DEZEMBRO_2020
DEZEMBRO 2020 - Edição nº 271 Órgão informativo do Centro Lusitano de Zurique
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Órgão informativo do Centro Lusitano de Zurique
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CRÓNICA
Que raio de sorte!
CARLOS ESPERANÇA
Quando a esperança de vida se
ia reduzindo, fruía-se o tempo
com os amigos e os dias eram
contados em função do regresso
de filhos e netos. Os afetos
explodiam e os braços enchiam-
-se de corpos que se estreitavam;
os lábios encontravam
faces que se ofereciam à doce
carícia de contactos; os dias
eram o espaço de tempo para
exprimir sentimentos, cultivar
ócios e regressar às leituras que
nos preencheram a vida.
Tudo nos fazia esquecer as rugas,
os lapsos de memória, moléstias
da idade e dores do corpo
e da alma. Tudo se desvaneceu
numa reclusão autoimposta
ou em deambulações solitárias,
na esperança de um impossível
regresso à normalidade.
Um homem nunca anda só, é
verdade, traz consigo memórias
de vida, marcas do trajeto que
percorreu, histórias por contar,
recordações que nos preenchem
os vazios, mas falta agora
a alegria que os amigos traziam
à tertúlia e até o ar que se inspirava
na tranquila e lenta oxigenação
dos pulmões, agora concentrado
de anidrido carbónico
que se acumula na máscara que
nos defende e oprime.
Hoje, todos os amigos são suspeitos,
e os filhos e netos, perigosos.
Receamos o ar onde
passou o troglodita sem máscara
ou tossiu um mascarado
a aliviar o catarro. Fugimos do
restaurante habitual, que antes
regurgitava de gente, agora com
o espaço vazio à espera de melhores
dias.
Há meio século os homens tiravam
o chapéu por cortesia, agora
colocam a máscara por delicadeza
e olham-se de soslaio
os energúmenos que a usam no
pescoço, no pulso ou a trazem
no bolso.
Lenta e inexoravelmente o distanciamento
físico converte-se
em afastamento social.
Que raio de sorte!
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Dezembro 2020 | Lusitano de Zurique | WWW.CLDZ.EU