, o que não ocorre namaioria dos casos.DELFINO (2000, p.33) enfatiza a necessidadede se interpretar a lei evitando,sempre que possível, sua rigidez, sem,contudo, ir contra o que nela foi estabelecido,para que se possa assegurar o bemcomum e atenuar as injustiças sociais, a fimde se evitar decisões arbitrárias e sem sentido,que, segundo esse operador do direito,além de desprestigiar o judiciário, vão contraa natureza do objetivo da lei, que é oprestígio e o amparo do bem comum.A língua é o instrumento próprio paradescrever, para conceituar, para interpretartanto a natureza quanto a experiênciaque se chama sociedade. A língua pode,graças a esse poder de transmutação daexperiência em signos, tomar como objetoqualquer ordem de dados e até a sua próprianatureza. BENVENISTE (1989, p.98)destaca que existe a metalinguagem, masnão há a metassociedade e afirma que ovocabulário é o aspecto que é melhor exploradoda relação língua/sociedade, conservandotestemunhos insubstituíveis sobreas formas e as fases da organizaçãosocial, sobre os regimes políticos, sobreos modos de produção que foram sucessivaou simultaneamente empregados.Todavia, há que se considerar queas palavras não têm realidade fora da produçãolingüística, pois elas existem nassituações nas quais são usadas, daí a importânciado contexto para a construçãodo sentido.De acordo com BENVENISTE(1989, p.232) a polissemia é a somainstitucionalizada de valores contextuais,sempre instantâneos, aptos a se enriquecere a desaparecer, ou seja, sem valorconstante, sem permanência, mas sempreem resposta às necessidades imediatasde comunicação de uma sociedade.A língua, no interior da sociedade, podeser encarada como um sistema produtivo,pois ela produz sentido, graças à sua composiçãode significação e graças ao códigoque condiciona este arranjo. Ela produztambém enunciações graças a certas regrasde transformação e de expansão formais.E é neste prisma que a linguagem,no Direito deve ser enfocada, não comoalgo estanque, pronta, acabada e imutável,mas como uma reflexão da estrutura de umalíngua viva, cotidiana, que serve a toda umasociedade. Sociedade esta, que a condicionae estabelece como patrimônio sócio - cultural.( Cf. RIBEIRO, 2000, p. 86-87)2.2-O Mal-Entendido naInterpretação do Texto Escrito“O poder da palavra é o ´poderde mobilizar a autoridade acumuladapelo falante e concentrá-la numato lingüístico”Bourdieu, 1977Os chamados mal-entendidos, ou problemasde comunicação, surgem, geralmente,nas interações verbais do dia-a-dia,nas quais a diversidade lingüística atuacomo um recurso comunicativo de formaa permitir que os interlocutores se baseiemem conhecimentos e paradigmas relativosàs diferentes maneiras de articulação da línguapara categorizar eventos, inferir intençõese antever situações que poderão ocorrer.Se, de acordo com GOFMAN (1974), retomado em GUMPERS (1989), umaelocução pode ser entendida de diferentesmodos, as pessoas podem interpretar umadeterminada elocução com base em suasdefinições ou percepções do que está acontecendono momento da interação, numdado contexto histórico-social..GUMPERS (1989) em seus trabalhos,propôs alguns procedimentos que102


serviram para identificar estratégias deinterpretações disponíveis aos falantes,seguindo as pistas de contextualização,que se apresentam na forma dos traçoslingüísticos ou não lingüísticos que contribuempara assinalar as pressuposiçõescontextuais. Assim, de acordo com esseautor, é possível, a partir dessas pistas,conhecer as causas do mal-entendido,ou os problemas de comunicação.Da pesquisa de Gumpers, depreendemos,para a análise dos textos em questão,a possibilidade de adaptar a interpretaçãodo texto oral às questões que dizemrespeito ao texto escrito através das marcas,ou pistas lingüísticas, que neles secircunscrevem. Nossas reflexões se darãoem torno de um texto legal- EmendaConstitucional nº 20 de 1998, Artigo 1º ,que se refere ao Artigo 40 da ConstituiçãoFederal/88, Parágrafo 10- que nãoexplicita as condições da nova imposição,tentando usar uma linguagem objetiva eneutra, mas que , assim procedendo, abreespaços para entendimentos diversos econtraditórios, ou seja, o mal-entendido.DELFINO (2000, p. 24) enfatiza que:“a palavra, mesmo usada de forma correta,gera, muitas vezes, interpretações distintas,pelo fato de a linguagem normativanão apresentar significados unívocos”.2.3- Um breve perfil dos sujeitosque elaboraram os textosTexto 1 – Emenda à Constituição Federal20/98 de 16-12-1998.Sujeitos: Deputados Federais e SenadoresTexto 2 – Orientação da Equipe deAposentadoria da 39ª SRE/Uberabaamparada em treinamentosoferecidos pela Secretaria Estadualde Administração de MinasGerais em setembro de 1999.CONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOSujeitos: Funcionários públicos estaduaisdo quadro administrativoUNIJUSÉ mister destacar que, nesse caso,os responsáveis pela interpretação dodocumento oficial são funcionários daSecretaria- SEA, que possuem o grau deescolaridade no nível médio e superior,geralmente na área da educação.Texto 3 – Decisão nº 748/ 2000-TCU-PlenárioSujeitos: Ministros do TCUÉ relevante constar que o TCU, atravésde seus ministros, só se pronunciounessa decisão por ter sido feita uma consultaoficial pelo Presidente da Câmara dosDeputados, representando essa Entidade.3A ANÁLISE“O juiz intérprete há de avançar emrelação ao texto legal, num sentidoque, por um lado, inove a norma legalabstrata em seu sentido (conectandoacom a valoratividade constitucional)e supere a moldura do Direitopara adentrar na sua especificidadena realidade social. ”COELHO ( 2000, p. 131):Analisaremos as marcas textuaisdestacadas no texto acima referido e dosdois textos que o interpretam: A Decisãonº 748/2000 do Tribunal de Contas daUnião e outro Comentário da Lei/99, da39ª S R E, representando o entendimentoda Secretaria Estadual de Administraçãodo Estado de Minas Gerais, que senos apresentam como pistas lingüísticasque dão margem à configuração do malentendido,articulado pelas conjunções:ainda que, somente, segundo, desde que;103


UNIJUSCONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOpelo pronome indefinido: qualquer; peloadvérbio de negação: não; pelas locuçõesverbais: deve ser, é assegurado; pelapreposição: até e pela omissão deespecificações no texto constitucional.3.1- Apresentação do caso – Históricodos textos a serem analisadosa) Em 16 de dezembro de 1998, foipromulgada a Emenda Constitucional nº20/98 que modificou o sistema de previdênciasocial, estabeleceu normas detransição e deu outras providências. Noart. 1º, foram determinadas alteraçõesna redação de alguns artigos da ConstituiçãoFederal/88, dentre elas a mudançados dizeres do parágrafo 10 do art. 40que passou à seguinte redação:Emenda Constitucional nº 20, de1998Art. 1º ..............................................“Art. 40 ............................................§ 10 – A lei não poderá estabelecer qualquerforma de contagem de tempo decontribuição fictício.”b) Após vários estudos e orientaçõespromovidos pela Secretaria de Administraçãode Minas Gerais, a equipeda 39ª Superintendência Regional de Ensinode Uberaba, que analisa os processosde aposentadoria dos funcionáriospúblicos da área educacional redigiu, emsetembro de 1999, um texto contendodizeres da Emenda nº 20 e os comentáriosinterpretativos acerca das alterações impostaspela nova redação. Em relação ao§10 foi redigido o seguinte comentário:Comentário - §10É em razão deste parágrafo que asférias-prêmio adquiridas antes de17.12.98 poderão ser dobradas a qualquertempo, apenas para situações que se enquadraremno art. 3º desta Emenda.Art. 3º - É assegurada a concessãode aposentadoria e pensão, a qualquertempo, aos servidores públicos e aossegurados do regime geral de previdênciasocial, bem como aos seus dependentes,que, até a data da publicação destaemenda, tenham cumprido os requisitospara a obtenção destes benefícios, combase nos critérios da legislação vigente.A partir desse entendimento, apenasas pessoas que preenchiam os quesitospara se aposentarem antes da publicaçãoda Emenda é que poderiam contar em dobroas férias-prêmio adquiridas até então.c) No Diário Oficial nº 188, quintafeira,28 de setembro de 2000, seção 1p. 63 a 67, o TCU (Tribunal de Contasda União) publicou análise de consultafeita pelo Presidente da Câmara dosDeputados, Michel Temer (Processo TCnº 007.826/2000-2, juntado: TTC007.965/20006) a respeito da utilizaçãodo tempo fictício e a Decisão nº 748/200 respondendo ao Consulente:Decisão nº 748/2000 – Plenário(...)8. Decisão: O Tribunal Pleno, diantedas razões expostas pelo Redator e comfulcro no art. 216, caput e inciso I, doRegimento Interno, DECIDE:8.1.(...)8.2. (...) responder ao Consulenteque:8.3.1. para efeito de aposentadoria,com base no art. 8º da Emenda Constitucionalnº 20/98, correspondente às regrasde transição, ou pelas regras de transição,ou pelas regras gerais estabelecidasno art. 40 da Constituição Federal, é as-104


segurado ao servidor a contagem emdobro de licença-prêmio não usufruída,ainda que ele, na data de publicação dareferida Emenda não contasse tempo deserviço suficiente para a aposentadoriavoluntária pelas regras então vigentes;(...)10. Data de Seção: 13/09/2000 –Ordinária3.2. Tendências e incompletudesa serviço de determinados interesses:alguns aspectos da realidadena interpretação do texto legalCONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOUNIJUSAo optar pelo código escrito, o sujeito-enunciadorutiliza-se de um tipo decomunicação fora de situação e, por isso,necessita empregar mais amplamenteprocedimentos de variedade normatizada.Ao passo que, quando a comunicaçãose processa oralmente, ao apoiaremsena situação imediata, os enunciadoresusam apenas uma parte das possibilidadesde que dispõe o sistema lingüístico.Nos enunciados, o locutor conta com asituação imediata do ato de fala e com ocontexto lingüístico para efetuar a comunicação.Os textos apresentados neste artigocomo objeto de análise, estão inseridosnuma variedade lingüística veicular ecodificados por grupos sociais que controlamo poder do Estado e o aparelhoinstitucional. Uma classe social dominanteque impõe as suas ordens e possuiinstrumentos de normatização elaboradospela codificação, dicionários, gramáticas,manuais. Os discursos aqui analisadospertencem à língua de Estado, línguanacional ou língua oficial, ou seja, àvariedade padronizada. Tal variedade encontra-seobjetivamente associada ao sistemade valores, aos objetivos e aos interessesdo grupo ou grupos sociais dominantes.É efetivamente, nesse quadro, que ofato registrado neste artigo pode ser compreendidocomo um caso de mal-entendido,por alterar o que, lingüisticamente,encontra-se disposto na lei. Podemosconsiderar que há tendências, interesses,incompletudes, que podem partir do graude interesse, de particularismo, que chegama distorcer os fatos e alterar o dispositivolegal quando, para a atualização dotexto ou interpretação do mesmo, o sujeitoreceptor é lançado em um mecanismo deatribuição de sentido termo a termo. Antesde tal leitura, pelo próprio contexto, o indivíduo,diante da criação de uma expectativade sentido, especializa a sua procura nonível das informações memorizadas. Nessecontexto, o indivíduo, ao atualizar umtexto ou interpretá-lo, por possuir umacerta gama de significados prévios para aleitura, tem a tendência a estender seus“pré-juízos” sobre a mensagem, moldando-aàs suas expectativas. Traduzindo,então, pelo preconceito, pelo pré-julgamento,assim como pela dificuldade de registrarexatamente o que significa a mensagem,o seu entendimento do discurso,transformando-o em juízo de valor.3.3-A significação dos textos legaisNos textos legais, apresentados nesteartigo, há expressões que, de acordo comnosso entendimento, apresentam-secomo um problema de grande importânciana reflexão sobre a significação,logo, analisaremos as expressões do pontode vista de sua significação.Os representantes da Câmara dosDeputados e do Senado Federal, quando105


UNIJUSCONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOafirmam que “A lei não poderá estabelecerqualquer forma de contagem detempo de contribuição fictício” (§ 10,art. 40, art. 1º, E.C.20/98), sem explicitara época a ser considerada, as situaçõesantes e depois da Lei, abriram espaçospara o mal-entendido, ocasionandodois entendimentos opostos.Tentando ser impositivos, na sua definição,usaram marcas lingüísticas comoo advérbio ‘’não’’ e o pronome ‘’qualquer’’,mas omitiu esclarecimentos importantespara o entendimento efetivo.Conforme ILARY e GERALDI(1999, p.30) a gramática tradicional sugerealgumas expressões negativas, dentreelas o advérbio não, que “é, entre todas,uma das menos confiáveis, pelosequívocos a que dá margem.” O que podemosobservar é que logo após a idéiade negação da lei, temos a expressãoqualquer que exprime uma generalizaçãoque diz respeito à forma de contar otempo de contribuição ficto, podendo serexplicada assim: é preciso imaginar quehaja várias formas de contagem de contribuiçãodo tempo fictício e nenhumadelas poderá ser estabelecida. Há, portanto,uma generalização. Podemos entendertambém, que a lei não poderá estabelecerqualquer forma de contagemde tempo de contribuição fictício, porqueexiste apenas uma forma de contagemde tempo ou formas de contagemdesignadas pela lei. Qual, ou quais são?Dada a maneira como a frase foi construída,a interpretação pode variar.Pode-se comprovar tal raciocíniopelo fato de que, nesse caso específico,o comentário feito pelo sujeito receptorem um primeiro momento, como já dissemos,indivíduo que, antes mesmo dainterpretação do texto em si, já atribuipreviamente um sentido ao texto (o quenão possui um valor negativo intrínseco),o Comentário da Secretaria Estadualda Administração vem afirmar que:“É em razão deste parágrafo que asférias-prêmio adquiridas antes de17.12.98 poderão ser dobradas a qualquertempo, apenas para situações quese enquadrem no artigo 3º desta Emenda”.(Comentário da S E A. / 99).Segundo VOESE (1998, p.112)“uma das maneiras que a ideologia encontrapara homogeneizar o que é descontínuoé desconstruir o que se opõe aohegemônico através de uma série derecursos discursivos”.A desconstrução do discurso legal,da Emenda Constitucional nº 20, de1998, dá-se, a partir do comentário que,mais uma vez, generaliza, para, em seguida,particularizar a situação dos quepodem ser enquadrados no Art. 3º destaEmenda.Os recortes realizados e trabalhadosno histórico apresentado neste artigo,concedem-nos a visualização de um processode parafrasagem que busca umsentido, nos operadores argumentativosdo Comentário da S E A/99: ‘’a qualquertempo’’ e ‘’apenas para’’, a coesãonecessária para que o enunciado nãose negue a si mesmo e, também, obtenhao efeito desejado. Entretanto, há quese considerar que o processo de controleque se tenta fazer através da paráfrase,não consegue limitar a descontinuidadedo discurso, porque o locutor, enquantoconsciência que age, pressionadopela ideologia, gera, na produção dodiscurso, uma polêmica, justamente pornão fixar um sistema de referência quepossibilita a constituição de um sentidopor parte do sujeito-enunciante.106


Com a intenção de intensificar osefeitos da negação presentes no § 10,os indivíduos que comentaram o texto,ao introduzirem os operadores argumentativos,‘’a qualquer tempo’’, ‘’apenaspara’’ e ‘’até a’’, puderam informar confiandona ‘’verdade de’’ e acreditandoque para o seu interlocutor tudo ficaria,após o comentário, muito “bem entendido”.Acontece que, se tomarmos umoutro enfoque - o comentário como ummecanismo de atuação no discurso –podemos entender o locutor utilizandoas informações para impor ao seu interlocutorum discurso em desenvolvimentoe que, ele, devido ao seu poder(de Estado), emprega expressõesque, ativamente, impõem limites e direcionama compreensão. Nesse sentido,tal fenômeno – do pressuposto – segundoDucrot, é utilizado para configuraratrás de uma informação passada,uma “verdade”.Assim, DUCROT (1977, p. 87),.define ação: “toda atividade de um indivíduoquando caracterizada de acordocom as modificações que ela traz, ouquer trazer, ao mundo” Nessa medida, osentido dos enunciados legais analisadosneste artigo como a ação que realiza osujeito com tal enunciado, passa a ter aforma de ato jurídico. Tal ato se caracterizapor transformar as relações legaisque permeiam a vida dos indivíduos nasociedade, nele o que “se considera é atransformação das relações legais comoefeito primeiro da atividade e não comoa conseqüência de um efeito logicamenteou cronologicamente anterior’’. Istosignifica que a ação de comentar o textojá pressupõe a transformação das relaçõeslegais como efeito primeiro e nãocomo resultado de um efeito anterior.CONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOUNIJUSInteressa-nos agora, através da transcriçãodo § 10 e do comentário sobre omesmo, mostrar que as duas frases são,quanto ao seu significado, diferentes everificar que o comentário, ao mesmotempo generaliza e restringe, respectivamente(qualquer/ apenas), por esse motivogera incompreensões e chega atémesmo, a prejudicar, por ser um textolegal, o planejamento vital de muitos professores,uma vez que ferem os seus direitosconstitucionais.O Comentário S E A/99 sobre o §10ainda encaminha para a leitura do Art. 3ºda Constituição.‘’É em razão deste artigo que as férias-prêmioadquiridas antes de17.12..98 poderão ser dobradas a qualquertempo, apenas para situações quese enquadrarem no art. 3º desta Emenda.’’(Comentário ao § 10 da S E A/99)Cabe, nesse momento, abordar aquestão da situacionalidade. SegundoKOCH e TRAVAGLIA (1996, p. 70):“Sabe-se que a situação comunicativatem interferência direta namaneira como o texto é construído,sendo responsável, portanto, pelasvariações lingüísticas. É preciso, aoconstruir o texto, verificar o que éadequado àquela situação específica:grau de formalidade, variedadedialetal, tratamento a ser dado aotema, etc. O lugar e o momento dacomunicação, bem como as imagensrecíprocas que os interlocutoresfazem uns dos outros, os papéis quedesempenham, seus pontos de vista,objetivo da comunicação, enfim, todosos dados situacionais vão influirtanto na produção do texto ,como na sua compreensão”107


UNIJUSCONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOO que se pode ler no Art. 3º daEmenda Constitucional 20/98 é que:Art. 3º- “É assegurada a concessãode aposentadoria e pensão, aqualquer tempo, aos servidores públicose aos segurados do regime geralde previdência social, bem comoaos seus dependentes, que, até a datada publicação desta emenda, tenhamcumprido os requisitos para a obtençãodestes benefícios, com base noscritérios da legislação vigente.’’Logo, a qualquer tempo é asseguradaa concessão de aposentadoria e pensão aosservidores públicos e seus dependentes. Apalavra ‘’até’’, definida pelos gramáticoscomo palavra de relação por excelência,enquanto inserida na oração simples e classificadaentre as preposições, aparece noArt. 3º como a preposição que vai marcara relação de regência entre os servidorespúblicos e segurados do regime geral deprevidência social e a data de publicação.Sem nos preocuparmos com as classificaçõesmorfossintáticas de ‘’até’’, mas atentasàs condições de uso, podemos percebera explicitação de um limite imposto noArt. 3º da Emenda Constitucional de 1998.Dada a importância da adequação dotexto à situação comunicativa, é precisoexplicitar que, ao construir o texto, o locutorrecria, a partir de um outro contexto,e de acordo com seus objetivos,seus interesses, suas convicções, umoutro texto, que não é real, por isso, otexto não vai ser exatamente igual, elevai utilizar referentes textuais que nãosão os do mundo real, mas são reconstruídosno interior do texto. Assim, a interpretaçãodo texto também se processade acordo com o conhecimento prévioe interesses do receptor, a razão dehaver “sempre uma mediação entre omundo real e o mundo textual” (Cf.KOCH e TRAVAGLIA, 1996, p. 70).Ao interpretar os fatos em um textojudicial, como se pode notar a seguir, operaçõessemiológicas se destacam, e, umavez acionado o aparelho de Estado, comono caso enfocado neste artigo, para a análisefeita pelo TCU, a respeito da utilizaçãodo tempo fictício, o processo evoluiude tal modo que a decisão apontada foi:8.3.1. para efeito de aposentadoria,com base no art. 8º da EmendaConstitucional nº 20/98, correspondenteàs regras de transição, oupelas regras de transição, ou pelasregras gerais estabelecidas no art.40 da Constituição Federal, é asseguradoao servidor a contagem emdobro de licença-prêmio não usufruída,ainda que ele, na data de publicaçãoda referida Emenda não contassetempo de serviço suficientepara a aposentadoria voluntária pelasregras então vigentes;(Decisão nº 748/2000- TCU)Quando o então presidente da Câmarados Deputados, Michel Temmer,abriu um processo para consulta ao Tribunalde Contas da União- TCU e obteveessa decisão sobre a possibilidade de seconsiderar as férias-prêmio em dobro,portanto, tempo ficto, para os funcionáriosque adquiriram o direito às fériasprêmioantes da Emenda Constitucional20/98, determinou-se a verdade processual,verificando-se que os fatos não seajustam a qualquer previsão normativa,ou seja, a construção da verdade formal,importância vital para o Direito. Assim,ganhou existência jurídica e a verdadeformal apurada no processo, correspondeuao real. A sentença, portanto, possuium valor efetivo. No momento em queum tribunal declarou a sentença, não hámais o que verificar, por isso a parte quenão consegue demonstrar o seu direito,pode ser vítima de um resultado adverso.108


Neste caso, podemos verificar que naDecisão nº 748/2000- TCU, é o articuladorargumentativo ainda que, o queconcede a contagem em dobro de licença-prêmio,sem quaisquer restrições,enquanto que no texto constitucional ena Emenda há restrições.Enquanto que, no entendimento doscomentaristas, é resguardado o direito àcontagem de férias-prêmio em dobroapenas para quem tinha o direito de seaposentar até 17/12/98, no entendimentoda Decisão do TCU é assegurado, aoservidor, a contagem em dobro de licença-prêmionão usufruída, ainda que elenão contasse tempo suficiente para seaposentar até 17/12/98.O conectivo ‘’ainda que’’ veio darabertura e ampliar o direito a esse tempoficto adquirido antes da Emenda Constitucionala ser considerado em qualquer época,desde que não tenha sido usufruído.4CONCLUSÃOCONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOUNIJUS“Por mais que o intérprete se esforcepor permanecer fiel ao seu ‘texto’ele será sempre, por assim dizer,forçado a ser livre- porque não hátexto musical ou poético, nemtampouco legislativo, que não deixeespaços para variações e nuances,para a criatividade interpretativa.”CAPELLETTI (1993, p. 37)Numa análise que pretende descaracterizaro mal-entendido, provocado,sobretudo, pela escolha lingüística, orientadapelo agenciamento sintagmáticode grupos que, de certa forma, estãoimbuídos de poder de decisão sobre odestino de grupos maiores, tornou-senecessário evidenciar, pela descrição gramaticalda língua, os paradigmas constituídosde elementos de valor essencialmenteargumentativo, posto que sua seleção,pelos redatores e analistas do textoconstitucional, da Emenda ou do Comentário,possibilitou uma orientaçãoargumentativa <strong>capa</strong>z de levar o interlocutora um determinado tipo de conclusãoem detrimento de outras.Perceber, no discurso, que se pretendeneutro, o valor argumentativo dessasmarcas é, sem dúvida alguma, o primeiropasso para desestabilizar o malentendidoque nele se apresenta. Assim,concordamos com a tese de DUCROT;ANSCOMBRE (1976) e VOGT (1977)de que as instruções codificadas, de naturezagramatical, estão carregadas deargumentatividade e seu significado seatualiza a partir das estratégias utilizadaspara permitir leituras que mascaram, soba máscara da neutralidade, a intenção delimitar os direitos de uma classe. São justamenteos morfemas que a gramáticatradicional considera como elementosmeramente relacionais e que a semânticaargumentativa recupera, por considerálosmarcas lingüísticas importantes, é quevão determinar o valor argumentativo esem nenhuma neutralidade dos textos analisados.Os efeitos de sentido produzidosnos textos analisados apontam para o fatode que não se limitam, pela própria escolhalexical, aos efeitos de sua orientaçãoargumentativa, ou de seus produtores,posto que ao provocar um mal-entendido,demonstrou, portanto, que sua forçaargumentativa não é una, nem tampoucouma, pois não apresentou uma leitura única,mas perspectivas conflitantes, quandode sua retransmissão.Partindo do mesmo § 10 da EmendaConstitucional, o entendimento da S.E.Aimpediu que vários servidores pudessemse aposentar por não poderem consideraro seu tempo ficto adquirido.109


UNIJUSCONSTRUÇÃO, DESTRUIÇÃO E (RE) CONSTRUÇÃO DO SENTIDOHá, no Direito Constitucional umprincípio geral pelo qual uma lei nova nãopode violar um direito adquirido e a redaçãodo §10 , encontrada na EmendaConstitucional nº 20 choca-se frontalmentecom o aludido princípio, já quepredispõe outra interpretação da lei. Umavez que o professor tem o direito adquiridoaté a data da Emenda, não há comoexplicar a restrição da lei. Leia-se:Artigo 5º Inciso XXXVI da ConstituiçãoFederal - a lei não prejudicará odireito adquirido, o ato jurídico perfeitoe a coisa julgada;Podemos afirmar, então, que os intérpretes,no Comentário do texto legal,referências bibliográficasfixaram um sentido incorreto e fizeramnode forma equivocada, resultando dissouma discrepância entre o texto atualizadopor eles e o texto original. Há que seobservar, todavia, que todos nós temosenfoques pessoais quando se trata do textoescrito, pois os gestos, a entonação eoutros elementos extra-lingüísticos, quepossivelmente descaracterizariam o malentendido,na retransmissão oral, não podemser evidenciados no texto escrito. Istonão sendo possível, o sujeito, ao escrevero texto, precisa exercitar a sua competêncialingüística de tal forma que, ao promoverescolhas gramaticais, não produza outrosignificado, como aconteceu no artigoconstitucional e na Emenda 20.ANSCOMBRE, J.; DUCROT, Osvaldo. ‘’L’ argumentation dans la langue” Langages 42.Paris: Didier-Larousse, 1976, p.5-27.CAPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores. Porto Alegre: Fabris, 1993.COELHO, Edhiermes, M. ‘’Judiciário e Democracia.” Revista Jurídica Unijus. v. 3, n. 1,nov. 2000, p. 125-133.DELFINO, Lúcio. ‘’A importância da interpretação jurídica na busca da realização da justiça.”.Revista Jurídica Unijus. v. 3, n. 1, nov. 2000, p. 23-34.DUCROT, Osvaldo. Dizer- não dizer, princípios de semântica lingüística. São Paulo:Cultrix, 1977.GUIMARÃES, Eduardo R. Os limites do sentido. Campinas: Pontes, 1995.GUMPERS, Jonh. Enganger la conversation: introuction à la sociolinguistique interacionalle.Paris: Éditions de Minuit, 1989.ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. 10 ed. São Paulo: Ática, 1999.KOCH, Ingedore Grunfield Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Coerência Textual. 7.ed. São Paulo: Contexto, 1996.MAMEDE, Gladstone. Semiologia e Direito. Tópicos para um debate referenciado pelaanimalidade e pela cultura. Belo Horizonte: Editorial 786, 1995.ORLANDI, Eni. P. A linguagem e seu funcionamento. As formas do discurso. 4. ed.Campinas: Pontes, 1996.RIBEIRO, Ormezinda. M. ”Direito e Lingüística: uma relação de complementaridade” RevistaJurídica Unijus. v. 3, n. 1, nov. 2000, p. 81-91.VOESE, Ingo. O Movimento dos Sem-Terras na Imprensa: um exercício de análise doDiscurso. Ijuí: Unijuí, 1998.VOGT, Carlos. O intervalo semântico. São Paulo: Ática, 1977.110


LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉNO PROCESSO CAUTELARLuciana de Oliveira Naves*sumário1. Introdução2. Lealdade e Probidade no Processo Civil3. Litigância de má-fé no Código de Processo Civil4. As alterações do Código de Processo Civil5. A repressão à conduta dos litigantes improbos6. A responsabilidade dos advogados7. A má-fé processual no processo cautelar8. A tutela cautelar e a tutela antecipatória9. Pressupostos da tutela cautelar e daantecipação de tutela10. Natureza jurídica da sanção: indenizaçãoou multa11. Conclusão BibliografiaresumoEste artigo versa sobre a litigância de má-fé, destinada a encobrir a verdade ou a contornar umdever. Litiga em juízo maliciosamente a parte que sonega fatos e se vale indevidamente deremédios processuais para fazer prevalecer sua pretensão injusta. Ressalta-se que todos têmo dever de verdade na relação jurídica processual, uma obrigação de respeito ao cidadão e aoPoder Público, sem afronta a lealdade processual. Desta forma, os atos atentatórios à dignidadeda Justiça, devem ser de uma vez por todas repelidos do meio forense, com a imposiçãoda sanção para punir e o coibir os ímpetos do improbus litigator.1INTRODUÇÃOUm dos grandes problemas da atualidadeé o de solucionar definitivamentea questão da má-fé, o engano malicioso,o procedimento astucioso, destinado aencobrir a verdade ou a contornar umdever.Nos termos da legislação processual,litigante de má-fé, é aquele que deduzpretensão ou defesa contra texto expressode lei ou fato incontroverso, alteraa verdade dos fatos, usa do processopara conseguir objetivo ilegal,opõe resistência injustificada ao andamentodo mesmo ou provoque incidentesmanifestamente infundados (artigo17 do CPC).É necessário o combate à atuaçãomaliciosa no processo, pois é inadmissívelaceitar atos que afrontem o direito daparte em obter uma sentença justa e célere,que somente pode ser alcançadamediante a sistemática dos procedimentosdesleais.Falando-se em deslealdade processualnão se pode ficar indiferente à aplicaçãodas sanções jurídicas dela decorrente,com sua repressão e busca da condenaçãoda parte pela prática do danoprocessual, abordando-se, principalmente,as regras contidas dos artigos 17 e18 do Código de Processo Civil.Para o litigante de má-fé, o processo,antes de ser um veículo do contraditórioe da ampla defesa, é a arte do mais hábil,que consegue transformar o tempo em____________________* Luciana de Oliveira Naves, Advogada e Consultora Jurídica em Uberaba/MG. Pós Graduada em Direito Processual Civil pela UniversidadeFederal de Uberlândia - UFU111


UNIJUSLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARresultados econômicos ou instrumentode vingança e castigo aos que buscam ojudiciário para a reparação de danos.Até o ano de 1994, havia quem sustentassea impossibilidade da penalizaçãodo litigante de má-fé ex officio. Com ointuito de finalizar a polêmica existente, olegislador promoveu a alteração no Códigode Processo Civil, modificando o artigo18 através da Lei 8.952 de 13 de dezembrode 1994, para permitir que o juizpudesse sancionar o litigante de má-fé.Sem dúvida a alteração do referidoartigo representa um enorme avanço naforma de visualizar o processo, poismune os órgãos jurisdicionais de mecanismoseficientes no combate dessa prática,dificultando ainda mais o caminhodo improbus litigador.O direito e defesa não asseguram aninguém a possibilidade de faltar com averdade e menos ainda de fazer uso deexpedientes e recursos apenas para protelaro andamento das ações. Atualmente,conforme a legislação em vigor, nãoé possível ao juiz assistir passivamente aatuação maliciosa da parte.Com o reconhecimento da inegávelcrise do processo causado pelo aumentovertiginoso de demandas, hoje em diao combate à má-fé faz parte da preocupaçãodo legislador, com mais ênfase queoutrora.2LEALDADE E PROBIDADENO PROCESSO CIVILPara o bom andamento e desenvolvimentodo processo e para a concretizaçãoda justiça, impõe-se que as partes____________________1 Ruy de Azevedo Sodré. A Ética Profissional e o Estatuto do Advogado, 3ª tiragem, 1984, p. 85.se conduzam de conformidade com osprincípios da lealdade e probidade.Sendo a lealdade processual um dosprincípios que norteiam o processo, oque se determina às partes é o dever decolaborar com o poder judiciário para sedescobrir a verdade (art. 339 do CPC).Para que seja possível a moralizaçãodo processo, é necessário sobretudo aconduta ética das partes e de seus procuradores.Na observação de Humberto TheodoroJúnior, citando os ensinamentos deAndrioli, para que haja um processo disciplinadoé preciso lealdade e probidade,cujas noções não são jurídicas, mas simda experiência social. A lealdade é o hábitode quem é sincero e, naturalmente,abomina a má-fé e a traição; enquanto aprobidade é própria de quem atua comretidão, segundo os ditames da consciência.1E, buscando enfatizar a questão, dizque esse dever jurídico, tal como contempladona lei processual civil, é cabalmenteaclarado por Hélio Tornaghi, emtrecho irretocável: “Atente-se para o fatode que a lei exige sinceridade. Não pretendeque a parte tenha o dever de acertar,de não cometer equívocos ou aindade conhecer a verdade objetiva, de saberdos fatos tais como realmente são. Aprópria posição da parte já a coloca emsituação difícil para projetá-los em verdadeiragrandeza. A lei não exclui, nempoderia excluir a possibilidade e umaimagem falsa, mas sincera dos fatos. Elanão espera que a parte não se engane; oque exige é que ela não engane o juiz. Aparte não se despe da natureza humanaao ir a juízo; a representação intelectual112


dos fatos está sujeita às deformaçõesprovenientes não só dos estados passionaisou emotivos como ainda das naturaislimitações. O que a lei quer é que aspartes digam só o que lhe parece ser averdade (não mentir) e tudo quanto selhes afigura verdadeiro (não omitir).Nem falsidades, nem reticências, neminverdade, nem restrição mental. 2Não pode ser outra a postura daquelesque vão a juízo, ter uma conduta compatívelcom a dignidade do processo civil,instrumento colocado à disposiçãodos litigantes, a fim de que obtenham doEstado a atuação do direito e realizaçãoda justiça. 3O professor Alfredo Buzaid, autor doCódigo de Processo Civil promulgado noano de 1973 já alertava em sua exposiçãode motivos de que no processo civil,de “índole eminentemente dialético, éreprovável que as partes se sirvam dele,faltando o dever da verdade, agindo comdeslealdade e empregando artifícios fraudulentos;porque tal conduta não se compadececom a dignidade de um instrumentoque o Estado põe à disposição doscontendores para a atuação do direito erealização da justiça”.Não é mais possível ao juiz assistirpassivamente a atuação maliciosa da parte.É importante compreender-se que seo legislador autorizou o sancionamentoda parte desleal de ofício pelo juiz, foipara muni-lo de instrumentos que se faziamnecessários para o combate ao doloprocessual e que precisa ser colocadoimediatamente em prática.LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARUNIJUSAssiste-se com frequência partesafirmando ou negando fatos que sãoimediatamente desmentidos por documentosjuntados pela própria parte etambém requerimento de perícias, desculpasforjadas para o não comparecimentoem audiência, testemunhas sendoarroladas para serem ouvidas emcomarcas distantes, que nada sabem arespeito da demanda, apenas para protelaro julgamento da ação. Este fatonão pode ser admitido, sob pena detransformar-se a contenda na arte domais hábil, do mais astucioso, não noinstrumento da busca da verdade e darealização da justiça.Se existem caminhos na busca desoluções ao problema da falta de efetividadedo processo, um deles, e parecenão existirem muitas dúvidas, é o combatetenaz, incansável e sistemático à litigânciadesleal pois o dolo processual éuma afronta não apenas a parte com razãoe que deve ter o seu direito realizadodentro de menor tempo possível, masfundamentalmente ao Estado, que acabasendo obrigado a movimentar toda suamáquina judiciária apenas para atenderaos caprichos da chicana. CLAIRE MA-RIA BARCAROL 4“A ilegalidade mais grave é a que seoculta sob o manto da legitimidade. Eessa ilicitude torna-se ainda mais repugnante,quando cometida pelo Poder, quedeveria fazer do Direito um meio para arealização da paz social e não um instrumentode satisfação dos interesses puramenteindividuais. 5____________________2 Ronaldo Bretas Carvalho Dias - Fraude no Processo Civil. 1ª ed. Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1998, p. 84-86.3 Ibid., mesma página.4 Cibele Bonoto, Dinara R. do N. Pereira, Irene Kulakowski, Paulo J. B. Leal, A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, Publicado na Revista Justiça do Trabalho- Jurisprudência Trabalhista do Rio Grande do Sul nº 173, maio/98, página 112.5 Tobias Barreto, “Estudos de Direito”, p. 105.113


UNIJUSLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARAristóteles Atheniense, ensina que,tendo agido como litigante de má-fé emalgum incidente processual, União, Estadoe Município deverão responder porisso, por atentarem contra a dignidadeda justiça e o princípio da lealdade processual,independentemente do resultadoda demanda, ainda que vencedoresdo mérito. 6A lealdade e a boa-fé, segundo AR-RUDA ALVIM, “são regras informativas,de caráter ético, abrangentes de todaatividade das partes, desde o início, durantetodo o procedimento, inclusive nodesdobramento recursal, como, ainda, noprocesso executório que venha a ser instaurado,ulteriormente à sentença condenatória”.7 3LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉNO CÓDIGO DE PROCESSO CIVILTodos os operadores do direito tem odever de verdade na relação jurídica processual,tratando-se de dever e não de ônusno dizer do magistral Pontes de Miranda.Litigante é denominação dada àspartes que discutem em juízo acerca deseus interesses e direitos; cada uma daspartes em um processo litigioso. A palavralitigar é originária do latim litigare,lutar, pelejar, altercar. Quer propriamentesignificar discutir judicialmente, disputar;formar litígio em torno do pedidoou demanda em juízo. 8A Má-fé é a consciência da ilicitude.Ânimo ou estado psicológico de quem,voluntária e conscientemente, praticaqualquer ato visando a enganar ou prejudicaroutrem em proveito próprio oualheio. Malícia. Dolo. Consciência daprópria fraude. 9Má-fé, é empregada no meio jurídicopara exprimir o conhecimento de umvício. Assim, se pelas circunstâncias, quecercam o fato ou a coisa, se verifica quea pessoa tinha conhecimento do mal,estava ciente do engano ou da fraude,contido no ato, e, mesmo assim, o praticouou recebeu a coisa, agiu de má-fé, oque importa dizer que agiu com fraudeou dolo.O dolo processual, isto é, a má-féencontra alicerce na teoria do abuso dedireito e parte do pressuposto de que todaa norma tem uma finalidade teleológica,específica, da qual não pode ser desviada,sob pena de desvirtuamento da lei eafronta à moral.Litigante de má-fé é a parte que deduzpretensão ou defesa contra textoexpresso de lei ou fato incontroverso,altera a verdade dos fatos, usa do processopara conseguir objetivo ilegal,opõem resistência injustificada ao andamentodo mesmo ou provoque incidentesmanifestamente infundados.(art. 17do CPC). Litiga em juízo maliciosamentea parte que sonega fatos e se vale indevidamentede remédios processuaispara fazer prevalecer sua pretensão injusta.A boa-fé é, em síntese, segundoALVINO LIMA, “a regra fundamentaldas relações humanas, quer na consti-____________________6 Aristóteles Atheniens, O Estado e a Lealdade Processual, publicado na RJ nº 237 de julho de/97, p.39.7 CPC Comentado”, vol. II/1318 Plácido e Silva, Vocabulário Juridico, vol. 3, 12ª ed. Editora Forense, 1993, p.100.9 Dicionário Jurisprudencial, 3ª ed., editora Revista dos Tribunais.114


tuição das obrigações, como na sua execução;quer na confecção dos atos jurídicos,como, de um modo geral, emquaisquer atos que possam atingir os interessesde terceiros. 10O Código processual civil dispõesobre a responsabilidade das partes pordano processual, em seus artigos, 16,17 e 18. O litigante de má-fé é responsávelpor danos processuais que causar.4AS ALTERAÇÕES DO CÓDIGODE PROCESSO CIVILLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARUNIJUSA demonstração de preocupação dolegislador com a litigância de má-fé, veioexpressa no Código de 1939, aperfeiçoadana implantação de Código de ProcessoCivil de 1973.No ano de 1980, modificação introduzidaatravés da inserção do item V, doart. 17 do CPC, demonstrou clara intençãoda adoção de numerus apertus. Emseção separada (artigos 16 e 18), cuidou-seda punição e estabeleceu que olitigante desleal deveria indenizar o outrocujo prejuízo tivesse suportado.O legislador deu nova feição e atualizaçãodo art. 18 e seus parágrafos, com aedição da Lei 8.952, de 13 de dezembro de1994, dificultando ainda mais o caminhodo improbus litigador. Assim, ficou expressoque o juiz, de ofício, poderá condenaro litigante de má-fé a indenizar a partecontrária do prejuízo que esta sofreu. Destaforma, mesmo não havendo pedido da parte,a condenação poderá existir.Para dar mais abrangência ao assunto,a alteração da redação do art. 18, consignouque a litigância de má-fé seria pronunciada,a requerimento ou ex officio,devendo o juiz fixar a indenização correspondenteem quantia não superior a20% do valor da causa ou mediante arbitramento.A probidade processual é um dostemas mais tormentosos nos dias atuais.As demandas que se avolumam noPoder Judiciário, em grande parte, resultamde aspirações deduzidas em totaldesrespeito a princípios éticos básicos.A atuação dos advogados, da mesmaforma, vem refletindo a crise moralque o país enfrenta. O processo, emmuitos casos, vem se tornando instrumentode oportunismos, como se fosseum jogo, onde vence o que tiver menosescrúpulos.Nos casos de apuração da litigânciade má-fé, a inclusão da possibilidade decondenação ex officio não trouxe nenhumanovidade. O processo não é instrumentodas partes. O Estado dele se utilizacomo instrumento para solver os litígiosintersubjetivos de interesses que seproliferam na sociedade.Ocorreram duas importantes modificaçõesna legislação processual civil,introduzidas pela Lei 9.668, de 23 dejunho de 1998, que alterou os artigos17 e 18 da Lei nº 5.869, de 11 de janeirode 1973, que institui o Código de ProcessoCivil.Uma com o acréscimo do item VII,do artigo 17, do CPC, que significa sançãopara aquele que “interpuser recursocom intuito manifestamente protelatório”.A outra, com relação do art. 18, do CPC,que deu nova redação a o “caput” ao estabelecerde forma clara a condenação,o pagamento de multa e seu percentual____________________10 Alvino Lima, citado no acórdão da 1ª Turma do STF 17/03/87 - relator Sydney Sanches, decisão trancrita na RTJ 130/792.115


UNIJUSLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARpara o litigante de má-fé. Estas alteraçõesentraram em vigor na data da publicação(DOU 24.06.1998).5A REPRESSÃO À CONDUTADOS LITIGANTES IMPROBOSTanto no processo cautelar, como noexecutório e no de conhecimento, o princípioe fundamento de dispositivos relacionadoscom a litigância de má-fé foi ode reprimir condutas desleais no âmbitodo processo.O processo moderno, além de prestigiaro princípio da lealdade processual,tem caráter preponderantemente público,cabendo ao magistrado prevenir ereprimir qualquer ato contrário à dignidadee à administração da justiça (art.125, III, CPC).O legislador se preocupou em disciplinaras condutas de interessados e intervenientes,estipulando também sançõespara o Escrivão e Oficial de Justiça (art.144), para o advogado (art. 195 e 196),para o Ministério Público (art. 85), para oJuiz (art. 133 e 198), para perito (art. 147)e para a fazenda Pública (art. 197).Sempre a serviço do direito e da pazsocial, o legislador amparado por sentimentoético-moral, na coibição de todosos malfadados atos, procurando imporuma conduta adequada para as partes noprocesso, pois no exercício das atividadesprocessuais, colaborar com a justiçaé um dever e jamais um ônus, de maneiraque o relacionamento de lealdade entreas próprias partes e seus procuradorestorna-se preponderante no exercícioda composição dos litígios .A litigância temerária prescindia deprovocação da parte lesada. De acordocom a legislação em vigor, deve ser objetode repressão expressa e imediatapor parte do juiz. Em relação aos efeitospatrimoniais gerados sobre a parteque agiu de boa-fé, persiste a ofensadireta à dignidade do Poder Judiciário,que se vê estimulado a intervir em questõesdesprovidas de seriedade, nas quaisuma das partes altera a verdade dos fatos,provoca incidentes infundados, enfim,usa o processo com vistas a locupletamentoilícito.Fica evidente que o Código procuroucoibir, na medida do possível, atitudesdesleais de todos aqueles que atuamno processo, sejam feitos de naturezacontenciosa ou voluntária.É inadmissível a tentativa de utilizaçãodo Judiciário com o propósito de alteraro equilíbrio da ordem jurídica,transformando o processo em instrumentode oportunismos, onde triunfam osinescrupulosos.A ponto de consagrar o princípio deque o litigante de má-fé deve ressarcir aoutra parte pelos danos que lhe causar, oCódigo de Processo Civil aperfeiçoou aaplicabilidade da probidade, da honestidade,sendo que as sanções impostaspodem inclusive decretar a ineficiênciado ato praticado de má-fé.Ressalta-se que os atos feitos de máfésão inoperantes, não recebem forçalegal, ou são nulos por natureza ou podemser anulados.A responsabilidade por conduta temeráriaou maliciosa obriga a parte em facedo seguinte conteúdo: “Responde por perdase danos aquele que pleitear de má-fécomo autor, réu ou interveniente” (art. 16do Código de Processo Civil)O ilustre processualista HumbertoTheodoro Júnior leciona que: “Daí ter o116


Código imposto, entre os diversos devereséticos-jurídicos, o dever da parte “dePROCEDER COM LEALDADE E BOAFÉ”, no curso do processo (art. 14, nºII) e o dever do litigante de má-fé dereparar os danos acarretados à outra parte,sempre que “proceder de modo temerárioem qualquer incidente ou atodo processo” (art. 17,nº V). 11Na repressão à litigância de má-fénão importa que o “improbus litigador”seja titular do direito controvertido e quemereça a vitória no pleito judicial. O quenão se tolera é que alguém, maliciosamente,se valha do processo para acarretara outrem um prejuízo desnecessárioe injusto. 12O Código de Processo Civil, no art.339, do CPC, estabelece que “Ninguémse exime do dever de colaborar com oPoder Judiciário para descobrimento daverdade”.De outro lado, dispõe o art. 341, queo dever de verdade e probidade tambémse estende ao terceiro, que por ter conhecimentode determinado fato, tem queinformar ao juiz.Não deve a parte ocultar a verdade,utilizar-se de evasivas, de expedientesescusos ou deixar de responder o quelhe foi perguntado em audiência, ressalvando,evidentemente, as situações previstasno art. 347,do CPC.O juiz e o advogado são responsáveispela celeridade do processo, cabendoao primeiro, por força do texto legal(art.125,III), prevenir e reprimir qualquerato contrário à dignidade da justiça.LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARUNIJUSDinamarco, sustenta a posição deque o processo deve ser dotado de meiospara promover a igualdade entre aspartes, afirmando que a participação dojuiz na atividade instrutória é consequênciade uma postura instrumentalistaque todo julgador deve ter. 13A real igualdade das partes no processoé um valor a ser observado sempre,ainda que possa conflitar com outroprincípio processual, conforme ensinamentosde Cappelletti. 14Surgindo, assim, a necessidade deque o juiz permaneça atento aos poderese deveres insculpidos no art. 125 do CPC,com a finalidade de se chegar a um provimentojusto, o que equivale a dizer, umprovimento que retrate, com maior fidelidadepossível a situação submetida à suaapreciação.Desta forma, não pode o julgador,deixar de cumprir suas funções com responsabilidade,verificado seu procedimentofaltoso, de conformidade com odisposto no art. 133, caracterizando odolo ou a fraude, deverá indenizar osprejuízos que seu ato ocasionar à parteou interessado.6A RESPONSABILIDADEDOS ADVOGADOSO Estatuto da Advocacia (Lei nº8.906/94) deu o primeiro passo no sentidode explicitar a responsabilidade dosprofissionais que agem à margem damoral e do direito, imunes que se sen-____________________11 Humberto Theodoro Júnior, O Princípio da Probidade e a Repressão à Litigância de Má-Fé, COAD. Seleções Jurídicas, Belo Horizonte, p.18.12 Ibid., mesma página.13 Cândido Rangel Dinamarco, Instrumentalidade, p. 70.14 Cappelletti Giudicci, Legislatori, p. 6.117


UNIJUSLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARtiam, posto que protegidos nos mandatosrecebidos. A única falha contida noreferido diploma foi a remissão da apuraçãode tal responsabilidade à “ação própria”,quando é certo que tudo poderiaser resolvido no mesmo processo em quecaracterizado o delito processual e peranteo mesmo Juiz que o preside.O art. 32 da Lei 8906/94, dispõe sobrea responsabilidade do advogado:“O advogado é responsável pelosatos que, no exercício profissional, praticarcom dolo ou culpa”.Parágrafo único. “Em caso de lidetemerária, o advogado está solidariamenteresponsável com seu cliente, desdeque coligado com esse para lesar a partecontrária, o que será apurado em açãoprópria’’Como se vê, claramente, não é todae qualquer situação de deslealdade processualque permite se passar a responsabilidadepara o advogado, mas somenteaquelas que possam vir a caracterizara chamada “lide temerária” que, ao verde CELSO AGRÍCOLA BARBI, 15 somentese desenharia na previsão do inc.I do art. 17 do CPC, ou seja, nos casosem que a pretensão ou defesa afrontartexto expresso de lei ou fato incontroverso.São exatamente os casos de demandasinfundadas, mas coerentementeentre elas também haveria que se colocara hipótese de uso do processo paraconseguir objetivo ilegal (art. 17, III, doCPC), com carga de deslealdade muitomais acentuada.A responsabilização do advogado,porém, não se faz a partir pura e simplesmenteda deslealdade processual.Assim, para infringir-se a regra da lealdadeé suficiente a culpa grave (o Códigode Processo Civil Português fala em“negligência grave” – art. 456, 2), advinda,porém, a responsabilidade do advogadosomente no caso de dolo, tantoque a norma refere-se a estar o advogado“coligado” com o seu cliente “paralesar a parte contrária”, supondo, portanto,claramente a atuação intencional,objetivando prejudicar a parte contrária. 16Enquanto a deslealdade processual éreconhecida e se define nos própriosautos da ação em que se deu o comportamentodesleal, a apuração da responsabilidadesolidária do advogado somentepoderá ocorrer por ação autônoma,exclusivamente voltada para esse fim,tendo como réu o advogado e a parte ousomente um deles. Existe a necessidadeda parte intentar a demanda, diferentementedo que se passa na litigância demá-fé, que pode ser definida de ofíciopelo juiz.Sendo assim, a demanda exige quese assegure ao réu a plenitude de defesa,por imperativo constitucional (art. 5º, LV,da CF), devendo a parte supostamenteprejudicada provar não somente a existênciada lide temerária e o comportamentodoloso do advogado, associandoseao cliente para a atuação ilícita, mastambém o prejuízo, que não se presumee nem permite que simplesmente se apliquea estimativa contemplada no art. 18,do Código de Processo Civil, que admitea fixação de indenização em percentualincidente sobre o valor da causa.É imprescindível a prova das perdase danos, pois a responsabilidade do ad-____________________15 Comentários, nº 164, p. 175.16 Clito Fornaciari Júnior, O ADVOGADO E A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, Publicada no Jornal Síntese nº 37 - MAR/2000, p. 13.118


vogado somente existirá em razão do queperdeu a parte ou do que razoavelmentedeixou de ganhar (art. 1.059 do CC).Havendo a solidariedade do advogadocom as partes pelo exercício da práticailegal de atos processuais, com doloou fraude do profissional e/ ou de qualquerparte, ambos serão apenados pecuniariamente.A materialização da responsabilidadedos advogados nos casos em que,coligados, promovam reclamatória temeráriacontribui, e muito, para o prestígiode toda a classe e justifica sua indispensabilidadeà administração da justiça nosmoldes do art. 133 da Magna Carta.O artigo 34, XIV, da supracitada lei,classifica com infração disciplinar “deturparo teor de dispositivo de lei, de citaçãodoutrinária ou e julgado, bem comode depoimentos, documentos e alegaçõesda parte contrária, para confundir o adversárioou iludir o juiz da causa”.Valendo-se disso, ocorrendo a participaçãoda parte e do advogado na práticada ilicitude processual, configura asolidariedade passiva, podendo um ououtro suportar total ou parcial o valor dacondenação.Mesmo que não tenha qualquer participaçãono ato processual doloso oufraudulento e o juiz assim constatando,deve mencionar na decisão, mas, pode,não obstante, ocorrer o contrário, a parte,cliente do advogado, ter sido induzidapor seu patrono a declarar fatos inexistentes,ou orientar testemunhas a fazêlo,nesse caso, descoberta a verdade,cabe ao juiz aplicar a penalidade tão-somenteao advogado porque a parte foiLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARUNIJUSinduzida a agir de tal forma, orientadapelo seu patrono certa de que era o modocorreto de atuar, vez que é leiga, nãoconhecendo da ciência jurídica. 177A MÁ-FÉ PROCESSUALNO PROCESSO CAUTELARCom relação às sanções que o Códigoimpõe ao litigante desleal, que vãodesde a ineficácia do ato praticado demá-fé à condenação do outro infrator aopagamento de multa e a indenização dosdanos ocasionados ao outro litigante.Os processos de conhecimento, execuçãoe cautelar, de uma maneira ou deoutra, têm princípios diferentes, mas ofundamento é o mesmo ao reprimir oinfrator de conduta temerária.O processo é o campo fértil para amá-fé, para o dolo processual, infelizmente,diz Celso Agrícola Barbi, e afirma quesua repressão é difícil, dada a imprecisãodos limites além dos quais a pessoa deveser considerada como agindo de modo inconveniente.E adverte que é necessárioque a lei contenha normas repressivas daatividade ilícita no processo, fornecendo,assim, aos juízes, meio para moralizar aatividade das partes e procuradores. 18No processo cautelar, buscando disciplinar,atingir e conter o litigante de máfé,a questão foi tratada conforme sedepreende do texto dos artigos 811 e 881,parágrafo único. Com este último dispositivo,que prevê proibição de falar nosautos, nasceu acirrada discussão sobresua constitucionalidade, em face do princípiodo contraditório.____________________17 Manoel Hermes de Lima, Litigância de Má-fé - Solidariedade do advogado com a parte, R.Ltr. 59-01/34. 1995.18 Revista Forense, 247, p. 21/22.119


UNIJUSLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARO fundamento não é fixar regras decaráter absoluto com relação ao deverde probidade e honestidade na conduçãoda demanda, mas, estabelecer condutasde repressão aos litigantes no decorrerdo processo.O que se coibe é a decisão judicialobtida ilicitamente pelo litigante vencedor.A prevenção de transgressão pelaameaça de uma consequência desfavorávela quem o pratique se concretiza ouse tenta reprimir mediante a aplicação dasanção cominada.O risco de sofrer dano irreparávelou de difícil reparação deve fazer referênciaa uma situação de objetividade fáticaplenamente demonstrável e não significar,tão-somente, o temor do requerenteem sua avaliação subjetiva. 19O art. 804 do CPC dispõe que é lícitoao juiz conceder liminarmente a medidacautelar, sem ouvir a parte contrária,se houver a presunção de má-fé do réu,o qual, ciente do pedido, poderá exauriro conteúdo da pretensão. Poderá ser determinadopelo juiz o ressarcimento dosdanos sofridos.Antônio Cláudio da Costa Machado,ensina que o dispositivo sob comentáriodisciplina a concessão da liminar em processocautelar, estabelecendo as váriaspossíveis atitudes do juiz diante de requerimentode tais medidas. Pode o magistrado,em primeiro lugar, conceder aliminar independentemente de justificaçãoprévia ou caução. Para que isto sedê é necessária não só um apetição inicialclara e convincente, como também aexistência de bons documentos que ainstruam. Caso os argumentos do requerentepareçam plausíveis e verossímeis -de sorte a ficarem caracterizados emteseo fumus boni iuris e o periculum inmora, mas as provas documentais inexistam,ou sejam muito pobres, ao juizcabe designar audiência de justificaçãoprévia para permitir ao requerente, mediantetestemunhas, a prova dos fatosque tornam necessária medida liminar.Em relação à justificação prévia observe-seque, segundo o texto, pode ser elarealizada com ou sem a presença do requerido(inaudita altera parte). 20O art. 811 do CPC institui a responsabilidadecivil que repousa sobre o requerenteda medida cautelar no caso desua execução causar prejuízo a terceiro(art. 804).A responsabilidade instituída é objetiva,vale dizer que, prescinde de qualquerelemento subjetivo como ocorre em algumassituações materiais ( CC, arts. 169,1.519, 1580). A responsabilidade, no casode cautelar, funda-se no fato da execuçãoda medida. Não depende da prova de máfédo requerente e não há necessidade decondenação expressa. A responsabilidadedo requerente é automática, tendo este queressarcir os danos causados ao requerido.É necessária a efetiva demonstraçãode danos emergentes ou lucros cessantespelo requerido para que o requerenteseja responsabilizado.O ajuizamento da ação de reparaçãode perdas e danos pode ser feita em autosindependentes. 21As medidas cautelares são provisóriase, se a sentença na ação principal é contrá-____________________19 Indalécio Gomes Neto, Antecipação de tutela Publicada na ST nº 77, nov.95, p.7.20 Antônio Cláudio da Costa Machado, Código de Processo Civil Interpretado, p. 903, Editora Saraiva, 2ª e. 1996.21 RJTJESP 91/179.120


ia à medida cautelar, desaparecem ‘extunc’ todos efeitos possíveis daquelas. 228A TUTELA CAUTELARE A TUTELA ANTECIPATÓRIALITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARUNIJUSEm se tratando de antecipação da tutela,no campo da litigância de má-fé, cumpredestacar, pela freqüência com que vaiocorrer, a ofensa ao “dever de veracidade’’que deve orientar a atuação das partesno processo. Incumbe à parte, alémde declarar somente a verdade, abster-sede omitir fatos relevantes ao julgamentoda lide, de que tenha conhecimento.Representando um adiantamento daeficácia da futura decisão de mérito a serproferida no processo, os provimentosantecipatórios não se confundem com oscautelares. A distinção substancial está emque a medida antecipatória satisfaz antecipadamente,enquanto a medida cautelartem função meramente assecuratória deeficácia da sentença futura. A satisfatividadeé da essência da antecipação da tutela,porém na tutela cautelar, consoanteorientação da jurisprudência pacífica,constitui obstáculo à sua concessão.É oportuna a advertência de Lucon(ob. Cit., p. 106 e 107): “(...) a tutelaantecipatória difere da cautelar porquenão pretende apenas assegurar a viabilidadeda realização do direito alegado, masadianta os efeitos do provimento jurisdicional,total ou parcialmente. Por isso,tem manifesto caráter satisfativo.Ademais, a antecipação da tutela podeser concedida nos casos em que há injustificadaresistência do réu, diante do‘abuso do direito de defesa’ ou do ‘manifestopropósito protelatório do réu’ (art. 273, II)” e, neste caso, é pois, inegávela litigância de má-fé (CPC, art.17, IV). E continua o citado autor: “Entretantoa tutela antecipatória aproximaseda tutela cautelar na medida em que:a) tem a característica da provisoriedade(CPC, art. 273, parágrafo 4) e, b) ojulgador deve considerar sempre a razoávelprobabilidade da existência do direito(evidencia-se aqui verdadeiro fumusboni iuris, pois a probabilidade estáentre a prova inequívoca e a verossimilhança, contidos no caput do art. 273)e, conforme o caso, o ‘fundado receiode dano irreparável e de difícil reparação’(ou a presença do periculum inmora, cf. art. 273,I)”.Se houver prova inequívoca da pretensão,conjugada com pelo menos umdos demais pressupostos arrolados na lei(fundado receio de dano irreparável ou dedifícil reparação ou litigância de má-fé), éautorizada a antecipação da tutela.A faculdade conferida ao juiz no artigo273 do CPC, de antecipar a tutela requerida,pressupõe a existência de uma relaçãojurídica concreta, de direito material. 23Enfim, os provimentos cautelares visama garantir o resultado eficaz do processo,assegurando a efetividade de umapretensão de direito processual ou material.Por outro lado, os provimentos antecipatóriosdispõem diretamente sobreo direito material contendido, representandoo atendimento da pretensão antesda sentença. 24____________________22 RTJ 122/149; a citação é da p. 175, 2ª col.23 Indalécio Gomes Neto, Antecipação de tutela. Publicada na ST nº 77 – nov.95, p.7.24 Humberto Theodoro Junior - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA E MEDIDAS CAUTELARES - TUTELA DE EMERGÊNCIA. Revista Jurídica nº253, novembro/98, p. 25.121


UNIJUSLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELAR9PRESSUPOSTOS DA TUTELACAUTELAR E DA ANTECIPAÇÃODE TUTELAConforme a teoria tradicional da tutelacautelar, as medidas preventivas sujeitam-sea dois pressupostos que são ofumus boni iuris e o periculum in mora.Através do fumus boni iuris, reclamasedo requerente a demonstração de aparênciade um direito subjetivo envolvidono litígio; e pelo periculum in mora, percebe-seo risco de um dano grave e de difícilreparação, suportado pelo mesmo direito,caso seja necessário aguardar a finalizaçãodo processo. Do exposto, decorre um perigode inutilização do próprio processo,visto que, o provimento em defesa do direitosubjetivo da parte, após acabado odano, tornaria uma inutilidade prática. Oremédio processual perseguido e deferidoà parte não teria eficácia para cumprir suafunção tutelar perante a situação jurídicamaterial deduzida em juízo.A tutela cautelar é mais uma defesa daeficácia do processo do que propriamenteuma garantia do direito subjetivo materialda parte. O destino do processo cautelar é,em suma, “fazer possível a atuação posteriore eventual de uma das formas de tuteladefinitiva”, na lição de MICHELI. 25Com relação à antecipação de tutela(Código de Processo Civil, artigos 273 e461), a lei exige requisitos simétricos aosda tutela cautelar, que são:a) a prova inequívoca do direito daparte e a verossimilhança de suas alegações(artigo 273, caput); eb) o fundado receio de dano irreparávelou de difícil reparação (artigo 273,I, do Código de Processo Civil).O segundo pressuposto pode ser, emalguns casos, substituído pelo “abuso dedireito de defesa ou o manifesto propósitoprotelatório do réu” (artigo 273, II,do Código de Processo Civil).Humberto Theodoro Júnior ensinaque há grande similitude de pressupostosentre as medidas cautelares e as deantecipação de tutela, que permite classificarambas como destinadas a assegurara eficácia da prestação jurisdicional,mas reservando a cada uma delasum campo de atuação próprio e distinto.Enquanto a medida cautelar foge da preocupaçãode satisfazer precocemente odireito material da parte, contentando-secom preservar a idoneidade genérica doprocesso para atingir seu escopo, a medidaantecipatória, ao contrário, é eminentementesatisfativa e se defere comdeclarado propósito de assegurar ao litigante,antes do encerramento do processo,aquilo que seria inerente aos efeitospráticos da situação material emergenteda sentença final de mérito, isto é, dasentença de procedência do pedido. 26Outra grande distinção entre as medidasexaminadas e comparadas está situadano terreno das provas. Para obtermedida neutra, de caráter cautelar puro,é suficiente o fumus boni iuris, meraaparência do bom direito.Admite-se a concessão de medida daespécie até mesmo em situação de dúvida,sob o velho pretexto de que é preferívelprevenir do que remediar. 27____________________25 “Derecho Procesal Civil”, Buenos Aires, EJEA, 1970, volume I, nº 20, p. 78.26 Humberto Theodoro Junior, op. cit., p. 25..27 PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, 1959, volume VIII, p. 295; CALAMANDREI, Introduzioneallo Studio Sistematico del Povvedimenti Cautelari, edição 1936, p. 20; OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, As Ações Cautelares e o Novo ProcessoCivil, 2ª edição, p. 68.122


LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARUNIJUSPara alcançar a antecipação de tutela,a parte terá, obrigatoriamente, de produzir“prova inequívoca”. Poderá utilizarprova preexistente, que não necessitaser documental. Terá, no entanto, queser clara, evidente, portadora de grau deconvencimento tal que a seu respeito nãose possa levantar dúvida razoável.Importante lembrar que é inequívoca,a prova <strong>capa</strong>z, no momento processual,de autorizar uma sentença de méritofavorável à parte que invoca a tutelaantecipada, caso pudesse ser a causa julgadadesde logo.Além, da “prova inequívoca”, o requerenteterá de apresentar ao juiz umaversão semelhante à verdade de sua pretensão,que corresponde ao juízo de convencimentoem torno do fato, invocadopela parte que pretende a antecipação detutela, não somente no que diz respeitoao direito subjetivo material, mas principalmente,no tocante ao perigo de danoe sua irreparabilidade, bem como ao abusodos atos de defesa e procrastinaçãopraticada pelo réu.Outra diferença entre as medidascautelares e as antecipatórias está napossibilidade de o juiz antecipar a tutelaao autor sem a presença do risco de danoimediato e irreparável, baseando-se apenasno “abuso do direito de defesa oumanifesto propósito protelatório do réu”(artigo 273, II).O abuso do direito de defesa ocorrequando o réu apresenta resistência à pretensãodo autor, totalmente infundada oucontra direito expresso e, ainda, quandoemprega meios ilícitos ou escusos paraforjar sua defesa. Na inicial, pode o autordemonstrar o abuso que vem sendopraticado pelo réu, para pleitear a antecipaçãode tutela. 28Não há situação análoga quando se tratade medida cautelar, que sempre deverásujeitar-se ao requisito do perigo de danograve e de difícil reparação (artigo 798).Por fim, as medidas cautelares sãoobjeto de ação separada da ação principal,embora a esta se liguem por acessoriedade.Já as medidas antecipatórias sãosempre incidentes do próprio processoprincipal, onde constituem objeto de simplesdecisão interlocutória. 29Ressalta-se que o direito contemporâneoadmite que o perigo obstaculávelpela tutela cautelar (periculum in mora)tanto pode afetar o processo pendentecomo o direito material subjetivo do litigante.Portanto, a medida cautelar tantopode impedir a simples frustração da sentençaenquanto ato processual definitivocomo pode antecipar provisoriamente amesma sentença para evitar a inutilizaçãoirremediável do próprio direito materialda parte que demanda a tutela jurisdicional.O instituto da “antecipação detutela”.foi introduzido no no Código deProcesso Civil Brasileiro, com a reformade 1994.Há tutelas que permitem ao autor,desde logo, aquilo que ele somente poderiaobter após a pronúncia da sentença.Tais tutelas não são cautelares, porémantecipatóriasAs medidas cautelares, protegendoapenas a utilidade do processo, defendemremotamente a possibilidade futurade realização prática do direito, enquan-____________________28 J.E.S. FRIAS, op. cit. p.66.29 Humberto Theodoro Junior, op. cit. p. 25.123


UNIJUSLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARto as medidas antecipatórias, mesmo nocaso de ações declaratórias e constitutivas,asseguram à parte o exercício imediatode direitos materiais pendentes defuturo acertamento.Não existe na mais moderna visãodoutrinária do processo cautelar, um obstáculoa medidas cautelares, sejam conservativasou antecipatórias, no âmbito datutela de mérito declaratória ou constitutiva.O que se impõem são critérios deadaptação das medidas antecipatórias àspeculiaridades das ações em questão, sem,contudo, afastá-las, de maneira peremptória,da área de incidência do artigo 273do Código de Processo Civil.Com o intuito de conseguir a concessãode uma liminar, através de medidacautelar (devido à rapidez), muitas vezesutiliza-se do Poder Judiciário, alterando averdade dos fatos. Neste caso será consideradolitigante de má-fé a parte que tentaludibriar a justiça e obter objeto ilícito.Da mesma forma é a jurisprudênciadominante no seguinte caso:“A parte que intencionalmenteajuíza várias cautelares,com o mesmo objetivo, até lograrêxito no provimento liminar,configurando a litispendência,litiga de má-fé, devendo ser condenadana multa específica”. 3010NATUREZA JURÍDICA DA SANÇÃO:INDENIZAÇÃO OU MULTAExiste uma discussão sobre a naturezajurídica da sanção e da fixação do valora ser imposta ao improbus litigador.____________________30 STJ – REsp 108.973 – MG – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 09.12.1997.Com a finalidade de impedir e reprimira litigância de má-fé, considerandoa,genericamente, como ato atentatórioà dignidade da justiça nosso sistema processualse ocupou, principalmente, deduas sanções, ou sejam, da multa (art.233 e parágrafo único, 488, II; 538, parágrafoúnico e 601); e da indenização(art. 16 a 18, caput, 588, I, 811 e 881,parágrafo único).A inovação, com o advento da Lei9.668/98, resultou na modificação do art.18, que, agora, contempla duas situações:multa e indenização.O sistema processual brasileiro dalitigância de má-fé adotou as duas situações,prevendo em cada caso a aplicaçãode um ou de outro caminho. Primeiramente,percebe-se que a intenção dolegislador era fixar multa para todas assituações malévolas, o que, na verdade,não ocorreu, deixando ele a parte queprevê responsabilidade do litigante desleal,com previsão de indenização porperdas e danos. Em todo o sistema, quandoquis que fosse multa assim se expressoudiretamente.É imprescindível que todo e qualquerato de deslealdade processual sofra odesprezo da sociedade e a severa puniçãoprocessual.O requerente de procedimento cautelar(art. 811) responde ao requerido peloprejuízo que lhe causar a execução damedida, prevendo o art. 881, em seuparágrafo único, a possibilidade de secondenar o réu a ressarcir à parte lesadaas perdas e danos sofridas em consequênciado atentado.Uma exigência indispensável para ofortalecimento do processo, do Estado e124


da pacificação social é a condenação ao litigantede má-fé. Para isso, o sistema quisdistinguir os institutos da multa e da indenizaçãoe demonstrar onde e quando deveriaser aplicada a sanção ao litigante desleal.Oportuna é a lição, in verbis: A puniçãodo comportamento processual deslealtem por objetivo simultâneo educar o faltosopara que não torne a transgredir asnormas da lealdade - servindo de exemploaos colegas/advogados mais afoitos paraque não cometam semelhante erro - e compensara contraparte pela demora adicionalimposta antes da solução do litígio. 31Por fim, cumpre evidenciar que a leivigente deu passo importante no sentidode autorizar imposição, de ofício, de multapor litigância de má-fé, enquanto quea penalidade no caso de imposição de indenizaçãopor danos ainda depende depedido e submete-se ao princípio do contraditório.Na maioria das vezes, a demorana liquidação devido a discussãodo quantum da indenização termina porbeneficiar o infrator.Importante dizer, com os ensinamentosdos juristas Rogério Lauria Tucci e JoséRogério Cruz e Tucci, quando amparadosem Edward Re, nos transmitem que: “....enquanto houver vontade do estado paraamenizar o problema da delonga processual,qualquer processo reclama a sinceracooperação dos protagonistas da administraçãoda justiça: juízes, promotores e advogados.Somente tal esforço, nesse entretempo,poderá formentar a luta para terseuma - por enquanto utópica - prestaçãojurisdicional rápida e efetiva. 32Não podemos esquecer, neste tempode profundas transformações e mudanças,todos nós temos que tudo fazer noLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARUNIJUSavanço da prestação de uma tutela jurisdicionalcom maior agilização, funcionalidadee rápida efetivação do processo, mascom lealdade e boa-fé, para a atuação doDireito e realização da Justiça.11CONCLUSÃOHá pessoas que não poupam esforçospara alterar a verdade dos fatos, usamdo processo para conseguir objetivo ilegal,ou ainda, deduzem pretensão ou defesacontra texto expresso da lei ou fatoincontroverso. Para tanto o Código deProcesso Civil instituiu artigos com ointuito de especificar quem é o litigantede má-fé e qual a sua punição.Além do exposto, também reputa-selitigante de má-fé quem opuser resistênciainjustificada ao andamento do processo;proceder de modo temerário emqualquer incidente ou ato do processo;provocar incidentes manifestamente infundados;interpuser recurso com o intuitomanifestamente protelatório.Responde por perdas e danos aqueleque pleitear de má-fé como autor, réu ouinterveniente.Nestas circunstâncias, o litigante demá-fé deve indenizar seu ex adverso os prejuízosque sofreu, mais honorários advocatíciose todas as despesas que efetuou.Litiga em juízo maliciosamente a parteque sonega fatos e se vale indevidamentede remédios processuais para fazerprevalecer sua pretensão injusta.Embora o abuso do direito de demandarnão seja fenômeno de nossos dias, érecente, no entanto, a preocupação emdotar o juiz, diretor do processo, de____________________31 Luiz R. Nuñes Padilha, Litigância de Má-Fé, no CPC Reformada. V. Processo 78, p.105.32 Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional. Ed. RT 1993, p 107.125


UNIJUSLITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARinstrumentos eficazes e <strong>capa</strong>zes de reprimirquaisquer atos que importem infringênciaao princípio da conduta ética.Inadmissível que o processo, peloseu uso inadequado, sirva de instrumentopara se legalizar a fraude.A retórica, nas postulações, deve serresguardada do componente ético doprocesso judicial.A sonegação, a omissão, a adulteraçãoda verdade fática, os argumentos semo mínimo respaldo jurídico, alegaçõessem qualquer consistência, à margem dodireito e, sobretudo, aquelas causas patrocinadase fundamentadas em fatos sabidamenteinverídicos, devem sofrer omais veemente repúdio, cabendo ao órgãojudicante o dever indeclinável de aplicarao litigante de má-fé às sanções.As recentes inovações com a novaredação do art. 18 do CPC, representamavanço e um passo à frente em relaçãoao texto anterior.A multa como a indenização não semostram, contudo, suficientes para orestabelecimento do respeito, da dignidadee do prestígio da Justiça.Interessante dizer que o juiz podedeclarar a litigância de má-fé das partese advogados, atento às disposições doparágrafo único do art. 32, da Lei 8.906/94, bem como aplicar a penalidade pecuniáriacabível e executar a parte e oadvogado que se conduzirem solidariamenteprejudicando a outra parte, mas,mediante provocação da parte lesada.O fato da lei garantir um direito nãosignifica que esse direito deva ser tidocomo absoluto e possa ser utilizado porseu portador de qualquer modo, a seubel prazer, e com abuso do próprio direitoe da ordem jurídica estabelecida, quecumpre cuidar dos direitos sociais e individuaisda sociedade.Todos têm o dever de verdade na relaçãojurídica processual, uma obrigaçãode respeito ao cidadão e ao Poder Público,sem afronta a lealdade processual.Os atos atentatórios à dignidade daJustiça, devem ser de uma vez por todasrepelidos do meio forense, com a imposiçãoda sanção para punir e o coibir osímpetos do improbus litigator.Com seriedade, moralidade, e probidade,a verdade deve sempre ser dita eprevalecer nos atos processuais. Seja napetição, na contestação ou na audiência,as partes devem se conduzir com boa-fé.referências bibliográficasALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos da Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro:Forense, 1997.ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Considerações sobre Algumas das Reformas doCódigo de Processo Civil. Rio de Janeiro: RT 717/95.ATHENIENSE, Aristóteles. O Estado e a Lealdade Processual. publicado na RJ n. 237 dejulho de 1997.BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1994. v. 1BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Responsabilidade das Partes por Danos Processuais.RP - 10-15.BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Novo Processo Civil. 18. ed. Rio de Janeiro:Forense, 1996.BARRETO Tobias. Estudos de Direito.126


LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO PROCESSO CAUTELARUNIJUSBONOTO, Cibele. A Litigância de Má-Fé. Revista Justiça do Trabalho, JurisprudênciaTrabalhista do Rio Grande do Sul, n. 173, maio/98.COUTRE, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado.DIAS, Ronaldo Brêtas Carvalho. A Repressão da Fraude no Processo Civil Brasileiro. SãoPaulo: Eud, 1989.DICIONÁRIO Jurisprudencial, 3. ed., Ed. Revista dos Tribunais.DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros,1996.DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 2 ed. SãoPaulo: RT,1987.FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. 5.ed. São Paulo: Saraiva,1992. v.1-3.FILHO, Vicente Greco. Reforma do Código de Processo Civil, Coordenador: Sálvio deFigueiredo Teixeira, Ponto 33, Litigância de Má-Fé. São Paulo: Saraiva.FORNACIARI JÚNIOR. Clito. O Advogado e a Litigância de Má-Fé. Publicada no JornalSíntese n. 37, MAR/2000.GOMES NETO, Indalécio. na Antecipação de tutela Publicada ST nº 77, nov.95.LIMA, Alcides Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil 1974, v. 6, T. ILIMA, Manoel Hermes de, Litigância de Má-fé - Solidariedade do advogado com a parte.R.Ltr. 59-01/34, Rio de Janeiro: 1995.LOPES, Jõao Batista. O Juiz e a Litigância de Má-fé. RT 740, 1997.MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. p. 903, , 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1996.MARQUES, José Frederico. Manual de processo Civil. Rd. Saraiva, 1976, v. 4.NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. São Paulo: RT, 1966.NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil. 30. ed. São Paulo: Saraiva. 1999.PADILHA, Luiz R. Nuñes. Litigância de Má-Fé no CPC Reformado. Revista de Processo n. 78.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil.Rio de Janeiro, 1959, v. 8, p. 295.RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Indenização na Litigância de Má-Fé. RT 584/9.SANTOS, Ernane Fidelis. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, v.1.SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas do Direito Processual Civil. 13. ed. SãoPaulo: .Saraiva, 1987. v.3.SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. v.3.SODRÉ, Ruy de Azevedo. A Ética Profissional e o Estatuto do Advogado. 1984.THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Princípio da Probidade e a Repressão à Litigância deMá-fé. COAD, Seleções Jurídicas.THEODORO JÚNIOR, Humberto, Antecipação de Tutela e Medidas Cautelares Tutela deEmergência. Revista Jurídica n. 253, nov/98.THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 24. ed, Rio de Janeiro:Forense 1998, v.1.TUCCI, Rogrio Lauria e TUCCI, José Rogério Cruz e. Devido Processo Legal e TutelaJurisdicional. Ed. RT 1993.127


MINIMALISMO EPRINCIPIOLOGIA PENALEdihermes Marques Coelho*sumário1. Introdução2. Linhas do Pensamento Criminológico2.1. Criminologia Tradicional2.2. Criminologia Crítica2.3. Políticas Criminais3. Sistema Penal e a Idéia de Ressocialização3.1. A Ressocialização3.2. O Mito da Ressocialização4. Pautas de Descriminalização5. Princípios Jurídico-penais Minimalistas5.1. Princípio da Intervenção Mínima eFragmentariedade5.2. Princípio da Insignificância5.3. Princípio da Adequação Social5.4 - Princípio do In Dubio Pro Reu6. Considerações Finais7. Referências bibliográficasresumoA reflexão deontológica sobre o Direito Penal é realizada fundamentalmente através da Criminologia,a qual se divide em criminologia tradicional e crítica. Delas derivam as diretrizes depolítica criminal, destacando-se como tendência mais progressista a política criminal minimalista.Para a operacionalização das diretrizes do minimalismo, possibilitando sua aplicação nocotidiano jurídico-penal, é decisiva a importância dos princípios da intervenção mínima, dainsignificância, do in dubio pro reu e da adequação social.1INTRODUÇÃOO Direito Penal, a par das diversasconceituações existentes, pode ser definidocomo o ramo do Direito Público emque se determinam as condutas consideradascrimes, os apenamentos que lhes sãocorrespondentes e as condições jurídicas– positivas ou negativas - para imposiçãodestes apenamentos. Sua articulação deconteúdo é, portanto, político-normativa:seleciona politicamente condutas como ilícitase registra-as normativamente.Vê-se em tal definição que não seinclui a reflexão acerca do que signi-ficam tais condutas no mundo da vida,muito menos dedica-se o Direito Penala refletir, a não ser de modo circunstanciale superficial - por exemplo,com o princípio da insignificância,sobre os aspectos sociais e culturaisque envolvem o cometimentodas condutas criminais.Esse estudo dos aspectos sociais,políticos e culturais, que situam a condutano mundo da vida é o objeto centralda criminologia, a qual funciona comoum campo de reflexão sociológica e filosóficasobre a esfera criminal do Direito.Ela, assim, poderia ser definida,numa perspectiva tradicional, como a____________________* Edihermes Marques Coelho é Mestre em Instituições Jurídicas e Políticas e doutorando em Direito pela UFSC; advogado; professor no CentroUniversitário do Triângulo (Unit) e na Universidade de Uberaba (<strong>Uniube</strong>); Diretor de Cursos do Instituto Jurídico de Estudos Contemporâneos(IJCon).128


disciplina que estuda as condutas humanascriminais sob os aspectos biológicos,psíquicos e sociológicos, integrando taisaspectos e agregando-lhes outros aportes.Pimentel, ao analisar o percurso históricodos estudos criminológicos, apontaque, num primeiro momento, na referidaperspectiva tradicional,“a Criminologia aportou em umconceito de delito, que inicialmentepretendia ser substancial, mas que,na verdade, embora de outra maneira,era também uma definição formal:o crime é uma conduta antissocial.”. 1Já numa perspectiva crítica, queemergiu apenas nas últimas décadas, acriminologia ganharia novas nuances,sendo definida como a disciplina queestuda os processos de criminalização decondutas e de esteriotipação de criminosos.Ao analisar a criminologia crítica,Pimentel aponta que, segundo ela,“a ciência criminológica nãodeve ter como objeto apenas o crimee criminoso, tal como institucionalizadospelo direito positivo, poiseste é uma forma de expressão do poderdominante, servindo à defesadas agências políticas e do sistemaeconômico que interessa aos senhoresdo momento.”. 2As páginas seguintes são dedicadas aidentificar as características das duas perspectivasconceituais da criminologia,aprofundando-se na diferença de objetode análise e foco de definições de cadauma delas, para após se destacar aquelesprincípios do Direito Penal mais afinadoscom o minimalismo, postura de políticacriminal, decorrente da criminologia crítica,que adiante será adotada.MINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENAL2LINHAS DO PENSAMENTOCRIMINOLÓGICOUNIJUSComo se afirmou, há duas principaisvertentes criminológicas no pensamentojurídico contemporâneo: criminologia tradicionale criminologia crítica. Não quehaja efetiva sistematização de qualquerdelas enquanto corrente de pensamento:trata-se apenas de identificar uma linhabásica em torno da qual se possam agruparidéias diversas.Essa linha básica estaria ligada aoobjeto de estudo privilegiado por cadaautor. Assim, pode-se dizer que umaperspectiva criminológica tradicional estácentrada sobre a investigação em tornoda conduta delinqüente e da personalidadedo agente delitual. Uma perspectivacriminológica crítica, sem desprezar osaspectos tradicionais, estará focada nacriminalização política de condutas e naesteriotipação de criminosos. Na primeiraprivilegia-se o fato criminal; noutra osprocessos sócio-políticos criminalizantes.2.1. Criminologia TradicionalNo que respeita à perspectiva criminológicatradicional, suas principais característicassão:a) abordagem causal-explicativa doscrimes – cada crime teria uma causa, umaetiologia social ou pessoal específica, cabendoà criminologia fornecer instrumentospara o desvendar de tais etiologias;b) busca a identificação das origensdo crime – todo crime, a partir da idéiaanterior de uma etiologia específica,____________________1 Manoel Pedro PIMENTEL, O crime e a pena na atualidade, p. 13.2 Idem, p. 41.129


UNIJUSMINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALteria um histórico a ser descoberto, sejapela história individual do delinqüente,seja por sua constituição genética, sejapor sua herança familiar;c) propugna a identificação de um‘delito natural’, pré-existente à valoraçõeshumanas de caráter ideológico - a idéiado que seria o crime e de seu peso paraos indivíduos é algo imanente à sociedade,de modo que seria possível se falarem um delito ‘natural’;d) gira em torno da idéia de normalidadesocial, de modo que o direito penaldeveria garantir essa normalidade - odelinqüente seria um desviado, um indivíduoque afrontaria a normalidade social,de maneira que o crime seria uma ‘doença’social, devendo, portanto, ser pacientede um ‘tratamento’ punitivo.Dessa forma, a criminologia deveriase dedicar a identificar os aspectosbiopsicológicos e sociológicos inerentesàs condutas criminosas e à personalidadedos indivíduos criminosos.A criminologia seria, por conseqüência,fundamentalmente etiológica,buscando identificar a gênese do ato criminal,investigando as suas causas. Forneceriadados, assim, sobre a periculosidadedo delinqüente. Na definição deMACEDO, “a criminologia aparece comouma Ciência pura, de observação,etiológica, sintética, nascida das ciênciasde Homem.”. 3Trabalhando com os aspectos biológicose psicológicos, a criminologiatradicional se dedicaria ao estudo da personalidadedo criminoso, entendida como“uma função da hereditariedade multiplicadapelo meio”. 4 A criminologia, então,estudaria a conduta criminosa a partir dapersonalidade delinqüente, com aportesbiológico (endocrinologia, biotipologia),psicológico, sociológico e antropológico.2.2. Criminologia CríticaA criminologia crítica, por sua vez,emergiu a partir da aplicação de paradigmaspolíticos-sociológicos ao estudo da criminalidade,desfocando gradativamente asquestões da criminalidade (condutas criminaisisoladas) para os processos estatais,culturais e sociais de criminalizaçãode condutas e de grupos sociais.Embora sem necessariamente dispensara abordagem de aspectos causaisdo crime, privilegiou a abordagem de taisquestões num sentido macro, no sentidode desvendar as causas sócio-políticas daprópria criminalização. Nega, portanto, aidéia tradicional de que a criminalidadeseria uma doença social, uma anormalidadesocial, procurando demonstrar queo fenômeno da criminalidade é decorrêncialógica da vida humana em sociedade ereflexo efetivo de como as relações sociaise econômicas se configuram em cadasociedade organizada.A criminologia crítica parte, então,do pressuposto de que o sistema penal(legislação, instituições repressivas e punitivas,operadores do sistema) possuiuma atuação voltada para processos decontrole e dominação da sociedade, emnome de quem detiver o poder estatal eeconômico.Por conseqüência, a criminologiacrítica está centrada na idéia de que ocerne das questões criminais não está na____________________3 Gilberto de MACEDO, Criminologia, 2. ed., 1977, p. 10.4 J. Blackburn, apud Paul KEGAN, The Framework of Human Behavior, Londres, 1974, p. 05.130


conduta criminosa, mas sim no processoideológico de criminalização decondutas e de sujeitos. Ou seja, a sociedadepolítica cria mecanismos queselecionam condutas como crimes;tais crimes recebem diferentes gradaçõesde penas de acordo com suaimportância na manutenção do statusquo; o modo como o sistema penalatua na repressão e punição dessesdiversos crimes segue a mesma lógicade tal gradação de penas. Por outrolado, não há um criminoso nato,pois, devido ao imenso número decondutas formalmente criminalizadas,quase todos nós, mais cedo ou maistarde, cometeríamos algum crime; 5não obstante isso, a origem social doindivíduo condiciona a reação do sistemarepressivo e punitivo sobre ele,de modo que algumas pessoas, dependendode aspectos sócio-econômicos,seriam mais criminalizáveis do queoutras. Por decorrência, o sistemapenal é um reprodutor da lógica e aliadoda manutenção da realidade sócio-econômicasubjacente aos fenômenosda criminalidade.Dever-se-ia, por conseqüência, repensaro sistema penal como um todo,de maneira que ele sirva aos interessescoletivos, e de modo que a criminalidadeexistente seja abordada como uma questãodecorrente do próprio contexto deconvivência social, e não mais comouma doença. A criminalidade ganharia,assim, contornos de quebra da cidadania,em vez de desvio de uma normalidadeartificial.MINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENAL2.3. Políticas CriminaisUNIJUSDe cada linha criminológica emergemalgumas diretrizes para a criação,interpretação e aplicação de leis, e para opróprio funcionamento do sistema penal.Tais diretrizes podem ser identificadascomo diretrizes de política criminal.À criminologia tradicional estão ligadaspolíticas criminais punitivistas, quepregam apenamentos mais graves comosolução para o problema da criminalidade.Há de se observar que a adoçãode uma política criminal punitivista nãocontradiz a possibilidade de uma adoçãoparcial de políticas criminais de intervençãomínima: menos condutas criminalizadas,mas mais gravemente apenadas.Não obstante isso, hodiernamente o quese vê é uma disseminação irrestrita dacriminalização de condutas, de uma talordem que seria hoje muito improvávelque qualquer penalista atuante – seja nomeio universitário seja no meio forense– fosse <strong>capa</strong>z de indicar com algumaprecisão o número de crimes hoje previstosna legislação brasileira!Dentro da política criminal punitivista,então, pode-se destacar dois modosde pensar: um baseado na intervençãomáxima e outro baseado na intervençãomínima. Disso decorreriam:a) uma política criminal punitivistade intervenção máxima, que preconizaque se deve ter penas mais graves para amaior quantidade de crimes possível,como meio de o Estado controlar a sociedadee responder aos desvios de normalidadeque seriam os crimes;____________________5 Ocorre que dois fatores contribuem diretamente para que isso seja cotidianamente relevado: a maioria desses crimes seriam socialmenteirrelevantes (ex, furto de algumas maçãs de um pomar por jovens); algumas condutas são apenas formalmente consideradas crimes, havendo,ao menos no aspecto criminal, uma condescendência social para com elas (ex. adultério).131


UNIJUSMINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALb) uma política criminal punitivistade intervenção mínima, que preconizaque só devem ser mantidos como crimesos fatos mais danosos socialmente,que causem maior mal, de modo a evitaruma hipertrofia do sistema penal; porém,os fatos criminosos deverão ser apenadoso mais gravemente possível, pois asrespostas ‘duras’ teriam um melhor efeitono combate à criminalidade, no combateaos comportamentos desviados danormalidade social.Já à criminologia crítica estão ligadaspolíticas criminais minimalistas e abolicionistas.As primeiras estão baseadasna idéia de que se deve diminuir o espaçode intervenção penal do Estado nasociedade, e de que os apenamentos devemser repensados, evitando-se, quandopossível, as penas privativas de liberdade.Ou seja, primariamente dever-seiadiminuir a quantidade de hipóteses previstascomo crimes, resguardando-secomo tal apenas as mais graves, entendidascomo as que violentem de maneiradireta ou indireta, mas com efeitos significativosnos direitos humanos fundamentais.Para além disso, para as hipótesesrestantes como crimes, dever-se-ia, namedida do possível e adequado, evitar aspenas privativas de liberdade. Não seconfunde com o principio da intervençãomínima, ele vai além, faz restriçõesdas penas privativas de liberdade.Para o abolicionismo penal, tendo emvista que o sistema penal não passa deum meio de controle para as classes dominantesdo Estado, deve o direito penalser extinto, ao menos na forma como oconhecemos. O abolicionismo seria adestruição do sistema penal. É evidenteque o abolicionismo é uma linha radical,mas encontra sede no pensamento depensadores renomados, como, por exemplo,Louk Hulsman, que é um defensorradical da extinção do Direito Penal.O abolicionismo penal, não obstantea percuciência da maioria das críticas queseus defensores fazem ao sistema penal,beira o diletantismo teórico no que respeitaàs suas propostas, sobretudo porignorar o importante papel de amálgamadas relações sociais que o Direito Penalsimbolicamente exerce.O punitivismo aparece como posturaideológica mais tradicional, mas, num caminhoinverso ao do abolicionismo,maximiza as funções do Direito Penal,hipertrofiando o sistema repressivo e punitivo,e facilitando diversas distorções típicasde um sistema penal não direcionadopara uma atuação socialmente especificada.Já o minimalismo apresenta-se comoa solução mais racional dentro do quadrojurídico criminológico contemporâneo.Sua adoção possibilita o ‘enxugamento’da esfera penal, direcionando-apara condutas ofensivas aos direitos humanosfundamentais. Ou seja, por umlado, não se dispenderia esforçolegislativo, teórico-dogmático e práticooperacionalsobre assuntos que melhore suficientemente ficariam tratados emoutras esferas que não a penal. Por outrolado, resguardar-se-iam intervençõese punições penais sobre condutas que emoutras esferas não teriam suficiente respostajurídica, por sua gravidade no contextoda vida social.3SISTEMA PENAL E A IDÉIADE RESSOCIALIZAÇÃOA partir das linhas criminológicastradicional e crítica, emergem, como se132


viu, as políticas criminais. É no bojo delasque se dá uma das principais discussõesda esfera penal: qual a razão de serdas penas privativas de liberdade?Para que se possa responder a talquestionamento, é preciso ressaltar queas condutas humanas em sociedade sãovaloradas pelos seres humanos cotidianamente,uma a uma, na maior parte dasvezes sem que nem mesmo nos demosconta. A cada momento, em nosso pensamentoqualificamos as condutas comoboas ou más, úteis ou inúteis, adequadasou inadequadas.Assim igualmente se dá no processolegislativo: os legisladores qualificam ascondutas, valoram-nas, e a partir dissocriam normas cíveis, tributárias, penaisetc. Os legisladores igualmente selecioname fazem prevalecer apenamentos,de diversas gravidades, correspondendoa gravidade do apenamento à negatividadeda valoração legislativa da conduta.No cerne das tendências legislativasdos séculos XIX e XX, vigentes nesteinício de século XXI, esteve presente ummito teórico-ideológico: a idéia da prisãocomo meio ressocializador. Esta idéiafuncionou como um baluarte das políticascriminais punivistas. Mostrou-se,porém, por questões de sua essência epor questões instrumentais, um mitoideológico, como bem demonstram ascríticas minimalistas.3.1. A Ressocialização____________________6 Raúl CERVINI, Os processos de descriminalização, p. 32.MINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALUNIJUSNo século XVIII e XIX, operou-seuma gradativa mudança de foco nos tiposde apenamentos privilegiados pelolegislador: passou-se das penas corporais,de castigo, retributivas, às penas privativasde liberdade, de correção social doindivíduo. As teorias do Direito Penalpropugnavam uma abordagem asséptica dofenômeno criminoso, destinada a identificarisoladamente os aspectos causais daconduta criminal. A partir disso, aplicarse-iamapenamentos destinados a recuperarsocialmente o indivíduo, a trazê-lo ànormalidade, de onde estaria afastado porcausas biopsicológicas. Ademais, entendia-seque era preciso moldar o homem àsociedade, aos valores e hábitos sociais.Cervini, ao comentar tais idéias, assinalaque“com as expressões ‘reeducação’,‘reinserção social’ ou ‘ressocialização’,atribui-se à execução das penas e medidaspenais privativas de liberdadeuma mesma função primordial: a de corrigire educar o delinqüente.”. 6A idéia básica, em síntese, é de quea conduta delinqüente é uma condutadesviada da normalidade social, de formaque o sistema punitivo tem comofunção primordial ressocializar o indivíduo,trazê-lo à normalidade.3.2. O Mito da RessocializaçãoOcorre que a idéia de ressocializaçãopode ser criticada sob vários aspectos.Primeiramente, a palavra ressocializaçãoé ambígua - somente se ressocializaquem estava socializado; porém, o que é‘estar socializado’? Seria estar inseridonum meio cultural? Ou num meio econômicode produção? Ou num determinadogrupo social? Trata-se de uma palavrade sentido indeterminado, ou aomenos sem a determinação necessáriapara a ampla utilização que lhe é dada.133


UNIJUSMINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALDe outra parte, a explicação psicanalíticade punição contradiz a lógica daressocialização. Para a psicanálise, assanções segregacionistas são resultadodo fenômeno psíquico da construção de‘bodes expiatórios’, em que se utiliza ocriminoso como um elemento catalizadorde nossas culpas pessoais, descarregandoparte de nossas energias psíquicasnegativas.Na perspectiva marxista, por suavez, pode se dizer que a ressocializaçãoé normalização, adequação do indivíduoao modo de produção dominante e aomodo de vida social capitalista, destinadoà manutenção do status quo. Portanto,só se poderia pensar numa idéia legítimade normalização após se implementarum conjunto de transformaçõessociais que alterassem as relações capitalistasde produção e vida social.De qualquer maneira, deve-se conjugaras diversas críticas, de modo quea ressocialização só pode ser compreendidaa partir de um processo de interaçãoentre indivíduo e sociedade. Assim, se oindivíduo é fruto de uma conjunção dosfatores ambientais (sociais) com os fatorespsíquicos (individuais), a puniçãoressocializadora mitifica a sociedade, poisnão a avalia. Em outras palavras, faz-seuma avaliação negativa do indivíduo delinqüente,mas não se avalia conjuntamente,de maneira proporcional, o meioque produz a delinqüência.Por fim, qualquer sociedade (e maisainda aquelas que se predispõem a serdemocráticas e pluralistas) é constituídade um conjunto diversificado de ordensde valores, muitos dos quais dizem diretamenterespeito à vida social. A eleiçãoarbitrária de um modelo de sociedade aser seguido para o atendimento do objetivode ressocialização (já que esta significariaa volta à sociedade ‘normal’) implicauma ofensa à idéia de pluralidadede pensamentos (cuja existência não foisuprimida nem mesmo por regimes totalitários,tendencialmente aniquiladoresdas diferenças).Assim sendo, a idéia criminológicaclínica de tratamento ressocializador, deterapia ressocializadora, tem algo de totalitária,violando o direito humano fundamentalde ‘ser o que se quer ser’, coroláriológico da liberdade. O fato de que o indivíduotenha cometido uma violação dosdireitos de outrem não pode ser bastantepara que se lhe imponha um modo de vidasocial definido arbitrariamente.De outra parte, a internação carcerária,total ou parcial, prevista nas penasprivativas de liberdade, gera o fenômenoda ‘prisonização’ (Clemmer), acarretandono preso a inserção num modo devida que, longe de ser ressocializadorsegundo um suposto padrão de normalidadesocial, é consagrador da vida delinqüente.O meio prisional reproduz e multiplicaas condutas e os hábitos consideradosdelinqüentes. Isso porque a vidapor um continuado período no cárcerepressupõe que o indivíduo consiga formarlaços de convivência que lhe permitam‘existir’ dentro daquele universo devida. E tais laços são reprodutores dacultura comportamental delitiva.Por conseguinte, o preso carrega consigo,a partir do apenamento segregador,a ‘contaminação’ por outras condutas ecomportamentos criminais que não osseus, os efeitos da estigmatização social,o sofrimento causado à família. Issocomunmente neutraliza imediata oumediatamente qualquer efeito benéficoque porventura a prisão poderia ter.134


Não obstante todo esse contexto,não se deve menosprezar o papel sócioculturalque as penas, em especial as privativasde liberdade, desempenham navida humana. Através dela se impõe limitesà ação de cada um e de todos naconvivência social, garantindo uma respostasimbólica ao excesso ilegítimo 7 deliberdade.A idéia de apenamentos representaum importante papel simbólico na sociedade,pois garante ao Estado, mesmo quefragilmente, um papel social de ‘nomedo pai’, um limitador ao princípio do prazer,impondo aos sujeitos o limite da realidade.Assim, a demonstração de que o ‘tratamento’ressocializador é um mito ideológiconão se justifica concluir (comofaz o abolicionismo) que deve ser pura esimplesmente extinta a pena prisional. Ocaminho mais lógico passa por outra lógica:enxugar a esfera penal; priorizarapenamentos alternativos; redimensionare redirecionar profundamente o sistemapunitivo de privação da liberdade. 84PAUTAS DE DESCRIMINALIZAÇÃOA postura minimalista, aqui adotada,propugna a construção de novos paradigmaspara o Direito Penal. Tal construçãose daria como um processo dialético,portanto, ilimitável temporalmente,em constante renovação. Partiria, porém,MINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALUNIJUSde um conjunto de diretrizes que podemser chamadas, na linha de Cervini, 9 de‘pautas de descriminalização’.À primeira diretriz, de caráter gerale envolvendo as três seguintes, chamasedesinstitucionalização. Trata-se daidéia reformadora que tende a desinstitucionalizaras respostas punitivas (o queresultaria ter a menor quantidade de presospossível), a institucionalizá-las somenteem casos extremos. Consistiria emretirar dos órgãos oficiais, sempre quepossível, a competência para a soluçãodos conflitos de caráter penal.À segunda diretriz chama-se descriminalização.10 Descriminalização significatirar o caráter de ilícito penal de umacerta situação de vida. Um fato abstratamenteconsiderado deixaria de ser tratadocomo crime.Pode-se falar em descriminalizaçãoformal, que sinaliza o desejo de outorgarum total reconhecimento legal e socialao comportamento descriminalizado.Não há punição nenhuma para a conduta,ou seja, é retirada de qualquer puniçãoestatal a conduta, deixando de serpunida em qualquer esfera jurídica.Há, ainda, a descriminalização substitutiva,em que as penas são substituídaspor sanções de outra natureza, como,por exemplo, a transformação ou restriçãode delitos de pouca importância emilícitos administrativos ou fiscais punidoscom multas ou outras medidas decaráter disciplinar. É aquela em que se____________________7 Entende-se como ilegítimo o excesso de liberdade que represente intervenção não autorizada da ação de um indivíduo sobre os direitos de outrem,lesionando-os ou causando-lhes um perigo de lesão.8 Evidentemente, tais idéias suscitam uma gama considerável de reflexões, não sendo este, no entanto, o objeto deste artigo.9 Raúl CERVINI, Os processos de descriminalização.10 Não há consenso quanto ao uso das palavras ‘descriminalizar’ ou ‘descriminar’. Trabalhando-se a partir dos antônimos, tem-se que descriminaré o contrário de incriminar, que significa imputar um crime a alguém. Assim, descriminar significaria absolver, tirar a culpa, inocentar, absolverda imputação do crime. Descriminalizar, por sua vez, seria o contrário de criminalizar, de tornar criminal. Por decorrência, opta-se, aqui, pelapalavra descriminalizar.135


UNIJUSMINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALpode retirar a conduta da esfera criminal,mas é mantida em outra esfera, ondeas medidas teriam outro caráter.Por fim, pode-se falar na descriminalizaçãode fato. Ela ocorre quando fato nãoé tratado como crime em termos práticos.A conduta não é retirada da esfera penal,mas de fato já há uma ineficácia total danorma, embora ela exista e seja formalmenteválida. O conceito de descriminalizaçãode fato sobrepõe-se em grande parteaos conceitos de diversificação.À terceira diretriz chama-se despenalização.Trata-se do ato de diminuir apena de um delito sem descriminalizá-lo,quer dizer, sem tirar do fato o caráter doilícito penal. Inclui todas as possíveisformas de atenuação e alternativas penais:prisão de fim de semana, prestaçãode serviços de utilidade pública, multareparatória, indenização à vítima, sistemade controle de condutas em liberdade,prisão domiciliar e outros.Por fim, à quarta diretriz chama-sediversificação. O conceito de diversificaçãosignifica a suspensão dos procedimentoscriminais em casos em que osistema de justiça penal mantém formalmentesua competência. A diversificaçãoatribui aos órgãos ou entidades nãopunitivas a solução do conflito, sem retiraro caráter ilícito do fato. Saliente-seque se trata de uma medida intermediáriaentre a descriminalização substitutivae a descriminalização formal.Criam-se medidas diferentes de penas,criam-se possibilidades, amplas alternativaspenais para serem aplicadas.As medidas de diversificação buscamconstruir uma solução dentro da esferapenal, de maneira alternativa frente àspenas privativas da liberdade. Além disso,a diversificação busca estabelecer umdiálogo entre o autor do delito e a vítima,ou entre o autor do delito e o Estado. Temse,na legislação brasileira, várias hipótesesdiversificadoras na Lei 9.099/95.O repensar o sistema penal passariapela aplicação - por advogados, juízes,promotores, professores, escritores atuantesno Direito Penal - de tais diretrizescomo referências para sua reflexão e atuação.Sempre, porém, atendendo-se a critériosmais específicos, a diretrizes específicas,que podem ter imediata aplicaçãotécnica no Direito Penal, direcionando ainterpretação e aplicação normativa, econdicionando a criação de novas leis -os princípios jurídico-penais minimalistas.5PRINCÍPIOS JURÍDICO-PENAISMINIMALISTASA teoria geral do Direito se encarregouao longo do século XX de demonstrara importância que os princípios possuempara a determinação de conteúdodo Direito como um todo, e de cada áreado Direito em específico. Tal determinaçãoatravés dos princípios ganha corposobretudo na interpretação de normasestatais e na aplicação de tais normas interpretadasa casos concretos.Assim o é no Direito Penal. Há umconjunto de princípios que servem comodiretrizes interpretativas e aplicativas dasdiversas normas penais (incriminadorase não incriminadoras). E, dentre eles, algunstêm uma conotação muito especial:apontam o caminho do minimalismo,entendido que este caminho deve ser seguidopelo Direito Penal contemporâneo.Seriam os princípios da intervenção mínima,da insignificância, da adequaçãosocial e do in dubio pro reu.136


