Luís Carlos MINHA MÃE Espero ver minha mãe completar 96 anos em junho, sempre torcendo para poder vê-la fazer mais um aniversário. Ela não está doente, não tem nada. Só tem uma doença: a velhice. Como Terêncio dizia: ipsa senectus morbus est, a própria velhice é uma doença. Pois ela deixou de interessar-se pelas coisas mundanas. Tenho a impressão de que ela acha que não vale mais a pena preocupar-se com o mundo que gira ao seu redor, nem com os grandes, nem com os pequenos problemas que costumam atormentar os mais jovens. Talvez seja essa uma forma de se ir desligando aos pouquinhos da vida. É triste dizer isso, mas parece que nada mais vale a pena. Mas observa tudo; compreende, às vezes, o que se passa na casa. Quase não anda, ouve bem e ainda folheia algumas revistas de amenidades sem se importar muito. Ela que lia e escrevia bastante, costurava, fazia suas próprias roupas - e as dos filhos, aproveitando outras, econômica que era -, lavava, passava, até com aquele antigo ferro à brasa; rachava lenha para fazer comida no fogão próprio, cuidava dos três filhos e de seus deveres escolares, não tinha preguiça. A mínima preguiça. E nas horas vagas ainda cuidava da pequena horta no quintal, irrigando-a com carinho ao fim das tardes. Isso sem contar as galinhas que criava, quando naquele tempo, na cidade, isso ainda era permitido. E, é claro, sempre cuidando do marido. Sua infância foi difícil. Perdeu a mãe quando tinha uns sete anos, vítima da gripe espanhola. Até cuidou dos filhos pequenos de sua madrasta, com muito amor e carinho, quando esta faleceu prematuramente. Passou a vida a trabalhar, a lutar incansavelmente. Uma vencedora sobrevivente, de quase um século. Passou por todas as grandes transformações do século XX: as duas guerras mundiais, os inventos domésticos que facilitaram a vida moderna: B<strong>ED</strong>RAN Sociólogo e articulista da Revista & Comércio e Indústria de Araraquara geladeira, fogão a gás, rádio, tevê, computador, celular. E sempre disse que não gostaria de morrer na época do frio. Torço para que isso não aconteça. Os amigos dizem-me que sou uma pessoa feliz porque ainda tenho minha mãe. Eles têm razão, mesmo porque, embora possa imaginar como seria sua perda, a tristeza de seu desaparecimento, espero que essa experiência pessoal seja protelada ao máximo possível. É por isso que me considero uma pessoa privilegiada em poder vê-la todos os dias, beijá-la todos os dias, abraçá-la todos os dias. Porque todos os dias são os das mães e não somente o convencional Dia das Mães. Muitos nunca conseguiram isso porque as perderam muito cedo na vida. Felizes daqueles que ainda conseguem conviver com elas, que ainda recebem seus carinhos e abraços. Infelizes daqueles que não as conheceram, ou que ainda as têm, mas que não as desfrutam, pois como já disse um autor, “não há nada pior do que não ter mãe sem ser órfão”. Ela está bem velhinha. Seu olhar de compreensão quando vê os filhos, diz tudo. Nem precisa falar nada. Será que ela pensa que está sendo um pesado fardo para eles? Que quer ir embora logo? Espero que não, pois ela nunca será um fardo, nem mesmo levíssimo. É verdade que a qualidade de vida que tem não é a que se poderia esperar. Mas, fazer o quê? Temos de compreender que a vida que se leva nem sempre é aquela que se deseja, mesmo porque nem tudo são alegrias, nem para os idosos, nem para os jovens. Essa é a minha mãe; essa é a minha homenagem ao seu dia, que também seja extensivo a todas as mães de todo mundo, às jovens e às idosas, às atuais e às futuras. Com muito amor e muito carinho. P. S.: Esta crônica foi publicada há alguns anos. Republico-a em homenagem a D. Splende e ao Dia das Mães. Ela nos deixou em março deste ano, quase às vésperas de completar 102 anos. Ainda bem que foi em pleno verão... 74
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