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carreira do químico orientar-se-á decisivamente para a saúde pública.<br />
Alguns trabalhos de análise química de Ferreira da Silva, pela sua importância<br />
e mediatismo, garantirão o seu reconhecimento público e,<br />
claro, alguns detratores: tais são os casos da demonstração de que<br />
os vinhos portugueses exportados para o Brasil não eram adulterados<br />
na origem, e o de Urbino de Freitas, médico e lente da Escola Médico-<br />
Cirúrgica do Porto acusado de envenenar os seus sobrinhos, sendo<br />
o Laboratório Municipal responsável pela identificação dos alcaloides<br />
usados no crime.<br />
A importância do estabelecimento de ligações com a comunidade<br />
científica nacional e internacional foi bem compreendida por Ferreira<br />
da Silva, e a sua presença em congressos e comissões normalizadoras<br />
será frequente, assim como a participação em sociedades e publicações<br />
científicas nacionais (cria em 1905 a Revista de Química Pura e<br />
Aplicada) e estrangeiras. O seu nome ganha uma indubitável expressão<br />
internacional. Será este também, num ainda maior grau, o caso do<br />
matemático Francisco Gomes Teixeira.<br />
GOMES TEIXEIRA (PRAÇA DE)<br />
Se a rua oriental que limita o edifício da Politécnica – a rua do Doutor<br />
Ferreira da Silva – é aquela para onde ninguém escreve (não tem<br />
números de polícia, e para ela abrem-se apenas duas portas, uma das<br />
quais, precisamente, permitia o acesso ao laboratório de química da<br />
Politécnica), a praça de Gomes Teixeira é aquela que raramente se<br />
nomeia para além do endereço de correio, tanto os leões alados da sua<br />
fonte predominam sobre a verdadeira designação. Foi deste chafariz<br />
que brotou em 1886 a primeira água canalizada a chegar ao Porto, a<br />
água aprovada por Ferreira da Silva, e cuja qualidade – perante a preocupação<br />
pública – teve que então reafirmar em artigos e conferências.<br />
Francisco Gomes Teixeira, dois anos mais velho do que Ferreira da<br />
Silva, era dotado de uma impressionante capacidade intelectual. Licencia-se<br />
em janeiro de 1875 e em julho do mesmo ano é já doutor em<br />
Matemática. A sua tese doutoral sobre mecânica celeste tem como<br />
arguente o matemático e astrónomo José Falcão – esse mesmo cuja<br />
rua homónima, recordando a sua militância republicana, espreita de<br />
nordeste para a Praça de Gomes Teixeira – que, depois de discutir<br />
veementemente durante a sessão as propostas avançadas pelo doutorando,<br />
declara finalmente “se o que V. Ex.ª acaba de dizer está bem,<br />
tem muito valor; e, se não está, tem pelo menos o mérito de eu não<br />
lhe saber dizer onde errou”. Em 1877, Gomes Teixeira será contratado<br />
como lente substituto da Faculdade de Matemática de Coimbra e três<br />
anos depois já é lente proprietário.<br />
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campus<br />
Em 1883, Gomes Teixeira solicita a sua transferência para a Academia<br />
Politécnica do Porto. Não seria esta escola de engenheiros o lugar<br />
ideal para a investigação teórica do matemático, e os professores do<br />
Porto recebiam sensivelmente menos do que os de Coimbra, mas a<br />
vontade da jovem portuense com quem se casara em 1882 ou 83<br />
terá sido determinante nesta escolha. O matemático, entretanto, não<br />
desdenhara a intervenção política, e seria deputado às Cortes pelo<br />
Partido Regenerador em 79, 83 e 84. Surpreendentemente, declara<br />
mais tarde: “De política sou e fui sempre profundamente ignorante.<br />
Olhe, fui deputado uma vez, no tempo do Fontes [Pereira de Melo]! E,<br />
não gostei”.<br />
Em 1886, três anos após a sua entrada na Academia Politécnica, Gomes<br />
Teixeira é nomeado “sem concurso” para a direção da instituição,<br />
cargo que ocupará até à criação da U.Porto. É um importante período<br />
da vida do matemático: o seu Curso de Análise Infinitesimal – Cálculo<br />
Diferencial, prémio da Academia de Ciências de Lisboa, será publicado<br />
no ano seguinte, em 87, o mesmo ano em que o seu Tratado de las<br />
Curvas Especiales Notables é premiado pela Academia de Ciências de<br />
Madrid; reescrita em francês, esta última obra será também distinguida<br />
pela Academia de Ciências de Paris. Mas a produção científica anterior<br />
de Gomes Teixeira era já notável e abundante, sendo, a partir de<br />
78, os seus artigos publicados com frequência em revistas científicas<br />
francesas, belgas, italianas, alemãs... No panorama nacional, o seu Jornal<br />
das Ciências Matemáticas e Astronómicas iniciara a publicação em<br />
1877 e, apesar do seu âmbito científico restrito, seria apoiado financeiramente<br />
pelos governos do rotativismo, junto de quem o prestígio<br />
de Gomes Teixeira era evidente.<br />
A ação do diretor da Academia é referida em termos muito gerais pelos<br />
seus biógrafos, falando-se, a partir de 1885, de “período áureo” da<br />
história da instituição, quer por graça da qualidade dos docentes, quer<br />
por virtude das reformas introduzidas naquele ano. Seria talvez Gomes<br />
Teixeira a pessoa indicada para este cargo, mas certamente que lhe<br />
pesava: em 1900, apresenta a sua demissão, que não foi aceite, mantendo-se<br />
na direção da Politécnica.<br />
Com a chegada da República, assim também chegou, em 1911, o fim<br />
da Academia Politécnica. O prestígio científico de Gomes Teixeira e de<br />
Ferreira da Silva, ambos monárquicos e católicos convictos, foi mais<br />
valorizado pelo governo republicano do que a sua orientação política,<br />
sendo o primeiro empossado como primeiro reitor da U.Porto e o<br />
segundo como primeiro diretor da sua Faculdade de Ciências. Mas a<br />
relação que estabeleceram com os poderes republicanos – ascendentes<br />
ou estabelecidos – não será a mesma para ambos. Porém, essa é<br />
outra história.<br />
000<br />
Para saber mais:<br />
ALVES, Maria da Graça Ferreira<br />
(2012), Francisco Gomes Teixeira<br />
– O Homem, o Cientista, o<br />
Pedagogo, U.Porto Editorial, Porto<br />
ALVES, Jorge Fernandes; ALVES,<br />
Rita C. (2013), A. J. Ferreira da<br />
Silva – Nos Caminhos da Química,<br />
U.Porto Editorial, Porto<br />
FERREIRA DA SILVA, António<br />
Joaquim (1917), “Homenagem à<br />
Memória de José de Parada e<br />
Silva Leitão”, Revista de Chimica<br />
pura e applicada. Série II, Ano<br />
2, números 1-3, 4-6, 7, 8-9, Porto.<br />
Disponíveis na página web<br />
da Sociedade Portuguesa de<br />
Química:<br />
http://www.spq.pt/publicacoes_spq<br />
Ver ainda em:<br />
www.up.pt > Universidade ><br />
História > Figuras/Património/<br />
Memória da U.Porto<br />
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