5.1. Princípio da Intervenção Mínimae FragmentariedadeSignifica que o Direito Penal deveintervir apenas quando absolutamenteindispensável nos conflitos interindividuais,de um agente em relação a outro.Ou seja, a intervenção do Direito Penalnos conflitos sociais deve ser mínima.Além disso, caracteriza-se por ser residuale fragmentária. A esfera penal interviria,em tese, quando não bastasse aatuação de outra área jurídica sobre a potencialviolação de direitos regulada. E,de forma complementar, não haveria nenhumtipo de conduta que fosse objetojurídico penal por excelência - todos osconteúdos das regulações penais são derivadosde outras áreas do Direito, sãoresíduos de regulações insuficientes. Pordecorrência, o conteúdo do Direito Penalé fragmentária, já que engloba os maisvariados temas da vida social.Ou seja, por decorrência, o DireitoPenal só deve abranger um certo conteúdoquando absolutamente não for possívelresolver a questão dentro de umaoutra esfera jurídica que não a penal (intervençãomínima).Enfim, ressalta-se o fato de que nãohá um conteúdo insitamente penal: o crimetrata-se sempre de uma opção políticae cultural de quem detém o poder estatal,em face de um conjunto de circunstânciashistórico-sociais.5.2. Princípio da InsignificânciaQuando se fala no Direito como umtodo, fala-se de bens jurídicos tutelados,MINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALUNIJUSou seja, cada norma reguladora vai terum bem jurídico no seu âmago, na suaessência - há algo que está sendo garantidopor aquela norma. Na esfera penalsó estariam inseridas condutas cuja proteçãopenal seria indispensável para garantiraqueles direitos insertos direta ouindiretamente nas normas, devido à proeminênciados bens jurídicos que trazemno seu âmago. Por exemplo: o direito àvida é tutelado pelo artigo 121 do CP,destacando-se no mundo jurídico porcondicionar simultaneamente o exercíciode qualquer outro direito individual..O bem jurídico é o interesse atingívelpor aquela conduta abstratamenteprevista e o sujeito passivo é a vítima.Na esfera penal presume-se que os bensjurídicos são destacados, mais relevantes,e por isto merecem uma proteçãopenal especial que pode até mesmo atingira liberdade dos indivíduos. A partirdisto é que vai surgir o princípio da insignificânciapenal, o qual tem caráterideológico. Este princípio vai nos dizerque por mais que a conduta formalmenteesteja enquadrada no modelo incriminador,se por acaso esta conduta não viera efetivamente causar um dano a bemjurídico relevante, não deverá ser consideradacrime. 11Assim, sempre que a conduta do indivíduogerar um dano absolutamenteirrelevante, insignificante, ao bem jurídicoprotegido pela norma incriminadora,será possível avaliar-se a exclusãoda tipicidade material, de maneiraque, diante de tal situação, o fato podese tornar atípico - não haveria crime. Ou____________________11 Há interessante discussão sobre se a aplicação de tal princípio afastaria diretamente a tipicidade do fato ou se afastaria a ilicitude, como causaextra-legal de exclusão, ou, ainda, se seria caso de aticipidade ‘conglobante’. Não é objetivo deste artigo, porém, tal discussão. Sobre o assunto,remeto a leitura de meu artigo O conceito de crime e a aplicação do princípio da insignificância, na edição inaugural dos Cadernos JurídicosConteporâneos, do IJCon.137


UNIJUSMINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALseja, este princípio é uma espécie de princípionegativo. Afastaria da esfera penaluma conduta irrelevante, insignificante,sem importância para o mundo jurídicolegal.5.3. Princípio da Adequação SocialTal qual os princípios da insignificânciae da intervenção mínima, esteprincípio da adequação social dependeda postura ideológica de quem interpretao Direito Penal. Isto porque se ojuiz adota uma postura minimalista vaiadotar os três princípios. Se adotar umapostura criminológica punitiva vai naturalmenterefutar, rechaçar estes trêsprincípios, porque importam numa reduçãodas condições penais incriminadoras.A idéia da adequação social indicaque, se por acaso a conduta que estátipificada como crime já conta com umacondescendência social, o juiz deve deixarde considerá-la tipicamente. Poderse-iadistinguir, em termos sociais, entreum risco inadmissível a bens jurídicos eum risco aceitável; e, a partir disso, poder-se-iafalar em danos inadmissíveis edanos aceitáveis.Exemplifique-se: em uma partida defutebol, é aceitável que em uma disputapela posse da bola um jogador, aocometer uma falta, possa até mesmoquebrar a perna do outro em função dadisputa. Mas, se fora da disputa pelabola, um jogador inadvertidamente socaro seu adversário, causando-lhe, porexemplo, a perda de dentes, sua condutaserá inaceitável, e passível de puniçãopenal (a depender, nos termos doartigo 88 da Lei 9.099/95, de representaçãodo ofendido).5.4 - Princípio do In Dubio Pro ReuTal princípio tanto tem caráter penalcomo processual penal, e por isto é umprincípio com características peculiares.No seu aspecto penal este princípio nosindica a seguinte idéia: se há dúvida quantoà extensão, a interpretação de umanorma incriminadora ou não incriminadora,deve-se interpretar de forma a beneficiaro acusado. A face processualdeste princípio indica sobretudo que seas provas do processo deixarem dúvidassobre a culpa do acusado, a decisãodo juiz deve ser aquela que mais favorecero acusado. Uma ótica é sobretudo adúvida na interpretação, enquanto a outraótica reside na dúvida probatória.É de se ressaltar que o Direito ProcessualPenal está, de maneira muitomarcada, no caminho do Estado, do seudireito de punir, e é um instrumento potencialdo indivíduo, na busca de garantiro seu direito de liberdade. Neste sentido,o Direito Penal sem o Direito ProcessualPenal é inexecutável, sendo esteúltimo um instrumento necessário paraexecução (punitiva ou não punitiva) dasregras do Direito Penal.É dentro desse contexto que se insereo princípio do in dubio pro reu:maximiza a idéia contemporânea de quea restrição da liberdade de alguém peloEstado deve se dar dentro da mais amplacerteza possível sobre os fatos e dentroda mais objetiva transparência possívelquanto às normas.6CONSIDERAÇÕES FINAISViu-se, ao longo das páginas anteriores,que na íntima ligação entre o Direi-138


to Penal e a Criminologia, esta se divideem duas vertentes: criminologia tradicionale criminologia crítica. Da primeira decorrea linha de política criminal punitiva;da segunda decorrem as linhas de políticacriminal minimalista e abolicionista.Ressaltou-se, também, que o DireitoPenal do século XX e, ainda, o vigenteneste início de século XXI baseiam-se nalógica de penas privativas de liberdade (políticacriminal punitivista), com pretensosobjetivos de ressocialização - embora cadavez mais se conceda espaços ao minimalismopenal. Tal idéia de ressocialização,porém, demonstrou-se ser um mito ideológico,pois seus objetivos são inatingíveis,quando não contraditórios com aspróprias penas privativas de liberdadecomo são ainda hoje concebidas.Partindo das críticas ao punitivismoe à ressocialização, apontou-se o minimalismocomo a política criminal mais adequadaa responder às demandas do sistemarepressivo e punitivo criminal. Ominimalismo estruturar-se-ia sobre trêsdiretrizes de reflexão e atuação: a descriminalização,a despenalização e a diversificação.De tais diretrizes – gerais e teóricas– decorreriam quatro princípios jurídico-penais,de aplicação específica emcasos concretos: os princípios da intervençãomínima, da insignificância, daadequação social e do in dubio pro reu.Tais princípios destacam-se por seu conteúdoestar relacionado à ‘cultura’ jurídicaminimalista, que privilegia no DireitoPenal a garantia dos direitos humanosfundamentais. São, pois, diretrizes específicaspara a interpretação, aplicaçãoe criação das normas penais, de maneiratal que o Direito Penal seja repensadoteórica e praticamente.MINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALUNIJUSA adoção do minimalismo, e a prioridadedos princípios jurídico-penaisminimalistas, significam uma diminuiçãoda abrangência da esfera penal, o queestá longe de ser algo criticável. A esferapenal tem sido usada ao longo dosanos como espaço fácil para demagogiaspunitivistas, e como válvula de escapepara a ineficiência estatal na soluçãodos problemas e conflitos sociais, econômicose culturais.Ora, o minimalismo propugna que aredução de abrangência da esfera penalnão se dê de maneira aleatória, mas simresguardando o sistema repressivo e punitivopara o combate de condutas queofendam direitos humanos fundamentaisde maneira relevante. Isso possibilita umincremento de efetividade do sistemapenal sob dois aspectos prioritários: umaredução da quantidade de hipóteses previstascomo crimes possibilita uma maiororganização, concentração de esforçose fiscalização nas atividades repressivase punitivas que significam respostasestatais à criminalidade, o que diminuiriaa sensação de omissão do Estadoe impunidade de infratores. Sob outroaspecto, possibilita a racionalização dasatividades punitivas, o que potencializaque seja reestruturado o sistema de penas,de maneira que a privação da liberdadeseja uma última hipótese, e, mesmoquando adotada, não tenha o caráterde inutilidade que hoje possui.É bem verdade que intervenção mínima,insignificância, adequação sociale in dubio pro reu são princípios quenão são expressos em lei. Diante disto,violariam o princípio da legalidade, gerandoum prejuízo a uma das mais importantesgarantias do cidadão frente aoEstado?139


UNIJUSMINIMALISMO E PRINCIPIOLOGIA PENALDefinitivamente, não. Nenhumaabordagem do princípio da legalidade,previsto no artigo 5º da Constituição, podeser feita de maneira descontextualizada.Sendo assim, não se pode, para a esferapenal, apartar o princípio da legalidade eo princípio da liberdade individual. Àmedida que a aplicação de tais princípiosbeneficiam, em tese, os acusados, estarãosendo aplicados em nome da liberdadedestes, havendo, portanto uma racionalponderação de princípios constitucionais.Por conseqüência, acredita-se que osrumos do Direito Penal contemporâneoinexoravelmente estão ligados ao minimalismopenal. Evidentemente, a históriaé construída dialeticamente, de maneiraque a adoção de parâmetrosminimalistas é algo que deverá, ainda,ter muitas ‘idas e vindas’. Porém, caminha-separa a necessária racionalizaçãodo sistema penal. E os princípiosjurídico-penais minimalistas são hoje fortesinstrumentos daqueles que atuamnesta direção.referências bibliográficasARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de (org.). Sistema penal para o terceiro milênio. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991.BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal parte geral. v. 1. 6. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2.000.CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do Direito Penal.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992.CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. 2. ed. São Paulo: RT, 1994.COELHO, Edihermes Marques. O conceito do crime e o princípio da insignificância. In:Cadernos dos Estudos Jurídicos Contemporâneos. N.º 1. Uberlândia: IICon, 2001.COPETTI, André. Direito Penal e estado democrático de direito. Porto Alegre: Livrariado Advogado, 2.000.FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 17. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.KEGAN, Paul. The Framework of Human Behavior. Londres: [s.n.], 1974.MACEDO, Gilberto de. Criminologia, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977.PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2.000.PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 1983.ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penalbrasileiro parte geral. São Paulo: RT, 1997.140


MINISTÉRIO PÚBLICOCarlos Alberto Rodrigues Borges*sumário1. Histórico do Ministério Público2. Primórdios do Ministério Público Brasileiroe as Constituiçõesresumo3. O Ministério Público na atual Constituição4. Conclusão5. Referências bibliográficasO Ministério Público é, nos termos da Carta Magna de 1988, essencial à Justiça. Contudo,em que pese a essencialidade de suas atribuições, esta importante instituição continua a seruma incógnita para grande parte da sociedade. Esse artigo pretende ser uma contribuição nosentido de favorecer o acesso ao conhecimento de sua estrutura.1HISTÓRICO DO MINISTÉRIOPÚBLICOAntes de nos posicionarmos a respeitodo Ministério Público Brasileiro, énecessária uma breve abordagem do seusurgimento como instituição. Regressemosum pouco no tempo, para compreendermosum pouco da sua evolução.O Ministério Público, na sua origemnão encontra guarita pacífica na história,não havendo possibilidade de precisaronde tenha surgido, quando, nemcomo. Mas, nem tudo são trevas a respeito,pois como esclarece Hugo NigroMazzili, “há 4.000 anos no Egito, haviauma classe de agentes públicos cujosdeveres consistiam em serem os olhos ea língua do Rei; a eles competiam castigaros rebeldes, reprimir os violentos eproteger os cidadãos pacíficos; acolheros pedidos do homem justo e verdadeiro,perseguindo o malvado e mentiroso,eram como marido para as viúvas e paispara os órfãos; faziam ouvir as palavrasda acusação, indicando as disposiçõeslegais aplicáveis em cada caso além delhes competir tomar parte nas instruçõespara descobrimento da verdade”. MAZ-ZILI (1992 p.)No seu Curso de Processo Penal,Tornaghi afirma que a França foi o primeiropaís a registrar de forma segura osurgimento de um órgão com característicassemelhantes às do atual MinistérioPúblico, foi durante o reinado de LuísIX, que em 1269 extinguiu o tribunal dossenhores feudais. A consolidação domonopólio da distribuição de justiça veioem 1303, com a Ordonnance (Ordenação)primeiro documento a prever a instituiçãodo Ministério Público. Naquelemomento, a instituição fazia-se representarpelos procureurs du roi (Procuradoresdo Rei), cuja função era defender osinteresses do Estado, que eram confundidoscom os interesses da Coroa. Oprincipal papel dos procuradores do reiera o de enfraquecer o poder dos senho-____________________* Carlos Alberto Rodrigues Borges é aluno do 4.º período do Curso de Direito da Universidade de Uberaba141


UNIJUSMINISTÉRIO PÚBLICOres feudais. Os procuradores do rei exerciam,também, o papel de acusador criminal.Também existiam os Avocats duroi (advogados do rei), responsáveis pelasações cíveis, unidos pela defesa dosinteresses da coroa.Com a vitória da Revolução Francesa,em 1789, a burguesia assumiu o podere promoveu uma reforma políticacom caráter descentralizador. O MinistérioPúblico foi definido como agentedo Poder Executivo perante os tribunais,com independência frente aos PoderesLegislativos e Judiciário. Assim, o MinistérioPúblico, tal qual o conhecemosaté a Constituição de 1988, surge na França,no século XVIII, com o advento daseparação dos três poderes. Seu surgimento,enquanto instituição, aparececomo uma reação da burguesia à concentraçãodos poderes do monarca. Talmodelo foi adotado por toda a Europa epelas Américas, tornando-se em seguidauma instituição mundial.Em Portugal, a consolidação e a centralizaçãodo monopólio da justiça deusepelas Ordenações Afonsinas (1456),Manuelinas (1521) e Filipinas (1603).Nessa última, foi prevista a figura dopromotor de justiça, nomeada pelo Rei,cuja função era fiscalizar o cumprimentoda lei e formular a acusação criminal.Vale a pena lembrar que o nascimentoda Estado Absoluto acontece com adissolução da sociedade medieval. Pluralistapor natureza, a experiência históricada sociedade medieval revela, emtermos de Ordenações Jurídicas, umamultiplicidade de fontes produtoras dodireito e uma diversidade de estamentosnormativos. Daí que, para atravessar aestreita ponte que liga os dois períodoshistóricos, Idade Média e Idade Moderna,urgia se unificassem os ordenamentosjurídicos e todas as suas fontes produtoras.2PRIMÓRDIOS DO MINISTÉRIOPÚBLICO BRASILEIROE AS CONSTITUIÇÕESConsiderando-se a estrutura colonialportuguesa e os óbices levantados pelasdeficiências socio-culturais da terra,não deve causar espécie a notícia de quea primeira experiência brasileira de MinistérioPúblico se deu com a Relaçãodo Brasil, sediada na Bahia. Criado, emboraem 1587, esse Tribunal logrou funcionamentoapenas em 1609 por forçado Alvará de Felipe II de Portugal - FelipeIII da Espanha - , datado de 07 demarço; mais de um século, portanto apóso Descobrimento.A Relação da Bahia, como é igualmentechamada, tinha na sua composiçãoinicial dez desembargadores, um dosquais exercia as funções de promotor dejustiça. Esse arcabouço institucionalguardava em tudo adequação com a estruturajudiciária da Corte. Via de conseqüência,é possível dizer que o MinistérioPúblico Brasileiro era o mesmo existenteem Portugal, tanto em sua natureza,como em sua posição frente aosgovernantes.As raízes do Ministério Público brasileiroestão no direito lusitano, que passoupor um processo semelhante ao francêsna luta da Coroa pelo monopólio dajustiça, vigente no país durante todo operíodo Colonial e Imperial.No Brasil, a figura do Promotor deJustiça só surge em 1609, quando é regulamentadoo Tribunal de Relação da142


Bahia. No Império a instituição era tratadano Código de Processo Criminal, semnenhuma referência constitucional. Somentena Constituição de 1824, era criadoo Supremo Tribunal de Justiça e osTribunais de Relação, nomeando-se osrespectivos Desembargadores, Procuradoresda Coroa, reconhecidos como chefedo Parquet. A expressão MinistérioPúblico só é utilizada pela primeira vez,no decreto 5.618, de 2 de maio de 1874.Com a Constituição de 1891, tambémpela primeira vez, o Ministério Públicomereceu referência no TextoFundamental. Entretanto, não lhe foi reconhecidacondição de órgão autônomoe aquela, mesmo sendo constitucional,era uma referência deveras lacônica.Assim dispunha o parágrafo 2º doartigo 58: “ O Presidente da Repúblicadesignará, dentre os membros do SupremoTribunal Federal, o Procurador Geralda República, cujas atribuições sedefinirão em lei”.Depois, veio a Constituição Federalde 16 de julho de 1934, cujos artigos 95a 98, tratavam de forma mais definida aprópria razão de ser do Ministério Público,além de delinear de forma, ainda quegenérica, suas competências funcionais.Ao Procurador Geral da República, nostermos do parágrafo 1º do artigo 95, foramatribuídas as seguintes atribuições eprerrogativas: “O chefe do MinistérioPúblico Federal nos juízos comuns é oProcurador Geral e República, de nomeaçãodo Presidente da República,com aprovação do Senado Federal, dentrecidadãos com os requisitos estabelecidospara os Ministros da Corte Suprema.Terá os mesmos vencimentos dessesMinistros, sendo, porém, remissível danutum.”MINISTÉRIO PÚBLICOUNIJUSMas a Constituição de 1937 extirpouo Parquet do ordenamento constitucionale do próprio cenário político. Ocupou-sepor sua vez, a Constituição de1946 de voltar a inseri-lo. Em 1967, oMinistério Público passou a integrar oPoder Judiciário e pela Emenda Constitucionaln. º 01 de 1969, o Poder Executivo.Deste modo, pode ser dito que areal importância da Instituição só recentemente,pela Constituição Federal de1988, foi realmente reconhecida. O MinistérioPúblico passou a ocupar posiçãoautônoma frente aos três Poderesestatais e no exercício pleno de suas atribuiçõespôde passar a exercer com independênciafuncional e administrativatodas as atribuições que lhe são afetadas,destinadas, no contexto nacional, àdefesa sem reservas, dos interesses sociaise individuais indisponíveis e à tutelados interesses transindividuais, coletivose difusos.3O MINISTÉRIO PÚBLICONA ATUAL CONSTITUIÇÃOO Ministério Público adquiriu umanova configuração a partir de 1988 quandofoi colocado na Constituição comoinstituição permanente, essencial à funçãojurisdicional do Estado, incumbindo-lhea defesa da ordem jurídica, doregime democrático e dos interesses sociaise individuais indisponíveis (arts.127, 128 e 129 da Constituição Federal/88 e Lei Complementar 75/93). Por outrolado, o contexto político da redemocratização,as aspirações das classesmédias e populares, e especialmente dolegislador constitucional, alçaram o MinistérioPúblico a uma categoria forte de143


UNIJUSMINISTÉRIO PÚBLICOoperadores do direito. Com o passar dosanos, o Ministério Público incorporousua nova faceta e desde de então passoua incomodar as classes dominantes. Nãoé por acaso que hoje, com o processode reforma constitucional, pretende-secortar algumas atribuições conferidas aoMinistério Público pela Constituição de1988. E que, no atual contexto, a instituiçãoforte que era necessária para secontrapor aos interesses dominantes passoua incorporar lutas que incomodamas próprias classes dominantes.O Ministério Público brasileiro, conquantoesteja alocado na estrutura do poderexecutivo possui autonomia funcionale administrativa, podendo praticar atospróprios de gestão (inciso 4º do artigo 22,LC n. º 75/93, e obedecidos os limitesfixados no artigo 129 da CF/1988).Deve zelar pelo efetivo respeito dospoderes Públicos e dos serviços de relevânciapública aos direitos da sociedadeassegurados na Constituição. Por isso,os membros do Ministério Público nãosão considerados meros funcionáriospúblicos, são agentes políticos investidosde atribuições constitucionais e responsáveispelo exercício de funções maisaltas e complexas, cuja atuação e decisõesexigem independência funcional.Para tanto são garantidas pela Constituiçãoa vitaliciedade, independência e autonomiafuncional. Não pode o promotorperder o cargo senão por sentençajudicial definitiva, não se admitindo aperda do cargo por decisão meramenteadministrativa. Também é garantida ainamovibilidade que visa garantir o exercíciofuncional e não apenas a garantiado membro do Ministério Público, porisso, é impossível a remoção compulsóriado promotor, salvo por motivo público,mediante decisão do colégio de procuradores(art. 12, III lei 8.625/93). Taisgarantias conferiram força ao MinistérioPúblico para poder agir livremente, semprede acordo com a Constituição e asleis do País.A Constituição estabelece que o MinistérioPúblico tem as seguintes funçõesinstitucionais, dentre outras:I - promover privativamente a açãopenal pública, na forma da lei;;II - zelar pelo efetivo respeito dospoderes públicos e dos serviços de relevânciapública aos direitos asseguradosna constituição, promovendo as medidasnecessárias à sua garantia;III - promover inquérito civil e aação civil pública, para a proteção dopatrimônio público e social, do meioambiente e dois outros direitos difusos ecoletivos.IV - defender juridicamente os direitose interesses das populações indígenas;V - exercer o controle externo daatividade policial; além de outras funçõesque lhe foram conferidas, desde que compatíveiscom sua finalidade.De acordo com a Constituição, oMinistério Público representa uma entidadepública responsável pela defesa dosdireitos humanos e interesses coletivosda sociedade junto ao Estado.A ação penal pública, função privativado Ministério Público, tem sido promovidae constitui instrumento poderosopara que se busque soluções justaspara a repressão aos violadores dos direitoshumanos. Infelizmente, nesse sentidoo Ministério Público deixa muito adesejar no que se refere às leis especiais.Os dispositivos previstos no Estatuto da144


MINISTÉRIO PÚBLICOUNIJUSCriança e do Adolescente, bem comoaqueles que protegem o consumidor sãobem aplicados. Falta, no entanto, conhecimento,empenho e vontade do MinistérioPúblico para a devida aplicação dasleis que beneficiam os deficientes físicos(Lei 7.853/89), contra a discriminaçãoracial (Lei 1.390/51, Lei 7.716/89)crimes resultantes de atos discriminatóriosou de preconceito de raça, religião,etnia ou de procedência nacional, praticadospor meios de comunicação demassa (Lei 8.081/90).Mas é importante fazermos tambémuma ressalva, pois os dispositivos legaisque tratam de incriminar condutas preconceituosassão de difícil aplicação porque trazem em seu conteúdo algumasexpressões que limitam sua aplicação eque acabam por se tornar lei inócua. Alei penal que trata de proteger os deficientesfísicos coloca como conduta criminosaos atos de recusar, suspender,procrastinar, cancelar ou fazer cessar,sem justa causa, a inscrição de alunosem estabelecimentos de ensino, por motivosderivados de deficiência física oumental. A prova desses crimes é tambémde difícil consecução. Como provara procrastinação de uma inscrição de alunosem um estabelecimento de ensino?Como provar que esta procrastinação sedeu em decorrência de preconceito advindoda deficiência física do aluno?Muitas de nossas leis são puramenteformais, senão hipócritas. Racismo, nadelegacia de polícia, é tratado como injúria.Tortura é tratada como crime delesões corporais ou abuso de autoridade.Com a tipificação de crime de torturaesperamos poder dispor de meio maiseficiente para tratar do assunto e punireficazmente, inclusive, os agentes públicosque violam criminosamente os direitoshumanos, através da utilização demeios violentos para obtenção de provase confissões, senão para a obtençãode vantagens privadas ilegais.O zelo pelo efetivo respeito aos serviçosrelevantes assegurados pela Constituiçãotambém constitui arma poderosanas mãos do Ministério Público. Nessesentido, o Ministério Público tem legitimidadepara ingressar com ações deinvestigação de paternidade, pode efetivamentegarantir o ingresso de alunosem escolas, enfim, possui legitimidadepara promover inúmeras ações que podemgarantir o respeito aos direitos básicosda sociedade.O controle externo da atividade policialé uma área que também merece doMinistério Público uma atenção especial.Trata-se de uma função institucionalainda não aproveitada completamente,mas que já apresenta resultados visíveis,quando o Ministério Público entra emação, fiscalizando as atividades policiaise inibindo os abusos e arbitrariedadespoliciais.A polícia, instrumento de manutençãode poder durante a ditadura militarcometeu diversos abusos e violações dosDireitos Fundamentais. Inicialmente vigoravaa ideologia de Segurança Nacionalque, com a redemocratização política,perdeu o sentido. Porém, a tecnologiada tortura que deveria ter desaparecidocom a ideologia da segurança nacionale as práticas arbitrárias dos órgãosde repressão perpetuados durante a ditaduramilitar, continuam presentes na sociedadebrasileira e os abusos nos órgãosde segurança pública continuarama ocorrer. O Ministério Público incomodaos que recalcitram em desrespeitar o145


UNIJUSMINISTÉRIO PÚBLICOEstado Democrático de Direto (Art. 1ºda CF/88).A tortura constituiu o maior desafioa ser vencido pelo Ministério Público.Novas tecnologias foram sendo implantadas,de modo a fazer com que a torturaseja praticada de modo a não deixarvestígios. Na linguagem policial trata-sede “método científico”, expediente utilizadopara obtenção de confissões mediantecoação moral, e mesmo com a utilizaçãode mecanismos de violência físicaque não deixam vestígios. Tal “tecnologia”da barbárie invisível acaba mascarandoas torturas em qualquer examemédico legal e termina por impedir queas autoridades tomem conhecimentosdos fatos. A tortura teima em sobreviverno ambiente democrático instituídopela ordem constitucional vigente.Durante o regime militar, a torturaera aplicada para conter a “subversão” eos inimigos do regime militar, tendo umcaráter eminentemente político. O finalda ditadura trouxe a impressão de quecom ela estaria encerrado o ciclo da torturae das perseguições; ledo engano. Emverdade, o regime militar acabou, mas aprática de tais atrocidades migrou para oaparato repressivo do Estado, especialmentepara os órgãos encarregados dasegurança pública. O levantamento de taisfatos é difícil e requer coragem e paciênciados investigadores. Os métodosmodernos empregados para os maus tratossão insidiosos. Raramente estas atrocidadesdeixam vestígios aparentes. Devidoa prática de diversos maus tratos,com emprego de energias mecânicas (lesõescorporais), bioquímicas (inanição)ou biodinâmicas (choque), a determinaçãomédico legal da tortura deve levarem conta um conjunto generalizado desintomas. Devemos também nos lembrarque por quaisquer meios, sempre a vítimaapresenta um violento comprometimentoda emotividade, reagindo ante aoterror, medo, revolta ou submissão. Qualquer“verdade” pode ser arrancada deuma pessoa nessas condições. Em suaquase totalidade as vítimas da tortura sãopessoas pobres e desinformadas sobreseus direitos fundamentais.Constatar e provar tais torturas seconstitui em tarefa difícil, tendo em vistaque nem sempre é possível levar a vítimaao perito para que realize o examede corpo de delito a tempo de não terdesaparecido ainda os sinais corporais.Por outro lado, há de se observar que osmédicos que realizam tais perícias, nacondição de funcionários da Secretariade Segurança Pública, atendendo a práticascorporativas ou mesmo temendorepresália por parte dos membros dapolícia, deixam de fazer com devida cautelaos exames e os laudos de tortura.Além das aflições físicas e morais, atortura acaba por trazer também prejuízosjurídicos às vitimas que acabam confessandocrimes que não praticaram, tornandoassim mais difícil a sua defesaperante o Poder Judiciário. Inúmeras sãoas acusações que pesam sobre as autoridadesbrasileiras que governaram o paísdurante o regime militar após o golpe de1964, dentre essas acusações sobressaemaquelas que apontam as referidasautoridades como coniventes e até comofontes de autorização para prática de torturacontra os presos políticos.Urge divulgar todos esses fatos àsociedade, a fim de que sejam pressionadosos órgãos governamentais encarregadosda segurança pública em todo opaís, no sentido de que sejam tomadas146


MINISTÉRIO PÚBLICOUNIJUSas medidas jurídicas e institucionais cabíveis.O Ministério Público, fiscal da lei,controlador externo das atividades policiais,por força constitucional, necessitade aparelhamento para poder exercer oseu mister. Para isso, deve ser regulamentadodetalhadamente o inciso VII doartigo 129 da Constituição Federal e dosgovernantes dos Estados espera-se maioratenção e recursos a fim de que a práticada tortura seja banida das dependênciaspoliciais.Outro instrumento poderoso e quevem sendo utilizado com freqüência é oinquérito civil público e a ação civil pública.Tratam-se de mecanismos processuaisque visam a garantia dos direitosdifusos e coletivos. Destinados à proteçãodo patrimônio público e social, domeio ambiente e dos outros direitos difusose coletivos, tais instrumentos jurídicosestão sendo utilizados para a defesadas pessoas portadoras de deficiênciafísica, crianças e adolescentes, naslutas pelo direito a um meio ambienteequilibrado, dentre outros.A defesa das nações indígenas tambémconstitui importante atribuição doMinistério Público. Defender juridicamenteos direitos e interesses das populaçõesindígenas constitui um conceitoamplo que visa a proteção da organizaçãosocial, dos costumes, das línguas,das crenças, das tradições e dos direitosoriginários sobre suas terras. Tal proteçãorecai sobre o Ministério Público daUnião através das Procuradorias da República.Vivemos uma situação peculiar emnosso país. Temos algumas leis avançadíssimas.Somente para exemplificar,possuímos um Estatuto da Criança e doAdolescente moderno mas que, na prática,vem se mostrando ineficaz. Possuímosuma Lei de Execução Penal de moldeseuropeus que vem sendo permanentementedesrespeitada. Possuímos umCódigo de Defesa do Consumidor avançado,mas que não surte efeito frente auma grande massa de pessoas que nãotem acesso ao consumo. Como podemosfalar em direito do consumidor numPaís em que existem inúmeros cidadãosvivendo dos restos que são depositadosem lixões das grandes cidades? Comopodemos pensar na proteção integral àcriança ao adolescente quando abrimosos jornais e constatamos o trabalho escravonas carvoarias, nas plantações deerva-mate, plantações de cânhamo (maconha,no norte e nordeste do Brasil) e aprostituição que grassa em alguns estadosdo Nordeste e Centro Sul do País?Será que podemos resumir o conteúdodas discussões sobre os direitos humanosaos maus tratos que recebe nossapopulação carcerária? Não seria uma simplificaçãodemasiada de seu conteúdo?Sabemos que o Brasil é rico em leis.Possui uma estrutura legal que da invejaa muito país dito desenvolvido. O grandeproblema é fazer com que nossasnovas leis sejam cumpridas, porque leisexistem para promover direitos humanosno Brasil. O Judiciário (e aqui podemoscolocar também o Ministério Público)possuem algumas deficiências queimpedem a efetiva aplicação das leis noPaís. Afinal, não é do interesse das classesdominantes fazer com que as leissejam cumpridas. Por outro lado, as classespopulares quando começam a reivindicaraquilo que lhes pertence, não comoesmola, mas sim como direitos garantidospela lei, a situação muda de figura.De fato, as garantias de direitos funda-147


UNIJUSMINISTÉRIO PÚBLICOmentais não estão nas leis, mas sim nomodo como se aplicam as leis. A relevâncianão é sobre aquilo que está escrito,mas principalmente no modo comosão tomadas as decisões sobre a matéria.Nesse sentido, o Ministério Públicopode exercer um papel importantíssimona garantia da aplicação das leis que jáexistem.4CONCLUSÃOComo dissemos, muito há de serfeito. O Ministério Público precisa tomaruma atitude mais firme com relaçãoao respeito aos direitos humanos. Paraisso precisa se aparelhar melhor, precisaadquirir uma consciência maior acercados problemas do País. É importante,todavia, que mantenha as atribuições quea Constituição Federal lhes conferiu a fimde que possamos tornar efetivo o trabalhode promoção dos direitos humanos.Na medida do possível, o Ministério Públicotem feito um trabalho que vai alémda retórica e do proselitismo, mas é precisoagir mais, é preciso conferir meiosmateriais para que o Ministério Públicotenha condições de desempenhar seumister. Por outro lado, o Ministério Públicoé hoje uma das únicas instituiçõespúblicas de defesa da sociedade representadano Estado, porém não submetidaaos poderes governamentais <strong>capa</strong>z deefetivar a promoção dos direitos humanos.Porém, o Ministério Público, sozinho,não conseguiria atingir esse objetivo.É preciso também contar com oPoder Judiciário, para que as proposiçõesdo Ministério Público possam terefetiva ampliação. Outro elemento importantee que não deve ser olvidado é ointercâmbio entre o Ministério Público eas entidades não governamentais. Podeser feito um eficiente trabalho de parceriaentre o Ministério Público e as entidadesnão governamentais. Na área domeio ambiente esse trabalho já se fazsentir. Exemplo: mortandade de peixesna usina de Jaguara – CEMIG, fato quese deu recentemente. Falta agora ampliaressa parceria para que os trabalhossejam mais eficientes. As organizaçõesnão governamentais poderão utilizar suaforça de mobilização para acionar os canaispúblicos competentes. O MinistérioPúblico, por sua vez, alimentado pelosrelatos não governamentais, com as prerrogativasdadas pela Constituição Federalpode utilizar sua força na defesa dosdireitos da coletividade, em especial, dosdireitos humanos.Para tanto, creio que numa atitudeinicial poderíamos propor a inserção dodireito ao meio ambiente sadio como direitohumano. Trata-se da terceira geraçãodos direitos humanos. E a luta porum meio ambiente sadio <strong>capa</strong>z de asseguraruma vida mais saudável a todos.Passar os institutos Médicos Legaispara o Ministério Público constitui umaoutra providência salutar ao desenvolvimentodas atividades do Ministério Público.Dessa forma, o espírito corporativoda polícia pode ser anulado pelo desligamentode tais órgãos da polícia.A regulamentação do art. 127 da CF/88 é outro obstáculo que deve ser vencidopor muitas das ações do MinistérioPúblico esbarraram na falta de clara eprecisa regulamentação dessa função institucional.Quanto as ONGs, é preciso tirar proveitoda liberdade de informação e promovermecanismos de pressão econô-148


