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v22. n22 2024

Revista do curso da fotografia do curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco

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‘Biffin’. O caso do Aleijadinho se

torna, pois, pra Burton, o de muitos

outros. Lembrem miss Biffin, gente!

Noutra página (The Higlands

of the Brazil, II, 122) chega a

descrever com certa pormenorização

o admirável São Francisco,

de S. João d’El Rei. Crítica

razoavelmente as defeituosas

cúpulas das torres e específico o

processo, quase sistemático na

arquitetura de Antonio Francisco,

de torres em quadrados curvilíneos

(“This may be called the roundsquare

tower style”...), achando

que só se recomenda porém pela

excentricidade. E, preocupado com

as belezas arquitetônicas do Velho

Mundo, não te um uma palavra de

elogio pra obra-prima, antes conclui

conselheiral, que os povos jovens

da mesma forma que a rapaziada,

precisam saber que a genialidade

principia pela imitação e só depois

cria por si e que quando a criação

precede precocemente a imitação,

no geral os resultados são

desgraciosos, sem gosto e grotescos.

O conselho não é ruim, como se vê,

porém a verdade é que o Aleijadinho

estava imitando! E se genializava

o imitado, culpa não era dele de

possuir a violência de temperamento,

a grandeza divinatória que

nacionalizava sem querer, nem,

como escultor, o senso da escultura

como poucos ou a intuição da

expressão expressionística dum

imaginário espanhol ou dum

pós-gótico alemão.

Burton ainda se refere várias vezes

ao Aleijadinho. Acha “handsome”

o exterior da D. Francisco, de

Ouro Preto e sem nenhum elogio

se refere às obras de talhe da

Carmo, de S. João d’El Rei, apenas

acompanhando o nome de Antonio

Francisco Lisboa com o epíteto

de “infatigável”. Os Passos, de

Congonhas, meio que o horrorizam,

chama-lhes “caricaturas”.

Mas, sem perceber o elogio

expressionista que fazia, reconhece

que embora grotescas e vis, essas

esculturas serviam pra “fixar

firmemente os assuntos no espírito

da gente do povo”.

Quem talvez melhor percebeu

o valor do Aleijadinho creio que foi

Von Veech no segundo escrito que

publicou sobre o Brasil, a relação

da viagem. É verdade que passando

em Ouro Preto elogia as fontes da

cidade, distingue uma igreja sem

janelas (?), e do Aleijadinho e suas

igrejas nem pio. Mas diante dos

profetas da escadaria de Congonhas,

aos quais, por natural confusão

protestante, chama de “apóstolos”,

percebe o homem... “As estátuas dos

doze apóstolos em tamanho natural

e pedra-sabão, foram esculpidas por

um homem sem mãos; embora não

sejam obras-primas, os trabalhos

deste curioso artista, completamente

autodidata, trazem o cunho dum

talento insígne (“Reise über England

und Portugal nach Brasilien und

den vereinigten Staaten des La

Plata-Stromes”, II, 191). Mas

o livro de von Veech, por sinal

deliciosíssimo, é pouco lido por nós...

O Aleijadinho não teve o estrangeiro

que lhe desse gênio e as vozes

brasileiras não fazem milagres em

nossa casa. Não está situado,

as obras deles não estão catalogadas,

não há um livro sobre ele, pouco se

sabe sobre a vida dele e quase todos

lhe ignoram as obras.

O que os brasileiros sabem é que

teve um homem bimaneta neste país

que amarrava o camartelo nos cotos

dos braços e esculpia assim. E isso

os impressiona tanto que contam

pros companheiros e estes pros seus

companheiros, miss Biffin.

MÁRIO DE ANDRADE

Publicado no Diário Nacional, São Paulo,

30 de maio de 1930

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