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2001_Luzes-ApostoloPulchrum

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Ohomem tem necessidade de<br />

tornar suportável a vida nesta<br />

Terra. Para adoçar suas<br />

agruras, ele tem à disposição muitos lenitivos<br />

lícitos, entre os quais, a contemplação<br />

do que há de celeste e maravilhoso<br />

na obra da Civilização Cristã.<br />

Acontece, porém, que um dos frutos<br />

excelentes engendrados pela Cristandade<br />

é, precisamente, a atitude que<br />

o católico deve tomar em face da dor.<br />

Certa vez, nos meus tempos de aluno<br />

dos jesuítas, um professor de Religião<br />

nos propôs um problema muito<br />

interessante, abstraindo-se do aspecto<br />

prosaico que o envolve.<br />

— Imaginem — dizia ele — que<br />

uma galinha fosse capaz de pensar, e que<br />

alguém se aproximasse dela e lhe dissesse:<br />

“Tu foste criada para servir de alimento<br />

ao homem. Daqui a pouco, seu<br />

dono vai te matar e te almoçar”. Pergunta-se,<br />

então, que sentimento deveria<br />

ter a galinha: de horror, porque vai morrer?<br />

Ou de entusiasmo, porque o fim<br />

para o qual ela existe — alimentar o<br />

homem — vai se realizar?<br />

O problema estava bem apresentado,<br />

e me impressionou de modo profundo.<br />

Anos depois, procurando resolvêlo<br />

à luz da doutrina católica, a solução<br />

me pareceu clara. Não se trata, é evidente,<br />

da galinha, mas do estado de<br />

espírito delineado pela figura metafórica<br />

que o professor nos pintou. A resposta<br />

que encontrei foi esta: a galinha<br />

sentiria necessariamente a dor horrorosa<br />

de sua própria imolação; porém,<br />

mais do que a dor, ela não poderia<br />

deixar de sentir a felicidade inerente<br />

ao fato de ter alcançado o seu fim último,<br />

a sua completa realização. E isto<br />

traz uma alegria muito superior à infelicidade<br />

do holocausto. Portanto, os<br />

dois sentimentos deveriam se juntar,<br />

de tal maneira que a galinha amasse o<br />

fato de chegar a seu fim, embora o<br />

fizesse com dor.<br />

O mesmo se pode aplicar à vida humana.<br />

Neste mundo, a pessoa feliz não<br />

é a que vive muito, nem a que vive<br />

prazerosamente. É, na verdade, aquela<br />

que conduz a sua existência segun-<br />

Túmulo do Infante D. Alfonso (Catedral de Burgos)<br />

do o objetivo para o qual foi criada:<br />

amar, servir e glorificar a Deus no cumprimento<br />

dos desígnios que Ele tem<br />

sobre ela. Nosso ânimo deve decorrer<br />

desse senso de que a alegria elevada e<br />

serena da finalidade alcançada é a autêntica<br />

alegria da vida. Nela encontramos<br />

as forças para suportar os sofrimentos<br />

que a Providência permite<br />

em nosso caminho, e os recursos para<br />

compreender tudo quanto eles significam<br />

na consecução de nossa realização<br />

suprema.<br />

Por isso mesmo, na época da Europa<br />

maravilhosa, nos áureos tempos<br />

da Civilização Cristã, encontramos a<br />

dor instalada no meio dos esplendores<br />

da vida, com toda a amplitude possível.<br />

Assim, a morte transformava-se<br />

numa grande solenidade, a respeito<br />

da qual a etiqueta tinha disposto todas<br />

as suas exigências.<br />

Por exemplo, quando um arquiduque<br />

d’Áustria agonizava, no momento<br />

em que lhe seria ministrado o Santo<br />

Viático, todos os príncipes da Casa<br />

Imperial ali presentes entravam em<br />

procissão no quarto, e formavam uma<br />

corola de velas acesas em torno do<br />

Senhor Eucarístico e daquele que em<br />

breve partiria para a eternidade. No<br />

meio de toda essa magnificência, o<br />

moribundo recebia o Santíssimo Sacramento,<br />

era ungido com os santos<br />

óleos. Seu falecimento se dava em<br />

meio a esse aparato da morte realizado<br />

com as pompas da vida. Como suprema<br />

despedida, seu funeral era um<br />

requinte de gala.<br />

Magnífica expressão desse enobrecimento<br />

da dor, dessa superior beleza<br />

de que se revestia o sofrimento, temos<br />

os garbosos e hieráticos gizantes medievais,<br />

os grandiosos monumentos<br />

fúnebres, as estátuas representando<br />

homens cobertos de véu e carregando<br />

imponentes caixões. Toda uma arte<br />

imensamente desenvolvida, para re-<br />

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