MINISTÉRIO PÚBLICOUNIJUSmica contra os países que violam os direitoshumanos. As ações do MinistérioPúblico são eminentemente públicas eabertas às participações populares. Assim,as organizações não governamentaispodem se utilizar do Ministério Públicopara canalizar a defesa jurídica deseus direitos. Por outro lado, a publicidade,fator predominante nas ações doMinistério Público pode ser utilizadacomo fonte de informações para as entidadesnão governamentais de modo apoderem ter acesso seguro e confiávelaos dados a fim de que possa exercersua função de grupo de pressão, especialmenteutilizando-se de entidades internacionais.Com a globalização do mundopodemos tirar proveito para pressionaras autoridades. Com as facilidadesadvindas por exemplo da INTERNET,podemos divulgar de maneira atualizadaas lesões aos direitos humanos que ocorremno Brasil e com isso buscarmosoutras formas de pressão – principalmentede caráter econômico - para que possamoslutar por um mundo melhor.Para encerrarmos, valhamo-nos doque já dissera Prudente de Moraes Filhoa respeito do Ministério Público: “É umamagistratura especial, autônoma, comfunções próprias. Não recebe ordens doGoverno, não presta obediência aos juizes.Age com autonomia e em nome dasociedade, da lei e da justiça”.referências bibliográficasFARIA, J. Eduardo. Justiça e Conflito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p 11-12.LÍRIO, José Nilson de. Procurador da República no Estado de Minas Gerais. BeloHorizonte, MG (Fax).MAZZILLI, Hugo Nigro. A formação profissional e as funções do Promotor de Justiça.São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 81, n. 686, dez - 1992, p. 284-309.NETO, J. Cabral. O Ministério Público na Europa Latina. Belo Horizonte: ImprensaOficial, 1974, p. 17.ROCHA, Traumaturgo. Sub-Procurador Geral da República e Professor da UniversidadeFederal do Rio Grande Norte – UFRN, Natal/Rio Grande do Norte.149


NOSSO CRIME POLÍTICORicardo Prata*sumário1. A fronteira entre Ciência Política e Ciências Jurídicas2. O voto do relator SenadorSaturnino Braga no caso ACM/Arruda3. A instituição do Impeachment4. O caso Collor5. A repetição do contexto institucionalCollor6. Antevendo a co-habitação política.resumoO episódio que levou à renúncia dos senadores Antônio Carlos Magalhães é José RobertoArruda, sem que houvesse de fato um processo de cassação, ensejou uma análise política decrime político palmilhando dificuldades conceituais de ciência política face a um público deestudantes de Direito. A análise e conceituação de crime político na forma límpida, ou seja,sem relação com corrupção ou outros aspectos de Código Penal, permitiu refletir a armadilhainstitucional encontrada no Impeachment do Presidente Fernando Collor de Melo. Partindode uma análise de Amaury de Souza e de Fábio Konder Comparato verifica-se a ruptura detraços institucionais herdados e eclodidos no episódio Collorgate. É claro, as raízes do conflitonascem com Getúlio Vargas. Pode-se entender aí o brilhantismo de Saturnino Braga e aconseqüente renúncia de Antônio Carlos Magalhães, confirmada após a redação deste artigo.Avança a democracia brasileiraA conseqüência prática da contradição constitucional/institucional verificada é uma tendênciade alta politização de casos como o narrado, onde o próprio Impeachment aparece como”voto de desconfiança” ao estilo parlamentarista e pressiona o atual Executivo. Isto ocorre sema intervenção do poder judiciário, atento e imobilizado no caso de medidas provisórias.Conclui-se que a armadilha tenderia a se resolver pela introdução política legislativa doParlamentarismo face a hipótese como a eleição de Lula. Em contexto semelhante, isto aconteceuna França na eleição de Mitterand e a necessidade de solucionar conflito semelhante. Emnossos antecedentes temos o curto Parlamentarismo com João Goulart, tendo TancredoNeves como primeiro ministro improvisado pelo Congresso.1INTRODUÇÃOEspero a compreensão e certa complacênciaacadêmica de meus colegasjuristas na ousadia desta redação, mas éclaro que, ao mesmo tempo, desejo ouviras indagações de meus alunos e a criticacientífica de meus pares. Este textonasce de uma aula à qual não podia mefurtar embora não estivesse programadano Plano de Ensino do curso, e fico réuconfesso deste desvio de conduta. E,advirto, ainda, que navego nas fronteirasimprecisas entre o Direito e a CiênciaPolítica. Fico naquele espaço ou momentohistórico, onde ainda não se promulgoua lei ou finalizou o ato parlamentar,onde os atores são os políticos, mas,já dependentes de assessorias jurídicas.____________________* Ricardo Prata é mestre em Ciência Política pela UFMG, possui diploma de estudos aprofundados pela Sorbonhe, ex-professor de Pesquisa emOpinião na PUC-MG, atualmente é professor de Ciência Política no Curso de Direito da Universidade de Uberaba.150


É o bastidor da redação dos projetos-lei,com toda a certeza que promulgadosentrarão no palco da legalidade. É a cozinhaonde se misturam temperos e seregula o fogo lento daquilo que pode setornar saboroso e belo nos ornamentosao ser apresentado à mesa como pratotípico. Espero que meus eventuais leitoreslembrem-se que a ciência política,neste país, sofreu uma separação nãoamigável,ainda no seu berço, das ciênciasjurídicas, especialmente da TeoriaGeral do Estado. E, saibam que nesteretorno sofremos censuras e um certovoto de desconfiança. Daí o meu receiode penetrando na zona fronteiriça ultrapasseos limites pouco demarcados.O “crime” político de ACM e JoséRoberto Arruda é o mais belo feito denossa jovem democracia, embora nãopossamos dizer que houve de fato, já quenem processo houve. Daí a beleza e acontestação quase-jurídica da frase dosenador Saturnino Braga, competenteeconomista, que pelas investigações preliminarese sumárias declara crime punívelpela cassação de mandatos os senadoresAntônio Carlos Magalhães, nomomento do seu exercício no mais altocargo do sistema democrático e o senadorJosé Roberto Arruda, no momentodo exercício da mais direta representaçãopolítica da Presidência da Repúblicano Congresso. Vale a pena reescreve-lo:“finalmente, que deste processo resultoupatente a existência de indícios bastantesde prática de atos contrários à éticae ao decoro parlamentar, de modo ajustificar a abertura de processo de cassação,mediante as competentes representaçõescontra os senadores (...) porfato sujeito a pena de perda de mandato,o nosso voto é pelo encaminhamento dosautos deste processo à mesa diretora doSenado Federal, para que esta delibere,NOSSO CRIME POLÍTICOUNIJUSnos termos do parágrafo segundo do artigo55 da Constituição Federal e do artigo13 da Resolução número 20 de 1993.”Pode-se alegar que a suspeição decrime político se confirma pelo ato derenúncia realizado e anunciado por cadaum dos acusados. E isto ocorre nummomento em que a renúncia não aguardaa decisão da Mesa de instaurar ou arquivara proposição investigativa do Conselhode Ética. Passado este momentode ante-sala, a renúncia estaria sujeita àsnormas do Decreto Legislativo número16 de 24-3-94, conforme se lê no artigo55, ficando sujeita à condição suspensivaou de arquivamento. Portanto, a renúnciaé pré-judicial e absolutamentepolítica. Para o Direito não houve processo,para a Ciência Política o processose completou com a renúncia preventiva,e para o povo, parafraseando o quase-votodo senador Lauro Campos: “ototem caiu, a punição simbólica não deixade ser exemplar”. Já houve os chorose velas, as alegrias e aplausos.Mas, há dois outros aspectos quemotivam a declaração “do mais belo feitode nossa jovem democracia”. Primeiro,que diferentemente do caso do senadorLuís Estevão já cassado e respondendoa processo na Justiça e, mesmodo caso do Presidente Collor, absolvidona Justiça, e posteriormente, ainda tendoque cumprir a pena de cassação, tratava-sede crime político puro sem conturbaçõescom crimes comuns, especialmentede corrupção. Portanto, especialmenteexemplar para o interesse democrático.Segundo, o processo de investigaçãopreliminar foi iniciado pelo ProcuradorLuiz Francisco de Souza, no famosoe contestado caso da fita mal gravada,agora com veracidade comprovadapela Unicamp, onde ele gravou a declaraçãode ‘poliscídio’ do então Presi-151


UNIJUSNOSSO CRIME POLÍTICOdente do Senado Federal. Quero crer queo eminente procurador sabia que o crimenão estava na alçada da Justiça, e queencontrou uma maneira ‘desviante’ denão se furtar à condição fundadora decidadão. E, em terceiro lugar, pelo fatode o ex-presidente do Congresso declararem sua defesa pública preliminar, aoar, no ato de verificação ‘policial’, queescondeu a verdade por “razões de estado”chamando a si uma justificação lamentávelque perdurou por 20 anos e fundamentavaa república autoritária dos governosmilitares. Por pouco, ACM nãoevocou a questão em nome da SegurançaNacional. E, portanto, este fato e a respostade Saturnino Braga parece deliciosapara quem não se conformou ao arbítrioe simboliza uma pá de cal numa brasa aindafumegante na madeira de lei baiana quesoube se acender e ascender naquelesperíodos obscuros. Até a aroeira do mourãoda cerca da sesmaria, do mastro dochauvinismo e do tronco escravocratafenecem na capoeira do autoritarismo.Assim, minha fala política, é comparativaao caso de Impedimento de Collore passa a se referir ao contexto deproposições diversas de CPI’s contra oPresidente Fernando Henrique Cardosoe a crescente indignação popular que levao nome ambivalente de ‘corrupção’.Mas, antes me permitam completar umaaula aos meus alunos que insistem emafirmar, mesmo em prova escrita, quecaberia aos senhores senadores recursosdiversos à Justiça.Confesso que sou obrigado a dizeraos meus alunos - que nos primeiros diasde sua iniciação ao curso de Direito afirmamque “a política é corrupta” - quesão estes senhores imputados de corruptosque escreveram a Constituição e quasetodo dia aprovam novas leis, que elesestudantes terão que ler e acompanhar.É uma força de expressão para preservaro mérito de minha matéria pouco reconhecida.Embora legalizada pelo ementário,quase sempre ela fica carecendode legitimidade perante uns e outros. Eclaro, que me cuido em afirmar, comono caso do processo que ameaçou tersido, que caso houvesse, haveria de processualmenteseguir os ditames jurídicoscom direito a defesa dos acusados etudo mais.Poderia me bastar com uma aulaKantiana que dá razão à soberania popularque se funda na eleição do Parlamentoe, que na forma clássica nomeiao Executivo e o Judiciário. Mas,infelizmente para nós, que ensinamossob a égide do presidencialismo, nestecontexto de desprestígio do Congresso,onde a imunidade muitas vezesacoberta a impunidade dos subalternosprotegidos sob o nome incorretode “crime político”, nós vivemossob o pré-conceito de autonomia completados poderes do Estado Democráticode Direito. E particularmente istoocorre no caso da instituição políticado ‘impeachment’ que nasceu Inglesa,mas que já desapareceu sob o Parlamentarismo,não ficando, portanto,inscrita nas lições germânicas dos cursoscontemporâneos.E é por esta razão que tenho que retornarao caso Collorgate, gerador destadúvida. Assim, me permitam, também,evocar alguns artigos de nossa CartaPolítica.Cabe privativamente à Câmara dosDeputados: “autorizar, por dois terços deseus membros, a instauração de processocontra o Presidente e o Vice-Presidenteda República e os Ministros doEstado” (art. 51). E “compete privativamenteao Senado Federal: I - processare julgar o Presidente e o Vice-Presidente152


NOSSO CRIME POLÍTICOUNIJUSda Republica nos crimes de responsabilidade,bem como os Ministros de Estadoe os Comandantes da Marinha, doExército e da Aeronáutica nos crimes damesma natureza conexos com aqueles;II – processar e julgar os Ministros doSupremo Tribunal Federal, o ProcuradorGeral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade”(art.52). E, neste mesmo artigose prescreve que cabe ao Senadoaprovar previamente após argüição osmagistrados. Este princípio fundador secomplementa como corolário, na competênciado Supremo Tribunal Federal,“processar e julgar, originariamente: b)nas infrações penais comuns, o Presidenteda República, o Vice-Presidente,os membros do Congresso Nacional, seuspróprios Ministros e o Procurador-Geralda República” poder complementadono item c) quanto aos Ministros de Estadoe Comandantes, como se pode ler noart.101. Grife-se: infrações penais comuns.Nas Constituições Européias, o estatutodo “impeachment” desaparecesubstituído que foi no Parlamentarismopelo “voto de desconfiança” que derrubaem poucas horas o executivo. Mas o‘impeachment’ permaneceu na ConstituiçãoNorte-Americana e dela copiamospara a Constituição brasileira de 1891 econtinua em vigor sob as regras processuaisda Lei 1079 de 1950. Ocorre que adefesa de Collor questionou com relativosucesso o processo de Impedimentomovido contra ele pela Câmara dos Deputadose deixou no “ar político” muitasdúvidas. Esta questão é claramente esclarecidapor Fábio Konder Comparato(1). Assim, não é de se estranhar umamemória polvilhada de intervenção judicial,em caso nítido de crime político,sob a soberania de investigação, processo,julgamento e execução pelo próprioSenado Federal, como instancia primeirae última. E se não bastasse a dúvidaherdada da defesa de Collor, temos anovíssima proposição dos juristas impares,como Bandeira de Mello, DalmoDallari, Fábio Comparato, Goffredo daSilva Telles e Paulo Bonavides, endereçadaà Câmara dos Deputados e datadaem 18 de maio de 2001. Nela imputa-seao Presidente da República o crime de‘proceder de modo incompatível com adignidade, a honra e o decoro do cargo”.Também aí, se recorre a Lei 1079de 1950 no item de “suborno ou outrasformas de corrupção”. Embora, explicitamentese refira a “oferta de liberaçãode verbas orçamentárias” com o objetivode abafar a tentativa de CPI, podeparecer que temos novamente o crimepolítico.Ouso aqui, distinguir a corrupçãocom objetivos políticos, do puro crimepolítico como é o caso dos senadores. Éclaro que a indignidade do lobismo presidencialutilizando-se de verbas públicas,mesmo que aprovadas e com destinolegitimo no orçamento, funde o crimecomum com objetivo que fere a responsabilidadeadministrativa. E, é fácil,entender o crime político puro, sob a alegaçãode José Roberto Arruda dizendoque não roubou ou cometeu crime. Assim,me permitam recorrer à pesquisade Comparato, que no esforço desta distinção,recorre ao professor Black (pág.118 obra citada) com seu exemplo impar eincomum mas sem ambigüidade: “umexemplo de crime passível de impeachmentporém não indiciável seria o presidente dosEUA mudar-se para a Arábia saudita parapoder ter quatro mulheres e propor conduzira presidência de lá, via correio etelegrafo.” O exemplo seria supérfluose já houvesse o processo de impeach-153


UNIJUSNOSSO CRIME POLÍTICOment de Clinton, caso sexual com a Secretáriaem lugar indevido, ou seja crimede quebra de decoro, seguido de mentira.Cabe complementar que se a moça olevasse ao seu apartamento (o dela), nãohaveria razões de processo.Fica evidente que sob o continuadoclamor popular contra a corrupção, desdequando se elegeu Jânio Quadros pelasua vassoura mágica e Collor, trinta anosapós, pelo seu rifle de caçador de marajás,a imensa demanda de uma CPI dacorrupção, quase unanimidade pública,sobrepõe uma questão histórica e maior,diriam muitos, sobre o ‘simples’ decoro.E nisto reside a dimensão simbólicado presente caso. Mesmo que não sejaverídica a insinuação de que a lista tenhasido usada por FHC para saber sobrequem agir ou cobrar as verbas já liberadas,o Conselho de Ética, sabiamente,distinguiu o ato político. E ele clama pelaexistência de atos senatoriais isentos eindependentes. Só assim, esta ação nospermite e impele à fundamental crençano legislativo como a própria condiçãode crença na democracia. Ao contrário,seria aberta a corrida eleitoral presidencialà busca daquele incorruptível, nabusca infantil de nova vassoura, rifle ousei lá o que.A meu ver, cabem indagações prévias.A primeira respondida por Amauryde Souza (2) se refere às razões que noslevam a esta repetição histórica que nãoé farsa. A segunda, refere-se à permanênciade uma prática denominada popularmentede “corrupção política” comocrime político e não como crime comumde corrupção acobertado politicamente.A terceira, a possibilidade do desenvolvimentoe da maturidade democráticas,dentro dos limites constitucionais dados,sem uma nova bandeira casuística dereforma da Constituição, ou se, a crise éinstitucional ou constitucional, como jáo fazia Fábio Wanderley Reis em 1975(3). E, um quarto ponto, que significauma evolução histórica do processo de“impeachment” para voto de desconfiança,mesmo em nosso caso, e que secombina com um tipo especial de pressãopopular, opinião pública.Primeiro: Amaury de Souza levantacom clareza o conflito institucional geradopela Constituinte que seguiu o modeloParlamentarista dando poderes ampliadosao Senado e reduzidos para a funçãopresidencial. Este modelo ficou contraditadoquando o Plebiscito decidiu peloPresidencialismo. Assim, ou bem o Presidenteabusa das Medidas Provisóriasou ele fica refém dos amplos poderes doSenado. FHC acaba seguindo os passosde Collor. Tendo prestígio popular abusadas medidas provisórias, perdendo o respaldooriginal compõe passando a nomearapadrinhados, numa forma de parlamentarismomitigado. O poder dos congressistasde gerar emendas na montagemdo Orçamento Federal se torna depoiso contra poder de liberar ou não averba clientelista pelo corte orçamentáriono executivo. Esta armadilha institucional/constitucionalcontinuará prontapara o próximo presidente qualquer queseja, a menos que tenha uma base partidáriamajoritária. Esta base extraordináriaé difícil face ao nosso modelo partidáriofragmentarista. E esta é a segundacontradição que nos aponta este cientistapolítico se repete aritmeticamente. Noprimeiro turno das eleições que elegeramCollor, o PRN, seu partido, tinha 2.6%das cadeiras do Congresso e ele 28.5%dos votos. O PFL detinha 20.8% dascadeiras e, seu candidato Aureliano Chavesteve somente 0.8%. O PMDB quealcançava 39.7% das cadeiras, só conseguiu4.4% dos votos com Ulysses154


NOSSO CRIME POLÍTICOUNIJUSGuimarães. O PT, por sua vez, com 3.2%das cadeiras, chega a 16.1% do eleitorado.Em resumo, Collor, Lula e Brizola,somados alcançaram 60% dos votos diretosdetendo 11% dos parlamentares.Os partidos fortes no Congresso ficamfracos na eleição presidencial. O critériofederativo que estratifica o eleitorado federalnão resiste a livre computação doeleitorado nacional.O quadro atual é semelhante: nemPFL nem PMDB que dominam o Congressotem candidatos viáveis. Na listados presidenciáveis, segundo recentespesquisas, aparecem: Lula, Ciro com seupequeno partido, Itamar com sua síndromede sem partido, e em quarto odissidente ACM. O PT, mesmo dobrandosua bancada dependeria de um grandepartido para governar. Lula, Ciro eItamar somam 60% das intenções devoto. Esta segunda contradição decorredo fato de haver uma distorção na representaçãodos Estados, onde os votos deum deputado de Roraima, por exemplo,com eleitorado igual ao de Uberaba, equivalem40 vezes mais que um deputadode São Paulo. No momento, da eleiçãopresidencial, os votos válidos de SãoPaulo equivalem 5 vezes os votantes daBahia, para citar o estado mais populosodo Norte, Nordeste e Centro Oeste juntos.E, é por isso que há uma tendênciaconflitante entre a eleição renovadorapara Presidente e conservadora para oSenado e mesmo para a Câmara dosDeputados.Segundo. Trata-se da inevitável conciliaçãoentre a modernidade do executivoe o tradicionalismo do senado, quetem suas raízes na ditadura Vargas.Quando o presidente, mesmo ditatorial,concilia com as oligarquias instaladas noCongresso, para ter liberdade de governara economia modernizada pela barganhacom o clientelismo, gera outrasíndrome, popularmente denominada de“corrupção política”. O apadrinhado pelosenador X, que usa do cargo cedido peloPresidente, para angariar recursos políticos,seja clientelísticos ou pecuniáriosem nome do poderoso político, quandopego na falcatrua, é protegido em nomeda imunidade do padrinho. O roubo torna-se‘crime político’, e o eventual inquéritoé abafado. A imunidade parlamentardo padrinho influente torna-se a impunidadecriminal do ministro, diretor oumesmo técnico. Esta imagem construídae repetida durante 70 anos, gera a tradiçãoque engrendra a suspeição da nomeaçãopara fins políticos traduzida emcorrupção premeditada e certa. O declíniocrescente e histórico da imagem dohomem público que dá lugar a imagemfortalecida do consumidor ou do empresáriobem sucedido (e que ainda pagamuito imposto), corrobora também parao sentimento do aproveitamento pessoaldo cargo político. Cabe lembrar que estasubcultura política não tem como se desenvolversob o parlamentarismo e nemnos EUA, sob um presidencialismo livreda imunidade parlamentar.A terceira questão se atém à possibilidadede uma revisão constitucional quedesarmasse a armadilha. Melhor considerarque se trata de uma especificidadede nosso desenvolvimento político democrático.Uma tarefa de complementara transição, apagando os resquíciosdo autoritarismo e preparando a maioridadede nossa democracia na puberdadede seus 13 anos. O mestre Fábio Reisnos escreveu que a vigência do ‘mercadopolítico’ supõe que: “tenha sido resolvidoo problema constitucional, istoé, que haja a adesão generalizada às regrasdo jogo e a vigência efetiva delas”(pág.132). Ele diria, ainda, que o evento155


UNIJUSNOSSO CRIME POLÍTICOACM foi uma “situação Hobbesiana defraude” das regras do jogo, tentativa espúriade fraudar a constitucionaliação dapolítica democrática. Daí a invocação das‘razões de estado”.Não há clima econômico para o retornoao intervencionismo institucionalautoritário. Ao contrário, ainda estamosno tempo de ajuste fino e estabilidadeeconômica gerada nos sete anos do PlanoReal, que continua indicando umapostura avessa a grandes mudanças políticas.Mesmo que se acrescente elementosnaturais de trovoadas ou apagões. Ese sob o apagão surge a oportunidade dese evocar o primado de um Geisel, acimada imprevisão dos comuns mortais.Nem o PT resiste mais a evocaçãodo intervencionismo estatal e rupturacom os compromissos globalizantes. Eletem que desbotar para rosa, sem choque,sua cor, para se tornar palatável aosistema ao qual se compromete na defesaconstitucional. Alguns ex-militantes,inconformados, já o denominam Partidoda Ordem, cumpridor ético das finançaspúblicas, onde a cor púrpura parece purpurina,e ele abdica de ter um projetonacional em nome da experiência consagradado controle comunitário dos orçamentosmunicipais. O PT, face à suaimagem ilibada, não pode cometer nenhumpecado venial, transacionando compolíticos ou favorecendo empresas. Opaís não permitirá aventuras econômicas.O santo do período é o São Betinhodo restaurante popular, da comunidadesolidária e da renda mínima de sobrevivência.Não caberia, portanto, nenhumprojeto de Constituinte ou de ampla reformainstitucional, agenda inconclusa doprimeiro governo FHC. A Era Vargasdefinha mais pela privatização das empresas,antes abrigadoras do empreguismopolítico, do que pelo esquecimentodo populismo latino-americano. A conjunturaestá mais para o Udenismo tardioque para o populismo peronista. Otempo dirá se foi possível desarmar aarapuca institucional, com os novos atoresque se apresentam na arena democrática.Finalmente, a última questão quecompõe este quadro analítico. Trata-seda superação da tradicional espera dequatro anos entre um governo eleito e opróximo. A velocidade da comunicaçãocomo que apressa o divórcio popular como eleito e gera um espécime de “voto dedesconfiança” presidencialista. Assim,como a instituição do voto de desconfiançasubstituiu na Europa o ‘impeachment’e mantém o poder de governabilidadeaparentemente instável, o impedimentode Collor criou um sentimento deque a opinião pública pode intervir a qualquermomento, declarando suas insatisfações.Criou-se uma nova síndrome, ados últimos anos de governo, onde o povojá pensa no novo como que antecipandoa preferência eleitoral e declarando o cansaçodas promessas eleitoreiras não cumpridas.Pratica-se um “des-voto” antesmesmo de o eleito cumprir seu mandato.Se a 100 anos, 4 era tempo curtopara o divórcio político, hoje 4 anos étempo demais para a Era de ‘MacLuhan’. O “des-voto” é como a devoluçãodo produto fruto da propaganda enganosa.É claro, que alguém pode objetar,como se faz sempre, que é mais fácilcriar-se o parlamentarismo e equacionarde vez o conflito. É verdade. No entanto,o presidencialismo continua vivo naimagem do novo homem forte, honestoe salvador, que deve por ordem na casa.E não há como contrariar um plebiscitocom outra forma que não o de referendo.Isto não é factível num final de go-156


NOSSO CRIME POLÍTICOUNIJUSverno impopularizado. A única possibilidadede uma revisão constitucional, desatandoo nó da contradição instalada einstitucionalizada, pode ocorrer nummomento de pós-eleição presidencial.Mas, se buscarmos a história da posse deJoão Goulart, o vice-presidente trabalhista,vamos encontrar uma solução de compromissodo que se denominou, na Françade Mitterand, de “co-habitação política”e, aqui, se improvisou um PrimeiroMinistro com Tancredo Neves . Isto podeocorrer num Brasil próximo, e nunca nosesqueçamos compromissado com o FMI,onde o eleito, Lula se torna o presidenteguardião da moralidade pública e se comprometea aceitar um gabinete que: preserveo Pedro Malan; o banco central independente;o pagamento da dívida externa;a manutenção das empresas privatizadas,etc. etc. Cristóvam Buarque comclareza anteviu e declarou a necessidadede se manter Pedro Malan como condiçãode governabilidade. Basta acrescentara isto a ampliação do programa de rendamínima do senador Eduardo Suplicy,dos assentamentos agrícolas com o MSTe da garantia da punição da corrupção,sem intervir nos compromissos internacionaise estaria feita a co-habitação numaforma parlamentarista novamente improvisada,onde o Senado decide sobre a escolhados ministros, sob lista tríplice, eabdica dos apadrinhamentos tornados impossíveisna nova ética, do PT. Nestequadro provável, a corrupção se reduziriaa crimes comuns, perdendo suaatual conotação política e a instituiçãodo “impeachment” pesaria com umaespada suspensa sobre o presidente eleito.Este casuísmo é mais provável quederrubar o estatuto da imunidade dos parlamentares,seguindo a prudência jurídicanorte-americana.Na atual conjuntura, pela sua viabilidadee facticidade, o estatuto do Impedimentoestá substituindo a moderna instituiçãodo voto de desconfiança própriodo parlamentarismo pleno na Europa. Ese adotado, no meu exercício deprevisibilidade para o ano 2003 (condiçãoda natureza da ciência política e quese distingue da historiografia política),toda a síndrome de que ‘todos políticossão corruptos’ - exceto no momento inspiradoem que redigem a Constituição -desaparecerá como uma mágica democráticaa ser explicada ‘post factum’. Masaí, a Ciência Política dá lugar à Históriado Pensamento Político.referências bibliográficasCOMPARATO, Fábio Konder. O processo de impeachment e a importância constitucional docaso Collor. In: ROSENN, Keith S.; DOWNES, Richard ( Org.). Corrupção e reformapolítica no Brasil. São Paulo: FGV, 2000. cap. 4, p. 111-126.REIS, Fábio Wanderley. Mercado e utopia: teoria política e sociedade brasileira. São Paulo:EDUSP, 2000.SOUZA, Amaury de. O Impeachment de Collor e a reforma institucional no Brasil. In:ROSENN, Keith S.; DOWNES, Richard ( Org.). Corrupção e reforma política noBrasil. São Paulo: FGV, 2000. cap. 5, p.127-165.157


sumário1. Introdução2. Conceito jurídico2.1. Aparição histórica da desistência2.2 Espécies de desistência2.2.1 Quanto à forma2.2.2 Quanto aos efeitos2.2.3 Quanto à extensão2.3 Desistência Condicional2.4 Oportunidade para requerê-la e oconsentimento do ex adverso2.5 A revelia do réu3. Encargos da desistênciaresumoO INSTITUTO DA DESISTÊNCIANO DIREITO PROCESSUAL CIVILO artigo em questão teve como prioridade enfatizar a ocorrência da desistência no DireitoProcessual Civil, delinear os limites de um instituto não muito usado na prática forense, mas deconsiderável valor jurídico. Partimos da premissa onde tudo tem uma razão de ser, aqui issoaparece quando tratamos da aparição histórica da desistência no ordenamento legal brasileiro,chegando à conclusão de como é recente o nosso direito. O texto elucida também as diferentesmaneiras pelas quais a desistência se manifesta, podendo ser parcial quando enseja o abandonode parte de um direito que comporta fragmentações, condicional quando a aquiescência da parteex adversa torna-se essencial à concretização do ato, seja ele um acordo ou uma transação, eainda pura e simples, que seria a desistência desvinculada de qualquer fator externo, como ocorrenos casos onde o autor desiste da ação antes de efetivado o contraditório.1INTRODUÇÃONo mundo jurídico, tudo o que sepropõe visa a um fim. Alcançar, talvez,o que está estabelecido em lei. No processocivil brasileiro, pelo menos, nemsempre os fins são os pretendidos, poisa lide, ao começar, pode ter desfechosdiversos, alguns anormais, como a desistênciada ação, que nos propusemosenfatizar melhor neste trabalho.Percebendo essa anormalidade poucodiscutida , inclusive pela doutrina pátria,mas presente na maioria das orde-Juliana Bizinotto de Freitas*3.1 No Código de 19393.2 Despesas, multas e honorários advocatícios4. Sentença Homologatória da desistência da ação4.1 Efeitos4.2 Natureza5. A desistência nos procedimentos5.1 No procedimento sumário5.2 No processo de execução5.3 No processo cautelar6. A desistência nas relações jurídicas continuativas7. A desistência no Código de Defesa do Consumidore na Lei da Ação Civil Pública.nações jurídicas mundiais, procuramosdesenvolver um trabalho de compilaçãoque delineasse um perfil comum dos desencontrosde opiniões sobre o tema escolhido,e também expor as posiçõesdoutrinárias e jurisprudenciais acerca doassunto. Separamos um capítulo que tratade sua ocorrência no procedimento sumário,como também no processo deexecução e no processo cautelar.Demonstramos o instituto da desistência,desde sua aparição histórica atéos dias de hoje, o momento de sua ocorrência,a necessidade da aquiescência doréu, seus encargos, sua natureza jurídi-____________________* Juliana Bizinotto de Freitas, Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia - Advogada158


ca, entre outros, e, ainda, a sua ocorrênciaem leis esparsas, como na Ação CivilPública, no Código de Defesa do Consumidore também em alguns ordenamentosjurídicos alienígenas, como naItália, Espanha e Argentina.Destinamos um capítulo à parte paratratar especificadamente da desistêncianos recursos, pois sua ocorrência somentetem efeito depois de interposto orecurso, se feita antes, configuraria a suarenúncia.Distante de espelhar um estudoexaustivo sobre o tema, o esclarecimentoaos profissionais da área foi um dosnossos objetivos, já que não existe emcirculação obra destinada exclusivamentea suprimir dúvidas sobre esse assunto.2CONCEITO JURÍDICODerivado do verbo latino desistere(mudar de parecer, cessar, descontinuarde, parar), significa, na terminologia jurídica,a renúncia que se faz de algumacoisa ou de algum direito, seja em conseqüênciade evidente abandono, sejamotivada por uma transação.Dessa forma, como transação, a desistênciamostra-se como uma “renúnciarecompensada”, ou seja, anotam-seconcessões mútuas acordadas entre odesistente e a pessoa a favor de quem arenúncia é manifestada.Leib Soibelman 1 interpreta a desistênciacomo um ato de renunciar, abandonar,abrir mão, não prosseguir, retratar,exonerar. O nobre escritor torna oO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL____________________1 Leib Soibelman, Enciclopédia do Advogado, 2a ed.2 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 1974.3 Gabriel José Rodrigues de Rezende Filho, Curso de Direito Processual Civil,5a ed., p. 200, 1957.4 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 1982.UNIJUSinstituto um pouco extenso e comprometedordentro do patamar jurídico, porquantorenúncia e desistência são termosde significações diversas dentro da estruturalegal. Para ele, a desistência podeter por objeto direitos, ações e coisas.Elucida, ainda, o termo: “desistência paratodo o sempre”, que, em seu entendimento,é a renúncia irrevogável de umdireito, de uma ação para protegê-lo, oude uma coisa.Pontes de Miranda, 2 diferentementede outros autores, define a desistênciacomo sendo: “declaração processual,unilateral, de vontade, que faz o autor,de não mais querer continuar a demandar,isto é, continuar a exercer a ação noprocesso que iniciara”. Gabriel RezendeFilho 3 coloca a desistência como ummeio excepcional de por fim em umaação, no que lhe damos razão, pois oprocesso deve ter um fim natural, queseria a prestação jurisdicional do Estadoperante a situação jurídica posta em juízo.Utilizamos da expressão “fim natural”,pois entendemos estar implícita,aqui, uma sentença final de mérito, colocandofim a uma lide.De Plácido e Silva, 4 em sua obra VocabulárioJurídico, entende que “a desistênciada ação seria o ato pelo qual oautor de uma demanda renuncia ao andamentodela.” É renúncia do andamento,porque, em princípio, a desistênciada ação não revela a renúncia do direitoque a motivou, salvo quando a desistênciaenvolve transação, caso que será analisadocom mais afinco nos itens posteriores.159


