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Chicos 58 - 22.09.2019

Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil. Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com

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<strong>Chicos</strong><br />

“Volto a Lecy. Procuro um fragmento de Paródias...<br />

, ele dá o tom do belo discurso do rio:<br />

“Nasci nas frontes de Minas Gerais como um<br />

mineiro qualquer. Depois de ser nascido fui<br />

amado e batizado como um rio qualquer. Minha<br />

infância foi sem tréguas. Sempre corri demais.<br />

Talvez por isso começaram as ofertas que não<br />

vinham por amar-me sim por acalmar-me. E<br />

mais vingança eu sonhava quando uma rosa sem<br />

história sumia na minha cara perdida. Sempre fui<br />

assim muito quieto e muito rápido, muito forte e<br />

bem amado. Era assim o meu trecho, sempre<br />

cresci sem vontade e cheio de mágoas. Como<br />

lágrimas sentidas de uma guerra interminável de<br />

um texto prevendo misérias.<br />

Fora isso, sempre fui muito sóbrio, contra o<br />

Amazonas.”<br />

Outros fragmentos de sua obra, e não é difícil<br />

encontrá-los da melhor qualidade:<br />

“Precisarei de alimento, água, bússola, companheira./<br />

– será que não há no mundo quem queira<br />

comigo ir? –/ inda que não olhe meus olhos/<br />

inda que vá por partir./ – Fundarei o céu e a terra<br />

só pra ter aonde ir.” (Menina nº 70)<br />

“O que devemos Menina é fazer a vida/ não assisti-la.”<br />

(Menina nº 62)<br />

“E o grande aguaceiro, e as grandes orgias, e o<br />

aguaceiro e as orgias. Meu sonhar terrível me<br />

desperta de tantas mágoas que nem sei se verei<br />

o fim do mundo. [...] Todos os que caíram nas<br />

minhas águas aumentaram meus pesadelos. Então<br />

que lhes devo?” (Paródias do gigante líquido,<br />

p. 5)<br />

“Além de mim o que mais quererão os deuses<br />

de mim?” (Menina nº 54)<br />

“O mundo?/ O mundo é aquilo que era redondo<br />

e que mudou de forma como eu./ Será que o<br />

mundo me imita?” (Menina nº 31)<br />

“Do jeito que vais Menina/ em pouco o mundo<br />

estará velho demais./ – e são 365 dias às vezes<br />

66 além dos nossos –/ tantos/ que tu me perguntas/<br />

como/ a humanidade pode viver com tão<br />

poucos dias/ incrível não Menina?” (Menina nº<br />

24)<br />

“...até que o mar que nunca fica louco de sede/<br />

– que só a sede enlouquece –/ até que o mar<br />

normal, arrebente este litoral/ que nunca sei se<br />

termina/ cá/ ou acolá/ da mangueira.” (Menina<br />

nº 22)<br />

“Eu me importaria que te suicidasses/ que então<br />

eu não teria armas contra o mundo./ Tu és o<br />

meu projétil.” (Menina nº 20)<br />

“Serei eu provável pedreira?/ Eu te darei todas<br />

as pedras./ Que são as estrelas que não buracos<br />

no céu/ feitos por pedradas?/ Uma pedra bem<br />

atirada revela tudo ao homem Menina./ Um pássaro<br />

apedrejado – por Deus não chores –/ o pássaro<br />

é um embuste./ Um homem apedrejado –<br />

por Deus não te escondas atrás de mim –/ já te<br />

ensinei a enfrentar os dragões Menina./ Além do<br />

mais/ tu tens todas as pedras./ No entanto, recorda-te,/<br />

que o que importa é o alvo/ não é a pedra.”<br />

(Menina nº 18)<br />

“A felicidade é como o segundo andar de um<br />

clube/ três garrafas/ dois copos/ uma mesa./ A<br />

paisagem atrás da vidraça/ eu/ e catorze cadeiras./<br />

Mas não é felicidade que eu busquei/ ninguém<br />

pode dizer isto./ Eu não quero buscar mais<br />

nada/ se tu nunca estás em nada/ nem em mim/<br />

tu tão independente./ Não quero felicidade/ de<br />

cadeiras/ de copos/ de mesa./ Menina/ eu te quero<br />

apenas.” (Menina nº 11)<br />

“O que vale na vida é comer ou não comer./<br />

Mas jamais deixes de devorar os extremos/ pois<br />

para além deles/ não há mais nada para se comer./<br />

E é no ato de se devorar os extremos que<br />

está a fórmula iminente da vida.” (Menina nº 6)<br />

No dia 8 de agosto morreu a cataguasense escritora<br />

Lecy Delfim Vieira, ela que nascera no dia<br />

12 de outubro de 1942. Um talento tão grande<br />

que acabou prejudicando a sua edição em livro<br />

solo.<br />

Além da antologia de Walmir Ayala, participou<br />

apenas da coletânea Marginais do Pomba, organizada<br />

por mim, Fernando Cesário e Ronaldo<br />

Werneck. Deixou inéditos títulos como Rua sem<br />

elevadores, 8.511.965 km2 de omissão, PAN-<br />

Pressão atmosférica normal, Mulher setentrional,<br />

Ensaios-Menina e Paródias do gigante líquido.<br />

Espero editá-los brevemente, e levar ao público<br />

palmo a palmo o seu caminho literário.<br />

09

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