Sapeca n°34
Misto de sapo e perereca Nº 34– Dezembro/2021– Editor: Tonico Soares e-mail: ajaimesoares@hotmail.com
Misto de sapo e perereca
Nº 34– Dezembro/2021– Editor: Tonico Soares
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Leni e Lina
Leni Riefhenstahl (1902-2003) forma com Lina Wertmüller talvez a maior
dupla de diretoras que o cinema produziu. De Leni, só vi os filmes do período
nazista. A luz azul, fenômeno recorrente numa montanha de cristal em noite de
lua cheia, causando transtornos a uma cidade, cenas arrepiantes de pessoas escalando
as alturas sem nenhuma ferramenta, uma das marcas de Lina, qual seja, o
poder da imagem. Multiplique-se por dez e temos algumas das cenas mais poderosas
sobre a encenação da farsa nazista, a exacerbada exaltação ao führer, por
ocasião do VI Congresso do Partido, no documentário O triunfo da vontade. Belo,
porém, revoltante e por isso saltei alguns trechos, para acabar mais depressa.
Mais deslumbrantes imagens mostram atletas como deuses modernos, colhendo
o fogo em Olympia, na Grécia, e revezando a tocha por vários países até
chegar a Berlim, para as Olimpíadas de 1936. Evento preparado para consagrar a
Alemanha como raça superior e, efetivamente, foi a vencedora, no total de provas.
A nota dissonante foi o negro estadunidense Jesse Owens ganhar quatro medalhas
de ouro, o que nenhum da “raça pura” conseguiu. No pós-guerra, Leni foi
presa, julgada e considerada apenas simpatizante do nazismo, mas só às próprias
custas conseguiu realizar outros filmes, sobre esportes. Já idosa, dedicou-se à
fotografia submarina e do cotidiano de negros do Sudão, com a qualidade de
sempre, não fosse uma artista à altura dos grandes mestres do cinema expressionista,
cuja influência pode-se constatar em inúmeros filmes, há cem anos.
Lina Wertmüller (1928-2021), italiana de origem suíça, morreu há pouco,
o que me levou a rever seus três filmes aos quais tive acesso. E que filmes. Mimi,
o metalúrgico, disse um crítico, “um verdadeiro Macunaíma siciliano, visto como
um herói cheio de defeitos, uma crítica da condição humana diante do capitalismo
selvagem”. A seguir, Amor e anarquia, passado num bordel que, disse outro
crítico, “é de alguma forma a própria Itália, com suas tantas almas, suas diferentes
culturas e diversas linguagens”. O terceiro é Pasqualino sete belezas, um sujeito
safado que faz de tudo para sair das encrencas em que ele mesmo se mete,
sempre de forma irônica e, não raro, grotesca, vizinha, estilisticamente, do grande
Pietro Germi, do Marco Bellochio de De punhos cerrados, do Ettore Scola de
Feios, sujos e malvados e do não menos estranho Marco Ferreri.
O cinema italiano na segunda metade do século vinte era uma mina de
talentos, como fora o alemão, na primeira (vários diretores continuaram, em Hollywood).
E ainda descubro nele coisas interessantes, como Estamos todos bem
(1990), de Guseppe Tornatore, mais conhecido pelo filme Cinema Paradiso. A
história de um pai (Mastroianni) que, descartado pelos filhos, resolve visitá-los
nas cidades grandes onde moram e não é propriamente bem recebido. Na mesma
situação vive uma senhora que ele conhece casualmente (Michèle Morgan), belíssima
aos 70 anos, sem o menor sinal de cirurgia plástica, um brinde para os
cinéfilos. Detalhe: na casa de uma das filhas passa na TV uma novela com Maitê
Proença. A moça participa de um desfile de modas, visto também nos bastidores,
em que uma colega amamenta o filho. Nunca pensei em ver isso num filme, em
geral, aquelas mulheres parecem de plástico, mas têm leite nos peitos e transmitem
vida. Assim como no peito combalido dos velhos ainda bate um coração.
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