Chicos 58 - 22.09.2019
Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil. Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com
Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil.
Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com
- TAGS
- gabriel-franco
- flauzina-marcia-da-silva
- fernando-abritta
- alberto-pereira
- alberto-bresciani
- antonio-jaime-soares
- mauricio-vieira
- ronaldo-cagiano
- ronaldo-werneck
- emerson-teixeira-cardoso
- paschoal-motta
- helen-massote
- inez-andrade-paes
- chicos-cataletras
- joaquim-branco
- jose-vecchi-de-carvalho
- lecy-delfim-vieira
- luiz-ruffato
- jose-antonio-pereira
- andressa-barichello
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>Chicos</strong><br />
Este volume, que reúne 10 contos, escolhidos<br />
pelo cineasta Robert Altman, retrata excelentemente<br />
bem o universo típico do Autor e<br />
sua visão de mundo. As histórias contemplam,<br />
na maioria das vezes, famílias de classe média,<br />
preocupadas com questões bastante concretas,<br />
ligadas à sobrevivência mais comezinha. As<br />
narrativas flagram momentos singulares de<br />
suas vidas cinzentas, ou seja, situações em<br />
que a precária estabilidade - financeira, emocional<br />
- parece desmoronar. O curioso é que,<br />
para o Autor, esses instantes - que James<br />
Joyce (1882-1941) chamava de epifanias, termo<br />
tomado do vocabulário religioso - não são<br />
iluminações que transformam o sujeito, como<br />
compreendido pelo Autor irlandês, mas, ao<br />
contrário, apenas evidenciam a terrível armadilha<br />
ontológica na qual o ser humano está preso.<br />
Ou, como afirma Claire, protagonista de<br />
"Tanta água tão perto de casa": "(...) certas<br />
coisas à nossa volta vão modificar-se, ficar<br />
mais fáceis ou mais difíceis (...), mas nada vai<br />
ser realmente diferente, nunca mais. (...) Tomamos<br />
nossas decisões, pusemos nossas vidas<br />
em movimento, e elas vão seguir e seguir adiante<br />
até parar. (...) até que um dia acontece<br />
uma coisa que deveria modificar alguma coisa,<br />
mas aí a gente vê que no final nada vai mudar"<br />
(p. 88). Essa verdade, talvez, seja ainda<br />
mais terrível, porque, vista desta maneira - e<br />
todos os contos projetam esse ponto de vista -<br />
é como se estivéssemos vivendo uma vida<br />
inautêntica, como se fôssemos meros atores<br />
representando papéis previamente escritos<br />
por outro - Deus? O Destino? Assim, o que<br />
resta de felicidade é a idealização de um passado,<br />
como no conto "Jerry, Molly e Sam":<br />
"Al gostaria de poder ir em frente, dirigindo o<br />
carro sem parar, a noite inteira, até que fosse<br />
sair nos paralelepípedos da velha rua principal<br />
de Toppenish, virar à esquerda no primeiro<br />
sinal, depois virar à esquerda de novo, parar<br />
quando chegasse ao lugar onde sua mãe vivia,<br />
e nunca, nunca mais, por nenhuma razão no<br />
mundo, sair de lá outra vez" (p. 144). As soluções<br />
dadas para essas vidas apagadas podem<br />
parecer, numa primeira visada, positivas, pois<br />
à exceção de um conto - "Diga às mulheres<br />
que a gente já vai" - ocorre, após a crise, uma<br />
rearrumação das coisas, portanto, não há rupturas.<br />
Mas trata-se de uma falsa premissa - é<br />
como numa tempestade: depois que passa,<br />
constatamos que a paisagem permanece a<br />
mesma, mas no fundo sabemos que não é verdade.<br />
Houve mudanças substantivas na essência,<br />
embora a aparência continue a mesma. E,<br />
neste caso, nem mesmo a morte é solução, já<br />
que, como afirma Howard Sears, de<br />
"Limonada": "(...) morrer é para os puros<br />
(...)" (p. 177).<br />
Avaliação: OBRA-PRIMA<br />
64