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HISTÓRIAS<br />
Como está o seu pôr do sol?<br />
H<br />
avia acabado de me mudar para Curitiba<br />
(PR), em 2018. Recém matriculada na faculdade<br />
de Jornalismo – logo eu, que nunca<br />
nem mudei de colégio durante a vida escolar<br />
-, vivendo em uma cidade nova, em um<br />
estado novo. Meu amigo me mandou uma mensagem no<br />
snapchat, acompanhado de uma foto do céu que marcava<br />
os últimos traços de um dia que dava lugar a uma noite<br />
sem estrelas na capital paulista, onde morava até poucos<br />
meses antes. Na foto, estava escrito: “Como está o seu pôr<br />
do sol?”<br />
Por um momento, eu achei graça da pergunta dele. O<br />
sol é o mesmo em todo lugar, vai e volta todo dia. Depois,<br />
olhei pela janela.<br />
Saí no quintal e, inevitavelmente, comparei as imagens.<br />
O pôr do sol de São Paulo era duvidoso, ralo, simples.<br />
Em meio a prédios e poluição de todos os tipos, o sol se<br />
despedia sem chamar muita atenção, apenas anunciando<br />
mais uma troca de expediente aos incansáveis habitantes da<br />
cidade que nunca dorme.<br />
Em Curitiba, porém, não era assim. Parecia um trabalho<br />
em grupo muito orquestrado, no qual o amarelo vivo<br />
se juntava com o rosa potente, que abraçava o vermelho<br />
acobreado e, juntos, lá no fundo, davam boas-vindas ao<br />
azul escuro da noite, que trazia consigo um elemento muito<br />
importante, que não via há anos: as estrelas. Em São Paulo,<br />
por causa da poluição, a gente não vê estrelas no céu. Aqui<br />
em Curitiba, não só as podia ver, mas podia sentir que elas<br />
me viam também. Dava para senti-las bem perto, como se<br />
esticar o braço bastasse para tocá-las.<br />
Depois de analisar por alguns minutos a dança das<br />
cores no céu curitibano, percebi que<br />
a pergunta feita pelo meu amigo<br />
significava, também, algo a mais. Ao<br />
perguntar como estaria o meu pôr do<br />
sol, ele não apenas gostaria de saber<br />
como estava o céu da cidade que<br />
agora morava – que, aliás, lhe mandei<br />
uma foto bem na hora, orgulhosíssima<br />
do lindo céu da minha nova cidade. Ele<br />
queria saber de mim. Do meu pôr do<br />
sol. Do meu processo de renovação, de<br />
amadurecimento.<br />
Percebi, então, que Curitiba veria a minha transformação.<br />
O meu pôr do sol marcava uma fase em que a clareza<br />
das decisões tomadas sob a luz do dia era substituída pela<br />
incerteza do destino, marcado pela escuridão da noite. Começava<br />
um novo ciclo na minha vida. Anoitecia para mim.<br />
Em outras épocas, a noite me daria medo. A chegada de<br />
um período incerto e escuro – que, na minha vida, era marcado<br />
pela mudança de cidade, início da faculdade, novos<br />
amigos, nova vida – poderia me assustar ou, quem sabe,<br />
me fazer perder o sono. Mas, naquela mistura de cores, eu<br />
descobri que arrumaria força. Se o céu azul claro consegue<br />
amadurecer e se tornar um azul escuro e denso todos os<br />
dias, eu conseguiria crescer e amadurecer, nem que fosse<br />
um pouco por dia também.<br />
Sempre soube que não seria fácil me desligar do ritmo<br />
de São Paulo. Por muitas vezes, dei de cara na porta quando,<br />
aos domingos à tarde, procurava algum estabelecimento<br />
aberto. Sem contar quantas vezes me perdi pelas estações-<br />
-tubo por aí e acabava pedindo um carro pelo aplicativo,<br />
ou achei que fosse ser atacada quando ouvi “que tesão teu<br />
olho azul, guria” de um garoto na faculdade.<br />
Hoje, há dois anos por aqui, não sou mais aquela menina<br />
que comemorou a chegada de seus 18 anos bem no<br />
primeiro dia de aula da faculdade. Muita coisa mudou e o<br />
pôr do sol de Curitiba acompanhou de perto cada mudança.<br />
Não foi nada fácil me adaptar a uma nova vida. Mas,<br />
hoje tenho a certeza de que fui e continuarei a ser iluminada<br />
pelas estrelas curitibanas.<br />
Foto: divulgação<br />
Por Aline Taveira<br />
74<br />
fevereiro 2020<br />
revistavoi.com.br