Paulo de Tarso: Grego e Romano, Judeu e Cristão - Universidade ...
Paulo de Tarso: Grego e Romano, Judeu e Cristão - Universidade ...
Paulo de Tarso: Grego e Romano, Judeu e Cristão - Universidade ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Paulo</strong> Sérgio Ferreira<br />
Nesta linha e em comentário a Dante, datado <strong>de</strong> 1373, recorreu pela<br />
primeira vez Giovanni Boccaccio a Tácito, Ann 11-16 e Hist. 1-5, para estudar<br />
a vida <strong>de</strong> Séneca, e interpretou a libação <strong>de</strong> Séneca a Júpiter Libertador, em<br />
Tácito, Ann. 15.64, como dirigida a Jesus Cristo, e, por conseguinte, como<br />
uma confirmação da a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Séneca ao Cristianismo. Vale, <strong>de</strong> resto, a pena<br />
transcrever as palavras <strong>de</strong> Boccaccio sobre o epistolário: «Esser parole scritte<br />
da S. Paolo, le quali, bem intese, assai chiaro mi pare dimostrino S. Paolo lui<br />
aver per cristiano.» 35<br />
Foi já no séc. XV que Lionello d’Este (1407-1450), com eventual<br />
influência <strong>de</strong> Guarino da Verona (1374-1460), e Lorenzo Valla (1405-1457)<br />
pela primeira vez refutaram as teorias <strong>de</strong> Colonna e <strong>de</strong> Boccaccio, e, ao cabo,<br />
negaram a autenticida<strong>de</strong> do epistolário.<br />
Convencido <strong>de</strong> que as Epistulae tinham sido compostas para <strong>de</strong>monstrar<br />
o Cristianismo <strong>de</strong> Séneca, sustentou o protestante Erasmo, em prefácio à<br />
edição <strong>de</strong> Séneca <strong>de</strong> 1515, que maior proveito retiraria o leitor se consi<strong>de</strong>rasse<br />
os escritos <strong>de</strong> Séneca como os hominis ignari nostrae religionis, 36 e, no prefácio<br />
à edição <strong>de</strong> 1529, criticou o carácter insulso e <strong>de</strong>sajustado da correspondência<br />
(frigidius aut ineptius 37 ); acusou Jerónimo <strong>de</strong> ter conhecimento do engano e<br />
<strong>de</strong> ter abusado da credulida<strong>de</strong> das pessoas simples (Hieronymus non ignarus<br />
fuci, abusus est simplicium credulitate); observou que nada existe nas cartas<br />
supostamente escritas por <strong>Paulo</strong> digno do pensamento paulino (nihil est in<br />
Paulinis epistolis illo Pauli spiritu dignum); e notou a escassez <strong>de</strong> referências<br />
por parte <strong>de</strong> <strong>Paulo</strong> ao nome <strong>de</strong> Cristo – só ocorre em Ep. 14.9. Apreensivo<br />
quanto ao facto <strong>de</strong> <strong>Paulo</strong>, conhecido na tradição cristã pela sua coragem e<br />
<strong>de</strong>terminação, se limitar a repreen<strong>de</strong>r Séneca por ter mostrado a Nero cartas<br />
que o natural <strong>de</strong> <strong>Tarso</strong> tinha escrito para todas as igrejas, e a justificar-se quod<br />
epistolis suis nomen suum soleat subscribere, interrogou-se Erasmo sobre como<br />
se po<strong>de</strong>ria conciliar esta tentativa <strong>de</strong> ocultar o Evangelho com a corajosa e<br />
longa carta que há muito tinha o natural <strong>de</strong> <strong>Tarso</strong> enviado aos <strong>Romano</strong>s, ou<br />
se a mensagem que preten<strong>de</strong>ria transmitir po<strong>de</strong>ria legitimar uma ocultação<br />
<strong>de</strong> crenças religiosas para agradar ao imperador. Dado o facto <strong>de</strong> a cólera<br />
do imperador pelos <strong>Cristão</strong>s ser amplamente conhecida em Roma, estranha<br />
Erasmo as palavras <strong>de</strong> Séneca a <strong>Paulo</strong> sobre os suplícios a que o imperador<br />
sujeitava os membros daquela religião e sobretudo a opção do Cordubense<br />
por um suporte escrito, em <strong>de</strong>trimento da segurança associada à oralida<strong>de</strong>,<br />
35 Apud Momigliano, 1950, 337.<br />
36 Apud Natali, 1995, 75 e 117 n. 225. Erasmo ainda completou <strong>de</strong>ste modo a sua reflexão<br />
sobre o assunto: Etenim si legas illum ut paganum, scripsit Christiane, si ut Christianum, scripsit<br />
paganice.<br />
37 O juízo <strong>de</strong> Erasmo, na edição <strong>de</strong> 1529 das Senecae opera (Basel), acerca do epistolário,<br />
aparece transcrito em Franceschini, 1981, 840-841. Também se po<strong>de</strong> encontrar em Bouillet et<br />
al., 1829, 470-473.<br />
158