Visão Judaica - outubro de 2002 Chesvan / Kislev 5763
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16<br />
* Khaled Abu<br />
Toameh é<br />
jornalista árabe e<br />
publicou este<br />
artigo no<br />
Jerusalem Post,<br />
on<strong>de</strong> escreve, em<br />
19 <strong>de</strong> setembro<br />
<strong>de</strong> <strong>2002</strong>, por<br />
ocasião do 2º<br />
ano da Intifada.<br />
<strong>Visão</strong> <strong>Judaica</strong> - <strong>outubro</strong> <strong>de</strong> <strong>2002</strong> <strong>Chesvan</strong> / <strong>Kislev</strong> <strong>5763</strong><br />
Como começou a guerra<br />
* Khaled Abu Toameh<br />
Uma cronologia <strong>de</strong> passos palestinos<br />
que levaram à irrupção da violência<br />
há dois anos, mostra que ela<br />
foi planejada <strong>de</strong> antemão e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada<br />
pela questão <strong>de</strong> Jerusalém.<br />
Uns poucos dias após o fracasso<br />
da reunião <strong>de</strong> cúpula <strong>de</strong> Camp<br />
David, em julho <strong>de</strong> 2000, a revista<br />
mensal da Autorida<strong>de</strong> Palestina, Al-<br />
Shuhada (Os mártires), publicou a<br />
seguinte carta <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> julho: “Da<br />
<strong>de</strong>legação <strong>de</strong> negociação (em Camp<br />
David), li<strong>de</strong>rada pelo comandante e<br />
símbolo, Abu Ammar (Yasser Arafat),<br />
ao bravo povo palestino: estejam<br />
preparados, a batalha por Jerusalém<br />
começou.”<br />
A carta apareceu em seqüência<br />
aos relatórios emanados <strong>de</strong> Camp<br />
David, sugerindo que a reunião <strong>de</strong><br />
cúpula havia fracassado por causa<br />
da intransigência <strong>de</strong> Arafat. De acordo<br />
com as fontes da AP, a carta foi<br />
escrita por um conselheiro <strong>de</strong> alto<br />
escalão <strong>de</strong> Arafat e aprovada <strong>de</strong> antemão<br />
pelo presi<strong>de</strong>nte da AP.<br />
A carta foi publicada em uma revista<br />
distribuída apenas ao pessoal<br />
<strong>de</strong> segurança da AP. Não apareceu<br />
em nenhum dos jornais diários <strong>de</strong><br />
Jerusalém ou <strong>de</strong> Ramallah. A mensagem<br />
que Arafat estava enviando<br />
aos seus homens armados era clara:<br />
“Estejam preparados para um<br />
confronto resoluto com Israel, porque<br />
me recuso a aceitar as injunções<br />
israelenses e americanas.”<br />
Um mês mais tar<strong>de</strong>, bem <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> Arafat ter retornado a Gaza, o<br />
(antigo) comissário <strong>de</strong> polícia da AP,<br />
General Ghazi Jabali, disse ao jornal<br />
oficial palestino Al-Hayat al-Jadida,<br />
em 14 <strong>de</strong> agosto: “A polícia<br />
palestina li<strong>de</strong>rará junto com os nobres<br />
filhos do povo palestino, quando<br />
a hora do confronto chegar.”<br />
Freih Abu Mid<strong>de</strong>m, ministro da<br />
justiça da AP, disse que podia prever<br />
o que iria acontecer. Em uma<br />
entrevista ao mesmo jornal, publicada<br />
em 24 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2000, prevenia:<br />
“A violência está próxima e o<br />
povo palestino esta <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> sacrificar<br />
até cinco mil pessoas.” A <strong>de</strong>claração<br />
veio após uma série <strong>de</strong><br />
encontros que Arafat manteve com<br />
seus ministros <strong>de</strong> gabinete.<br />
Uma outra publicação oficial da<br />
AP, Al-Sabah (A Manhã), em 3 <strong>de</strong><br />
agosto <strong>de</strong> 2000, repetia o tom <strong>de</strong><br />
escalada quando <strong>de</strong>clarou uns dias<br />
mais tar<strong>de</strong>: “Avançaremos e <strong>de</strong>clararemos<br />