UNIJUSO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILO nobre jurista José Rogério Cruz eTucci 5 dá o seguinte conceito sobre desitênciada ação: é a abdicação expressada posição processual alcançada peloautor após o ajuizamento da ação.Para concluir, poderíamos simplificaro exposto dizendo que a desistência seriauma declaração de vontade, unilateral oubilateral, dependendo da oportunidade emque seria requerida, feita pelo autor, de nãoquerer mais prosseguir com aquele processo,com aquela ação. Declaração de vontade,porque o autor seria o único legitimamenteinteressado em por fim a uma situaçãojurídica iniciada por ele. Ele abdica deuma situação criada por ele. Seria unilateralse o requerimento não alcançasse o atode citação do réu consumado, situação que,se consumada, exigiria a concordância daparte contrária para ser efetivada, por isso,salientar o termo “bilateral”.O autor não tem mais a intenção deprosseguir no processo, muito diferente derenunciar ao processo, pois aquele põe fimao processo como meio utilizado para adquirir,modificar, resguardar ou extinguirdireitos. A renúncia estaria implicitamenteligada ao direito, que justifica a provocaçãodo poder jurisdicional do Estado.Faz-se necessário levar ao pé da letrao significado de desistência, para nãoconferir similitude com o termo “renúncia”,pois este, dentro do contexto jurídico,esboça situações e conseqüênciasdiversas daquela.2.1 Aparição histórica da desistência.A desistência esteve presente na idéiado legislador brasileiro desde o início do____________________5 José Rogério Cruz e Tucci, Desistência da Ação, 1988.6 Arthur Ribeiro, Código de Processo Civil com Annotações, 1922.século XX. O Código de Processo Civilcom Annotações, 6 de 1922, trazia de modosimplificado a questão da desistência daação. Havia nele apenas dois parágrafosque mencionavam o assunto.A primeira referência à desistênciaestava prevista em seu artigo 55, que dispunhain verbis:“Art. 55. O auctor, depois de propostaa acção, não poderá variar ou alterara substância do pedido, sendo-lhe,todavia, permitida a addição ou a emendaantes da contestação, ou a desistencia,com o protesto de renovar o pleito,pagando as custas.Paragrapho único. Depois de contestadaa ação, sómente por accordoodas partes póde dar-se a desistencia, salvoimpugnação infundada, que será apreciadapelo juiz da causa”Já a segunda referência estava implícitano artigo 213, que tratava in verbis:“Art. 213. A desistencia da acção nãoobsta o seguimento da reconvenção, desdeque esta tenha sido offerecida anteriormente.”Percebe-se que eram sucintas as disposiçõesacerca da desistência da ação,resumindo-se em apenas dois parágrafos.Hoje, o Código trata a matéria deuma forma mais ampla, dando maior segurançaàqueles que, às vezes, necessitamfazer uso do instituto.A partir do Decreto de n.º 16.752, de31 de Dezembro de 1924, o Código deProcesso passou a dar tratamento diferenteà desistência da ação. Agora, maisartigos dispunham sobre o assunto. Notase,aqui, que, a desistência passou a sermelhor organizada no Código Pátrio.160


O artigo 113 do Código de Processode 1931 7 era um dos dispositivos que traziain verbis:“Art. 113. O autor, depois de propostaa ação, não poderá variar, ou alterara substância do pedido, sendo-lhe,todavia, permitido fazer addições, ouemendas antes da contestação, ou desistirda acção com protesto de renova-la,pagando as custas.”Dentro do capítulo que tratava dadefesa, havia o artigo 142, que previa aadmissão da desistência, após a defesa,apenas por acordo entre as partes. Aindanesse artigo, levava-se em consideraçãoa impugnação tida por improcedentefeita à desistência, fator que tornava adesistência aceita, pois assim dispunhao artigo:“Art. 142. Depois da defesa, a desistênciasó é admissível mediante accôrdodas partes, salvo quando a impugnaçãofeita à desistência fôr manifestamenteimprocedente”O artigo 283 desse mesmo Códigonada mais era do que o nosso atual artigo26 do Código de Processo Civil em vigor;aquele dispunha da seguinte conjuntura:“Art. 283. Terminando o processopor desistencia, ou confissão, as custasserão pagas pela parte que desistiu, ouconfessou; e se terminar por transação,serão pagas por metade, não havendoaccôrdo sobre o seu pagamento.Paragrapho único. Quem desistir departe do pedido, ou confessar parte delle,pagará das custas vencidas a quotaproporcional à parte de que tiver desistido,ou confessado.”O artigo 213 do Código de 1922 nãoapresentou alteração contextual alguma____________________7 Helvécio de Gusmão, Código de Processo Civil e Commercial para o Districto Federal, 1931.O INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILUNIJUSno Código de 1931, tão somente no dizrespeito à organização dos dispositivos,pois passou do artigo 213 para o contextodo artigo 179, mantendo a mesmaidéia.Observa-se que a evolução dos Códigosde Processo Brasileiro apenas organizarammelhor o assunto, traçando eprevendo, de forma coerente e hábil, adesistência da ação, não dando margemàs lacunas da lei.2.2 Espécies de desistência.2.2.1 Quanto à forma: expressa ou tácita.Da análise do pressuposto formal, adesistência poderá ser expressa ou tácita,sendo que a primeira ainda se subdivideem pura e simples e condicional.Será expressa, como o próprio termo diz,quando for manifestamente escrita ouverbal; será tácita quando a parte, vendo-seem situação que permitiria a suamanifestação, fica inerte, abandonandoa causa ou o recurso.A espécie de desistência expressapura e simples ocorrerá, quando o atode desistir não depender da aquiescênciado adversário, quando ainda não tiversido contestada a ação. Já a desistênciaexpressa condicional ocorre quando houverde ser integrada do assentimento doex adverso, por haver sido junta sua contrariedade,ou resultado de acordo outransação. Teixeira de Freitas dá amplaconceituação a essa espécie, dizendo que“a desistência condicional é a que provémde transação ou acordo, envolvendoa restrição ou a supressão do direitode demandar ou a renúncia do próprio161


UNIJUSO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILdireito em litígio. Funda-se numa convençãoou composição amigável, concluídapara extinguir obrigações litigiosasou duvidosas”, espécie melhor analisadaem item posterior.2.2.2 Quanto aos efeitosRelativamente aos efeitos oriundosda desistência, estão eles ligados à desistênciado direito e à desistência da açãoque o assegura. Fala-se em desistênciado direito, pois estaria o autor nesta situação,desistindo do direito material queeventualmente teria perante o réu, muitodiverso da desistência da ação que o assegura,pois, nesse caso, o autor não ficariaimpedido de propor a mesma açãofuturamente, contra o mesmo réu, a sentença,aqui, extinguiria o processo semjulgamento do mérito, fazendo coisa julgadaformal, conforme art.267, incisoVIII do CPC.Se houve desistência ao direito material,estar-se-ia falando em renúncia enão em desistência, e o processo fariacoisa julgada material, sendo extinto comjulgamento do mérito, conforme art.269,inciso V do CPC.2.2.3 Quanto à extensão: parcial ou total.De certa forma, a desistência podesurgir abrangendo todo o processo ousomente parte dele, por isso, usarmosas expressões: “desistência parcial” e“desistência total”. Se requerida na suatotalidade, a desistência abrangeria todoo pedido formulado pelo autor, sendoassim, o juiz extinguiria toda a relaçãojurídica, observando os critérios pertinentesa sua legalidade, inclusive, fazendoconstar, na sentença homologatória,os motivos que levaram o autor a desistir,tema que será melhor analisado emitem posterior. Cumpre ressaltar que osmotivos ensejadores da desistência nãopodem ser fúteis ao ponto de utilizá-lopor qualquer justificativa.Sendo a desistência parcial, é precisoque o pedido do autor na ação sejaseparável, ou seja, que exista a possibilidadelegal do juiz proferir uma sentençaparcial independente. Neste caso, podea desistência abranger somente parte dodireito em litígio ou algum recurso manifestadopelo autor.Quando isso acontecer, ou seja,quando não compreender todas as questõesdebatidas no processo, a mesmainstância continuará prestando a tutelajurisdicional em relação às questões remanescentes.Nem sempre o valor da causa seráalterado quando da desistência parcial,prova disso é a seguinte jurisprudênciaque dá entendimento diverso, ocorridoem um processo de execução no qualdecidiram por não alterar o valor dado àcausa, prevalecendo o inicialmente pleiteado,como consta in verbis:“A desistência de parte do pedido,em execução, não influi no valor da causa,que continua de ser o inicialmentefixado.” 82.3 Desistência Condicional.____________________8 4a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 26.07.45, Revista dos Tribunais, 162, 197.A desistência condicional não vemexplícita em nosso ordenamento jurídico,mas consiste ela em uma espécie da formaexpressa da desistência. Procuramos dis-162


cuti-la em separado para enfatizar as situaçõesem que ela comumente aparece.Esse tipo de desistência expressacondicional, como o próprio termo diz,necessita da ocorrência de certas condiçõespara exteriorizar-se, como porexemplo, o assentimento do ex adverso.A desistência condicional é toda adesistência que provém de transação ouacordo, envolvendo a restrição ou a suspensãodo direito de demandar ou a renúnciado próprio direito em litígio.Sua fundamentação, na opinião deTeixeira de Freitas 9 e de muitos outros,encontra-se amparada numa convençãoou numa composição amigável, realizadapara extinguir obrigações litigiosas ouduvidosas, talvez por isso não dependaela da justificação das partes.A lei não obriga que esse tipo de desistência,decorrente de acordo ou transação,seja reduzido a termo, permitindoa sua aceitação também na forma verbal.Pode, de qualquer forma, ser ela reduzidaa termo, se as partes assim o desejarem,sendo que desta forma o ato serevestiria de maior segurança e firmeza.Qualquer que seja a forma adotada,por termo nos autos, por contrato, porinstrumento particular ou público, desdede que tenha sido ela homologada porsentença judicial, não terá lugar para aprescrição, pois é por meio dessa sentençaque a desistência condicional adquiriráforça e eficácia jurídica.2.4 Oportunidade para requerê-lae o consentimento do “ex adverso”.____________________9 Augusto Teixeira de Freitas, Vocabulário Jurídico, 1983.O INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILUNIJUSO momento oportuno para requererou para apresentar a desistência dependede certos fatores. O parágrafo 4 o , doartigo 267 do CPC, expõe uma primeirasituação mediante o seguinte enunciadoin verbis:“Art.267. Extingue-se o processosem julgamento do mérito:(...)§4 o Depois de decorrido o prazo paraa resposta, o autor não poderá, sem oconsentimento do réu, desistir da ação.”Nesta situação, pode ocorrer que oréu resolva apresentar contestação antesdo prazo se esgotar, sendo assim, suaanuência se tornará indispensável, poisbasta haver a manifestação do réu paraque seu consentimento seja necessário.Mesmo o réu apresentando a respostaantes de escoar o seu prazo, o autor aindadependerá da sua anuência, pois jáhouve resposta.Outra situação em que será necessáriaa concordância do réu será quandoele se tornar revel, ou seja, não apresentarresposta no prazo fixado ou quandopermanecer inerte, sem se manifestar.2.5 A revelia do réuO §4 o do artigo 267 do Código deProcesso Civil fala da impossibilidade dedesistência unilateral da ação, decorridoo prazo para a resposta, e sobre a impossibilidadedo autor desistir sem o consentimentodo réu.Não nos parece razoável estenderesse dispositivo aos casos de revelia. Arevelia é tão somente a contumácia dodemandado, é a falta de defesa inicial doréu regularmente citado.Se o réu contesta, implica dizer queele se manifestou, mostrou interesse em163


UNIJUSO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILque o mérito da ação seja julgado. Seassim não o fizesse, estaria ele revel.Estando revel, não há motivo paraprosseguir num processo no qual nenhumadas partes tem interesse, essa seria alógica. Mas, nada obsta a que o réu seoponha à desistência mesmo não tendocontestado a ação. Pode ocorrer que, pormero capricho, o réu imponha ao autora continuação do litígio.A própria inatividade do réu podeconfigurar a expressão de sua resistênciaàs pretensões do adversário.A desistência torna-se onerosa, e atémesmo impossível, nos casos em queo réu revel é citado por edital, e, particularmente,daquele réu incerto ou desconhecido.A própria jurisprudência, 10 há muitotempo, vem decidindo da seguinte forma:“O réu, que não ofereceu contestação,pode, contudo, desde que tenha fundadasrazões, opor-se à desistência daação.” O raciocínio é lógico, se levarmosem consideração a 2 a parte do artigo322 do CPC, que dispõe in verbis:“Art. 322. Contra o revel correrãoos prazos independentemente de intimação.Poderá ele, entretanto, intervir noprocesso em qualquer fase, recebendoono estado em que se encontra.” Tudoisso pode ser aplicado no caso de desistência,inclusive se observarmos o artigo185, do CPC, de forma que, sendo oréu revel intimado para manifestar-se arespeito da desistência, teria ele o prazode cinco dias para tanto.Como ressalta Carvalho Santos 11 emseus Comentários ao Código de 1939,____________________10 3a Turma do STF, em 19.5.67, Ag. Inst. N.º 40.537, DJ de 24.8.67, pág. 2.543.11 Carvalho Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, 1939.12 Alexandre de Paula, Código de Processo Civil Anotado, 1980, vol. 1, p.134.“Se o Código lhe garante o direito de intervirna ação em qualquer fase em que seachar, não era possível que permitisse queunicamente a vontade da outra parte fossedestruir esse direito do revel, já adquiridodesde que transcorreu o prazo para o oferecimentoda contestação. Daí a necessidadede ser ouvido o réu revel para a validadeda desistência da ação nesses casos”.Observamos, no entanto, a existênciade duas correntes doutrinárias, umaque entende que, ultrapassado que seja oprazo para contestar e não se utilizandodesse prazo para manifestar-se, perde oréu, agora revel, o direito de opor-se àdesistência, podendo, contudo, o juizhomologá-la de pronto, trata-se, aqui, deuma corrente que usa de interpretaçãoestrita; a segunda corrente entende pelaobservância dos artigos 322, 185 e 267,§4 o , todos do CPC, que, resumindo, dáao réu revel a expressa e legal possibilidadede manifestar-se sobre a desistência,mesmo não oferecendo contestaçãoe podendo intervir no feito a qualquerinstante, mesmo sem ter sido intimado.Cremos pela impossibilidade de escolhero entendimento mais coerente, poisa prática reserva-nos situações diversas.3ENCARGOS DA DESISTÊNCIA3.1 No Código de 1939No diploma 12 processual brasileiro de1939, os encargos relativos à desistênciae à confissão eram dominados peloartigo 55, que trazia in verbis:164


“Art.55. Se o processo terminar pordesistência ou confissão, as custas serãopagas pela parte que houver desistidoou confessado; se terminar por transação,serão pagas por metade salvoacordo em contrário”.A fonte inspiradora desse artigo 55,do Código de 1939, foi o artigo 460 doCódigo de Processo Civil de Portugal,que assim dispunha:“Art.460. Quando a causa terminapor desistência ou confissão, as custasserão pagas pela parte que desistiu ouconfessou; e se a desistência ou confissãofor parcial, a responsabilidade pelascustas será proporcional à parte de quese desistir ou que se confessar. No casode transação, as custas serão pagas ameio salvo acordo em contrário”.Hoje, fazendo parte de dispositivodiverso, a legislação brasileira organizoumelhor a matéria concernente aos encargose dispôs de forma sucinta a responsabilidadede quem dela desistir, por meiodo artigo 26 do CPC, que será melhoranalisado no item posterior.3.2 Despesas, multas e honoráriosadvocatíciosO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILUNIJUSLegalmente previsto pelo artigo 26e parágrafos do CPC, os encargos decorrentesda desistência da ação afiguram-sede algumas formas que dependerãode como e quando estará sendo adesistência exteriorizada. Senão, vejamoso que dispõe o artigo 26 in verbis:“Art.26. Se o processo terminar pordesistência ou reconhecimento do pedido,as despesas e os honorários serão pagospela parte que desistiu ou reconheceu.§1. o Sendo parcial a desistência ou oreconhecimento, a responsabilidade pelasdespesas e honorários será proporcionalà parte de que se desistiu ou que sereconheceu.§2. o Havendo transação e nada tendoas partes disposto quanto às despesas,estas serão divididas igualmente.”O caput do referido artigo propõeuma das situações mais comuns, em que,se o processo for extinto por desistência,especialmente de forma expressa ouna forma pura e simples, ou ainda, extinguindo-seele pelo reconhecimento dopedido, as despesas e os honorários advocatíciosserão pagos pelo desistenteou por quem o reconheceu.Deve-se observar que o legislador,ao abranger o termo “despesas”, procuroualcançar toda a conjuntura de gastosoriundos do processo, desde os mais simplesaos mais dispendiosos.Ocorrendo a desistência antes deefetivada a citação, o autor responderáapenas pelas custas e despesas processuaise não por honorários de advogado,mas, sendo ela requerida depoisda citação, o juiz deverá imporao autor o encargo dos honorários daparte contrária.O parágrafo primeiro do artigo 26faz referência sobre as despesas e honoráriosadvocatícios advindos da desistênciaparcial. Seriam eles diretamentecalculados de forma proporcional à partede que se desistiu, fazendo uma médiada importância daquele pedido dentro doprocesso, de forma a não causar prejuízo,onerando por demais a parte responsávelpelos encargos.Quanto aos honorários advocatícios,as partes poderiam acordar de formadiversa da prevista na lei, sendo comumo acordo para que cada uma delas pagueos honorários de seu advogado.165


UNIJUSO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILO parágrafo segundo do mesmo artigousa da proporcionalidade na sua conjuntura,que deve ser melhor observado,pois trata-se de desistência condicional,em que, implicitamente, estará presenteum acordo ou uma transação feita entreas partes. Neste caso, dificilmente, aspartes deixariam de dispor, em sua transaçãoou acordo, sobre as despesas ehonorários que cada um iria suportar.Caso isso não ocorra, o parágrafo emquestão deve ser observado em sua inteireza.Alguns dos casos que passamos aexpor da não incidência de custas, verificadaa desistência, ocorrem quandoo credor propõe uma ação de execuçãopara pleitear dívida não vencida,e quando há a propositura de açãoexecutando dívida já paga, no todo ouem parte, sem mencionar o montanterecebido, ou mesmo cobrar mais doque foi devido. Nesses casos, o credorficará isento do pagamento de custase outras multas, se a desistênciaocorrer antes de contestada a lide, conformepreceitua o artigo 1.532 do CódigoCivil, 13 que dispõe in verbis:“Art.1.532. Não se aplicarão as penasdos artigos 1.530 e 1.531, quando oautor desistir da ação antes de contestadaa lide”.Essa situação expõe casos em que oautor veio a reconhecer seu erro, arrependendo-sedo que fez. Porém, ocorrendoa desistência depois de contestadaa lide, incidirão as custas processuais doprocesso intentado, embora não as pagueem dobro.____________________13 Código de Processo Civil, Ed. Saraiva, 199814 Código de Processo Civil Comentado, 3a ed.15 TRF, 5a Turma.4SENTENÇA HOMOLOGATÓRIADA DESISTÊNCIA DA AÇÃO4.1 EfeitosOcorrendo o ato expresso de desistire não havendo nenhum fato impeditivodeste ato, o juiz, representando o poderjurisdicional do Estado, homologa adesistência, para que, a partir daí, seusefeitos sejam concretizados.Como defende Nelson Nery Jr. 14 emuitos outros, não basta somente a manifestaçãoda vontade de desistir para quea desistência surta seus efeitos.Como o próprio legislador convencionoupor meio do artigo 158, parágrafoúnico, in verbis:“Art. 158 (...)Parágrafo único. A desistência daação só produzirá efeito depois de homologadapor sentença.”O dispositivo deixa bem clara a vontadedo legislador em revestir o ato dadesistência de legalidade, por meio dasentença que irá homologá-la. Importa,aqui, uma considerável observação quejulgamos contrária ao estatuído pela legislação,pois a sentença, no caso da desistência,apenas colocará fim ao procedimentosem apreciar-lhe o mérito, portantopensamos ser razoável que os efeitospoderiam surtir a partir do ato válidode manifestação da parte, visto que, porsi só, seus efeitos irão decorrer automaticamente,independente da sentença sairno mesmo dia ou daqui a dez dias. Mas ajurisprudência 15 majoritária discorda des-166


se raciocínio, pois o entendimento é deque, enquanto não for homologada, porsentença, a desistência da ação nenhumefeito produz, devendo continuar os atosprocessuais em todas as suas fases.Como prescreve o artigo 317, osefeitos oriundos da sentença homologatóriada desistência não influenciarãona reconvenção, que terá o seuprosseguimento normal. O mesmoocorrerá se, porventura, a parte desistirdo pedido reconvencional, sendo quea ação primitiva seguirá o seu trâmitenormal.Se for constatado, após a lavraturada sentença, que não houve o consentimentodo réu na desistência, sendo elaimprescindível, a sentença homologatóriaserá anulada.Após a publicação da sentença homologatória,dispõe a parte, além do recursode apelação, também da ação rescisória,pois traz o artigo 486, caput, inverbis:“Os atos judiciais, que não dependemde sentença, ou em que esta formeramente homologatória, podem serrescindidos, como os atos jurídicos emgeral, nos termos da lei civil.”Remetendo-nos ao artigo 26 do Códigode Processo Civil, não poderíamosesquecer-nos de um efeito decorrenteda desistência, que trata do pagamentodas despesas e honoráriosadvocatícios pela parte desistente. Sendoa desistência parcial, justo será queas despesas e honorários sejam recolhidosproporcionalmente à parte de quese desistiu, entendimento que não geracontrovérsias.O INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL4.2 NaturezaUNIJUSA sentença homologatória da desistênciaé um tipo de sentença terminativa,pois, apesar de colocar fim ao processo,o mérito não é apreciado. O direito deação, como enfatiza Humberto TheodoroJr., 16 “permanece latente, mesmo depoisde proferida a sentença.” Essa sentençatem apenas o dever de declarar quedaquela ação se desistiu, ela apenas certificaráa existência daquele direito de quea parte dispôs, que era de desistir.Resumindo, a sentença homologatóriada desistência confirma aquele atolegal que estava à disposição da parte eque foi utilizado. Não houve condenaçãoem relação àquela pretensão jurídica dedireito material e nem mesmo constituição,modificação ou extinção de qualquerdireito. Sendo, portanto, sua naturezameramente declaratória.5A DESISTÊNCIA NOSPROCEDIMENTOS5.1 No procedimento sumárioNo procedimento sumário, previstopelo artigos 275 à 281 do Código de ProcessoCivil, é possível desistir da ação,pois, apesar de ser um procedimentomais célere e resumido, essa alternativaé dispensada ao autor. A oportunidadeexata para requerê-la seria na primeiraaudiência, logo após a abertura dos trabalhos,antes do réu ser ouvido, pois énesse momento que o réu irá apresentara sua defesa.____________________16 Curso de Direito Processual Civil, 1997, vol. 1.167


UNIJUSO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILSendo o pedido de desistência formuladoantes da apresentação da contestaçãodo réu, seu consentimento seriadesnecessário, cumprindo apenas ao juizpresidente proferir a sentença homologandoa desistência.Nesta situação, como em outras vislumbradaspelo procedimento ordinário,salvo exceções, o autor desistente estariasujeito ao pagamento do honoráriosadvocatícios, fundamentados pelo artigo26 do CPC, pois a citação se fizera eo réu constituíra advogado, constandodos autos o mandato.Da mesma forma, ocorreria, se o autorresolvesse desistir da ação no procedimentosumário, após a apresentação daresposta pelo réu, ou seja, estaria ela dependendoda concordância ou não do réupara que fosse homologada por sentença.Essas posições foram extraídas dejulgados atuais dos tribunais dos Estados.17 As medidas mencionadas acimase aplicam integralmente ao procedimentocomum ordinário.5.2 No processo de execução____________________17 Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, vol. 22, p. 20918 A Nova Regulamentação da Desistência em Execução, LTr- Legislação do Trabalho, vol.59.Legalmente prevista pelo artigo 569e parágrafo único do Código de ProcessoCivil, a desistência da execuçãovem amparada pela seguinte conjunturalegal:“Art.569. O credor tem a faculdadede desistir de toda a execução ou de apenasalgumas medidas executivas.Parágrafo único: Na desistência daexecução, observar-se-á o seguinte:a) serão extintos os embargos queversarem apenas sobre questões processuais,pagando o credor as custas e oshonorários advocatícios;b) nos demais casos, a extinção dependeráda concordância do embargante.”Este parágrafo foi acrescentado com areforma de 1994, por meio da lei 8.953/94.Percebe-se, nesse tipo de processo,que o poder de desistir não fica restritosomente ao credor, uma vez que os legitimadosa promoverem a execução ounela prosseguirem também gozam dessafaculdade, podendo a desistência referir-sea apenas parte ou à totalidade daexecução.Cumpre observar que a desistênciada execução, seja ela judicial ou extrajudicial,ou de alguma medida executiva,não impede que o credor proponha outraação com base no mesmo título executivo.Como bem enfatiza o jurista MarceloRodrigues Prata, 18 “ao homologar opedido de desistência, estará a sentençadesconstituindo a relação processual executiva,dando margem a uma sentençade natureza constitutivo-negativa.”Se a obrigação for líqüida e certa, edesistindo o credor somente de uma partedela, nada impede que, em uma outraoportunidade, seja executado o remanescente,observando-se o período de suaeficácia para requerer novos pedidos.Uma restrição que deve ser analisada éque o credor não pode desistir de excutiros bens do devedor preferindo os dofiador, se esta foi prestada como garantiasubsidiária. Neste caso, pode o credorpostular o “benefício de ordem”.Além de desistir de parte da obrigação,pode o credor desistir da execução relativamentea um dos coobrigados.168


O INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILUNIJUSO saudoso jurista Pontes de Miranda19 acrescenta ainda que “os própriosatos de liqüidação da sentença podem serobjeto da desistência.”José Frederico Marques 20 faz umaobservação interessante e coerente a respeito,expondo que, “desistindo o credorda execução, não fica satisfeita a obrigaçãopelo devedor, nem resolvida a lide,pelo que não cabe o pronunciamento dasentença de extinção, que é sentença demérito. Há sentença homologatória dadesistência como exige o artigo 158 doCPC, com o que se encerra a execução.”Observa-se, também, que, por analogia,a norma do artigo 267, §4º do CPC,poderá ser aplicada, embora, na execução,não exista propriamente uma contestação,mas exista a resposta feita pormeio dos embargos.José Frederico Marques 21 salienta,ainda, que, “se houver embargos, admitidos,a execução ficará suspensa, nãopodendo o executado desistir, já que éproibida a prática de qualquer ato processualnessa fase.” A única alternativaé o credor requerer a desistência nospróprios embargos, oportunidade em queo embargante poderá ser ouvido, e concordandoeste com a desistência, o processode embargos será extinto, e, porconseqüência, o processo de execução.Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery 22entendem pela desnecessidade da concordânciado embargante, se a matériaalegada nos embargos for de cunho processual.Caso seja questão de mérito, aconcordância do embargante será indispensável,mas essa concordância, comoem várias outras situações, deverá serfundamentada.Se os embargos não suspenderem aexecução, atos poderão ser praticadosno processo como a desistência, em queesta será requerida dentro da execução enão nos embargos, situação em que aoitiva do devedor será necessária.Se for o caso de desistência de apenasatos executivos, o juiz poderá ouviro devedor, a fim de que se atenda ao artigo620 do CPC, que traz in verbis:“Art.620. Quando por vários meioso credor puder promover a execução, ojuiz mandará que se faça pelo modo menosgravoso para o devedor.”Caso os embargos sejam intempestivose o processo de execução não cumpraa regularidade exigida, a concordânciado embargante não será necessáriase o embargado resolver desistir.Em suma, a desistência do processode execução será regida pelo artigo 267,inciso VIII do CPC, pois este ato independeda aquiescência do devedor paraser homologado e surtir os seus efeitos,se feito antes da citação da parte ex adversa.No entanto, a desistência do exeqüente,quando já forem propostos osembargos, será regida pelo artigo 267, §4º do mesmo diploma legal.5.3 No Processo Cautelar.O processo cautelar veio possibilitarao lesado o direito de precaver-se acercada demora do término do litígio, por-____________________19 Comentários ao Código de Processo Civil, 1974.20 Instituições de Direito Processual Civil, 1969, vol.4.21 Ibidem, p.319.22 Código de Processo Civil Comentado, 3a ed.169


UNIJUSO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILquanto o transcurso do tempo exigidopela tramitação processual pode acarretardanos freqüentes nas pessoas, coisase relações jurídicas que estariam envolvidasno litígio. O processo cautelar veio adar maior segurança a essas questões.Em livro destinado somente à suaexposição, o CPC traz de forma satisfatóriadisposições gerais e específicassobre a medida cautelar. Sua atuação emjuízo é sempre provisória, pois, comodiz José Frederico Marques, 23 “repousasobre fatos mutáveis, subordinando àcontinuidade do estado de coisas ondese assentou a medida.”Tratemos, então, do que interessa aeste trabalho. Como o processo cautelaré também uma ação de cunhos satisfativoe preparatório, sua extinção não vemexplícita na sua conjuntura legal, aplicase,neste caso, o artigo 267 e 269, ambosdo CPC, diferentemente da cessaçãode sua eficácia, que surge, visivelmente,mediante o artigo 808 do CPC,compondo-se do seguinte contexto inverbis:“Art. 808. Cessa a eficácia da medidacautelar:I - se a parte não intentar a ação noprazo estabelecido no art.806;II - se não for executada dentro de30 dias;III - se o juiz declarar extinto o processoprincipal, com ou sem julgamentodo mérito.Parágrafo único: Se por qualquermotivo cessar a medida, é defeso à parterepetir o pedido, salvo por novo fundamento.”Cumpre observar que o instituto dadesistência está indiretamente ligado em____________________23 Instituições de Direito Processual Civil, 3a ed., vol.4, p. 371.dois dos incisos retromencionados, nosincisos I e III. No primeiro, porque, se aparte não intentou a ação principal no prazoestabelecido, pressupõe-se que ela desistiuda ação, cessando, assim, a eficáciada cautelar; no inciso III, porque uma dascausas de extinção da ação principal seriaa desistência, situação elencada no dispostodo art.267, inciso VIII do CPC,que seria aplicado subsidiariamente.Pode ocorrer a desistência por partedo requerente da medida cautelar, mesmoestando em curso o procedimento,ou mesmo já tendo sido ela concedida,situação em que se observaria o preceituadono artigos 158, parágrafo único e267, §4 o , ambos do CPC.Se a desistência ocorreu no cursoda ação cautelar, ou seja, antes de ajuizadaa ação principal, o juiz prevento nacautelar que se extinguiu não será o mesmopara conhecer da ação principal, poisa prevenção desfez-se com a extinção,não havendo, portanto, o processamentoda medida cautelar.Não sendo proposta a ação no prazode 30 dias, prazo decadencial, o juiz poderádecretar de ofício a cessação damedida cautelar. Subentende-se que,aqui, houve desistência da cautelar porparte do requerido. Sendo a desistênciaexpressa, a medida será extinta sem julgamentodo mérito, extinguindo-se, também,a prevenção, caso o requerente dacautelar resolva intentar, mais a diante, aação principal; não sendo expressa, amedida cautelar terá apenas sua eficáciacessada passados os trinta dias, e o processocontinuará seus trâmites legais atéa sentença definitiva da ação cautelar.Ocorre que, estando extintos os efeitos170


da cautelar, a parte fica proibida de repetiro pedido cautelar se a fundamentaçãousada for a mesma.Merece destaque a situação da desistênciade litisconsorte na medida cautelar,que é permitida, visto que o únicoprejuízo auferido à parte desistente é aperda do possível aproveitamento damedida preparatória para os efeitos dapropositura da ação principal.Sérgio Sahione Fadel 24 acrescentaque, em se tratando de ações em que háprestação jurisdicional antecipada, como,por exemplo: os casos de liminares eminterditos possessórios, de embargo deobra nova, de concessão preliminar demedidas cautelares como o arresto, o seqüestroe outros, a desistência posteriorda ação repõe as coisas no statu quo ante.6A DESISTÊNCIA NAS RELAÇÕESJURÍDICAS CONTINUATIVASRelações jurídicas continuativas sãoaquelas que, apesar de terem sido sentenciadas,sobre elas não irão ter eficáciaos pressupostos da imutabilidade eintangibilidade, por não fazerem coisajulgada. Nesses casos, o direito propriamentedito não prescreve, mesmo queele seja um dos dispositivos prolatadosna sentença, seja ela condenatória, constitutivaou declaratória. A parte que seencontrar lesada pelas modificações advindasdo tempo, terá a faculdade de, aqualquer momento, poder rever aqueladecisão. Não se trata, aqui, nos dizeresde Humberto Theodoro Jr., 25 de caso dealteração da sentença anterior, mas sim____________________24 Código de Processo Civil Comentado, 6a ed., 1987, vol.1.25 Curso de Direito Processual Civil, 20a ed. rev. at., 1997, vol. 1.O INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILUNIJUSda obtenção de uma nova sentença parauma situação também nova. Se a partedesiste de uma ação que verse sobre relaçãojurídica continuativa, nada obsta aque, posteriormente, seja a mesma açãoproposta novamente. Sobre tal decisãonão recairão os efeitos da coisa julgada.Um exemplo típico e muito comum dessescasos é a ação de alimentos e a açãode modificação de guarda.Legalmente, esse entendimento estáamparado pelo artigo 471, inciso I doCPC, que traz in verbis:“Art.471. Nenhum juiz decidirá novamenteas questões já decididas, relativasà mesma lide, salvo:I – se, tratando-se de relação jurídicacontinuativa, sobreveio modificaçãono estado de fato ou de direito; caso emque poderá a parte pedir a revisão do quefoi estatuído na sentença.”7A DESISTÊNCIA NO CÓDIGO DEDEFESA DO CONSUMIDOR E NALEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA.O Código de Defesa do Consumidor,por meio da Lei 8.078/90, surgiunão somente para amparar as relaçõesjurídicas de consumo como tambémpara regular algumas das situações trazidaspela Ação Civil Pública, mediante daLei 7.347/85, que, além de tratar sobrequestões de consumo, trata também dassituações de danos causados no meioambiente, a bens de valor artístico, estético,histórico, turístico e paisagístico.A parte que interessa a esses trabalhoconstitui-se de um detalhe pequeno,171


