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Medicina e Religião - História da Medicina

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abandono dos doentes como mostrou Lourenço<br />

Marques não implica o não acompanhamento nem a<br />

não prescrição de tratamentos para amenizar o<br />

sofrimento, apesar do prognóstico mortal.<br />

2.° - Quanto à relação com frades que faziam de<br />

médicos e práticas supersticiosas, são frequentes<br />

criticas impiedosas e mor<strong>da</strong>zes (Alfredo Rasteiro, e<br />

eu próprio a propósito <strong>da</strong> ironia, enumerámos<br />

diversas). A crítica estende-se como já mencionado a<br />

médicos, doentes, tratadores não médicos, em nome<br />

do que podemos chamar uma ética profissional<br />

médica. Registe-se também que no caso de<br />

interferências nos tratamentos já prescritos, Amato<br />

reage com criticas virulentas e nalgumas curas<br />

interrompe os tratamentos e abandona os casos. É<br />

exemplo a cura 34 (1ª. Centúria) ao tratar um caso de<br />

“psicose puerperal”, abandona o caso porque foram<br />

chamados os padres para expulsar os maus espíritos.<br />

3.° - Fora dos casos dos incuráveis e moribundos e<br />

<strong>da</strong> interferência de práticas supersticiosas existem<br />

situações em que há abandono do tratamento por<br />

Amato. É o caso do não cumprimento <strong>da</strong>s prescrições<br />

médicas que acarreta o abandono pelo médico do<br />

tratamento. Na 3.ª Centúria “De um que não obedecia<br />

às prescrições do médico” Amato finaliza “retirei-me<br />

para não mais lá voltar mesmo que me oferecesse de<br />

presente um ou dois dos seus castelos”.<br />

4.° - Num caso de “doença do amor”, afirmou “deixálos<br />

com a sua insensatez é o que há a fazer”. Nos<br />

comentários refere também vários casos de paixões<br />

que levaram à loucura. A ideia <strong>da</strong>s paixões serem<br />

formas de loucura é antiga e vai <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong>de<br />

Clássica até ao século XIX. (“o prognóstico era mau,<br />

mas às vezes curavam-se”).<br />

Finalmente, abor<strong>da</strong>ria a questão dos primórdios <strong>da</strong><br />

Psicoterapia, forma especial de relação médico/<br />

doente, ou terapia pela palavra, apesar <strong>da</strong> rari<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong>s observações.<br />

O grande historiador <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong>, e ensaísta e<br />

crítico Jean Starobinski num trabalho clássico sobre<br />

a Melancolia atribui o tratamento de um caso de<br />

Melancolia por sugestão a Amato Lusitano citando<br />

Pinel. Fiquei surpreendido pois um caso em tudo<br />

semelhante foi tratado por Zacuto Lusitano, sendo<br />

assim descrito por Maximiano de Lemos:<br />

“Tratou um rapaz português que dominado por uma<br />

melancolia ansiosa, se julgava vexado de pecados<br />

que nunca encontrariam absolvição. Era acometido<br />

de alucinações em que via o demónio que lhe afirmava<br />

estarem-lhe reserva<strong>da</strong>s penas eternas. Ensaiaram-se<br />

vários tratamentos todos sem resultados (purgantes,<br />

sanguessugas no anus, banhos, fontículos nas coxas,<br />

conselhos dos amigos, distracções, etc). Para grandes<br />

males grandes remédios - uma noite entra-lhe pelo<br />

tecto <strong>da</strong> casa um anjo artificial com uma espa<strong>da</strong> na<br />

mão direita e um archote aceso na esquer<strong>da</strong>, que o<br />

chama pelo nome. Ao vê-lo, o doente salta <strong>da</strong> cama,<br />

31<br />

ajoelha-se e acusa-se de todos os seus pecados. (O<br />

falso anjo anunciou-lhe que Deus lhe havia concedido<br />

perdão de todos os seus pecados).<br />

Apagando-se o facho, não prosseguiu a conversa,<br />

nem pôde o pobre melancólico ver o homem que por<br />

trás do anjo lhe falava. Mas a mistificação surtiu efeito.<br />

Começou o doente a comer e a dormir e dentro em<br />

pouco estava curado.”<br />

Estes casos de tratamento de “doenças <strong>da</strong><br />

imaginação”, de que há muitos exemplos, são de<br />

alguma forma esboço de psicoterapias (de sugestão,<br />

mas também cognitivas “avant Ia lettre”, pois a doença<br />

acarretava distorções cognitivas, embora o tratamento<br />

não enfrentasse ou trabalhasse as referi<strong>da</strong>s distorções,<br />

só muito indirectamente), e ain<strong>da</strong> um esboço de terapia<br />

ambiental/grupal. Mas nas Centúrias há um único<br />

exemplo com abor<strong>da</strong>gem semelhante ao caso<br />

descrito anteriormente. É na 6.ª Centúria, cura 42 -<br />

“Faz-se citação do maravilhoso caso de um certo nobre<br />

francês com imaginação corrupta, e de seu faceto<br />

tratamento”. Sofria de melancolia, delirava e tinha<br />

contínuos desarranjos mentais, pelo que se tirava a<br />

opinião que a doença e a sua causa estavam na<br />

cabeça. Tinha corrompi<strong>da</strong>s as facul<strong>da</strong>des, salvo a <strong>da</strong><br />

imaginação.<br />

Queixava-se continuamente de que tinha um<br />

abcesso ou apóstema no lado direito e chamava por<br />

um médico que o tratasse e abrisse.<br />

Observado por Amato, este diz que encontrou um<br />

homem de excelente saúde, mas não era possível<br />

desligá-lo do estado de loucura, acreditando que<br />

vapores podres e mortíferos eram levados do abcesso<br />

até ao nariz, misturando com os dedos um cuspo<br />

muito branco e espesso.<br />

Tratado com heléboro, restava a remoção <strong>da</strong> ideia<br />

do abcesso ou apóstema no lado direito, referindo o<br />

médico Alexandre Traliano e outros que libertaram

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