Paulo de Tarso: Grego e Romano, Judeu e Cristão - Universidade ...
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Paula Barata Dias<br />
A mensagem <strong>de</strong> <strong>Paulo</strong> é propositadamente ambivalente, na medida em<br />
que não precisa qual o comportamento visado, se o do cumprimento rigoroso<br />
das normas judaicas se o do que as rejeitam. Neste sentido, as comunida<strong>de</strong>s<br />
são instadas a <strong>de</strong>svalorizar as normas alimentares como fonte <strong>de</strong> vinculação e<br />
<strong>de</strong> reconhecimento recíproco. Embora haja motivações mais profundas para a<br />
valorização do vegetarianismo, (Rom 14,21) pensamos que o apoio <strong>de</strong> <strong>Paulo</strong> a<br />
este regime apresenta esta vantagem instrumental que é o <strong>de</strong> eliminar o grave<br />
ponto <strong>de</strong> discórdia que constituíam as normas <strong>de</strong> preparação da carne.<br />
Alguns anos antes, por volta <strong>de</strong> 56, <strong>Paulo</strong> dirigira aos cristãos <strong>de</strong> Corinto<br />
palavras em que se pronunciara claramente sobre a ingestão da carne consagrada<br />
aos ídolos, isto é, toda a carne que estava disponibilizada nos mercados da<br />
cida<strong>de</strong>. Afirma que tal não tem importância em si mesmo, pois esse alimento,<br />
para um cristão, está <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> significado religioso (1Cor 8,8): «porque<br />
não ganhamos se comermos, nem per<strong>de</strong>mos se não comemos». <strong>Paulo</strong> parece<br />
contribuir, com as suas palavras, para esclarecer uma questão premente na<br />
jovem comunida<strong>de</strong> cristã.<br />
Todos temos ciência, todos sabemos (1Cor 8,1), mas o conhecimento não<br />
é tudo, nem sustenta uma comunida<strong>de</strong>. Portanto, embora saibamos que os<br />
ídolos não existem, e que, em consequência, ingerir carnes imoladas é um acto<br />
<strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> significado religioso, sendo por isso aceitável, há que evitar fazê‑<br />
lo, por ser causa <strong>de</strong> escândalo para os mais fracos (1Cor 8,10): «pois se alguém te<br />
vê a ti, que possuis ciência, sentado à mesa no templo dos ídolos, a consciência<br />
<strong>de</strong>le, que é fraco, não será induzida a comer as carnes sacrificadas aos ídolos?».<br />
Ou seja, <strong>Paulo</strong> aconselha a uma atitu<strong>de</strong> sensata e não instigadora <strong>de</strong> divisões,<br />
em função <strong>de</strong> um bem maior que é, diríamos nós, o acolhimento dos fracos, ou<br />
seja, o bem da evangelização e do acolhimento universal da Igreja por todos.<br />
Se a alimentação é causa <strong>de</strong> más interpretações por assimilação a costumes<br />
religiosos anteriores, seja o judaico seja o costume sacrificial greco‑romano,<br />
então que se elimine da dieta o motivo <strong>de</strong> conflito (1Cor 8,13): «jamais comerei<br />
carne para não escandalizar o meu irmão» 14 .<br />
Mais adiante, <strong>Paulo</strong> confirma a irrelevância quanto ao que se come,<br />
adoptando uma postura politicamente correcta (1Cor 10,23‑33): «Tudo é<br />
permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica.<br />
(…) comei <strong>de</strong> tudo o que se ven<strong>de</strong> no mercado, sem nada perguntar por motivo<br />
<strong>de</strong> consciência (…) se algum infiel vos convidar e vós quiser<strong>de</strong>s ir, comei <strong>de</strong><br />
tudo o que vos for servido, sem nada perguntar, por motivo <strong>de</strong> consciência.<br />
14 Neste cap. 8, é magistral a oscilação da pessoa do discurso, entre um «nós» cristãos<br />
amadurecidos, que temos ciência e que estamos empenhados na edificação da Igreja; um «tu»<br />
que é aconselhado a omitir a ingestão <strong>de</strong> carne por razões metodológicas (1Cor 8,10) «pois se<br />
alguém te vê a ti, que possuis ciência, sentado à mesa no templo dos ídolos, a consciência <strong>de</strong>le,<br />
que é fraco, não será induzida a comer as carnes sacrificadas aos ídolos?»; e por fim um «eu» que<br />
adopta a atitu<strong>de</strong> radical, que não se impõe aos outros, <strong>de</strong> jamais comer carne.<br />
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