uma Intifada geral por Jerusalém.<br />
A hora da Intifada chegou,<br />
chegou a hora do jihad.”<br />
A escalada retórica começou ainda<br />
antes que Arafat e seu séqüito<br />
<strong>de</strong>ixassem Camp David. Uma personalida<strong>de</strong><br />
da AP, que estava com Arafat,<br />
disse que o presi<strong>de</strong>nte da AP<br />
estava furioso com Israel e com os<br />
Estados Unidos porque o haviam<br />
acusado <strong>de</strong> ser responsável pela<br />
reunião <strong>de</strong> cúpula arremedada. Ele<br />
sentiu que tanto o primeiro-ministro<br />
Ehud Barak como o presi<strong>de</strong>nte Bill<br />
Clinton estavam agora procurando<br />
isolá-lo <strong>de</strong>clarando que o povo palestino<br />
merecia uma li<strong>de</strong>rança melhor.<br />
Com seu retorno <strong>de</strong> Camp David,<br />
Arafat gozou <strong>de</strong> uma recepção <strong>de</strong><br />
herói por parte <strong>de</strong> seu povo, porque<br />
ele estava sendo retratado como o<br />
lí<strong>de</strong>r árabe e muçulmano que recusou<br />
aceitar um acordo sobre seus<br />
direitos histórico, nacional e religioso.<br />
Pesquisas <strong>de</strong> opinião pública<br />
mostraram um crescimento dramático<br />
<strong>de</strong> sua popularida<strong>de</strong> e até os<br />
seus rivais seculares e religiosos<br />
estavam agora elogiando-o por não<br />
fazer acordo. Arafat disse aos que<br />
vieram saudá-lo em Ramallah que<br />
ele se recusou a tornar-se o (presi<strong>de</strong>nte<br />
egípcio Anuar) “Sadat n° 2”,<br />
que foi <strong>de</strong>nunciado por muitos árabes<br />
por assinar um tratado <strong>de</strong> paz<br />
em separado com Israel.<br />
“Bem-vindo, Arafat, o herói <strong>de</strong><br />
guerra e herói <strong>de</strong> paz”, dizia uma<br />
faixa nas ruas <strong>de</strong> Gaza quando a<br />
caravana <strong>de</strong> Arafat seguiu do aeroporto<br />
local ao seu gabinete. Em outra<br />
faixa lia-se: “Jerusalém está em<br />
nossos olhos, amanhã ela estará em<br />
nossas mãos.”<br />
Neste mesmo dia, mais cedo,<br />
centenas <strong>de</strong> palestinos marcharam<br />
na cida<strong>de</strong> exigindo um retorno à Intifada<br />
contra Israel. Animados pelo<br />
fracasso <strong>de</strong> Camp David, o Hamas<br />
e o Jihad Islâmico emitiram <strong>de</strong>clarações<br />
instando Arafat a abandonar as<br />
conversações <strong>de</strong> paz com Israel e a<br />
voltar à luta armada.<br />
Os dois grupos islâmicos radicais<br />
viam o colapso <strong>de</strong> Camp David como<br />
mais uma evidência <strong>de</strong> que Israel<br />
não era sério no que tange a atingir<br />
uma paz justa e abrangente com os<br />
palestinos. Seus porta-vozes também<br />
disseram a Arafat que se a reunião<br />
<strong>de</strong> cúpula provou algo, foi que<br />
os Estados Unidos continuavam totalmente<br />
ten<strong>de</strong>nciosos pen<strong>de</strong>ndo<br />
para Israel.<br />
Após o fracasso <strong>de</strong> Camp David,<br />
Arafat visitou quase todos os países<br />
árabes, exceto a Síria e o Iraque,<br />
pedindo aos seus lí<strong>de</strong>res apoio à sua<br />
posição. Ele também visitou alguns<br />
países europeus em um esforço para<br />
explicar a sua posição.<br />
“Jerusalém e seus locais sagrados,<br />
especialmente, a mesquita al-<br />
Aksa, pertencem a um bilhão <strong>de</strong><br />
muçulmanos e eu não tenho o direito<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong>les para ninguém”,<br />
teria ele dito aos reis e presi<strong>de</strong>ntes<br />
árabes.<br />
Os lí<strong>de</strong>res árabes asseguraram<br />
a Arafat que eles o apoiavam, mas<br />
a sua viagem a outras capitais do<br />
mundo, após Camp David, ilustraram<br />
