27.09.2019 Views

Chicos 58 - 22.09.2019

Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil. Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com

Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil.
Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Chicos</strong><br />

Este volume, que reúne 10 contos, escolhidos<br />

pelo cineasta Robert Altman, retrata excelentemente<br />

bem o universo típico do Autor e<br />

sua visão de mundo. As histórias contemplam,<br />

na maioria das vezes, famílias de classe média,<br />

preocupadas com questões bastante concretas,<br />

ligadas à sobrevivência mais comezinha. As<br />

narrativas flagram momentos singulares de<br />

suas vidas cinzentas, ou seja, situações em<br />

que a precária estabilidade - financeira, emocional<br />

- parece desmoronar. O curioso é que,<br />

para o Autor, esses instantes - que James<br />

Joyce (1882-1941) chamava de epifanias, termo<br />

tomado do vocabulário religioso - não são<br />

iluminações que transformam o sujeito, como<br />

compreendido pelo Autor irlandês, mas, ao<br />

contrário, apenas evidenciam a terrível armadilha<br />

ontológica na qual o ser humano está preso.<br />

Ou, como afirma Claire, protagonista de<br />

"Tanta água tão perto de casa": "(...) certas<br />

coisas à nossa volta vão modificar-se, ficar<br />

mais fáceis ou mais difíceis (...), mas nada vai<br />

ser realmente diferente, nunca mais. (...) Tomamos<br />

nossas decisões, pusemos nossas vidas<br />

em movimento, e elas vão seguir e seguir adiante<br />

até parar. (...) até que um dia acontece<br />

uma coisa que deveria modificar alguma coisa,<br />

mas aí a gente vê que no final nada vai mudar"<br />

(p. 88). Essa verdade, talvez, seja ainda<br />

mais terrível, porque, vista desta maneira - e<br />

todos os contos projetam esse ponto de vista -<br />

é como se estivéssemos vivendo uma vida<br />

inautêntica, como se fôssemos meros atores<br />

representando papéis previamente escritos<br />

por outro - Deus? O Destino? Assim, o que<br />

resta de felicidade é a idealização de um passado,<br />

como no conto "Jerry, Molly e Sam":<br />

"Al gostaria de poder ir em frente, dirigindo o<br />

carro sem parar, a noite inteira, até que fosse<br />

sair nos paralelepípedos da velha rua principal<br />

de Toppenish, virar à esquerda no primeiro<br />

sinal, depois virar à esquerda de novo, parar<br />

quando chegasse ao lugar onde sua mãe vivia,<br />

e nunca, nunca mais, por nenhuma razão no<br />

mundo, sair de lá outra vez" (p. 144). As soluções<br />

dadas para essas vidas apagadas podem<br />

parecer, numa primeira visada, positivas, pois<br />

à exceção de um conto - "Diga às mulheres<br />

que a gente já vai" - ocorre, após a crise, uma<br />

rearrumação das coisas, portanto, não há rupturas.<br />

Mas trata-se de uma falsa premissa - é<br />

como numa tempestade: depois que passa,<br />

constatamos que a paisagem permanece a<br />

mesma, mas no fundo sabemos que não é verdade.<br />

Houve mudanças substantivas na essência,<br />

embora a aparência continue a mesma. E,<br />

neste caso, nem mesmo a morte é solução, já<br />

que, como afirma Howard Sears, de<br />

"Limonada": "(...) morrer é para os puros<br />

(...)" (p. 177).<br />

Avaliação: OBRA-PRIMA<br />

64

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!