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Medicina e Religião - História da Medicina

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AMATO LUSITANO - MÉDICO SEM FRONTEIRAS EM RAGUSA DO SÉC. XVI<br />

Nestes nossos tempos tão fortemente abalados<br />

pelas dolorosas e angustiantes fronteiras que separam<br />

e opõem judeus e muçulmanos é-me grato começar<br />

a minha comunicação com palavras de dois homens,<br />

um muçulmano, filósofo e poeta, o outro judeu, médico<br />

e humanista, que vigorosamente marcaram a cultura<br />

europeia, iluminando-a, ca<strong>da</strong> um a seu modo, com<br />

uma luz de esperançosa tolerância:<br />

“O meu coração tornou-se capaz de<br />

to<strong>da</strong>s as formas:<br />

É templo para os ídolos, e convento para<br />

o monge cristão,<br />

Pastagem para as gazelas e Kaaba para<br />

o peregrino,<br />

É as Tábuas <strong>da</strong> Tora e Livro do Corão.<br />

O Amor é o meu credo,<br />

Donde quer que dirija os seus passos,<br />

o Amor é o meu credo e a minha fé.”<br />

São versos retirados do Livro do Amor de Ibn Arabi,<br />

o grande místico do Islão, nascido em Múrcia em 1057.<br />

“A todo aquele que tenha falado bem, Romano,<br />

Grego, Árabe ou Judeu, a esse sem dúvi<strong>da</strong> se deve<br />

<strong>da</strong>r crédito”.<br />

É afirmação de Amato Lusitano constante <strong>da</strong> Cura<br />

15 <strong>da</strong> 1.ª Centúria.<br />

Cinco séculos e contextos diversos separam as palavras<br />

destes homens, ambos nascidos na Península<br />

Ibérica, um, muçulmano, em Múrcia no século XI, o<br />

outro, judeu, em Castelo Branco, no século XVI.<br />

Mas, se séculos e cenários diferentes separam as<br />

suas afirmações, em ambas ressoa igual determinação:<br />

a de que as fronteiras que dividem os povos<br />

deverão ser ultrapassa<strong>da</strong>s. Em ambas se apreende a<br />

mesma firme vontade de transformar as barreiras<br />

religiosas, culturais e étnicas que separam idólatras<br />

e cristãos, judeus e muçulmanos, romanos e gregos,<br />

20<br />

Maria Adelaide Neto Salvado*<br />

judeus e árabes, em traços de união, <strong>da</strong>ndo forma a<br />

um tempo de fraterni<strong>da</strong>de universal que, desde muito<br />

longinquamente, fervilha nas profundezas do coração<br />

do Homem.<br />

Fronteira,(ou raia, como se diz mais generaliza<strong>da</strong>mente<br />

na região <strong>da</strong> Beira) é forma que possui em<br />

si a carga angustiante de barreira, de limite, de separação,<br />

de enfrentamento. Na ver<strong>da</strong>de, seja vale de rio,<br />

crista de montanha ou apenas muralha de castelo, o<br />

limite físico que separa territorialmente duas nações<br />

é local donde emerge o sentimento de uma mais forte<br />

diferenciação, tecido pela consciencialização de uma<br />

identi<strong>da</strong>de própria frente às diferenças observa<strong>da</strong>s nos<br />

povos do outro lado <strong>da</strong> linha separatória.<br />

Por isso, outro limite, e este tecido pelas diferenças<br />

de língua ou de cultura, separa por vezes mais<br />

marca<strong>da</strong>mente os homens.<br />

Amato e o endurecimento <strong>da</strong>s fronteiras no<br />

mundo do seu tempo.<br />

Amato Lusitano foi, na acepção mais larga do termo,<br />

um médico sem fronteiras na medi<strong>da</strong> em que, em<br />

várias circunstâncias <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>, ultrapassou fronteiras<br />

de to<strong>da</strong> a ordem. Fronteiras espaciais e políticas,<br />

religiosas e sociais, étnicas e culturais. E essa<br />

capaci<strong>da</strong>de, que perpassa por to<strong>da</strong>s as Centúrias,<br />

enraíza numa Sabedoria forja<strong>da</strong> pela interiorização<br />

profun<strong>da</strong> de que, embora diversos na língua e na<br />

cultura, na cor <strong>da</strong> pele e na condição social, os Homens<br />

igualam-se no sofrimento, na angústia, na doença e<br />

na dor.<br />

Por to<strong>da</strong>s as Centúrias, a ideia força de se romperem<br />

rayas aflora, pois, como uma constante. Mas é na 6.ª<br />

Centúria, escrita em Ragusa, que a ideia possui e<br />

adquire contornos mais significativamente precisos.<br />

As circunstâncias que levaram Amato a esta ci<strong>da</strong>de<br />

do Adriático, relata-as ele na carta-dedicatória <strong>da</strong> V<br />

Centúria dirigi<strong>da</strong> ao banqueiro José Nassin, duque de<br />

Naxos, nascido em Portugal e que havia procurado

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