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A noite chegou e tivemos uma dormida péssima. Ocupando o reduzido espaço com<br />
dez homens barulhentos e tão malcheirosos quanto nós mesmos, não dava para repousar<br />
como seria de desejar.<br />
Mal o dia amanheceu, fui acordado por Karl que queria me mostrar uma coisa<br />
inacreditável que estava acontecendo no convés da frente. Era o Roberto, o filho do<br />
comandante, que estava de pé, derramando sobre sua cabeça a água de nosso garrafão.<br />
Estava tomando banho com a única água doce existente a bordo.<br />
- Que vamos fazer? perguntou Karl.<br />
- Nada. Não podemos fazer nada, respondi. O Roberto é filho do Heleno, que está ali<br />
no timão, vendo o que está acontecendo. Eles dois sabem muito bem que aquela é a única<br />
água de beber que temos a bordo. Nós estamos aqui de favor, não temos o direito de<br />
reclamar nada. Sabemos que o Heleno é um homem nervoso, estressado, autoritário, e<br />
qualquer reclamação nossa pode dar início a um atrito de conseqüências imprevisíveis.<br />
Vamos ter que engolir isso caladinhos.<br />
Esse segundo dia transcorreu praticamente sem novidades. Os pescadores, sem ter<br />
o que fazer, ficavam o tempo todo confinados naquele cubículo quente e fedorento,<br />
conversando e fumando. A água de beber e o estoque de comida tinham acabado, mas<br />
cigarro ainda havia bastante e eles não se importavam nem um pouco em empestear o<br />
dormitório com fumaça e sarro.<br />
Karl e eu, dois ex-fumantes, não suportando aquela situação, passávamos para a<br />
pequena área trazeira do barco onde ficávamos horas conversando com o cozinheiro, que<br />
agora não tinha mais nada que fazer.<br />
Na parte da tarde, Roberto entrou pelo alçapão e foi fazer sua visita de rotina ao<br />
motor. Nesse momento Karl e eu estávamos em nossos beliches e pela abertura ficamos<br />
olhando o que ele fazia lá em baixo.<br />
Após alguns minutos de observação, Roberto desligou o motor e aparentemente<br />
passou a fazer algum reparo, utilizando um pedaço de borracha de câmara de ar de<br />
automóvel. Devia ser algum vazamento de combustível que estava acontecendo e ele estava<br />
tentando resolver o problema com o material que tinha à mão.<br />
O tempo ia passando e Roberto não saia do porão. Com o barco à deriva, Karl e eu<br />
começamos a temer que o problema fosse grave e que nossa situação ficasse muito pior.<br />
Sem, água, sem comida e sem motor, o que seria de nós...<br />
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