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lia a pena apostar no conhecimento. Nos últimos quatro anos, o que aconteceu foi a reversão completa [dessa aposta]. Nós estávamos a aproximar-nos da Europa em muitos indicadores e, nos últimos quatro anos, entrámos numa trajetória completamente oposta. Acho que o que o atual ministro está a fazer é tentar voltarmos à mesma trajetória, se calhar menos rapidamente. Agora, vamos crescer mais devagarinho. O acordo tem muito a ver também com esta questão de dar às instituições uma certa confiança e com uma certa partilha de responsabilidades financeiras, que eu acho importante. As instituições continuam a competir umas com as outras, o que é normal, mas há a ideia de que podem colaborar mais entre si para desenvolverem certas áreas que necessitam de conhecimentos complementares. A manutenção do financiamento no mesmo nível dos anos anteriores não defrauda as expectativas das universidades e politécnicos em relação a este Governo e contradiz, até, o discurso do PS antes de assumir funções governativas? Uma coisa é aquilo que gostaríamos de fazer, outra coisa é aquilo que é possível fazer. O Governo está a fazer o máximo que é possível, mas também não está a dar mensagens irrealistas daquilo que é possível. Por outro lado, também é verdade que o financiamento para a I&D não tem que ser só público. O que acontece no mundo inteiro é que, quando aumenta ligeiramente o financiamento público, o financiamento privado tem tendência a acompanhá-lo. No Governo anterior, o financiamento público diminuiu e o financiamento privado ainda mais, em comparação. Portanto, espera-se que, se houver um ligeiro aumento do financiamento público, possa também haver um aumento do financiamento privado. Não acha pertinente, como têm defendido os reitores, que o financiamento varie em função dos resultados de cada instituição do ensino superior? Primeiro, é preciso saber como se medem os resultados. Uma das questões críticas atuais, em todo o mundo científico, tem a ver com a forma de avaliação das instituições. Como é que se decidem os fatores de impacto, por exemplo? Como há muitas incertezas em relação à capacidade de avaliação, acho que o financiamento deve ter uma base, talvez em função do número de alunos das instituições, que seria o bolo principal. E depois devia haver uma percentagem pequenina para poder recompensar as coisas extraordinárias que possam ser feitas nessas instituições. Percebo essa visão de alguns reitores, não sei se são todos, mas acho que é preciso avançar com muito cuidado neste processo. Precisamente porque eu tenho preocupações de equidade. Até poderia utilizar-se o argumento contrário: aqueles que não estão a trabalhar muito bem, se calhar precisam de mais financiamento, para os ajudar a trabalhar melhor. Portugal cresceu significativamente em número de doutorados, investigadores, instituições de I&D e publicações científicas. No entanto, o país é acusado de ainda não ter conseguido transformar em crescimento, riqueza e emprego o conhecimento científico produzido nos centros de investigação. Acha esta crítica válida? Acho [essa crítica] totalmente artificial, pela seguinte razão: não há uma relação direta entre o conhecimento e as suas aplicações. A ideia de que devíamos financiar só a investigação que vai ter impacto direto na economia parece-me um argumento, não diria infantil, mas adolescente. [Uma ideia] de quem não conhece o mundo do conhecimento e da inovação. Tive colegas que me ensinaram uma coisa que eu sempre valorizei muito: hoje em dia, nós sabemos que quem está a fazer investigação básica ou fundamental muito boa dentro de pouco tempo vai ter aplicações extraordinárias. E vice-versa: quem está a fazer investigação aplicada muito boa vai ter necessidade de voltar “Espera-se que, se houver um ligeiro aumento do financiamento público, possa também haver um aumento do financiamento privado. “ “Aqui [no i3S], há a possibilidade das pessoas dialogarem e perceberem os problemas dos outros. Hoje em dia, as perguntas mais interessantes são sempre na interface das áreas.“ à investigação fundamental para resolver questões críticas. Portanto, estas duas áreas não são independentes; estão muito ligadas. Isto é o que os países mais desenvolvidos e as universidades mais desenvolvidas do mundo já perceberam: o que se deve financiar é boa investigação, quer ela seja pura ou aplicada. E tentar forçar que uma coisa seja aplicada não funciona. Ela tem de surgir do próprio mecanismo do conhecimento. I3S É UM “FAROL” No entanto, o i3S, de que foi um dos obreiros, é também um instituto de inovação… Temos os dois nomes juntos: investigação e inovação. Isto é um instituto que acredita que, através da investigação, a inovação também acontece, e vice-versa. O nome foi escolhido de propósito para indicar que é um instituto que está virado para o conhecimento. E que esse conhecimento pode ser fundamental ou aplicado. O que é que representa para si a concretização deste instituto? Espero que permita que pessoas das mais variadas origens científicas, culturais e nacionais sintam que têm a capacidade de arriscar fazer perguntas diferentes e entrar em domínios ainda pouco explorados. Isto não é fácil. É muito mais fácil para uma pessoa que trabalhou 20 anos num assunto, e que o conhece muito bem, continuar nesse assunto. Parar, e ir falar com aquele e começar a aprender novas coisas é mais difícil. Aqui [no i3S], há a possibilidade das pessoas dialogarem e perceberem os problemas dos outros. Hoje em dia, as perguntas mais interessantes são sempre na interface das áreas. Aquilo que é difícil de explorar não está aqui nem ali – está no meio. É aí que aparecem as questões novas, as hipóteses novas, as narrativas novas, que depois se podem testar. E o que é que este instituto representa para a ciência em Portugal? A originalidade deste instituto é que ele não foi imposto de cima para baixo. Estas pessoas juntaram-se, de baixo para cima, porque quiseram. Quando o INEB e o IBMC se juntaram, foi porque já havia muitos projetos em comum. Quando o Ipatimup se juntou ao INEB e IBMC, formando esta tríade, também foi porque tinham projetos em comum, partilhavam equipamentos muito caros, havia alunos com os mesmos orientadores… E foi essa experiência que permitiu criar o i3S. Não é fácil juntar instituições com culturas diferentes. Então, os portugueses que são o povo mais individualista que conheço… Mas não tenho dúvidas nenhumas de que isto vai funcionar. Isto pode ser um farol, que faça com que as pessoas deixem de ter medo de arriscarem em domínios diferentes. E pode também ser um farol para a U.Porto, considerando a sua ambição de se afirmar internacionalmente na investigação científica? Eu acho que já é [um farol]. Há muita gente na U.Porto que aprecia o que está a ser feito no i3S. O mundo académico é muito competitivo, há muitas invejas… Mas, depois dos 20 anos de experiência deste processo, uma parte significativa da comunidade académica tem respeito e admiração por aquilo que se está a tentar fazer no i3S. E depois há aqui gente jovem fabulosa. Uma das coisas em que a [nossa] sociedade pode ter alguma confiança é a de que há jovens de uma qualidade extraordinária. Muito mais abertos, com muito mais vontade de ir por esse mundo fora conhecer pessoas, trocar ideias, colaborar com outros grupos. 37 entrevista Texto Ricardo Miguel Gomes Fotos Egídio Santos <strong>Campus</strong> <strong>UP</strong> 0.indd 37 06/01/17 16:02