Paulo de Tarso: Grego e Romano, Judeu e Cristão - Universidade ...
Paulo de Tarso: Grego e Romano, Judeu e Cristão - Universidade ...
Paulo de Tarso: Grego e Romano, Judeu e Cristão - Universidade ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Rodrigo Furtado<br />
não <strong>de</strong>scredibiliza a narrativa, sob pena <strong>de</strong> termos <strong>de</strong> recusar quase todas<br />
as Histórias que hoje temos. Contudo, Lucas (por comodida<strong>de</strong> e tradição,<br />
continuarei a referi-lo <strong>de</strong>ste modo) atribui às origens <strong>de</strong> <strong>Paulo</strong> um conjunto <strong>de</strong><br />
pormenores que po<strong>de</strong> ser cotejado com fontes mais directas, como as 7 cartas<br />
<strong>de</strong> autoria certa que o próprio <strong>Paulo</strong> nos <strong>de</strong>ixou 14 .<br />
As Cartas confirmam que <strong>Paulo</strong> nascera Ju<strong>de</strong>u, pois fora circuncidado ao<br />
oitavo dia do seu nascimento, era filho <strong>de</strong> Ju<strong>de</strong>us, pertencia à tribo <strong>de</strong> Benjamim,<br />
era Israelita e falante <strong>de</strong> Aramaico (Fil. 3.4-5; Rom. 9.3b-5, Rom. 11.1, 2Cor.<br />
11.22): ora, tudo isto não comprova, mas é historicamente compatível com<br />
a hipótese «Gíscala». Ao contrário do que se passa com Jerusalém (Rom. 15,<br />
19, 25, 31, 1Cor. 16.3, Gal. 1.17, 2.1, 4.25), Corinto (1Cor. 1.2, 2Cor. 1.1, 23),<br />
Éfeso (1Cor. 15.32, 16.8), Damasco (2Cor. 11.32, Gal. 1.17) ou Antioquia<br />
(Gal. 2.11), nenhuma das Cartas refere uma única vez <strong>Tarso</strong> nem sequer como<br />
cida<strong>de</strong> por on<strong>de</strong> <strong>Paulo</strong> tivesse passado, quanto mais nascido. Apenas com<br />
base nas Cartas, a hipótese «<strong>Tarso</strong>» é tão verosímil como a hipótese «Gíscala»:<br />
ambas são omitidas. E não é esta a única omissão nas Cartas: nos textos do<br />
próprio <strong>Paulo</strong> também nunca vêm referidas nem a sua cidadania romana nem<br />
a sua cidadania em <strong>Tarso</strong> nem a sua educação «aos pés <strong>de</strong> Gamaliel».<br />
De facto, não fora existirem os Actos dos Apóstolos, creio que muitos autores<br />
admitiriam bem, apenas com base nas Cartas, que <strong>Paulo</strong> tivesse nascido na<br />
Palestina, talvez no norte da Galileia, em Gíscala. Contudo, os Actos existem<br />
e são explícitos; em outros passos, Lucas supõe também com naturalida<strong>de</strong> a<br />
origem <strong>de</strong> <strong>Paulo</strong> na Cilícia (Act. 9.11, 9.30, 11.25, 15.23, 15.41. Cf. Gal. 1.21).<br />
*<br />
Reclamar-se <strong>de</strong> <strong>Tarso</strong>, na Antiguida<strong>de</strong>, não era pequena coisa: antes <strong>de</strong><br />
<strong>Paulo</strong>, Estrabão afirmara que os cidadãos <strong>de</strong>sta πόλις teriam ultrapassado<br />
Atenas e Alexandria nas suas escolas e no ensino dos filósofos (Strab. 14.5.12-<br />
15); <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> <strong>Paulo</strong>, Díon Crisóstomo continua a elencar as razões para o<br />
orgulho dos cidadãos <strong>de</strong> <strong>Tarso</strong> pela sua cida<strong>de</strong> (Dio Cheys. 33.17, 33.28);<br />
mais tar<strong>de</strong> ainda, embora consi<strong>de</strong>rando que lhes interessava pouco a filosofia,<br />
Filóstrato menciona o luxo <strong>de</strong>stes cidadãos (Philostr. Apol. Tyan. 1.7) 15 ; uma<br />
<strong>Paulo</strong> (Act. 16.10-17, 20.5-15, 21.1-18, 27.1-29, 28.1-16). Nas Cartas, Lucas surge em Flm 24<br />
e nas epístolas <strong>de</strong>uteropaulinas (Col. 4.14, 2Tim. 4.11). O Cânone <strong>de</strong> Muratori, do século II, é o<br />
primeiro texto que chegou até nós a i<strong>de</strong>ntificar Lucas como autor do terceiro Evangelho e dos<br />
Actos dos Apóstolos: Acta autem omnium apostolorum sub uno libro scribta sunt. Lucas obtime Theofile<br />
comprindit quia sub praesentia eius sincula gerebantur (ed. Lietzmann).<br />
14 Incluo aqui a Epístola aos <strong>Romano</strong>s, a 1ª e a 2ª Epístolas aos Coríntios, as Epístolas aos<br />
Gálatas e aos Filipenses, a 1ª Epístola aos Tessalonicenses e a Epístola a Filémon. Na sequência <strong>de</strong><br />
Harrison, 1921, aceito como «Deuteropaulinas» as Epístolas aos Efésios e aos Colossenses, a 1ª e a<br />
2ª Epístolas a Timóteo e a Epístola a Tito (além, naturalmente, da Epístola aos Hebreus).<br />
15 Veja-se também Xen. Anab. 1.2.22-33, Jos. AJ 1.6.7, Dio Chrys. 33.49. Cf. Ramsay, 1908,<br />
85-116; Böhlig, 1913; Jones, 1940, 207; Jones, 1971 2 , 192-215.<br />
16