You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
HISTÓRIAS<br />
O Velho e o Cinema<br />
O<br />
velho – mas não tão velho assim, na realidade<br />
talvez ainda esteja mais para meia idade<br />
– se espanta logo depois de passar a última<br />
cena. Mas que coisa é essa agora? Por que<br />
acender a luz logo que o filme acaba? Estão<br />
nos expulsando da sala? Quem teve a infeliz ideia? Essa é<br />
só mais uma das coisas que estranha quando vai ao cinema<br />
agora. Como todo mundo que envelhece, ele é saudosista<br />
de sua época, que era muito melhor que a atual, como todo<br />
velho acha.<br />
Pra que toda essa pipoca, refrigerante, não comeram<br />
em casa?, fica matutando quando vê os enormes potes e<br />
copos cheios de comida e líquido, que o pessoal chama<br />
de combo (combo?). Antes era só um saquinho de pipoca,<br />
uma balinha e olhe lá – compradas no carrinho do pipoqueiro<br />
ou do senhor que carregava um caixote com gostosuras<br />
– porque a gente ia no cinema pra ver filme, não<br />
pra comer, o lanche era depois, uma pizza lá no Savoia,<br />
com vitamina. A mãe e o pai gostavam de uma coalhada na<br />
Schaffer também.<br />
Já não eram mais os tempos de gala da Cinelândia curitibana,<br />
com os Cines Avenida, Palácio, Ópera e Odeon,<br />
nos quais os pais até namoraram, mas a capital tinha ainda<br />
mais salas na região central – Vitória, Bristol, Cinema 1,<br />
Lido, Condor, Astor, Plaza, Glória (quando ainda não passava<br />
os filmes de sacanagem), Rívoli, São João, Groff, Luz,<br />
Ritz, todos cinemas de rua – nos anos 1980, abriram alguns<br />
em centros comerciais, o Cine Itália, o Palace Itália e o<br />
Novo Batel. Tinha também o Ribalta no Cabral, mas nesse<br />
só foi uma vez.<br />
As sessões eram corridas, às 14h, 16h, 18h, 20h e 22h.<br />
E dava para entrar a hora que quisesse, ficar de uma sessão<br />
para outra. Se você perdia o começo do filme era<br />
só esperar um pouco começar a outra<br />
sessão para conferir o início. Ele lembra<br />
das matinês em que brincava pela sala<br />
com outras crianças na primeira sessão<br />
e depois via o filme na outra, isso quando<br />
o filme era legal, pois se não fosse, a<br />
brincadeira continuava. Recorda também<br />
que Os Trapalhões vinham sempre lançar<br />
seus filmes no Cine Vitória, uma bagunça<br />
generalizada na gigantesca sala para quase 2 mil pessoas,<br />
mas no final dava tudo certo. Depois vieram as tardes e<br />
noites de namoro, quando o que passava na tela até era o<br />
que menos importava.<br />
As salas não tinham essas novidades (frescuras) de hoje<br />
em dia, lugar marcado, poltrona que mexe (que o velho<br />
estranha, mas até curte em alguns filmes). Algumas tinham<br />
grande conforto como as do Condor, do Astor, outras nem<br />
tanto, eram só cadeiras simples como no Groff. Às vezes,<br />
era difícil ver quando sentava uma pessoa muito alta na sua<br />
frente, porque as salas não eram no tal esquema de estádio,<br />
mas era só trocar de lugar.<br />
E era principalmente barato, havia salas de cinema em<br />
qualquer cidade, todo mundo podia pagar, não era uma<br />
coisa de shopping, elitista. Estava de bobeira no centro, tinha<br />
um tempo livre, entrava na salinha e curtia uma sessão<br />
– alguns até matavam aula ou trabalho para ver um filme.<br />
Ah, mas hoje dá pra ver na televisão, no computador,<br />
no tablet, no celular. Mas isso não é cinema. Cinema é a<br />
sala grande, a luz projetada na tela, a experiência emocionante<br />
dividida com outras pessoas, sim outras pessoas,<br />
mas gente que respeita o ritual, não alguns muitos de hoje<br />
em dia, que passam o tempo inteiro olhando a telinha do<br />
aparelhinho que não conseguem largar, ou que não param<br />
de falar porque pensam que estão na sala de casa vendo<br />
novela (alguns filmes até parecem novela, mas aí já é outra<br />
história).<br />
Mesmo com todas as (más) novidades, o velho continua<br />
e continuará indo ao escurinho do cinema, e, como diz a<br />
Rita (Lee), “chupando drops de anis, longe de qualquer<br />
problema, perto de um final feliz”.<br />
Foto: divulgação<br />
Por Rudney Flores<br />
74<br />
FEVEREIRO <strong>2018</strong><br />
revistavoi.com.br