Paulo de Tarso: Grego e Romano, Judeu e Cristão - Universidade ...
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Cristina Sobral<br />
strictu sensu e uma <strong>de</strong>sconfiança doutrinal que ditou a sua estigmatização na<br />
Antiguida<strong>de</strong> tardia sem, todavia, lograr atalhar a sua transmissão à Ida<strong>de</strong><br />
Média. O interesse que os apóstolos neo-testamentários <strong>de</strong>spertaram 3 e o facto<br />
<strong>de</strong> os textos canónicos não respon<strong>de</strong>rem senão parcialmente pelo seu percurso<br />
<strong>de</strong> vida abriram campo à composição <strong>de</strong> narrativas que mostrassem a chegada<br />
<strong>de</strong>ssas personagens ao momento em que culmina o sentido da vida cristã: a<br />
morte em circunstâncias que asseguram a salvação, a entrada na glória.<br />
200<br />
Os Acta Pauli<br />
De entre os apóstolos, dois gozaram <strong>de</strong> estatuto proeminente, justificando<br />
a composição dos apócrifos Acta Petri (180-190) e Acta Pauli (190-200), os<br />
primeiros textos do género. Os Acta Pauli são escritos por amor ao apóstolo,<br />
segundo a confissão do seu autor, um presbítero da Ásia que, no testemunho <strong>de</strong><br />
Tertuliano 4 , teria confessado a falsida<strong>de</strong> do texto. A obra, que levou à punição<br />
do autor com o seu afastamento do cargo, revela influência directa do Novo<br />
Testamento e dos Acta Petri e alguma formação cultural profana, recebida em<br />
ambiente greco-romano erudito 5 . Dos originais Acta Pauli per<strong>de</strong>u-se cerca<br />
<strong>de</strong> meta<strong>de</strong> do texto, constituído por diferentes peças, algumas provavelmente<br />
compiladas <strong>de</strong> fontes anteriores, como <strong>de</strong>verá ser o caso dos Acta Pauli et Theclae 6 ,<br />
escritos, ao que tudo indica, por uma mulher para uma comunida<strong>de</strong> feminina 7 .<br />
A peça que maior difusão teve no oci<strong>de</strong>nte foi, sem dúvida, o Martyrium<br />
Pauli que, na Ida<strong>de</strong> Média, se transmitiu também autonomamente e que, nos<br />
códices mais antigos, é transmitida com o martírio <strong>de</strong> Pedro, prece<strong>de</strong>ndo-o<br />
imediatamente 8 .<br />
Polémicos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da sua recepção, os Acta Pauli foram rejeitados e<br />
<strong>de</strong>cididamente con<strong>de</strong>nados por autores como Tertuliano e Jerónimo 9 e listados<br />
entre os apócrifos a excluir das leituras aceites pelos cristãos no <strong>de</strong>creto pseudogelasiano<br />
(ca. 500) 10 . Orígenes <strong>de</strong> Alexandria, por outro lado, aceita-os como<br />
legítimos e Eusébio <strong>de</strong> Cesareia hesita em classificá-los no mesmo nível dos<br />
apócrifos <strong>de</strong> André, João e outros apóstolos, <strong>de</strong> composição posterior 11 .<br />
3 Aos apóstolos há que juntar, naturalmente, outras figuras que foram objecto <strong>de</strong> narrativas<br />
apócrifas, com <strong>de</strong>staque para Jesus, Maria e os seus pais (Ana e Joaquim).<br />
4 Sciant in Asia presbyterum, qui eam scripturam construxit, quasi titulo Pauli <strong>de</strong> suo cumulans,<br />
convictum atque confessum id se amore Pauli fecisse, loco <strong>de</strong>cessisse. (Tertuliano, De baptismo 17, PL,<br />
1, col. 119A).<br />
5 Erbetta, 1966, 250, 256.<br />
6 Lipsius, 1972, 235-72.<br />
7 Kaestli, 1990, 294.<br />
8 Erbetta, 1966, 249.<br />
9 Igitur περιόδους Pauli, et Theclae, et totam baptizati Leonis fabulam, inter apocryphas scripturas<br />
computamus. (S. Jerónimo, De Viris Illustribus, 7, PL, 23, col. 619C).<br />
10 Erbetta, 1975, 27-31.<br />
11 Erbetta, 1975, 251. Sobre a história da recepção crítica da literatura apócrifa v. Picard, 1990.