Medicina e Religião - História da Medicina

Introdução
Amato Lusitano, nascido na cidade de Castelo
Branco em 1511, tirou o curso de medicina na
Universidade de Salamanca (1529) e exerceu a sua
profissão em Portugal até 1533, ano em que saiu para
escapar à Inquisição. Tendo ganho boa reputação foi
convidado para professor na Universidade de Ferrara
(1541), movendo-se posteriormente para várias
localidades, mais uma vez para escapar à Inquisição,
vindo a falecer em Thessalonica no ano de 1568.
Publicou alguns dos livros de Medicina mais notáveis
do seu tempo, das quais as Centúrias têm lugar de
destaque e foram várias vezes editadas na Europa. 1
Numa das suas Centúrias 2 Amato Lusitano, a
propósito do fígado, fala-nos de “abcessos de
drenagem pura e branca”. Se tomarmos o conceito
de abcesso como o de uma colecção purulenta,
rodeada por uma área com acentuados sinais
inflamatórios, imediatamente nos salta a evidência da
contradição com algo de onde resulte água pura e
branca. Água que nos evoca a fonte de vida, um meio
de purificação ou mesmo um centro de
regenerescência. No entanto, é esta a expressão -
Amato Lusitano: Abcessos de drenagem Pura e
Branca.
Qual a razão desta, aparente, contradição?
Amato Lusitano que no seu Juramento assegura
“Juro por Deus imortal que, nestas minhas curas, tive
sempre e fundamentalmente a preocupação de que a
pura verdade das cousas chegasse ao conhecimento
dos vindouros“ 3 descreve com esta preocupação - e
em simultâneo com um detalhe - que efectivamente,
hoje, nós “os vindouros”, na posse desta extraordinária
evolução no conhecimento da Ciência Médica,
podemos explicar esta aparente contradição.
De facto é hoje patente que Amato Lusitano nessa
centúria se refere a uma patologia, a uma doença que
ainda hoje tem importante prevalência em Castelo
Branco.
ABCESSOS DE DRENAGEM PURA E BRANCA
- A PROPÓSITO DE UMA CURA EM AMATO LUSITANO
Caso Clínico
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Daniel Cartucho*
Gabriela Valadas**
Em cada centúria - caso clínico diríamos hoje na
nossa nomenclatura - é-nos apresentado um caso que
é detalhado no que tem de particular e que possa
constituir uma lição, um ensinamento. Nesta centúria 2
é apresentado o caso de um doente do sexo
masculino, com sessenta anos, com bom aspecto
geral, “um calabrês que sofria de um abcesso bastante
duro do fígado(...) Quando fui chamado para este
homem, vou encontrá-lo gravemente deitado na cama.
Tinha febre e movia-se com dificuldade para o lado.
Observado o abcesso e palpando com os dedos,
descubro que por baixo latejava uma quantidade não
pequena de pus, tanto pelo longo uso e exercício da
profissão como por um benéfico dom que a natureza
me dotou. Portanto, mandado vir logo o cirurgião,
ordenei que o abrisse a ferro candente no sítio mais
inclinado. Dele saiu imediatamente enorme quantidade
de pus, ainda não muito branco, mantendo nós o teor
das forças e o restante adequado para tal trabalho
(...) Então a ferida era tratada três vezes ao dia e
apresentava-se melhor. De facto era muito o pus que
dela escorria. Além da cataplasma colocada no fígado,
também se aplicava ao estômago, ou boca do
estômago, uma fomentação de óleo de nardo. A
alimentação era bastante fraca, como, por exemplo,
uma tisana misturada com um cozido de frango.
Também se lhe davam papas de farinha de arroz.
Lembre-se que eu, de acordo com o que diz Galeno,
muitas vezes mencionei que os atacados de
inflamação do estômago e do fígado devem ser
alimentados mais parcamente do que os molestados
de inflamações do peito. Com este regime o doente
portou-se muito bem, mas o emissário ou orifício da
chaga manteve-se-lhe sempre aberto; nunca pôde
fazer-se que obtivesse, consolidação. Mas isto talvez
não seja de grande importância, visto ele executar
todos os seus afazeres com exactidão e boa
disposição, nada lhe doendo, mas corria-lhe com forte
prosperidade e talvez melhor do que antes de ter caído
nesta doença.”