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Revista Curinga Edição 05

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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moda como uma bandeira de protesto, ato que custou a<br />

sua própria vida. Então, eu acho que a nova geração de<br />

estudantes de moda, arte e cultura no país tem muito o que<br />

aprender com figuras que fizeram muito pelo país através<br />

da roupa, como Ney Galvão e a própria Zuzu.<br />

C: Você utiliza a arte como uma maneira de resgatar,<br />

analisar e protestar em relação aos mais variados<br />

aspectos da cultura do nosso país?<br />

RF: Eu uso principalmente a moda como um vetor de<br />

apropriação cultural. Num lugar em que a cultura é dada<br />

e bem tratada não existe miséria. Não tem mudança de<br />

governo que tire uma autoestima com o viés cultural de<br />

um povo. Se esse universo cultural vai me levar a protestar,<br />

a falar coisas do meu tempo, ok, mas o principal é a<br />

apropriação cultural. Toda e qualquer situação do cotidiano<br />

que me emocione ou até me assombre pode virar tema do<br />

meu trabalho.<br />

C: Você acredita que existe uma Ditadura da beleza<br />

na moda?<br />

RF: Claro que existe. O padrão que impera é o anglo<br />

-saxônico, fato que me parece muito antigo, porque lutamos<br />

tanto pela liberdade, pelas conquistas, e ainda continuamos<br />

agarrados a certos padrões. Por mais que se fale: a modelo<br />

negra é linda. Ainda é uma negra que tem os traços finos<br />

e o cada vez mais cabelo descolorido, aproximando do<br />

loiro. A japonesa de pele amarela e a indígena também<br />

não têm vez. Eu acho até que isso é sério, tem que ser<br />

discutido. Mas tem outras coisas urgentes e básicas que<br />

a gente precisa tratar no país, para que as pessoas tenham<br />

um olhar aberto em relação a esses padrões. Uma coisa<br />

que me incomoda profundamente é o preconceito racial.<br />

Meus filhos estudam numa escola particular que deve ter<br />

dois alunos negros. Isso me incomoda muito mais do que o<br />

padrão de beleza na moda.<br />

C: Qual é o papel da moda?<br />

RF: A moda é muito mais que um vetor econômico. Ela<br />

tem um vetor cultural, porque estimula a transformação<br />

do olhar e do pensar das pessoas. E é muito sério quando<br />

eu te digo que a roupa é a primeira mídia que você tem<br />

controle, porque é a primeira coisa que você vai colocar e<br />

expor no seu corpo. A moda diz muito sobre quem você é.<br />

C: A sua última coleção gerou muitos<br />

comentários nas redes sociais por<br />

causa das palhas de aço nos cabelos<br />

das modelos. Qual foi a sua intenção ao<br />

compor esse visual?<br />

RF: A comoção em torno dessa questão<br />

me gerou muita surpresa. Mostra que<br />

essa militância cega no Brasil promove<br />

a própria cegueira, já que continuamos<br />

sem dar atenção a inúmeros problemas.<br />

É como se estivessem discutindo a cor da<br />

bolinha da calcinha da formiga enquanto<br />

os elefantes estão passando vigorosos. Já<br />

tinha usado o material nas coleções de 96<br />

e 94, e em nenhuma delas causou tanta<br />

polêmica quanto nessa, em que o ponto da<br />

discussão era o preconceito racial nos anos<br />

50, quando negro não podia ver jogo nos<br />

estádios e muito menos jogar. Antes, era<br />

permitido aos jogadores e juízes surrarem o<br />

jogador negro quando ele cometesse falta,<br />

então o negro tinha que ter a malícia para<br />

desviar a bola do oponente sem fazer falta.<br />

Isso é a arte que foi retratada no desfile.<br />

Na época, a palha era utilizada para tentar<br />

melhorar o sinal das TVs, por isso, a ideia<br />

de colocar o material no desfile. A sensação<br />

que eu tenho é a de que muita gente entra<br />

no twitter, pega uma frase e simplesmente<br />

retwitta aquilo sem o menor discernimento.<br />

Um dos twittes dizia: “desfile homenageia<br />

negros com a peruca de bombril”. O desfile<br />

não é uma homenagem aos negros, o desfile<br />

fala de futebol!<br />

Ilustrações: Ronaldo Fraga<br />

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