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edição de 13 de fevereiro de 2017

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opinião<br />

Nastco/iStock<br />

o problema é o valet<br />

Flávio Waiteman<br />

Era uma vez, num país muito distante,<br />

um restaurante diferente. Nele você não<br />

pagava o prato que comia. Nem o vinho que<br />

bebia. Pagava apenas o estacionamento. O<br />

valet.<br />

E, até por falta <strong>de</strong> opção, esse restaurante<br />

fez muito sucesso. Apesar <strong>de</strong> esquisito, o<br />

restaurante não cobrava a comida, apenas o<br />

valet. Aquilo se espalhou por todo o mercado<br />

<strong>de</strong> alimentação daquele longínquo país.<br />

Com o tempo, outros restaurantes seguiram<br />

o mesmo mo<strong>de</strong>lo e, então, logo <strong>de</strong>pois,<br />

só era possível jantar em um restaurante se<br />

pu<strong>de</strong>sse pagar o valet.<br />

Alguns até criaram uma lei para validar<br />

isso. Mesmo que você chegasse a pé ao restaurante,<br />

era necessário pagar o<br />

valet, se quisesse comer. Para os<br />

cozinheiros, esse sistema era estranho.<br />

Eles perceberam que a<br />

qualida<strong>de</strong> da comida quase não<br />

importava, pois todos os restaurantes<br />

só cobravam o valet. Por<br />

outro lado, os cozinheiros eram<br />

mestres em fazer um prato só <strong>de</strong><br />

carne, um só <strong>de</strong> massa e apenas<br />

uma sobremesa. No máximo<br />

uma entradinha.<br />

“ApesAr <strong>de</strong><br />

esquisito, o<br />

restAurAnte<br />

não cobrAvA<br />

A comidA,<br />

ApenAs o<br />

vAlet”<br />

Mas o tempo passou e chegaram novas<br />

tecnologias, novas formas <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r comida.<br />

Alguns restaurantes abriram com<br />

tapas, sem valet. Outros só serviam sanduíches.<br />

E outros apenas comida vegetariana.<br />

Mas essa novida<strong>de</strong> toda guardava um<br />

segredo: todos eles sonhavam em ter um<br />

valet, pois, na verda<strong>de</strong>, ele é quem trazia<br />

muito dinheiro. Muito mais do que ven<strong>de</strong>r<br />

um bom prato. Isso causou uma tremenda<br />

confusão.<br />

Os restaurantes dos valets passaram<br />

também a servir tapas, saladas e, a cada semana,<br />

inventavam algo novo, mas só pensando<br />

no dinheiro do valet. Por isso, o que<br />

os clientes dos restaurantes queriam pouco<br />

importava. Estava lá a importância do valet<br />

a reger a indústria gastronômica do país.<br />

Chegou-se à bizarrice, <strong>de</strong>vido à extrema<br />

competição entre os restaurantes, em<br />

dar <strong>de</strong>scontos nos valets. Devolviam aos<br />

clientes que iam ao restaurante uma parte<br />

do valor do valet. Não é preciso dizer que a<br />

qualida<strong>de</strong> da comida piorou muito. E ainda,<br />

se fosse sempre ao mesmo restaurante,<br />

<strong>de</strong>volvia ainda mais, numa progressão <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconto que trouxe incerteza à indústria<br />

da alimentação.<br />

Os clientes <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> confiar nos restaurantes.<br />

Isso abriu espaço para todo tipo<br />

<strong>de</strong> aventureiro. Os agricultores começaram<br />

a ven<strong>de</strong>r pratos, os contabilistas dos restaurantes<br />

começaram a ven<strong>de</strong>r pratos. Os<br />

advogados dos clientes começaram a ven<strong>de</strong>r<br />

pratos e até mesmo alguns valets<br />

vendiam umas quentinhas <strong>de</strong><br />

vez em quando.<br />

Isso tirou o movimento dos restaurantes,<br />

porém eles continuavam<br />

a <strong>de</strong>sejar o valet. E todos os<br />

outros aventureiros também. Era o<br />

valet que pagava as contas dos restaurantes<br />

que já haviam sido vendidos<br />

para gran<strong>de</strong>s re<strong>de</strong>s. Mas nem<br />

tudo estava bem nessa história. Ao<br />

final, os chefs que se <strong>de</strong>dicavam à<br />

culinária se perguntavam: por que não fazer<br />

um restaurante que venda pratos bem<br />

feitos, com ingredientes frescos, e a pessoa<br />

que estacione on<strong>de</strong> quiser?<br />

Eles acharam uma boa i<strong>de</strong>ia. Aboliram<br />

o valet. Não chamaram os advogados e<br />

contabilistas. Fizeram uma agenda dos<br />

melhores produtores <strong>de</strong> ingredientes. Fizeram<br />

também algo impensado naquele<br />

país. Uma placa. Apenas uma placa: “Aqui<br />

cobra-se o prato que você consumir”. E<br />

passaram, então, a fazer naquele mercado<br />

<strong>de</strong> alimentação uma coisa impensável e<br />

completamente inovadora. Alguns diziam<br />

que era pura loucura um restaurante fazer<br />

culinária.<br />

Flávio Waiteman é publicitário<br />

flaviowaiteman@mac.com<br />

jornal propmark - <strong>13</strong> <strong>de</strong> <strong>fevereiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2017</strong> 35

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