DEZEMBRO_2020
DEZEMBRO 2020 - Edição nº 271 Órgão informativo do Centro Lusitano de Zurique
DEZEMBRO 2020 - Edição nº 271
Órgão informativo do Centro Lusitano de Zurique
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OPINIÃO
31
As falsas equivalências de um PSD
em avançado estado de venturização
Foto: João Miguel Rodrigues@Jornal de Negócios
JOÃO MENDES (*)
Há quem esteja a tentar minar a discussão pública sobre aquilo que
se está a passar nos Açores, recorrendo a falsas equivalências para
desviar os holofotes do cerne da questão, que é o acordo entre a
maior força política portuguesa e um partido de extrema-direita,
herdeiro do salazarismo, com uma ala neonazi e ligações às principais
forças neofascistas europeias.É disto que estamos a falar,
não de outra coisa. Da legitimação da extrema-direita por forças
democráticas. Da extrema-direita das castrações químicas, das
remoções compulsivas de ovários, das fake news, das assinaturas
falsas aquando da formação do partido, do albergue de antigos
militantes de organizações neo-nazis, dos negacionistas da ciência
e das alterações climáticas, dos teóricos da conspiração, da fábula
anti-elites, financiada pelas elites, e das infindáveis contradições e
mortais à retaguarda daquele cujo nome não deve ser mencionado,
mais a verborreia virtual e as tiradas xenófobas e racistas. É isto que
está em causa. É este o cerne da questão. Foi a isto que o PSD de
Rui Rio se rendeu.
O caso é de tal forma grave, que a primeira tentativa de cordão
sanitário à direita surgiu através de uma carta aberta, assinada
por um último reduto de liberais e conservadores com os ditos
no sítio, que continua a colocar a democracia acima dos interesses
pessoais, partidários e governativos, algo que Rui Rio foi
incapaz de fazer. E isto diz muito sobre o que se está a passar.
E sobre o “banho de ética”, prometido por Rio.Mas vamos por
partes: em primeiro lugar, não é, nem nunca foi a legitimidade de
construir uma caranguejola que esteve em causa. Em lado nenhum.
A democracia representativa é para todos, incluindo para
quem a quer destruir (como é o caso de “nós sabemos quem”),
e todas as soluções, no quadro da legalidade constitucional,
são absolutamente válidas e legítimas.Tal constatação não nos
impede de fazer uma outra, que é assinalar o contorcionismo
político daqueles que, no longínquo ano de 2015, afirmavam
estar perante um golpe de Estado, explodindo diariamente em
indignação ao longo de semanas, meses, perante a “venezuelização”
do regime português e outras parvoíces. Presumo que,
a menos que tenham entretanto perdido a espinha dorsal, o que
não admiraria, considerem que Rui Rio é o novo Maduro, e que
classifiquem o acordo à direita de usurpação, totalitarismo ou
golpe de Estado, se bem que é muito mais divertido assistir a
argumentação jardim de infância do “é bem feita”, “toma lá que
é para aprenderem” ou “vocês não fizeram igual?”. Porque, é
bom não ter memória curta, não foi à esquerda que natureza da
democracia representativa foi renegada. Foi à direita.Mas nada
disso interessa. Porque aquilo que está em discussão, aquilo
que alarma, não é a aliança parlamentar que a direita construiu,
e que levanta agora críticas à esquerda e também entre a direita
que não se vergou perante extrema-direita salazarista. É
a legitimação de um partido que afirma, categoricamente, que
pretende derrubar a ordem constitucional, substituindo-o por
aquilo que apelida de IV República, que mais não é que um
eufemismo para um regime autoritário, como temos assistido
nos países governados pelos seus pares. Porque nem o PCP,
nem o Bloco, nem nenhum outro partido do hemiciclo, que se
saiba, pretende rasgar a Constituição e submeter o Estado de
Direito democrático à decapitação, como o ayatollah Bannon
sugeriu há dias. É o Chega quem tem esse objectivo. Portanto
não, não é a mesma coisa.
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