27.09.2019 Views

Chicos 58 - 22.09.2019

Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil. Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com

Chicos é uma publicação de literatura e ideias de Cataguases - MG - Brasil.
Fale conosco em cataletras.chicos@gmail.com

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Chicos</strong><br />

Clara Arreguy<br />

Nasceu em Belo Horizonte MG, mora em Brasília<br />

DF. Escritora e jornalista Entre outros publicou:<br />

Segunda divisão (2005), Fafich (2005)<br />

Tempo Seco (2009) Rádio Beatles (2012) Dia de<br />

sol em tempo de chuva (2015).<br />

Mecanismos do mal descortinados<br />

Depois da obra-prima que foi "O indizível<br />

sentido do amor", o novo trabalho de Rosângela<br />

Vieira Rocha vinha revestido de responsabilidade.<br />

E "Nenhum espelho reflete seu rosto"<br />

(Editora Arribaçã) deu conta do recado à<br />

altura da autora e de seus antecessores. Romance<br />

calcado num tipo de personagem doentio,<br />

requereu da escritora pesquisa, mergulho profundo<br />

no tema, ao mesmo tempo espinhoso e<br />

necessário.<br />

O grande barato da melhor literatura contemporânea,<br />

de Rosângela Vieira Rocha, inclusive, é<br />

justamente a mescla de memória, pesquisa e ficção.<br />

A autora já havia feito isso brilhantemente<br />

em "O indizível". Agora, com "Nenhum espelho",<br />

isso se reforça no distanciamento entre<br />

protagonista e autora. A joalheira Helen, ou melhor,<br />

designer de joias, pode não ter nada a ver<br />

com a escritora, jornalista, professora e advogada,<br />

mas é inevitável comparar, por exemplo, o<br />

lançamento da coleção de peças que a protagonista<br />

prepara ao longo da narrativa ao do livro<br />

"O indizível sentido do amor", obra mais preciosa,<br />

no meu entender, da coleção de joias da escritora.<br />

Quanto à urgência do tema, é impressionante<br />

como Rosângela consegue, ao contar a história<br />

de Helen e sua relação tóxica com o "príncipe<br />

encantado" que encontrou na internet, falar de<br />

uma realidade vivida por milhares de mulheres<br />

(e inclusive homens) que até então não se davam<br />

conta do grau doentio dessas relações. Não<br />

está nas redes sociais o problema, mas na teia<br />

tão bem urdida por personalidades identificadas,<br />

freudianamente, pelo narcisismo perverso. Sua<br />

capacidade de envolvimento, sedução, dominação.<br />

Sua inteligência brilhante casada à ausência<br />

de empatia. Sua incapacidade de perceber o outro<br />

senão como objeto a ser usado, controlado e<br />

descartado de acordo com seus interesses.<br />

A narrativa de Rosângela desvenda os mecanismos<br />

por meio dos quais isso se dá. A partir da<br />

experiência relatada por Helen ao médico de<br />

uma paciente que se saiu pior que ela, os fatos,<br />

casos, diálogos, "detalhes tão pequenos", mas<br />

tão significativos, descortinam o que, à vítima,<br />

muitas vezes parece um delírio persecutório,<br />

uma paranoia injustificada. Não é. Esse tipo de<br />

figura circula por aí, no dia a dia de qualquer<br />

pessoa, e é preciso estar alerta para entender<br />

que é possível não se deixar cativo da própria<br />

carência.<br />

"Nenhum espelho reflete seu rosto" contribui<br />

para jogar luz sobre tema tão delicado, e Rosângela<br />

Vieira Rocha o faz com a maestria de sua<br />

escrita direta, seca, sem arroubos de adjetivação.<br />

A aula de joalheria serve de contraponto ao universo<br />

do mal visitado pela protagonista e alivia<br />

o leitor do mal-estar. Há saída.<br />

65

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!