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Revista Curinga Edição 05

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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Sérgio gomes<br />

C: Como você analisa<br />

a reação da população<br />

no período da Ditadura e<br />

os resultados gerados por<br />

ela?<br />

Sérgio: A reação da população<br />

à repressão funcionou<br />

como um catalisador,<br />

como se fosse produzir uma<br />

reação química para que a<br />

sociedade se levantasse. E,<br />

ainda assim, levou um longo<br />

tempo. Nós estávamos<br />

em 1975 e fomos ter eleição<br />

direta para presidente somente<br />

14 anos depois. Esse<br />

processo foi muito lento.<br />

C: Que heranças sociais<br />

ainda permaneceram<br />

nesse processo?<br />

S: Fomos o primeiro país<br />

em que a classe trabalhadora<br />

foi transportada em um<br />

navio negreiro, ou seja, num<br />

porão onde você não tem um<br />

relato de bordo que dê conta<br />

do que foi essa tragédia de<br />

milhões e milhões. O sujeito,<br />

quando consegue um<br />

mínimo de ascensão social,<br />

vem para o “convés”, para<br />

poder comer três vezes ao<br />

dia e ter amigos. Ele esquece<br />

que nesse “navio” chamado<br />

Brasil, há um comando que<br />

é mais ou menos o mesmo,<br />

desde sempre. Você tem aí<br />

de 10% a 15% da população,<br />

a classe média, que está no<br />

“convés”. O resto está no<br />

“porão”. A burguesia brasileira<br />

é a mais sagaz de todas<br />

as burguesias da América<br />

do Sul. Mas há uma grande<br />

dificuldade dessa classe, até<br />

agora, em entender o que<br />

foi feito pelo “porão” nos<br />

últimos anos.<br />

C: Você acredita que<br />

as repressões daquele<br />

tempo cessaram por<br />

completo?<br />

S: As repressões ainda<br />

estão acontecendo hoje.<br />

Agora mesmo que estamos<br />

nessa sala, tem alguém, que<br />

possivelmente é pobre, está<br />

morando e ganhando mal,<br />

sendo submetido a pau de<br />

arara e choques elétricos,<br />

exatamente com os mesmos<br />

métodos de antes, em delegacias<br />

de polícia. Isso é uma<br />

prática que segue acontecendo<br />

e, no entanto, não há<br />

polícia científica. O sistema<br />

brasileiro dá um cacete para<br />

arrancar a confissão do sujeito<br />

rápido, se possível para<br />

contar onde está a mercadoria<br />

para que a polícia<br />

vá lá e fique com ela. Para<br />

nós, qualquer coisa pode ficar<br />

para amanhã, mas para<br />

uma pessoa que está pendurada<br />

de ponta-cabeça, é<br />

muito tempo.<br />

C: Os jovens tiveram<br />

grande participação nos<br />

movimentos estudantis na<br />

época da Ditadura. Como<br />

você avalia a atuação dos<br />

jovens hoje?<br />

S: Quando se tem uma<br />

sociedade complexa, e de<br />

instituições sólidas, o papel<br />

dos indivíduos é relativamente<br />

pouco importante,<br />

pois você tem uma máquina<br />

que funciona. No caso dos<br />

brasileiros, as instituições<br />

são muito frágeis, independentemente<br />

de quem seja o<br />

líder político. Ou seja, até<br />

que se consiga instituições<br />

democráticas sólidas, haverá<br />

essa alegria que nem<br />

o alemão nem o inglês têm,<br />

mas que o brasileiro pode<br />

ter. Enquanto aqui pode-se<br />

fazer algo pela política aos<br />

25 ou 30 anos, na Europa é<br />

preciso esperar os sessenta.<br />

C: Como você avalia a<br />

democracia no Brasil?<br />

S: A democracia não ganha<br />

simplesmente a feição<br />

do povo quando sua gestão<br />

se traduz em melhorias na<br />

qualidade de vida. No Brasil,<br />

temos o exemplo do<br />

Bolsa Família, que beneficia<br />

grande parte das famílias<br />

carentes e, mesmo assim, é<br />

criticado como algo que está<br />

sendo jogado fora. Porém,<br />

não se leva em consideração<br />

o custo do Programa, que é<br />

de 14 bilhões, sendo que o<br />

valor pago aos bancos pela<br />

dívida externa foi de 174<br />

bilhões. Ou seja, 14 para os<br />

pobres e 174 para os bancos<br />

estrangeiros.<br />

C: Na sua opinião, o<br />

que é necessário para<br />

melhorar a mobilização<br />

em busca de um país<br />

ainda mais igualitário?<br />

S: Trabalhar para realizar<br />

coisas concretas que<br />

melhorem a vida desde já,<br />

o ensino, a pesquisa... que a<br />

universidade pública preste<br />

serviços à comunidade. Não<br />

é esse o papel da universidade?<br />

Atuar por meio de ensino,<br />

pesquisa e extensão?<br />

Então, se os estudantes se<br />

organizarem para isso, poderão<br />

verificar a importância<br />

do trabalho em equipe<br />

e essa dispersão começa a<br />

desaparecer.<br />

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