o fato <strong>de</strong> que, pela primeira<br />
vez em vários anos, as simpatias<br />
internacionais favoreciam agora<br />
Israel. Para Arafat, isto assinalou<br />
o início <strong>de</strong> seu isolamento na arena<br />
internacional.<br />
Por aproximadamente três décadas,<br />
o lí<strong>de</strong>r da OLP acostumou-se a<br />
ser alvo <strong>de</strong> recepção nobre por parte<br />
<strong>de</strong> reis e chefes <strong>de</strong> estado pelo mundo.<br />
Também acostumou-se a ouvir<br />
palavras simpáticas a ele e à causa<br />
que ele representa. Agora, as coisas<br />
estavam começando a parecer diferentes<br />
para Arafat no oci<strong>de</strong>nte.<br />
O secretário assistente <strong>de</strong> estado<br />
americano, Edward Walker, foi <strong>de</strong>spachado<br />
numa viagem regional <strong>de</strong> 14<br />
escalas na tentativa <strong>de</strong> último momento<br />
<strong>de</strong> persuadir seus aliados árabes e<br />
retirar o seu apoio à posição <strong>de</strong> Arafat,<br />
mas então já era muito tar<strong>de</strong>.<br />
À medida que a pressão sobre<br />
ele aumentava, Arafat tornou-se ainda<br />
mais provocador quando <strong>de</strong>clarou<br />
que seguiria com planos para<br />
anunciar a criação do Estado da<br />
Palestina em 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />
2000. Em uma entrevista a um jornal<br />
saudita <strong>de</strong> primeiro <strong>de</strong> agosto,<br />
Arafat disse: “Não há recuo quanto<br />
à data fixada <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração do estado.<br />
Ele será <strong>de</strong>clarado na data<br />
marcada, em 13 <strong>de</strong> setembro, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
daqueles que concordam<br />
ou não.”<br />
Quase todos os países árabes<br />
<strong>de</strong>ram a Arafat a sua anuência para<br />
a idéia do estado. O presi<strong>de</strong>nte da<br />
AP recebeu também um compromisso<br />
<strong>de</strong> reconhecimento diplomático<br />
do Presi<strong>de</strong>nte Thabo Mbeki da África<br />
do Sul, cujo país tinha então um<br />
gran<strong>de</strong> impacto sobre as <strong>de</strong>cisões<br />
<strong>de</strong> muitos outros países do Terceiro<br />
Mundo. Arafat estava tão confiante <strong>de</strong><br />
que obteria apoio amplo que or<strong>de</strong>nou<br />
ao Ministério <strong>de</strong> Planejamento e Cooperação<br />
Internacional da AP que<br />
começasse a treinar palestinos para<br />
cargos diplomáticos no exterior.<br />
Mas, em 10 <strong>de</strong> setembro, Arafat<br />
e o comitê central da OLP foram forçados<br />
a adiar, mais uma vez, a planejada<br />
<strong>de</strong>claração do Estado. A <strong>de</strong>cisão<br />
somente ampliou o senso <strong>de</strong><br />
amargura <strong>de</strong>ntre as maiores personalida<strong>de</strong>s<br />
da AP que acusaram os<br />
Estados Unidos <strong>de</strong> apoiar cegamente<br />
Israel e <strong>de</strong> enganar o resto do<br />
mundo a respeito das razões do fracasso<br />
da reunião <strong>de</strong> Camp David.<br />
Em conjunção com a ofensiva<br />
política, que começou quase imediatamente<br />
após Camp David, a AP<br />
esteve também se preparando para<br />
um possível confronto militar com<br />
Israel. As autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> segurança<br />
da AP entrevistadas na mídia local<br />
falaram abertamente sobre um confronto<br />
armado ameaçador. Alguns<br />
até advertiram que as áreas da AP<br />
se transformariam em um “cemitério”<br />
para o Exército <strong>de</strong> Defesa <strong>de</strong> Israel<br />
se Israel <strong>de</strong>cidisse reocupar a<br />
Margem Oci<strong>de</strong>ntal e a Faixa <strong>de</strong> Gaza.<br />
