LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ sário, põe o pé em cima dele e depois acena para a platéia. Nada disso. Essa delicadeza de matizes vencia com uma espécie de dignidade, com folga tal que ela não sentia sequer a necessidade de esmagar o adversário. Este não se encontrava estirado ao solo: estava eliminado do panorama. Assim, criava-se a idéia de um mundo onde, desde o começo, só ele, vitral, existira. Algo parecido com aquela Sabedoria que, no princípio dos séculos, brincava com todas as coisas... Percebi que na delicadeza de cores daqueles vitrais havia a candura e a como que inexperiência do virginal, aliada à estabilidade e à dignidade da experiência de uma matriarca no auge mais dourado de sua vida, na plena lucidez e no pleno conhecimento das realidades da nossa existência terrena. Ainda nessa linha de impressões, imaginando que cada vitral era como que alguém que tivesse a alma construída daquele jeito, imaginando que esses “alguéns” do mundo dos possíveis foram sonhados pela Idade Média e tiveram começos de realização em milhares de almas, então eu pensava em São Luís, nos artistas dele que edificaram essa maravilha da arte católica, na multidão de súditos que amavam seu monarca santo e admiravam nele as suas semelhanças com o Rei dos Reis, Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu pensava nisso e entendia ainda melhor o que foi a época áurea da Cristandade. Essa é a análise dos matizes. Agora, a impressão que tive do conjunto de todos os vitrais foi a de uma harmonia constituindo uma espécie de figura não-expressa, ideal, de um vitral arquidelicado, de um vitral perfeito contendo em si todas as cores arqui-suaves naquele estado que acabei de descrever. Trazendo consigo a noção de que essa delicadeza assim apresentada — longe de ser inimiga dos tons mais fortes, na linha dos estados de alma como na linha das cores e na dos sons — fazia pensar no desfile sem fim de todos os coloridos possíveis, mesmo os mais antitéticos, em todos os estados de espírito possíveis, mesmo os mais diversos, dentro daquela harmonia. E dessas impressões se desprende, afinal, uma idéia de perfeição enquanto perfeição, de harmonia enquanto harmonia, de santidade enquanto santidade — portanto, de verdade enquanto verdade, e de beleza enquanto beleza — reluzindo neste píncaro da montanha da delicadeza, a partir do qual se percebe toda a cordilheira dos sentimentos opostos e afins que constituem o espírito indizivelmente rico da Igreja Católica. v 34
Matizes de extrema suavidade, com uma agradável variedade de tons; o débil que se apresenta rei, dando a impressão de uma vitória da alma justa, e de tudo quanto é frágil, reto e inocente sobre o que é ruim. Vitória com folga e dignidade, como se desde o começo só ele, vitral, existira. Algo parecido com a Sabedoria que, no princípio dos séculos, brincava com todas as coisas...