UNIJUSO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILmas importante. Referimo-nos à desistênciada Ação Civil Pública, que sofreu umaconsiderável modificação com o adventoda Lei 8.078/90, o Código de Defesa doConsumidor, pelo seu artigo 112.Antes da Lei 8.078/90, o parágrafo3 o , do artigo 5 o , da Lei 7.347/85, járevogado, dispunha in verbis:“Art.5 o (...)§3 º Em caso de desistência ou abandonoda ação por associação legitimada,o Ministério Público assumirá a titularidadeativa.”A lei 8.078/90 trouxe a seguinte modificaçãoem seu artigo 112, in verbis:“Art.112 – O §3 o do art. 5 o da Lein.º7.347, de 24 de julho de 1985, passaa ter a seguinte redação:§3 o – Em caso de desistência infundadaou abandono da ação por associaçãolegitimada, o Ministério Público ou outrolegitimado assumirá a titularidade ativa.”O Código de Defesa do Consumidorveio a ampliar o rol dos que poderiamacrescer à titularidade ativa, caso houvessedesistência ou abandono da ação. Ressalte-seque, agora, a desistência deve serfundamentada, pois o parágrafo revogadonão dispunha a respeito dessa fundamentação,que não pode ser qualqueruma, deve estar amparada legalmente.Observa-se ainda que, se a desistênciafor fundamentada, não justifica havera concordância do réu, mesmo porquetrata-se de questão pública de ordemsocial.O CDC (lei 8.078/90) acrescentou otermo infundada, qualificando a desistênciada ação civil pública, ao antigo textoda LACP.A doutrina entendia que esse assuntodeveria ter um melhor tratamento, deforma a regular a desistência.A matéria revogada no artigo expunhaa idéia de que o Ministério Públicosempre seria induzido a assumir o póloativo da demanda, em caso de desistênciapela autora.Salienta-se que, pela interpretação doartigo revogado, o MP sempre seria obrigadoa assumir a posição ativa da ação.Mas essa posição acumulou uma vastacrítica entre os doutrinadores, pois, se oMP pode promover o arquivamento doInquérito Civil deixando de ajuizar a ação, por que compeli-lo a continuar comoautor da ação infundada, ajuizada pelaassociação desistente?O legislador trouxe, no novo artigo,que a desistência pela associação autoradeve ser infundada ao ponto de obrigara atuação do MP no pólo ativo da açãocivil pública.Todo ato deve vir acompanhado defundamentação pela associação ou sindicatodo autor.O MP será o órgão competente paraanalisar se a desistência é ou não é fundada.Sendo fundada a desistência, o MPpoderá deixar de assumir o pólo ativo daação civil pública. Para isso, o parquetusará da sua liberdade de convicção aliadaao conceito jurídico indeterminado de“desistência infundada”, termos usadospelos autores do anteprojeto da lei.Se infundada a desistência, estará oMP obrigado a assumir a polaridade ativada relação processual, face ao princípioda obrigatoriedade da ação civil públicapor parte do MP e também da norma cogenteque o coloca como titular da ação.172


Outro fator acrescentado na novaredação do artigo fala sobre a atuação deoutro legitimado no polo ativo da açãocivil pública. Aqui, a reflexão é sucinta,pois desistindo qualquer um dos legitimadosà ação, qualquer outro co-legitimadopoderá assumir o pólo ativo verificadaa desistência. É dado ao co-legitimadosuma faculdade normativa e ao MPuma imperatividade.8CONCLUSÃOO INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILUNIJUSA idéia de elaboração deste trabalhopartiu de uma reflexão a respeito de umdos poderes de que a parte dispõe depoisde ajuizar uma ação, poder anormalna visão de muitos juristas.Quanto mais era percebido não haverum trabalho que delineasse o institutoda desistência, mais aguçava a curiosidadesobre o tema.Não se trata de um trabalho exauriente,mas que pode dar margem parasuprir muitas dúvidas.Por se tratar de assunto não muitofreqüente em nossa rotina forense, notamosque tão grande é a sua importância,e como existem detalhes que devemser atentamente observados.Os efeitos da sentença que o homologafoi um dos pequenos detalhes quenos levaram à dúvida. Concluímos quesomente após a homologação feita porsentença é que torna a desistência válidae <strong>capa</strong>z de surtir os seus efeitos. E aindaque, não tendo sido consumada, poderáocorrer a sua retratação.A coisa julgada foi um dos fatorespreocupantes no decorrer deste trabalho,juntamente com a questão suscitadade instauração de nova instância. Cremosque a coisa julgada é formal, poistrata-se de sentença terminativa, que nãojulga o mérito, apenas põe fim ao procedimento.Quanto à instauração de novainstância, cremos que cada magistradodeve concordar com pelo menos uma dasidéias apresentadas quanto ao estado deprevenção na causa, mas entendemoshaver as duas saídas expostas no trabalho,porém, nada obsta a que outras sejamtrazidas à prática, já que não existedisposição específica para esse assunto.A presença de litisconsortes na ação émais um fator que exige da desistência umaatenção maior, porque, nas suas variadasespécies, os efeitos podem ser diferentes.Concluímos que o artigo 267 do CPCtorna-se a base de aplicação tanto para oprocesso de execução como para o processocautelar, e também para o procedimentosumário.Foram apresentados algumas legislaçõesalienígenas sobre a desistência coma finalidade principal de mostrar que existeuma linha comum de raciocínio técnicoutilizado por outros países que prevêema desistência em seus ordenamentosjurídicos.Por fim, concluímos que a desistênciaé uma forma de extinção anormal daação, que precisa ser homologada parasurtir efeitos, que faz coisa julgada formal,que pode ou não provocar a instauraçãode uma nova instância, que podeocorrer em qualquer procedimento, salvodisposição em contrário, que tem lugarnas relações jurídicas continuativas,sem haver prejuízo, que a revelia do réupode ou não obstar a sua declaração deofício, e que ela pode ser condicional,desde que não lese direitos indisponíveis,além de outras características que serãoobservadas no decorrer da leitura.173


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O INSTITUTO DA DESISTÊNCIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVILUNIJUSSARTI, Amir José Finocchiaro. Ação Rescisória. Revista Jurídica. n. 245, Março de 1998.SATTA, Salvatore. Direito Processual Civil. 7. ed., Rio-GB, Ed. Borsi, 1973, v.2.SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. 4. ed. ver. at., Ed. Revista dosTribunais, 1998, v.1.SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do Advogado. 2. ed., Ed. RioTEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva.TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Vocabulário Jurídico. 1983THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 20. ed. rev. at., Rio deJaneiro: Forense, 1997, v.1.TORNAGHI, Hélio Bastos. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT,1975, v.3.175


SOBERANIA E FEDERALISMOAndré Luis Del Negri*sumário1. A crítica científica, a Ciência do Direitoe a finalidade da pesquisa2. Soberania: considerações geraisresumo3. Federalismo4. Aspectos significativos da problemática analisada5. ConclusãoO conceito de soberania, como produto de discussões controvertidas e obscuras entre osestudiosos do Direito, é levado ao estudo da Ciência Jurídica pela crítica científica juntamentecom o instituto do federalismo, em especial o brasileiro, para extrair desse confronto aposição de que os Estados-Membros e os Municípios possuem soberania e não autonomia.1. A Crítica Científica, a Ciência doDireito e a Finalidade da PesquisaHá algum tempo, é comum encontrar-sea expressão «soberania» sob oenfoque de vários autores que tratam doassunto apontando aspectos controvertidosdo conceito sempre de forma polêmicae confusa não oferecendo respostaúnica. Estudos mostram que a soberaniaé uma das questões que o direito enfrentacomo sendo um dos problemas maistormentosos na esfera acadêmica e, portal motivo, não se mostra tarefa fácil.Pergunta-se: O que a soberania representa?Como entendê-la? Já é umconceito superado? Já se pode falar em«desoberanização»? Os Estados-Membrose os municípios possuem soberania?É precisamente dessas questões quetrataremos, nesta pesquisa, 1 para umatentativa de reconstrução do conceito desoberania, e em seguida, ligá-la à questãodo federalismo.Ainda que se tenha essa finalidade,parece que a dispersão dos pontos devista reconhecidos na produção jurídicatorna o assunto potencialmente infinitoe, por isso, se enfrentado aqui, tornariao estudo um tanto dispersivo ante às característicasda pesquisa.Sabe-se, contudo que, sob análise deKARL POPPER, (POPPER, apud,AGUILAR, 1999, pp. 23-27) o Direito éum estatuto científico e, em nome dacrítica científica, 2 pode-se determinar ovalor de uma teoria 3 colocando-a à provaçõesconstantes, isto é, sob a influênciade críticas rigorosas.O presente estudo assenta-se nessalinha de pensamento, cuja postura é consideraro Direito uma Ciência 4 que podecriar teorias não falseáveis e, a partir dis-____________________* André Luis Del Negri, Mestrando em Direito Constitucional pela UFMG, Advogado e professor de Direito Constitucional na Universidade de Uberaba.1 Pesquisa: “investigação qualitativa de TEXTOS pelo grau de sua irrefutabilidade (TESTIFICAÇÃO CONTINUADA) em face de um TEMA proposto,seja epistemológico, gnosiológico ou filosófico”. (LEAL, 2000, p 198).2 Crítica Científica: “indicação de realidades ausentes na lógica (estrutura) do DISCURSO DO CONHECIMENTO” (LEAL, 2000 p. 198).3 Teoria: “ Organização lógica do conhecimento sobre um ou vários enfoques. Resultantes discursiva de uma reflexão satisfatória (afirmativa ounegativa) da existência numa especialidade temática”. (LEAL, 2000, p. 198).4 Ciência: “ Ciência é atividade produtora de conhecimentos e de esclarecimentos do conhecimento (conceitos e enunciados) para desenvolver,aperfeiçoar, melhorar (humanizar?) a TÉCNICA”. (LEAL, 2000, p. 198).176


so, criar um novo eixo de cientificidadeque será levado, na visão Popperiana, àcríticas contundentes como sendo o melhorcritério de seleção. Se a teoria criadaresistir, bem, senão, ela dará margem aosurgimento de uma nova teoria científicae assim se desenvolverá o Direito em seuconstante processo de formação. O quenão se quer é incorrer no sério problemado niilismo, isto é, se conformar com omundo tal qual ele se apresenta aceitandotudo o que nele ocorre. Para que issonão aconteça, o presente trabalho seráuma tentativa de contribuição para umanova reflexão dessa questão.Nesta perspectiva, a soberania seráempreendida por meio de análise juntamentecom a questão do federalismo brasileiro.Em conseqüência, associando osdois institutos, extrai-se dessa problemáticauma postura a ser adotada, ou seja,a partir do conceito de soberania emRousseau defendendo, pela crítica científica,o Estado-Membro e o municípiocomo sendo portadores de soberania. Eiso objetivo central do estudo a seguir.2SOBERANIA:CONSIDERAÇÕES GERAIS2.1. A dimensão da SoberaniaEntende, acertadamente BARA-CHO(1987, pp. 8-9), que a soberania temo seu conceito elaborado pela ciência eainda se assenta na experiência e na observaçãodos fenômenos sociais.SOBERANIA E FEDERALISMOUNIJUSEssa questão foi certamente uma dasmarcas fundamentais do direito políticodesde sua época inicial com Jean Bodin,Tomas Hobbes até nossos dias com idéiasmais democráticas e avançadas recentementeestudadas por Goyard-Fabre, Carpizo,Negri e Hardt. 5 Com base nessepostulado ontológico, busca-se enfocara seguir alguns momentos importantesdesse ciclo histórico.2.2. A proposta de soberania naAntigüidadeOs antecedentes históricos mostramque a idéia de Soberania é sempre associadaao estudo do Poder. As primeirasidéias sobre poder repousam na célebrefrase de São Paulo “dominis potest dei”e na afirmação de Santo Agostinho (590a 1216) ao pregar o respeito e a submissãodos príncipes ante ao poder espiritualdos Papas. Essa fase ficou marcadapela inspiração divina ou cosmogônica.Com efeito, um dos principais feitosdessa luta travada entre Igreja e Monarcapela tomada do poder foi o episódiode Canossa em que o Imperador HenriqueIV, de joelhos e descalço, pediu perdãoao Papa Gregório VII (Papa de 1073a 1085).Observa GOYARD-FABRE(1999, p.5) que os primeiros sinais de modernidadepolítica vieram no final do séculoXIII com Marsílio de Pádua (1275-1343)e Guilherme de Occam (1290-1350) quedefenderam a hostilidade ao papado estabelecendo,em novas vias, a filosofiae, em particular, o pensamento político,____________________5 Antônio Negri e Michael Hardt em recente livro publicado nos Estados Unidos suscitaram uma análise a respeito da atual formação política quetende a dominar o mundo. Tal formação é denominada por eles de Império. Esses dois militantes comunistas fazem a diferença entre soberaniamoderna e soberania pós-moderna sendo que a primeira é típica do Estado-nação que tem um poder central que exerce o monopólio sobre umdeterminado território e população. A segunda espécie seria a soberania baseada no Império Romano de fronteiras flexíveis ligada à globalizaçãocapitalista. (Entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, 24 de setembro de 200. A nova soberania. Caderno Mais, pp. 6-11).177


UNIJUSSOBERANIA E FEDERALISMOque agora passa a se desprender dos pensamentoscosmogônicos.2.3. O pensamento de BodinA jus-filósofa GOYARD-FABRE(1999,pp.120-138) ao enfocar a evoluçãodo Direito Político, recorda algumasidéias de Bodin que afirmava ser a soberaniaa verdadeira «essência» da República.Para tanto, a publicista francesaexpõe uma metáfora de Bodin, relatadano livro La République, (1577) sobre aNave-República que na verdade seriauma «Nau» e que cada pedaço de madeira,que compunha a nave, seria ummembro da sociedade e o «todo», paranão naufragar, dependeria de um timoneirochamado Estado representado pelafigura do príncipe que era o único senhora bordo da Nave-República abaixode Deus.Passando da metáfora à definição,Bodin caracteriza a soberania como apotência absoluta e perpétua de uma Repúblicae que “os príncipes soberanos sãoestabelecidos por Deus como seus lugares-tenentespara comandar os outroshomens (...) Por conseguinte, aquele querecebe de Deus a potência soberana étambém, de Deus, «a imagem na terra»”.Logo, essa expansão das idéias deBodin segundo autora, é sacudida quandoLa Boétie, no seu discurso da servidãovoluntária, pleiteava a liberdade sustentandoo novo papel do povo a ser desempenhadono Estado, ocasionando oprimeiro sinal da crise que logo abalará aidéia de soberania.A pesquisadora francesa mostra queo abalo mais forte veio através das idéiasde um jesuíta neo-escolástico das escolasde Salamanca e de Coimbra,chamado Francisco Suárez (1548-1617) que, inobstante acreditar na origemdivina da soberania (idéia típicade um jesuíta), defendia a delegaçãodo exercício do povo ao monarca e,ainda, a idéia de que a soberania apesarde absoluta tinha que ser limitadapelas leis do Estado.2.4. A Titularidade da SoberaniaHá dentro da Teoria Geral do Estadoe do Direito Constitucional uma grandedivergência sobre quem é o titular oudetentor da soberania. Há correntes deestudiosos do direito que sustentam queo titular da soberania é o detentor dopoder político. Outras sustentam que éo Estado. Não é, contudo, a idéia apresentadaneste trabalho. Nessa perspectiva,considera-se o titular da soberaniacomo Rousseau o fez, ou seja, defendendoa idéia de soberania popular, fatoeste que levou Esmein a considerar esseprincípio como o mais importante proclamadopela Revolução Francesa.CARPIZO (1982, p. 198) em importantetrabalho sobre soberania visita algunsautores e tece algumas consideraçõessobre a titularidade da soberaniaapontando os diversos significados paradelimitar, adiante, o sentido a respeito dequem é realmente o titular da soberania.Citando Grotius, Carpizo observaque o holandês ao estabelecer suas idéiasafirma que o titular da soberania é odireito natural, ao passo que Hobbes aoestabelecer um humanismo jurídico-políticodiz que o titular é o detentor dopoder. Hegel e Jellineck, precursores dadoutrina alemã, indicam o Estado e,Rousseau, não hesita em mostrar que opovo é o soberano.178


SOBERANIA E FEDERALISMOUNIJUS2.4.1. O Povo como titular da soberaniaAo assumir uma posição inteiramenteroussoniana o professor CARPIZO(1982, p. 200) destaca as idéias do mestrefrancês, e conclui:“(...) El pueblo es su próprio legisladory juez. El pueblo crea ydestruye las leyes (...) El pueblo esel amo y señor, los que gobiernanson sus servidores: «...el acto queinstituye el Gobierno no es un contrato,sino una ley; los depositariosdel poder ejecutivo no son losdueños del pueblo, sino sussevidores; puede nombrarlos odestituirlos cuando le plazca(...)”.Como resultado dessa conclusão,refuta-se as idéias de Maquiavel, Bodin eHegel lembrando que a idéia de soberaniadeve ser realmente reestruturada, poisnão pode mais ser vista como um atributodo Estado.Nesta perspectiva, a análise da soberaniaem LEAL (1999, p. 21-35),deve ser feita ao lado da distinção entreprincípios, regras e normas, poisesse autor aponta a soberania comouma instituição jurídica 6 por reunir umconjunto de institutos jurídicos, ouseja, princípios jurídicos, regras, normas,teorias. 7A partir dessa análise, verifica-se,segundo o autor citado, que a Constituiçãobrasileira em seu discurso, fala emsoberania do Estado, ora em soberaniado Povo. Note-se que o art. 1º da ConstituiçãoFederal de 1988 fala em soberaniacom fundamento do Estado Democráticode Direito, o art. 5º, LXXI, afirmaque caberá mandado de injunçãoquando faltar norma regulamentadora quediz respeito, entre outros casos, às prerrogativasinerentes à soberania; O art.14, por sua vez, fala em soberania popularquando trata do sufrágio universal e,o art. 170, I, se refere à soberania comoprincípio da ordem econômica.Dessa forma, distinguindo os seusefeitos e causas, a fim de ampliar a extensãodo conceito de soberania o professorobserva que:“A Carta Magna brasileira, emboranesse ponto confusa e retórica,registrou o significado moderno quea soberania assumiu no seu ciclohistórico de buscar no povo de umanação, muito antes que no Estado, afonte de sua própria existência, eficácia,e legitimidades jurídicas”.(LEAL, 1999, p. 35).Com essa argumentação, ainda o citadoautor, pretende demonstrar que:“A única fonte legítima (originária)de poder, no mundo pós-moderno(mundo da história não linear),é o POVO e a fonte secundáriaé a lei (ordenamento jurídico) criadapelo POVO, cabendo ao Estado,como uma das instituições daNAÇÃO exercer a função de fazercumprir a lei pelos segmentos básicosdo serviço público (executivo-____________________6 Pode-se citar como exemplos de instituições jurídicas além da Soberania, o Mercado que apoiado em institutos jurídicos como o consumo,circulação e produto se faz igualmente uma instituição jurídica. O Processo, também nessa linha, apóia-se em institutos jurídicos como ocontraditório, a isonomia e a ampla defesa.7 Para melhor compreensão pode-se dizer que tanto os princípios quanto as regras são normas. Os princípios são referenciais jurídicos, paradigmasavaliativos que devem ser aplicados e seguidos a um maior número de casos possíveis, possuindo ainda uma característica peculiar: possuemuma acentuada carga de abstratividade. As regras são normas específicas aplicadas a certos casos, não possuem a abstratividade dos princípiospois, na verdade, concretizam os princípios jurídicos.179


UNIJUSSOBERANIA E FEDERALISMOadministrativo, comissário-legislativo,judiciário). Estado não é (...)soberano por atributo intrínseco,mas exerce a soberania por delegaçãopopular numa relação jurídicarevisível a qualquer tempo pelopovo”.(LEAL, 1999, p. 304).Ressalte-se, por outro lado, que asoberania ao nascer do povo nos fazidentificar um grande adversário destaconcepção: qual seria o verdadeiro conceitode povo? Será que os desfavorecidosda «cadeia de exclusão» fariam partedesse universo?A legitimação dessa soberania deveriapartir do verdadeiro conceito depovo que, não tem nenhum tipo de participaçãono processo soberano. Masisso não é um assunto para ser pormenorizadoaqui, apenas alerta-se o leitorpara o problema. 8 3FEDERALISMOMuitos autores quando tratam desoberania ainda estão presos à etimologiada palavra, isto é, à idéia de superioridade.Todavia, procura-se afastaressa concepção de superioridade e vincularo conceito a novas análises promovendoa conciliação entre soberaniae federalismo.Neste capítulo a análise partirá deuma ótica diametralmente oposta à teoriada monarquia absoluta pela qual eraimpossível a divisão/distribuição decompetências e de soberania a diversosórgãos.Autores como EISMEIN entendemque a soberania se harmoniza com aRepública democrática e que o examedesse princípio de soberania nacionalacarreta diversas conseqüências comonos casos de sufrágio político, governorepresentativo e, sobretudo, na forma deEstado (EISMEIN, apud, BARA-CHO,1987, pp. 28-29). PREUSS chegoua afirmar que o conceito da soberaniacomo algo pertencente ao Estado eraincompatível com o Estado de Direito ecom o federalismo (PREUSS, apud,BARACHO, 1987, p.44).A interpretação mais atualizada trazaspectos positivos do federalismo, poisalém de encorajar e reforçar a democracia,facilita a participação democráticatornando-o, dessa forma, eficiente naproteção das minorias.Se o federalismo reforça a democracia,a concepção que se acha aceitável ànova estrutura do Estado ConstitucionalModerno, que tem no povo a sua fontelegítima, é uma ideologia cada vez maisdemocrática tendente a acabar com omito de que os Estados-Membros e osmunicípios não possuem soberania.3.1. O Estado-Membro e a questão daAutonomia na Organização FederalComo se sabe, é comum que se encontrena doutrina que os Estados-Membrospossuem autonomia. Mas o que significaisso, realmente?Há uma certa preocupação em conferirà autonomia o seu verdadeiro conteúdo.A imprecisão do termo foi detectadapor HORTA (1999, pp. 371-374)que, ao pesquisar diversos autores, mostraa ambigüidade de sentido que o termoapresenta. Com efeito, dispõe a dou-____________________8 Para um estudo mais detalhado a respeito do tema, remete-se o leitor ao livro do alemão Friedrich Müller: Quem é o povo? São Paulo: Max Limonad, 2000.180


trina, em especial a italiana, que autonomiacompreende a auto-legislação, ouseja, a autonomia de criar normas relativasà própria organização.Como relatou HORTA (1999, pp.371-374), “a autonomia é, portanto, arevelação de <strong>capa</strong>cidade para expedir asnormas que organizam, preencham e desenvolvemo ordenamento jurídico dosentes públicos”.Embora a doutrina fale em autonomia,é bom lembrar que a Constituiçãobrasileira de 1891 falava em Estados-Membros soberanos copiando uma tendêncianorte-americana.O momento inicial dessa idéia de conferirsoberania aos Estados-Membros,deu-se à época do Governo Provisóriode Deodoro da Fonseca (1889-1891) emque houve algumas medidas para consolidara República como, por exemplo,o banimento da Família Imperial, a laicizaçãodo Estado, a convocação do CongressoConstituinte e um momento desuma importância para o federalismo:antigas províncias passaram a se constituirEstados da Federação.Nota-se que o Decreto n. 1 de 15 denovembro de 1889 influenciou as Provínciasdo Império a transformarem-seem Estados, dando-lhes uma excessivadose de soberania principalmente paracriar a sua Constituição.Na verdade, essa euforia revolucionáriadurou pouco, pois com o surgimentodo Decreto n. 7, em novembro do mesmoano, a idéia de soberania foi enfraquecidapelas intervenções do poder federal.A soberania do Estado-Membro ressurgiriano Congresso Constituinte pelasidéias de Campos Salles, Bernardino deCampos e José Higino ( HORTA, 1999,p. 378). Vê-se que a soberania tratadaSOBERANIA E FEDERALISMOUNIJUSpela Constituição brasileira de 1891, noque diz respeito aos Estados-Membros,era um termo equivocado, portanto, diferentedessa posição moderna que sedefende nesta pesquisa. Observa-se queo medo de dar maiores poderes aos Estados-Membrosse faz presente na história.Aliás, esse é um ranço que advémde uma herança de concentração de poder,cuja extirpação é reclamada modernamentetendo no povo o alvo civilizatório.Hoje, o que se encontra é um volumede restrições limitadoras da atuaçãodo povo no âmbito do Estado-Membro.Na verdade, é uma resistência que tornainócua a expressão soberania, pois aUnião não permite que os governos locaiscuidem diretamente de suas necessidadessociais impedindo o indivíduo demanifestar a sua cidadania de uma formamais efetiva.3.2. Soberania e CidadaniaAo invés de uma soberania ligadasomente ao Estado é chegada a hora deenxergar uma sociedade de estadosmembrose municípios independentes,unidos pelo Direito e ligados por umaintensa solidariedade de interesses. Numponto, o conceito de soberania absolutade Bodin está superado, agora resta construirum novo conceito que atenda à realidadesocial.A soberania é a qualidade de umaunidade territorial de decisão e ação pelopovo, através do pleno exercício da cidadania.POSADA afirmou que o conceitoclássico de soberania foi elaborado debaixodas influências de lutas para explicaro poder político e justificar, na sociedadehumana, o predomínio de deter-181


UNIJUSSOBERANIA E FEDERALISMOminadas instituições ou pessoas (POSA-DA, apud, BARACHO, 1987, p.62).Devido às exigências de uma realidadepolítica, o federalismo e o autonomismolocal são a pedra angular do sistema,porque reparte o poder entre asunidades políticas menores buscando umequilíbrio, a fim de evitar a concentraçãode poder e a leitura verticalista danossa Constituição.Em sendo os estados-membros emunicípios entes autônomos que buscamexpedir normas, se essas foremcriadas pela vontade do povo que participana sua produção, elas se legitimamna soberania da vontade populare, esse ente local sendo emissor desoberania para uma macroregião, passariaa ser soberano, ao invés de serautônomo.Daí concluir SILVEIRA (1997,p106): “(...) o indivíduo deveria sujeitar-seà aproximadamente 90% de leislocais (estaduais e municipais) e, apenas,à 10% de leis federais”. Essa novavisão de soberania e federalismo deve serconstruída lentamente.3.3 O MunicípioUm dos aspectos de especial importâncianeste trabalho é, sem dúvida nenhuma,a figura do município, institutomuito bem enfatizado pelo ProfessorMAGALHÃES (1999) que se preocupaem valorizar o Poder em um espaço territorialmenor. A autonomia dos municípios,como demonstra o trabalho, seriauma autonomia soberana se a organizaçãolocal partisse da vontade do povoatravés dos mecanismos de democraciadireta como o plebiscito, referendo e iniciativapopular utilizados com maior freqüência.O fortalecimento local não exclui asoutras esferas. O local para ser eficientedeve ter uma participação democráticaem diversas camadas de organização enesse particular, o princípio de subsidiariedade9 é fundamental.Em um federalismo como o nossocusta crer que o município possua umaverdadeira dose de soberania. Na verdade,a soberania no âmbito do municípioexiste de forma microscópica, pois recebeparcelas de competência da Uniãodiferentemente do que ocorre na Espanhaonde a região autonômica pode legislarsobre direito civil.Assim, o Estado não pode esqueceras aspirações e decisões das coletividadeslocais. A soberania tem que ser compreendidasob esse enfoque e isso é vistona divisão de competências dentro doEstado federal tendo no município o pontode partida.Na Suíça, para se ter uma idéia, adivisão territorial do poder é feita entre23 cantões (compostos por 3.000 municípios)dos quais três são subdivididosem cantões ainda menores. Cadacantão é comparado a um pequeno Estadosoberano, pois é dotado de governo,parlamento, leis próprias e organogramajudicial.É nesse sentido que se defende a<strong>capa</strong>cidade do estado-membro e municípioem se auto-organizar, na elaboraçãode suas leis e constituições, um concretodebate público.____________________9 Remete-se o leitor a uma obra essencial para o tema de autoria do professor José Alfredo de Oliveira Baracho: O princípio de subsidiariedade:conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1997.182


4ASPECTOS SIGNIFICATIVOSDA PROBLEMÁTICA ANALISADAO Estado Federal brasileiro se comparadoao Regional italiano e ao Autonômicoespanhol possui uma certa semelhança.O ponto de contato entre eles éque há uma autonomia normativa, ou seja,cada um pode legislar no âmbito local.O ponto de distanciamento surge nomomento em que se analisa a presençade um Poder Constituinte, no EstadoFederal, <strong>capa</strong>z de organizar as localidadesestaduais e municipais, sendo que asmesmas, por intermédio do Poder Instituídodecorrente, criam suas própriasConstituições, estadual e municipal, e nãoprecisam se submeter a uma intervençãodo parlamento para aprovar taisConstituições que sofrerão um controlede constitucionalidade a posteriori pois,como é natural, a Constituição estadualdeve respeito à Constituição federal e, amunicipal deve observar a estadual e principalmentea federal.O que identifica o município como entefederado é essa possibilidade de criar suaprópria Constituição sem sofrer intervençãodas outras duas áreas de governo, salvono caso acima exposto, de afronta àsleis hierarquicamente superiores.O modelo autonômico espanhol pode,da mesma forma que o modelo brasileirode Estado Federal, legislar, mas o critériode autonomia é reduzido quando essadescentralização administrativa e legislativaordinária são levadas à aprovação peloparlamento para ter validade.Da mesma forma, ocorre com oEstado regional italiano, em que suas regiõesrecebem competências administrativase legislativas ordinárias, mas asSOBERANIA E FEDERALISMOUNIJUSmesmas sofrem um controle direito doEstado nacional.Assim, o federalismo brasileiro detrês níveis (União, Estado-Membro eMunicípio) faz com que os entes locaispossuam uma maior possibilidade de seorganizar, e se essa organização tiver umamaior proximidade com o povo, fará comque os mesmos possuam parcelas desoberania reforçando ainda mais a teseapresentada.5CONCLUSÃOComo visto, o conceito clássico desoberania não tem conseguido corresponderàs exigências da atualidade e oque se observa é um Estado centralizadorsem atuação imediata. Assim, deacordo com a doutrina que utiliza o Direitocomo uma ciência, propõe-se, atravésda crítica científica, nesta pesquisa,uma considerável modificação no conceitoclássico de que os Estados-Membrosda federação, assim como os municípios,não são soberanos.A Teoria do Estado Constitucionalprocurou superar todos os métodos autoritáriose, após analisar-se as discussõese especulações que o problema dasoberania tem acarretado, principalmenteno que diz respeito à titularidade, entende-seque o poder de comando dentrode um Estado reside no POVO.Assim, partindo do conceito de soberaniaem Rousseau, percebe-se quecada cidadão é detentor de parcela desoberania e, por tal motivo, defende-seo fortalecimento local para tornar as outrasesferas estatais mais eficientes.Nesse contexto, haveria uma maiorparticipação democrática e uma oportu-183


UNIJUSSOBERANIA E FEDERALISMOnidade de reestruturar a divisão de competênciastendo nas localidades menores umafonte emissora de soberania. Dessa forma,reduziria a acentuada leitura verticalistada Constituição federal que centralizamuitas competências no âmbito federal quefunciona quase como uma matriz unitária.Pode-se observar através deste trabalhoque atualmente as esferas locais (estaduale municipal) estão longe de seremconsideradas soberanas. Para serem tratadoscomo tais, elas deveriam se amparar elegitimar na soberania da vontade popular.Dessa forma, o debate público, envolvendoa participação do povo nas fasesde elaboração, aprovação das leis edas constituições, poderia produzir umconsenso sobre a eficiência e a legitimidadedas leis propostas. De acordo comCARPIZO (1982) tudo isso pode ser criadoou destituído a qualquer momento peloPovo através do exercício concreto dasoberania. Nesse contexto, os municípiose estados seriam legitimamente soberanospara conduzir os destinos do povo.Da abordagem feita conclui-se queisso pode resultar um Estado mais atuantee sensível aos problemas sociais, jáque estaria mais próximo da realidadevivenciada. Em qualquer hipótese, aschances de fracasso seriam minimizadas,pois a vontade política do povo serianormatizada e sujeita à apreciação dojudiciário. Abrir-se-ia espaço para a cidadania,respeitando a vontade popular ea sua soberania.referências bibliográficasAGUILLAR, Fernando Herren. Metodologia da Ciência do Direito. São Paulo: MaxLimonad, 1999.BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral de soberania. Revista Brasileira deEstudos Políticos, Belo Horizonte: UFMG/Imprensa Universitária, n. 63/64, jul. 1986.___________. O princípio de subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense,1997.___________. Teoria Geral do Federalismo. Belo Horizonte, FUMARC, UCMG, 1982.CARPIZO, Jorge. La soberania del pueplo en el derecho interno y el internacional. Revistade Estudios Politicos, Madri, n. 28, jul./ago. 1982.GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos de direito político moderno. SãoPaulo: Martins Fontes, 1999.HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.LEAL, Rosemiro Pereira. Soberania e Mercado Mundial. Leme- SP: Ed. de Direito, 1999.____________. Teoria Geral do Processo. 3.ed Porto Alegre: Síntese, 2000.MAGALHÃES. José Luiz Quadros. O poder municipal: paradigmas para o Estadoconstitucional brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo?. São Paulo: Max Limonad, 2000.NEGRI, Antonio e Michael Hardt. A nova soberania. Entrevista concedida ao jornal Folhade São Paulo, 24 de set. de 2000. Caderno Mais.POPPER, Karl. Conhecimento objetivo. São Paulo: EDUSP, 1975.SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal e cidadania. Revista do Tribunal RegionalFederal - 1ª Região, jan./mar.- Brasília-DF, 1997, v. 1, n. 1.184


RESENHASALEXY, ROBERT.TEORIA DE LOS DERECHOS FUNDAMENTALES.MADRI: CENTRO DE ESTUDIOS CONSTITUCIONALES, 1993.Alexandre Walmott Borges*O que devemos salientar, em primeirolugar, é o atraso na tradução desta significativaobra para o português. RobertAlexy ocupa lugar de destaque na searado Direito Constitucional e da teoria daargumentação e lógica jurídicas. Freqüentementeé citado por autores nacionaise estrangeiros. Muitos leitores, desavisadamente,já tiveram contato, emparáfrases, com seus escritos. Hoje a suateoria principiológica é o contraponto aosestudos de Ronald Dworkin (em seumagnífico taking rights seriously). Urgente,portanto, a tradução de sua obrapara o nosso idioma.Valemo-nos para a presente resenhada edição espanhola. É impossível, contudo,realizar uma resenha conclusiva detoda a sua obra. Optamos por uma modestacontribuição dos capítulos 1 a 3.Explica-se: cada capítulo da obra de Alexyapresenta uma riqueza de informaçõesque as limitações naturais de uma ediçãoda revista não comportariam, se fossemosresenhar todo o seu Teoria de losDerechos Fundamentales. Nas ediçõesposteriores da UNIJUS pretendemosbrindar o leitor com novos resumos dosdemais capítulos.No primeiro capítulo o autor salientaque o seu trabalho Teoria de los derechosfundamentales, é uma abordagemjurídica geral dos Direitos Fundamentais.É o escorço de uma teoria jurídica geraldos Direitos Fundamentais da Lei Fundamentalda República Federal Alemã. Ateoria é construída sobra a base dos DireitosFundamentais positivados na Constituiçãoalemã. Este curioso alerta inicialnão é sem propósito. Avolumam-se ostratados políticos e filosóficos dos DireitosFundamentais. O que carece aTeoria do Direito é justamente, comopretende Alexy aprofundar em sua propostateórica, é de uma abordagem dogmática.Perceba-se que não é uma simplescompilação – glosa – dos Direitos Fundamentaisda Lei Fundamental alemã. Éum estudo dogmático dos Direitos Fundamentais.Ao falar de dogmática o autordivide-a em três dimensões: i) analítica;ii) empírica; iii) normativa. Do quetrata a dimensão analítica? São consideraçõessobre o Direito válido, aproximando-sede uma teoria geral do Direito. Adimensão empírica relaciona os fatos daprática jurídica, como o Direito legisladoe as criações do Direito judicial (ou criaçãojurisprudencial). A dimensão normativaestabelece a crítica dos fatos observadosna dimensão empírica. Procuraidentificar a fundamentação racional dosjuízos de valor da praxis jurídica.____________________* Alexandre Walmott Borges. Professor da Universidade de Uberaba. Professor do Centro Universitário do Triângulo – UNIT. Diretor do Institutode Estudos Jurídicos Contemporâneos – IJ.COM. Associado ao Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC. Mestre em Direito pela UFSC.Doutorando em Direito pela UFSC. Advogado.185