Suas <strong>de</strong>clarações vieram em resposta<br />
a observações feitas pelo antigo<br />
chefe do Estado Maior israelense,<br />
Shaul Mofaz, que advertiu que Israel<br />
usaria tanques e jatos se os<br />
palestinos lançassem uma ofensiva<br />
armada.<br />
De acordo com relatórios <strong>de</strong><br />
Gaza em meados <strong>de</strong> agosto, algumas<br />
das forças paramilitares da AP<br />
estavam efetuando exercícios <strong>de</strong><br />
treinamento em nível <strong>de</strong> batalha.<br />
Além disto, muitas altas personalida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> segurança da AP estavam<br />
sendo enviadas a fazer cursos <strong>de</strong><br />
treinamento militar em países como<br />
o Egito, Iêmen, Argélia e Paquistão.<br />
Por estas razões, os palestinos começaram<br />
a sentir a tensão quando<br />
membros da Força 17, a guarda presi<strong>de</strong>ncial<br />
<strong>de</strong> elite, foram vistos cavando<br />
trincheiras e reforçando intensamente<br />
as suas posições com sacos<br />
<strong>de</strong> areia. Em poucos dias, a<br />
maior parte dos postos e bases policiais<br />
pareciam fortalezas militares.<br />
Enquanto se realizava a reunião<br />
<strong>de</strong> cúpula <strong>de</strong> Camp David, a organização<br />
Fatah <strong>de</strong> Arafat, a maior facção<br />
da OLP, começou a treinar adolescentes<br />
palestinos para a violência<br />
crescente em quarenta campos<br />
<strong>de</strong> treinamento na Margem Oci<strong>de</strong>ntal<br />
e na Faixa <strong>de</strong> Gaza.<br />
Algumas figuras <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque da<br />
AP e comentaristas <strong>de</strong> jornais também<br />
começaram a exigir a adoção<br />
da estratégia do Hezbollah, que,<br />
acreditavam eles, levou à retirada do<br />
exército israelense do sul do Líbano<br />
alguns meses antes. Lí<strong>de</strong>res do Hezbollah,<br />
incluindo o secretário geral<br />
Hassan Nasrallah, apareceram em<br />
re<strong>de</strong>s árabes <strong>de</strong> televisão por satélite<br />
para zombar <strong>de</strong> Arafat e <strong>de</strong> seus<br />
negociadores, argumentando que a<br />
Palestina podia ser libertada somente<br />
pelo uso da força e não em reuniões<br />
<strong>de</strong> cúpula como a realizada em<br />
Camp David.<br />
Nesta altura, a atmosfera pública<br />
palestina era <strong>de</strong> “véspera <strong>de</strong> guerra”.<br />
Ministros e representantes da AP<br />
intensificaram a crítica a Israel e aos<br />
Estados Unidos como parte dos esforços<br />
da AP <strong>de</strong> refutar acusações <strong>de</strong><br />
que ela era responsável pelo colapso<br />
das negociações <strong>de</strong> Camp David<br />
e <strong>de</strong> que os palestinos tinham perdido<br />
mais uma oportunida<strong>de</strong> histórica.<br />
Os imãs das mesquitas na Margem<br />
Oci<strong>de</strong>ntal e da Faixa <strong>de</strong> Gaza,<br />
nomeados pela AP, começaram a<br />
referir-se a Israel como o “inimigo<br />
sionista” e instavam todos os muçulmanos<br />
a mobilizar-se para a guerra<br />
contra os “infiéis”. Nas palavras <strong>de</strong><br />
um pregador <strong>de</strong> Gaza, “Todas as armas<br />
<strong>de</strong>vem ser dirigidas aos ju<strong>de</strong>us,<br />
aos inimigos <strong>de</strong> Alá, a nação amaldiçoada<br />
no Corão, a quem o Corão<br />
<strong>de</strong>screve como macacos e porcos,<br />
adoradores do bezerro e <strong>de</strong> ídolos”.<br />
Outros imãs falaram da necessida<strong>de</strong><br />
e <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> libertar a Palestina<br />
dos agressores sionistas. Desta vez,<br />
a fala não foi apenas sobre libertar<br />
a Margem Oci<strong>de</strong>ntal e a Faixa <strong>de</strong>