(a): Maikon Levi Vilar Veiga - Outros Tempos - Uema
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A despeito das convicções que definiam a concepção cristã, que era<br />
dominante quanto a experiência do sagrado, o que vale salientarmos é a<br />
relação intrínseca entre o poder econômico e a fé religiosa herdada da<br />
cultura medieval portuguesa, a qual tecia, uma rede de compromissos<br />
entre o profano e o sagrado, entre a bolsa e a vida, entre o medo e o<br />
mistério. A única mediação deste drama Barroco era o dinheiro, já que<br />
somente ele é que podia pagar pelas inúmeras missas, ou construir igrejas<br />
e capelas, ou pagar honorários de padres.[...]. Os escravos, entretanto, não<br />
participavam diretamente desses atos ritualísticos pois, ao morrerem eram<br />
enterrados no Cemitério da Santa Casa, mas sem a encomenda de sua<br />
alma a Deus. Pelo interior da província, o leito dos rios serviam-lhes como<br />
depósitos de seus corpos, já dilacerados pelos castigos ou fatigados por<br />
rígidas jornadas de trabalho. 22<br />
Como se pode perceber a vida religiosa se mostrava diferenciada nas<br />
várias facetas da sociedade maranhense. Será que podemos falar o mesmo da<br />
própria estrutura social? Será que a análise da estrutura social de livres, pobres e<br />
dos próprios negros do interior do estado pode ser aplicada para São Luís, capital da<br />
província, que passava por um processo de urbanização nunca visto no Maranhão?<br />
As novas figuras que surgiram nesse contexto, dinamizaram ou não o quadro sócio-<br />
profissional e o próprio cotidiano dos ludovicenses? Essas respostas aparentemente<br />
fáceis e por mais banais que sejam, ainda não foram respondidas, pois ficaram<br />
camufladas em meio a um tiroteio da Historiografia: Senhores X Escravos,<br />
opressores X oprimidos. Esse jogo de mocinho e bandido já rendeu bons frutos para<br />
a historiografia, nos deu respostas a muitas dúvidas, porém é muito angustiante não<br />
saber responder com precisão quem foi São Luís para além de senhores e escravos.<br />
Se prestarmos atenção no que Aluísio Azevedo descreve em sua obra “O<br />
Mulato” entenderemos o que foi São Luís entre 1850 e 1888:<br />
[...] A Praça da Alegria apresentava um ar fúnebre...do outro lado da praça<br />
uma preta velha vendia fatos de boi. As crianças nuas...com os ventres<br />
amarelentos e crescidos empinavam papagaio de papel .Um outro branco<br />
levado a necessidade de sair, atravessava a rua. Ao longe para as bandas de<br />
São Pantaleão, ouvia-se apregoar: “Arroz de Veneza! Mangas! Mocajubas!”...<br />
O quitandeiro, assentado sobre o balcão, cochilava... Da praia de Santo<br />
Antonio enchiam toda a cidade de sons invariáveis e monótonos de uma<br />
buzina, anunciando que os pescadores chegavam do mar, para lá<br />
convergiam apressadas e cheias de interesse, as peixeiras, quase todas<br />
negras, muito gordas... A Praia Grande e a Rua da Estrela contrastava com o<br />
resto da cidade. Em todas as direções cruzavam-se esbofados e rubros,<br />
cruzavam-se os negros e os caixeiros em serviço na rua. Os corretores de<br />
escravos examinavam os negros..., os leiloeiros cantavam em voz alta o<br />
preço das mercadorias. 23<br />
A descrição não nos deixa dúvidas da grande gama de atividades<br />
profissionais existentes em São Luís no período analisado. Aluísio fala em<br />
22 PEREIRA op. cit. p. 51<br />
23 AZEVEDO, Aluisio. O Mulato.Rio de Janeiro: Editora Ática, 1986, p.15-16