UNIJUSRESENHASA riqueza do Teoria de los Derechosfundamentales impressiona pelo fato doautor propor, à abertura do livro, os marcosepistemológicos da ciência do Direito(reunindo as três dimensões acimareferidas): disciplina prática, referida aotrabalho (a despeito de construções teóricasabstratas) com juízos concretos dodever-ser. A teoria apresentada por Alexyé uma teoria estrutural. É a ciênciado Direito, na visão do autor, disciplinaprática da fundamentação racional dosjuízos concretos do dever-ser. Com estasconsiderações aponta para uma filiação,mediata, da sua teoria à escola dajurisprudência dos interesses.No segundo capítulo, Alexy abordao conceito da norma de Direito Fundamental.É ressaltado o papel central danorma jurídica em qualquer teoria jusfundamental– e mais ainda na teoria estruturalde Alexy, cioso de uma teoriajurídica geral dos Direitos Fundamentais.Interessante que o autor entende ser reducionistaa construção que diz ser anorma jusfundamental um correspondentedo Direito fundamental. E por quê? Orol de Direitos Fundamentais compreende,também, normas adscritas, que nãose encontram adrede relacionadas a DireitosSubjetivos.Há uma diferença entre enunciado enorma (o conceito semântico de norma):As normas podem apresentar várias situações.Um enunciado pode correspondera uma norma (e = n). Um enunciadopode corresponder a várias normas (e =n1 – n2 – n3). Uma norma pode existirsem enunciado (n = ?). Este último casoé o das normas adscritas de Direito Fundamental.Como escrevemos, ao início, Alexydestaca-se por seus trabalhos em lógicae argumentação. A sua preocupação éde considerações semânticas sobre anorma. O que se entende por norma? Oque permite identificar determinado enunciadocomo norma? Dependerá da contextualizaçãoe de sua relação com outrosenunciados. A norma é, saliente-se,um enunciado deôntico. O conceito semânticode norma é o fundamento, segundoAlexy, da validade do sistema.Neste diapasão deve ser realizada divisãoentre o ato de imposição de normase asseverar normas. Somente com análisepragmática que procura verificar quala autoridade, ou emissor da norma e asua força, compreendemos o sistema emsua inteireza.Falar de norma de Direito Fundamental,na teoria de Alexy, é determinar quea norma de Direito Fundamental adquireeste status por força da argumentação(argumentação jusfundamental estabelecida).A fundamentação jusfundamentalcorreta, diga-se, destina-se tanto à interpretaçãoe argumentação das disposiçõestextuais como das normas adscritas. Paraque alguns não se tomem de sobressaltos,ao imaginar que Robert Alexy estádescambando para um subjetivismo judicialde interpretação, volte ao seu conceitode ciência dogmática: disciplinaprática, referida aos juízos concretos dodever-ser. Disciplina prática da fundamentaçãoracional dos juízos concretosdo dever-ser.No terceiro capítulo a discussão distintivaentre princípios e regras. Quaisos critérios tradicionais para a distinçãoentre princípios e regras? i) generalidade,ii) determinabilidade de aplicação; iii)forma genética; iv) explicitação do conteúdovalorativo; v) idéia de Direito; vi)importância e supremacia. A obra utiliza186


RESENHASUNIJUSa visão contemporânea do Direito comosistema principiológico. A grande tarefadesenvolvida no capítulo é a busca deprecisão terminológica e conceitual sobreos dois tipos de normas: os princípios eas regras. Esta diferença é qualitativa.Os princípios são mandatos de otimização.São normas que ordenam realizar,na medida do possível, e com diferentesgraus de cumprimento (dentrevárias possibilidades de consideraçõesreais e jurídicas), em relação a normas eprincípios opostos. Há uma diferençaimportante com relação às regras: estassão cumpridas, ou não, dentro do jurídicaou faticamente possível. Outras diferençasapartam princípios e regras. Nocaso de colisão, ou conflito entre doisjuízos deônticos contraditórios, há duassituações diferentes. No conflito entreduas regras, uma deve ser declarada inválida.Ou, existindo uma cláusula deexceção, acomodar, na situação concretaas normas conflitantes. Portanto, paraa solução de conflitos entre regras deveseutilizar dos critérios tradicionais desolução de antinomias. Ou uma verificaçãoda importância da cláusula de exceção– relacionada à regra.O conflito de princípios é qualitativamentediferenciado. Não há a declaraçãoda invalidez ou introdução de cláusulaque excepcione a situação sob análise.Deve ser feita a avaliação das circunstânciasconcretas: um princípio preponderasobre o outro em determinadascondições. E aqui há uma contribuiçãotoda original de Alexy, ao apresentar oconceito de precedência: um problemade peso de princípios. Ao julgar estamosfazendo uma verificação do maior peso,no caso concreto, dos princípios em disputa.E esta verificação é realizada ponderandointeresses opostos. Aqui estabelece-seaquilo que Alexy denomina leide colisão. Um princípio limita o outro.Entre eles é estabelecida uma relação deprecedência condicionada. Em determinadascondições concretas há de preponderar– precedência condicionada – oprincípio x sobre o princípio y.Como formalizar isto (relações deprecedência)? Nas considerações tradicionaisteríamos sempre uma relação deprecedência incondicionada: P1 prevalecesobre P2; P2 prevalece sobre P1;independente de análise concreta do casoem apreciação. Precedência condicionada:P1 prevalece sobre P2 - em determinadascondições; P2 prevalece sobre P1- em determinadas condições. A teoriaprincipiológica de Alexy traz uma novadimensão ao problema das antinomias eda idéia de sistema jurídico. Os critériostradicionais de solução de antinomiasmostram-se insuficientes no caso denormas-princípio. Alexy, com base nalei de colisão e precedência condicionadaprocura apresentar uma solução <strong>capa</strong>zde fugir ao casuísmo decisionista.É, assim, uma construção dogmática (jáque o intento do autor é dar uma respostadogmática aos Direitos Fundamentais)que fornece uma resposta racional (e comprevisibilidade) aos conflitos (ou, melhor,colisões) de princípios.O que define o peso a ser aplicadoao princípio? As razões suficientes nocaso concreto, ou seja, o enunciado depreferência é construído em relação àsconseqüências jurídicas da decisão. Ascondições de preferência dependem deum jogo entre princípios e regras (temosque voltar ao conceito de normaadscrita): um princípio prevalece, emdeterminadas condições, sobre outro187


UNIJUSRESENHASprincípio pela existência de uma regra(que será descoberta). A regra de preferênciaé uma norma adscrita. A regra éconstruída sobre o pressuposto fáticodas condições determinadas de preferência.O resultado da aplicação das condiçõesconcretas de preferência é a definiçãode conseqüências, prevalecendo umou outro dos princípios (P1 ou P2). Emdeterminadas situações podem ser vislumbradasvárias conseqüências. Esta relaçãoé que definirá a prevalência de umdos princípios. de Direito Fundamental.Os princípios são mandatos primafacie. São estabelecidos para o caso concretopor uma ponderação de todas aspossibilidades jurídicas e. No campo dasregras há o conflito; no campo dos princípioshá a colisão. É a terminologia adequadapara diferenciar qualitativamenteo conflito entre princípios. O caráter primafacie fáticas enfatiza o grau relativode indeterminabilidade dos princípios.Isto aumenta as possibilidades construtivasdo intérprete ou aplicador. É umamaneira de imprimir maior abertura aosistema de normas da Constituição.Os princípios são normas com razõesprima facie; as regras apresentamo caráter de razões definitivas. Formalizando:i) PRINCÍPIOS - razão – regras– decisões concretas. Ou numa Segundasituação, onde pode esvair-se o caráterprima facie: ii) PRINCÍPIOS - razão– decisão concreta. Para as regras háque se considerar que este tipo de normatem um caráter concreto do deverser.Formalizando: iii) REGRAS – razão– decisão concreta. Como conseqüência,as regras, decisão concreta, são razãodefinitiva ou Direito definitivo. Osprincípios são razão prima facie ou Direitoprima facie. Com isto Alexy sustentaa possibilidade de decisões judiciaisfundamentadas em princípios. Realçaa normatividade desta espécie normativa.É também possível responder à perguntada fundamentação de pretensõesem juízo com base em princípios. 1Quais as principais objeções a teoriados princípios exposta pelo autor? Podeser sustentada, por exemplo, a invalidez dePrincípios? Os princípios estão no limitedo real e normativo, apresentam as característicasde Direito relativo, de contemplaçãode valores e não precisam ser criados(são genéricos). Logo, princípio inválidoé aquele que não pertence ao ordenamento(o que joga a questão da invalidezpara um patamar distinto). Outra questãorecorrente é a dos princípios absolutos.Existem princípios que preponderam sobrequaisquer outros? Aceitar a existênciade um super-princípio é aceitar a naturezadefinitiva dos princípios, o que desmentiriaa sua natureza prima facie.Os princípios, quando em colisão,exibem relação com as máximas da proporcionalidade,dentro das possibilidadesjurídicas e fáticas. As três máximas daproporcionalidade são: adequação, necessidadee ponderação. As possibilidadesfáticas travam relação com a máxima danecessidade e da adequação. As possibilidadesjurídicas travam relação com aexigência de ponderação. As máximas daproporcionalidade são critérios para aaplicação dos princípios.____________________1 Utiliza referência a Dworkin: as regras sujeitam-se ao jogo de tudo ou nada; os princípios são direções, sem decisão determinada. Discorda domesmo pois acredita que as regras também apresentam, em algumas situações, caráter prima facie. É a situação, descrita no fichamento, daatuação de cláusula de exceção. Embora a natureza prima facie não se equipare aos princípios. Ver DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously.16. Ed. Cambridge: Harvard university press, 1997188


Segundo o autor, o modelo puro desconsideraa vinculação à Constituição eas restrições e regulações que podemsofrer os Direitos Fundamentais. O modelopuro acaba desconsiderando a indispensávelponderação na aplicação dosprincípios. O modelo puro de regrasacredita ser possível interpretar as normasde Direito Fundamental com os métodostradicionais da hermenêutica. Èinteressante que Alexy apresenta a possibilidadede restrições ou limitações aosDireitos Fundamentais. Estes podem serde várias categorias: i) sem reserva; ii)com reserva; iii) com reserva qualificada.Conceituando os três é possível verificaras inconsistências do modelopuro de regras. Normas de Direito Fundamentalsem reserva alguma, pelomodelo puro de regras, levam à posiçãode que tudo que está no pressupostofático está jusfundamentalmente protegido.Como se fosse uma restrição imanente(restrições lógico-jurídicas imanentes,socialmente imanentes e eticamenteimanentes). É impossível interpretarnormas de Direitos Fundamentaissem uma ponderação. Ponderaçãoimplica, para Alexy, excluir a pureza dosistema de regras.No caso dos Direitos Fundamentaiscomo sistema aberto, sujeito a ponderaçõese verificação de precedência de princípios,é fundamental estabelecer qual amargem de atuação do legislador. Umsistema de regras – puro - conduziria auma casuística gigantesca. Um sistemade princípios – puro – à vagueza e indeterminabilidade.A abertura permite, aomesmo tempo, uma elasticidade ao sistemae previsibilidade e controle das decisões(que serão fundamentadas sempreem normas com elasticidade).RESENHASUNIJUSO problema de validez dos princípios(em sua relevância abstrata e concreta)é apresentado da seguinte maneira:válido é o princípio que está de acordocom as normas jusfundamentais. Todosos princípios com relevância para as decisõesjusfundamentais são relevantes.Os princípios, contemplados numa disposição,conferem, via de regra, um direitosubjetivo (jusfundamental). Istodesperta o problema dos princípios e benscoletivos. Podem aparecer princípiosadscritos à cláusulas restritivas, dependentesde interpretação institucional ouesparsos em outras disposições da LeiFundamental (da Constituição). Com estacolocação é possível detectar a margemdispositiva dada ao legislador infra-constitucional.Toda a margem dispositiva ea posição sistemática dos princípios dependerãoda argumentação jusfundamentalpara a sua contextualização.Existiria, segundo Alexy, uma hierarquiade princípios e uma tipologia de princípios:i) de 1° grau, compreendendo osprincípios <strong>capa</strong>zes de limitar os DireitosFundamentais - sem reserva; ii) os princípiosde 2° grau, devem estar formal ematerialmente adscritos a disposiçõesjusfundamentais . Os princípios podemser classificados ainda: i) de conteúdoou materiais; ii) formais ou de procedimento.A presença das regras, conformeexposto no mesmo capítulo, é marcantejá na situação de princípios contrapostos.Regra completa é aquela queindepende de ponderação. Regra incompleta,ao contrário, depende de ponderação.E qual a hierarquia entre regras eprincípios? As decisões baseadas em regrassão mais decisivas que aquelas baseadasem princípios. O importante é quenão há uma regra de precedência entre189


UNIJUSRESENHASprincípios e regras. Pode ser feita umaindicação de que regras precedem osprincípios. O último só prevalece quandohouver razões fortes em contra, indicandouma força menor da disposiçãocom alto grau de objetividade. A preponderânciadas regras sobre os princípiosparece indicar uma preferência por fontede mais alto grau de objetividade.Quando há razões suficientes, ou seja,argumentos podem ser tecidos para decisãoem outro sentido, o grau de objetividadeé relativizado.Os princípios e regras sedimentama natureza dupla das disposições jusfundamentais.Vista a natureza das normas,enfrenta Alexy o problema dos valores.Há uma necessária ligação entre valorese princípios. Por quê? Toda decisão comsede em princípios é uma decisão queenvolve valores – colisão de valores éuma colisão de princípios. Para diferencia-losdevem ser catalogados os conceitosdeontológicos, os conceitos axiológicose os conceitos antropológicos.Um princípio, mandato de otimização, éenglobado no conceito deontológico (dopermitido, do preceptivo e do proibido).O valor, englobado no conceito axiológico,pode ser classificado em valor: i) classificatório;ii) comparativo; iii) métrico.Com isto os valores servem de critériosde valoração dos princípios e regras devaloração das regras.Com isto Alexy estabelece outra distinçãoentre princípios e regras. A diferençafundamental entre princípios e valoresé de sua natureza. De dever-ser,deontológica, no primeiro. Axiológica nosegundo. A ponderação - essencial paraas relações de precedência condicionadae nas colisões de princípios - não é imuneà críticas. Lembra Alexy que isto poderiaconduzir ao decisionismo judicial(em nome da valores para os casos concretos)ou ao subjetivismo extremado. Equal a resposta ao emprego indiscriminadodos valores. Alexy procura definira posição dos valores dentro (ou na órbitado sistema jurídico). O destaque aosvalores mostra como o conteúdo da norma-princípioé objeto para ponderação. Épatente a natureza axiológica do sistemajurídico a partir do momento em que aceita-sea vizinhança entre os princípios e osvalores. Mais ainda ao mostrar a sua importânciana decisão de casos concretos.A complexidade dos conceitos deAlexy, como pudemos expor em rápidaslinhas, é que nos conduz ao desafio de,nas próximas edições, aumentar o acervode considerações sobre a sua obra.Ressaltamos, vez mais, que a sua contribuição(por nós exposta na resenha dostrês capítulos) é uma teoria da dogmáticajurídica, de uma teoria jurídica dosDireitos Fundamentais e uma teoria principiológicado sistema.190


RESENHASBARROSO, PÉRSIO HENRIQUE.CONSTITUINTE E CONSTITUIÇÃO.PARTICIPAÇÃO POPULAR E EFICÁCIA CONSTITUCIONAL.CURITIBA: JURUÁ, 1999. 217 P. ·Alexandre Walmott Borges*A obra, produto da dissertação demestrado defendida pelo autor no ano de1997, apresenta balanço dos nove anosda Constituição Brasileira (o trabalho écompreensivo dos anos de 1987 a 1997).Analisa a trajetória entre o processo préconstituinte(com o findar do regimemilitar e a convocação da AssembléiaNacional Constituinte), o processo defuncionamento da Assembléia NacionalConstituinte), o início da vigência do novoordenamento (promulgação da ConstituiçãoCidadã) e a produção de efeitos concretosdo novo ordenamento constitucional(interpretação e aplicação pelos Tribunais,cumprimento das disposiçõespelos agentes políticos e administrativos).A proposta do autor – de análise daparticipação popular na elaboração daConstituição – começa por crítica da idéiade representação popular. Neste ponto háincursão crítica pelo modelo do Estado edas formas de participação popular gestadospelo liberalismo. São agregadas consideraçõessobre a democracia representativa,institucionalização dos poderes doEstados, novas formas de organizaçãopopular, crise do modelo monista do Direito(e propostas do pluralismo jurídico)e o papel de uma Constituição como marcode organização estatal e comunitária.Cioso da correta inserção de suas críticasno processo concreto de elaboraçãoda Constituição de 1988, o autor sistematizaidéias sobre os novos movimentossociais. É clara a sua intenção de lançarluzes ao movimento que resultou, na seqüência,na abertura, Diretas-já, eleiçãode Tancredo Neves, convocação da AssembléiaNacional Constituinte e novaConstituição. Barroso quer trazer ao conhecimentodo leitor que novas formasde organização social – os novos movimentossociais – foram atores centraisem todo o processo. Atores que agemconjuntamente com os instrumentos consagradosde representação, como os partidospolíticos, ou, em muitos casos, muitoalém da ação partidária tradicional.O autor mostra que os movimentossociais são ativos para encaminhar propostasnas discussões plenárias e de comissõesdurante a Assembléia NacionalConstituinte (87-88). Representam variadossegmentos, interesses de minoriasou grupos coesos. Ao mesmo tempo queelenca as virtudes da participação dosgrupos populares, mostra que o processoconstituinte foi o palco de confrontoentre estes movimentos e grupos conservadores.O livro apresenta a elaboraçãoda Constituição como arena de com-____________________* Alexandre Walmott Borges. Professor da Universidade de Uberaba, Professor do Centro Universitário do Triângulo – UNIT, Mestre em Direitopela UFSC, Doutorando em Direito pela UFSC, Advogado.191


UNIJUSRESENHASbate entre o que classifica de setores deDireita e os grupos de afirmação da representação(e interesses) populares.O encerramento do livro não podedeixar de ser um desdobramento do embatena época da elaboração constitucional.Barroso analisa, no último capítulode sua obra, os problemas posteriores àpromulgação da Constituição: eficácia dasnormas constitucionais, a vontade deConstituição e a concreta produção deefeitos dos novos Direitos estampados notexto constitucional. A tensão do processoconstituinte (entre Direita e movimentospopulares) prossegue, na visão doautor, no momento em que as normas sãoaplicadas pelos Tribunais e exigidas pelosseus destinatários. O quadro não deixa deser pessimista. O que vemos é que entrevários sentidos de interpretação possíveis,em alguns dispositivos constitucionais, osTribunais acabam optando por efeitos restritivos– tolhendo avanços populares. Éda maior valia o balanço crítico sobre aatuação do STF como guardião da Constituição– nos anos de 1988 a 1997.O livro é especialmente dedicado aosestudiosos da Teoria Constitucional –especialmente no tópico sobre o PoderConstituinte e titularidade do povosobre o Poder Constituinte. De leiturafácil, abundante em análise de casosconcretos, é bastante oportuna a suaindicação para os alunos dos primeirosanos ou períodos das disciplinasda área de Direito Constitucional. Fatode maior destaque é que o autor fogeao padrão tradicional dos trabalhos jurídicos.Não ficou restrito à pesquisabibliográfica ou documental. Mesmoquando referencia fontes documentaisé pródigo na indicação de jornais ourevistas (o que ilustra o cuidadoso trabalhode pesquisa realizado). Notávelé a inserção de entrevistas como fontede pesquisa (incluindo transcriçãode trechos de entrevistas no texto).Este recurso metodológico traz importanteconsideração aos autores do Direito:muitas vezes é muito mais ricoque incessantes e abstratas construçõesdogmáticas.192


RESENHASGARAPON, ANTOINE.“O JUIZ E A DEMOCRACIA: O GUARDIÃO DAS PROMESSAS”.RIO DE JANEIRO: REVAN, 1999.Ricardo Prata*A ciência política, desde 1992, vem estudandoum fenômeno de reordenamentodos chamados três poderes democráticos.A crise do Legislativo, o enfraquecimentoe tecnização do Executivo vêm politizandoo Judiciário. Os cidadãos vêm praticandoum processo de ‘judicialização’, onde aquestão política toma a forma de processojudicial, seja por falta de leis ou por imitaçãoda lei sem recurso ao judiciário. Paralelamente,há um processo de juridicializaçãodos direitos humanos transferindo para opoder Judiciário o que antes era político,no sentido legislativo.No Brasil, Bernardo Sorj e Luiz WerneckVianna são exemplos de cientistas políticosque estudam este processo crescentee vertiginoso. A ‘cassação’ de AntônioCarlos Magalhães, sem ter havido processo,mas tomando emprestado a forma juridiciale tendo a Opinião Pública como a leiturade Garapon se torna imprescindível egera um novo namoro da ciência políticacom a ciência jurídica. Garapon é um magistradofrancês, mas, sobretudo é importantepesquisador do Institut des Hautes Étudessur la Justice. É o contexto europeu é fenomenalpara a distinção ou revisão teóricade Montesquieu e Tocqueville. Afinal, aComunidade Européia foi criada juridicamenteantes de ser política, e, apesar, de jápossuir um Parlamento, ainda, não tem umExecutivo. Assim a distinção das categoriasenvolvida na questão salta aos olhos epermite um olhar límpido sobre o processode judicialização nacionais.No primeiro capítulo, Garapon já declinasua fonte na ciência política: Vallinder eRosanvallon. E traduz nossa base conceitualcomo: “dois modos de colonização dopolítico pela justiça: seja diretamente pelaextensão da competência da justiça em detrimentodo poder executivo e, seja indiretamente,pela extensão da competência dajustiça em detrimento do poder executivoe, seja indiretamente, pela atração que omodelo jurisdicional exerce sobre o raciocíniopolítico. A politização da razão judiciárianão tem outro equivalente senão ajudicialização do discurso político.” E maisadiante, “É sob a forma do direito e doprocesso que o cidadão das democraciasrealiza sua ação política”. Este magistradochega a indagar pela caducidade do instrumentojurídico: “A lei não se confundemais com o direito: ela ainda guarda, certamente,uma importância essencial, masnão pode mais pretender fundamentar sozinha,todo o sistema jurídico”.É igualmentecontundente ao criticar o poder legislativo:“em numerosos paises há muito tempoa lei não é mais elaborada pelo Parlamento,mas por tecnocrátas politicamenteirresponsáveis”. E conclui: “o terceiro poderenriquece-se com a discórdia dos doisprimeiros”.____________________* Ricardo Prata é mestre em Ciência Política pela UFMG, possui diploma de estudos aprofundados pela Sorbonhe, ex-professor de Pesquisa emOpinião na PUC-MG, atualmente é professor de Ciência Política no Curso de Direito da Universidade de Uberaba.


RESENHASLIMA, MARIA ROSYNETE OLIVEIRA.DEVIDO PROCESSO LEGAL.PORTO ALEGRE: SÉRGIO ANTÔNIO FABRIS, 1999, 304 P.Gil Ferreira de MesquitaEstudar a garantia constitucional dodevido processo legal é tarefa das maisdifíceis, principalmente para quem desejaobter resultados cientificamente satisfatórios.Por outro lado, apresenta-secomo uma das investigações mais intrigantescom que pode deparar-se o estudiosodo direito, principalmente ao seremconsiderados dois fatores preponderantes:a trajetória histórica do princípioe sua marcante presença nas estruturasestatais democráticas.Maria Rosynete Oliveira Lima – doMinistério Público do Distrito Federal eTerritórios – percorreu tais questões coma serenidade e seriedade pertinentes aosgrandes juristas, tratando do tema coma profundidade recomendada. Sob a orientaçãodo Prof. Gilmar Ferreira Mendes,produziu sua dissertação de Mestradojunto a Universidade de Brasília –UnB, recebendo de imediato a publicaçãoda Editora Sérgio Fabris. A organizaçãoda obra – em cinco capítulos –bem demonstra o cuidado da autora empercorrer gradativa e sistematicamenteos pontos que se dispôs a discutir.Historicamente o due process of lawteve origem na Inglaterra (1215) comouma conquista obtida pelos barões daépoca junto ao rei João Sem Terra, transformando-senuma regra que claramentelimitava o poder do soberano e, porconseqüência seus desmandos. O desenvolvimentodo princípio no direito inglêse, posteriormente, sua transposição paraas colônias inglesas da América são abase para a discussão proposta no primeirocapítulo da obra (pp. 21-45).Marco importante neste tópico inauguralé a riqueza de detalhes na narrativados fatos históricos. Não é comum encontrarmosnas obras que exploram otema apenas referências genéricas aosacontecimentos que antecederam a MagnaCarta. Aqui, a autora buscou em váriosautores estrangeiros informações que,se não forem inéditas na literatura jurídicabrasileira, ainda não tinham sido tratadascom tanta propriedade. Exemplodisso é a narrativa do período compreendidoentre a coroação do Rei João SemTerra, em 27 de maio de 1199, até a outorgada Magna Carta, em 15 de junhode 1215.O rigorismo mantém-se no capítuloseguinte (pp. 47-155), quando o devidoprocesso legal é tratado numa “visãopanorâmica”, como definiu a própriaautora. Tal análise, que em verdade utiliza-sedo direito comparado como método,ambienta o leitor ao tratamento dadoà garantia nos ordenamentos alemão, argentino,espanhol, norte-americano, mexicanoe panamenho. A abordagem mereceelogios porquanto não se limitou aosacontecimentos históricos que, emborasejam fundamentais, não conseguiriam,isolados, demonstrar as concepções diversasadotadas por aqueles Estados. Ao


RESENHASUNIJUScontrário, apresenta o devido processolegal inserido nos respectivos ordenamentosconstitucionais e infraconstitucionais,fazendo referência às decisões dos Tribunaise colacionando o posicionamentodos mais autorizados doutrinadores estrangeiros,como Peter Häberle, RobertAlexy, Esparza Leibar, Konrad Hesse,Augusto Morello, John Nowak e ArturoHoyos, para citar alguns.Quando trata do direito norte-americano,a obra continua o estudo iniciadono primeiro capítulo. Neste ponto, todavia,a discussão cinge-se ao desenvolvimentodo devido processo legal a partirdo Texto Constitucional de 1787, que nãoconsagrou a garantia. Embora as trezecolônias tenham sido receptoras imediatasdo princípio, sua inclusão na ordemconstitucional daquele novo país ocorreuapenas por meio de um bloco deemendas de 1791, conhecido como Billof Rights, especificamente pela QuintaEmenda, e, posteriormente, no ano de1868 por meio da Décima Quarta Emenda.Ao final, a autora põe em destaque adupla dimensão do due process of law –processual e substantiva – criada no direitonorte-americano a partir da segundametade do século XIX, tema que voltaráa ser alvo de análise nos dois últimoscapítulos.No terceiro capítulo (pp. 157-237)a autora dedica-se ao exame do devidoprocesso legal no direito pátrio, determinandoinicialmente um “divisor de águas”fixado no ano de 1988, com a promulgaçãoda Constituição vigente. Faz issoporque desde a Constituição Imperial(1824) até a Emenda Constitucional nº 1(1969), o devido processo legal foi “ignorado”pelo Constituinte, vindo a serpositivado definitivamente no atual TextoConstitucional, que previu expressamenteem seu art. 5°, LIV, que “ninguémserá privado da liberdade ou de seus benssem o devido processo legal”. O estudodo problema brasileiro não fugiu à análisedas circunstâncias políticas, sociais eeconômicas que nortearam diretamenteas disposições constitucionais, enriquecendoa pesquisa.Cuidou a autora neste capítulo dedeterminar-se favorável àqueles que creditamao due process of law o mérito deser uma “expressão do Estado de Direito”,embora tenha sido concebido numaépoca em que reinava o poder real totalitário.Prosseguindo, aborda o princípioem seu duplo aspecto – procedimental esubstantivo – e conclui o capítulo tratandodo tema em seu âmbito funcional,caracterizado principalmente pelo controledo Poder Público, não somente emsua feição jurisdicional, mas, também,executiva e legislativa.O quarto capítulo (pp. 239-272),cuida do aspecto processual da garantia.A autora inicia este tópico pela apresentaçãodo tema sob a ótica instrumentalista,afirmando que a observância dodevido processo legal estaria restrita aocumprimento de todas as etapas intermediáriasque compõem o procedimentoestabelecido – este o aspecto mais difundidono direito brasileiro. Em seguida,a obra ataca justamente esta concepção,porquanto a simples observação dasetapas procedimentais não demonstraefetivamente a amplitude do due processof law, que deve ser visto sob um aspectointrínseco, garantindo ao indivíduoetapas procedimentais mais extensivasque as oferecidas e, por conseqüência,a distribuição não só aparente da justiça.O capítulo é encerrado com outros195


UNIJUSRESENHAStrês aspectos que complementam o posicionamentotomado pela autora nostópicos iniciais: o momento da realizaçãodo devido processo legal, as pautasbásicas para o alcance do devido processolegal procedimental e a flexibilizaçãodo devido processo legal perante osnovos direitos (ações coletivas).O derradeiro capítulo (pp. 273-287)trata do devido processo legal substantivo.Com base nas concepções de razoabilidadee proporcionalidade – conceitosimplícitos no art. 5°, LIV, da ConstituiçãoFederal – a autora sustenta a possibilidadede ser declarada a inconstitucionalidadede uma lei nas hipóteses em queaqueles critérios não forem observados.Sua tese é amparada pela mais avalizadadoutrina e jurisprudência pátrias, principalmenteem julgados do Supremo TribunalFederal.Felizmente, não fugiu à árdua tarefade determinar os pontos de distinção ede comunicação que há entre os critériosde razoabilidade e proporcionalidade,comentando de início uma pitoresca afirmaçãode Jellinek: “o problema da proporcionalidadeé saber se não se atirouno pardal com um canhão” (p. 280).Conclui, após discussão baseada no pensamentode juristas brasileiros e estrangeiros,que o princípio da proporcionalidadecarrega em si, de maneira indissolúvel,a noção de razoabilidade e que estessão subprincípios concretizadores dodevido processo legal, no seu aspectosubstantivo.Atendendo aos ditames metodológicos,principalmente por tratar-se deuma dissertação de Mestrado, o encerramentodo livro (pp. 289-291) dá-seatravés de dez conclusões, proporcionandoao leitor uma visão genérica doque fora tratado nas páginas anteriores,garantindo o caráter científico daabordagem.A autora, como bem afirmou o professorInocêncio Mártires Coelho naapresentação da obra, “não se deixouimpressionar pela complexidade do tema,nem se perdeu no labirinto das múltiplasconcretizações que o devido processolegal vem experimentando ao longo dotempo, seja na sua terra de origem, sejanas pátrias de adoção, inclusive no Brasil,onde, a rigor, ainda se acha em processode evolução”. É, pois, obra indispensávelàs nossas bibliotecas.196


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INSTRUÇÕES AOS COLABORADORESNORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOSForma de Apresentação dos Originais:• Três vias do texto em espaço duplo, sendo que só uma via conterá nome(s) e dados do(s) autor (es);• Margem superior e inferior de 2,5 cm; laterais de 3 cm e disquete de 3,5polegadas com texto gravado em editor de texto Word for Windouws emfonte Times New Roman, corpo 10,5. Papel A4 (210x 297) impresso deum só lado;• Os artigos devem ter no máximo 30 laudas de até 30 linhas;• A paginação deverá vir no canto superior direito da folha, incluindo-sereferências bibliográficas;As resenhas devem ter no máximo 10 laudas de 30 linhas e 70 caracteres.ESTRUTURA DOS ARTIGOS:• Título: Claro e objetivo, na mesma língua do texto;• Nome(s) do(s) autor(es), titulação e vínculo institucional em notas de rodapé;• Resumo: No caso de artigo, o autor deve apresentar um resumo comaproximadamente 150 palavras em língua portuguesa, além de um resumo eminglês (abstract), indicando 3 palavras-chave em português e em inglês (KeyWord);• Introdução, desenvolvimento livre, conclusões. As resenhas devem apresentara referência bibliográfica completa da obra analisada, no início do trabalho;• Ilustrações: (figuras, desenhos e gráficos). Se necessárias, devem serapresentadas em preto e branco, confeccionadas eletronicamente, indicandoo programa utilizado para a sua produção; as tabelas devem ser elaboradas nopróprio Word, for Windows e sua disposição deve ser indicada pelo autor;• Notas de rodapé: apresentam-se ao pé da página com caracteres menores doque o usado no texto e separadas por um traço horizontal. Espaço simples deentrelinhas e cada nota iniciando em uma linha com o respectivo número deremissão, que deverá ser em algarismo arábico. As notas de rodapé devemser reduzidas ao máximo e servirão para identificar o autor, o vínculoprofissional, endereço e auxílio recebido; servirão também para indicarinformações obtidas por meio de canais informais, trabalhos não publicados,198


documentos de divulgação restrita ou ainda para consideraçõessuplementares importantes;• Citações bibliográficas: deverão aparecer no corpo do trabalhona chamada AUTOR/DATA seguindo o modelo abaixo:BOBBIO (1991, p. 40)• As referências bibliográficas deverão atender à padronizaçãoda ABNT (NBR-6023/1989);• A exatidão e adequação dessas informações no texto são deresponsabilidade do autor.APRECIAÇÃO PELO CONSELHO EDITORIALOs trabalhos serão avaliados pelos Conselhos Editoriais e Científico,quanto ao mérito, relevância e oportunidade de publicação, considerandoo perfil e a linha editorial da Revista, preservando-se oanonimato tanto dos pareceristas, quanto dos autores. Os textos,com sugestões de alterações serão encaminhados aos autores paraas devidas correções, devendo ser devolvidos no prazo máximo deum mês. Os originais, mesmo quando não aprovados para publicaçãonão serão devolvidos. O Conselho Editorial se reserva o direitode proceder pequenas alterações de acordo com os critérios e normasda UNIJUS.

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