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III. O lance profético<br />
O Côn. Sílvio, mordomo<br />
do Palácio Arquiepiscopal,<br />
contou-me que<br />
na noite em que meu livro<br />
deu entrada no Palácio,<br />
o Arcebispo passou-<br />
-a em claro e o Cônego<br />
notou que D. José andou<br />
muito. De manhã, encontrou<br />
o dossiê de meu<br />
livro aberto.<br />
Um livro “mal<br />
escrito”…<br />
intervenção da<br />
Nunciatura<br />
No dia seguinte, D. José<br />
me chamou e tivemos<br />
um outro encontro.<br />
Recebeu-me mais amável<br />
do que nunca, dizendo<br />
ter lido o livro com o<br />
enorme interesse que consagrava<br />
à Ação Católica,<br />
e ficava bem provada minha<br />
grande dedicação por<br />
ter expendido, em meio a todas as minhas<br />
ocupações, tanto esforço para escrevê-lo.<br />
Mas a amizade por ele devotada<br />
a mim o levava a dizer que estava<br />
muito mal redigido. Além de confuso,<br />
pois não se entendia bem o que queria<br />
dizer, tinha um português muito ruim.<br />
E o pior era que o livro padecia de excesso<br />
de ideias. Por isso, ele achava não<br />
ser possível publicá-lo naquelas condições.<br />
E continuou:<br />
— Eu arranjei um doutor – não me<br />
disse o nome – que vai passar o livro<br />
por uma reforma completa: suprimir<br />
muitas ideias, pôr aquilo num estilo<br />
claro, aproveitando o essencial. Então,<br />
o senhor e eu juntos, com as correções<br />
desse professor de português, vamos<br />
remanipulando, fazendo um livro<br />
que esteja verdadeiramente bem, e o<br />
senhor poderá publicar em seu nome.<br />
Ora, é a maior injúria que se pode<br />
fazer ao autor de um livro. Mas tudo<br />
dito muito amavelmente.<br />
Pe. Mayer ao lado de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e mais<br />
alguns membros do Legionário<br />
Logo a mim, professor universitário<br />
com mais de trinta anos de idade,<br />
que tinha sido deputado, alguém<br />
dizer que meu livro estava confuso<br />
e inapresentável do ponto de vista<br />
do português, era uma coisa muito<br />
singular. Eu era considerado um dos<br />
professores mais claros da Faculdade<br />
de Direito. Meus artigos eram claríssimos.<br />
Algum tempo antes, o próprio<br />
D. José Gaspar, comentando com o<br />
Pe. Mayer um artigo meu do Legionário,<br />
havia dito: “Quando a gente lê os<br />
artigos do <strong>Plinio</strong>, desanima de escrever.<br />
Porque é tanta clareza, que depois<br />
tem-se medo de escrever uma<br />
coisa que fique confusa.”<br />
Por que logo aquele livro haveria<br />
de estar obscuro?<br />
Eu disse:<br />
— O que V. Ex.ª me diz me enche<br />
de surpresa, pois sou professor universitário<br />
há anos, escrevo correntemente,<br />
por exemplo, no Legionário, e<br />
me faço entender por todo<br />
o mundo. De modo<br />
que eu não compreendo,<br />
mas a opinião de V. Ex.ª<br />
é muito abalizada. Eu<br />
não a contradigo, apenas<br />
fico tomado de uma<br />
apreensão: esse processo<br />
que V. Ex.ª me propõe,<br />
quanto tempo tomará?<br />
— Vamos fazer uma<br />
coisa: eu vou lendo aos<br />
pouquinhos e pondo<br />
umas notas. Está bem?<br />
Tal era a ação de presença<br />
dele que eu me<br />
retirei da sala contente,<br />
sem perceber a cilada<br />
em que caíra. Saí pela<br />
Rua São Luís em direção<br />
à da Consolação<br />
e quando cheguei ao fim<br />
da grade do Palácio, parece<br />
que a ação de presença<br />
se desfez. Então<br />
pensei: “Meu Deus! Estou<br />
liquidado. Este negócio<br />
nunca mais sai.”<br />
Telefonei ao Pe. Dainese explicando-lhe<br />
as razões pelas quais o livro<br />
tinha encalhado. Mas, tomado<br />
de perplexidade diante da situação,<br />
escrevi-lhe uma carta contando<br />
pormenorizadamente o que estava<br />
acontecendo e pedindo a ele que falasse<br />
com o Núncio.<br />
Dias depois, chegava ao Palácio<br />
São Luís uma carta da Nunciatura<br />
mandando o Arcebispo entregar o<br />
livro à imprensa para ser publicado<br />
como estava.<br />
D. José Gaspar chamou Mons.<br />
Mayer e disse:<br />
— Mayer, eu estive vendo aqui este<br />
livro. Vamos mandar publicá-lo.<br />
Você leu o livro?<br />
— Sim, Sr. Arcebispo.<br />
— Bem, se você leu, então dê o<br />
imprimatur.<br />
— Pois não.<br />
Mons. Mayer redigiu o imprimatur:<br />
“De mandato Ecmi. ac Revmi.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
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