Sapeca n°34
Misto de sapo e perereca Nº 34– Dezembro/2021– Editor: Tonico Soares e-mail: ajaimesoares@hotmail.com
Misto de sapo e perereca
Nº 34– Dezembro/2021– Editor: Tonico Soares
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A língua ferina de Agripino
Ruy Castro é fã de Agripino Grieco (1888-1973), cuja obra crítica não tive
o prazer de ler e dele só conheço algumas frases ásperas e espirituosas. Pelo
pouco que sei, ele não dava trégua nem se iludia com certos figurões. Um exemplo:
enumerou uma dúzia de bons escritores do Brasil de seu tempo, lembrando
que, numa abordagem que incluísse outras eras e países, aqueles nomes desapareceriam
do mapa. Ou seja, só eram importantes naquele contexto provinciano.
Estreou com o livro de poemas Ânforas e, talvez por ter o aval da Academia
Brasileira de Letras, que ele esculhambava, deixou a poesia de lado e tornouse
crítico. Crítico cítrico, pois azedava não só o chá dos “imortais” (“a sucessão
dos defuntos se opera com outros defuntos”), como tudo mais, no que nem sempre
agia certo, por exemplo, ao não aceitar Guimarães Rosa. Ninguém é perfeito.
Fixou-se no Meyer, terra de Millôr Fernandes e teve praça e escola com
seu nome. Sua biblioteca continha 40 mil títulos, que mandava encadernar, paixão
que começou na biblioteca pública de Paraíba do Sul-RJ, onde nasceu: “Os
volumes de Camilo Castelo Branco eram primeiras edições, vendidos por um
bom preço. Quando soube disso arrependi-me de não os ter roubado”. Dava para
um presídio os livros de que não gostava, jogando fora os dos acadêmicos, para
não castigar os presos duas vezes. Abaixo, um pouco de suas frases implacáveis:
• O que é um batedor de carteira senão um banqueiro apressado?
• Homero Homem: nem uma coisa, nem outra.
• Mais mentiroso que epitáfio de cemitério.
• Estilo mais engomado que irmã de caridade.
• Pitecantropo não muito ereto.
• Estava presente em espírito. Ou seja, ausência total.
• Insultavam-se mutuamente, e ambos tinham razão.
• Era um livro raro. Mais raro, entretanto, era quem o procurasse.
• O seu livro deveria ser encadernado em pele de jumento.
• Crescem cada vez mais as orelhas dos livros... e dos autores.
• Nenhum muar ficou impune nos meus cinquenta anos de crítica literária.
Certa vez, apresentado a um casal, Agripino disse para a mulher:
– Já dorminos juntos...
Estranhamento. E ele completou:
– ... numa conferência do Pedro Calmon.
O citado Calmon, por sinal, morava num chalé de telhado pontudo no fim
da rua Santa Clara, em Copacabana e conferência, hoje, se diz palestra. Já dormi
em duas, ambas em eventos da prefeitura, razão: falar em público é para quem
sabe, e tem o que dizer. Uma das vezes, foi uma nova secretária de Assistência
Social que começou rezando o Pai Nosso e emendou com uma oração evanjeca
(o Brasil é um estado laico, pô!), seguida de um longo arrazoado, prometendo
uma gestão dinâmica, vibrante, transparente etc. etc. Puxei o maior ronco.
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