Medicina e Religião - História da Medicina

efúgio no império otomano. Diz Amato:
“Nos acontecimentos ruinosos que se deram em
Ancona no pontificado de Paulo IV, como por acaso é
do teu conhecimento, ó José Nassin, perdi todos os
meus haveres e, para não ser preso e molestado pelos
comissários dele, refugiei-me primeiro em Pesaro e
depois em Ragusa”.
Partidário da necessidade de reformas urgentes no
interior da Igreja, e inimigo implacável dos protestantes,
o Papa Paulo IV, antigo cardeal João Carafa, fora eleito
para o Pontificado de Roma em 1555, “contra o voto
de todos os cardeais que temiam a sua natureza irascível
nada propícia à criação de sentimentos de
amizade”, como se lê em as Relações dos embaixadores
venesianos.
No entanto, desde 1542 que, sob a sua influência,
a Inquisição romana fora reorganizada e a Congregação
do Santo Ofício transformada num tribunal
persecutório possuidor de plenos poderes. Controversa
era a personalidade deste pontífice. Homem de
grande cultura, falando fluentemente várias línguas e
conhecedor profundo das Escrituras, é descrito nas
Relações dos embaixadores venesianos como homem
de temperamento exaltado e colérico, mostrando “uma
gravidade e ostentação incríveis em cada uma das
suas acções; com efeito nasceu para dominar”. À sua
intolerante arrogância se deve o verdadeiro clima de
terror que varreu a Europa cristã durante o seu
Pontificado.
Ora, na multifacetada divisão territorial da Península
itálica no século XVI, tanto Pesaro como Ancona
ficavam englobados nos chamados Estados Papais.
Nascidos de doações reais iniciadas pelos reis
francos, Pepino, o Breve (751-768) e Carlos Magno,
os Estados Papais conheceram durante os séculos
XV e XVI um espantoso fulgor, fruto do apoio dado
pela Espanha, que canalizava para Roma grande parte
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da prata trazida das suas colónias da América.
Doações reais ou coligações entre os reis e os papas
na luta contra as heresias e contra os turcos, alicerçam
e justificam esse caudal da prata da América
espanhola para os territórios papais durante o século
XVI. É neste contexto que nasce o endurecimento da
perseguição a todos os que fugiam à rígida ortodoxia
imposta pela Inquisição fazendo abater sobre os
habitantes dos territórios sob a alçada do pontífice de
Roma uma insegurança sem limites, principalmente
sobre aqueles em quem pesava a suspeicão de
heresia.
Do outro lado do Adriático, chamado na época Mar
Iliríaco, situava-se Ragusa, cidade onde, na época,
sopravam os ventos de tolerância do Islão. Aí se
refugiou Amato. Ancona era uma cidade pequena e
antiga, virada para o Sul, como a descreveu Amato,
mas nela as fronteiras de uma poderosa clivagem
social marcavam com agudeza a sociedade dos
homens.
Assim narra Amato Lusitano esta realidade:
“A forma de governo é a república, mas nela só a
classe nobre é admitida, constituída por homens
políticos, bastante ricos e sábios. Além da aristrocacia
há uma poderosa classe popular de que uma parte
são mercadores, pessoas bastante civilizadas,
comerciando, como os patrícios, por muitas partes