LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ diplomacia cavalheiresca. Um nobre veneziano e um representante da Áustria conversavam num daqueles encantadores balcões da cidade das águas, e os olhares de ambos se detiveram na imagem do leão alado. O austríaco virou-se para o veneziano e disse num tom de pouco caso, como quem graceja: — Curioso este país onde os leões têm asas... O outro respondeu ato contínuo, na mesma toada: — Mais curioso o país onde as águias têm duas cabeças... Na verdade, estavam fazendo uma brincadeira quase que de salão, porque, de si, nem uma coisa nem outra é ridícula. Tratamse de símbolos, aos quais se permite uma ousadia que não se concede aos se- alta expressão da arte, sobretudo a arte inspirada pela Igreja, seja a de proporcionar ao homem a manifestação dos símbolos que tanto enriquecem sua inteligência e seu espírito. Havia uma escola de pintura do século XIX que costumava apresentar a realidade sempre envolta numa espécie de névoa. Na verdade, esta missão da arte tinha em vista apresentar um certo caráter simbólico que a névoa confere aos ambientes e aos objetos por ela abarcados. Imagine-se, por exemplo, um castelo gótico no alto de um monte ou na encosta de uma colina, meio agasalhado na bruma. Assim ele diz mais o que deseja expressar do que se estivesse sem a bruma. Por quê? Porque esta apresenta o lado irreal, que res vivos. Com efeito, o universo dos símbolos, embora exprima uma realidade, é até certo ponto o mundo da fantasia. Ele se situa entre a fantasia e a realidade: não podendo ser inteiramente fantasia, não será — senão mais raramente — uma mera realidade. De fato, o símbolo será tanto mais artístico quanto mais exprima o fundo da realidade, distanciando-se ao mesmo tempo das aparências desta. Qual é o papel do leão alado ou da águia bicéfala? É, novamente, fazer repercutir na nossa sensibilidade algo que a mente já compreendeu, tornando essa compreensão ainda mais completa. Por isso o símbolo é tão conveniente para o conhecimento humano. E, a meu ver, talvez a mais é preciso a fantasia juntar ao real, para a sensibilidade ser inteiramente tocada. Numa palavra, o símbolo ajuda a sensibilidade a se elevar às alturas, onde o intelecto do homem foi conduzido pela razão, e, sobretudo, pela fé. Para concluir, lembremos que Deus outorga a certos homens e mulheres a missão de simbolizar. E, curioso, nem sempre são pessoas de muito valor. Porém, possuem uma estampa, um modo de ser, que, se corresponderem à graça, externam e tornam particularmente atraentes determinadas virtudes. Por causa disso, são chamados a praticá-las eximiamente, transformando-se em anúncios luminosos da perfeição moral. Estes são os Santos. E um Santo nunca se apagará da história. v 34
Situados entre a fantasia e a realidade, os símbolos — como a águia bicéfala e o leão alado — enriquecem o conhecimento humano, permitindo à nossa sensibilidade se elevar às alturas onde o intelecto foi conduzido pela razão e pela fé.