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A dialética entre estes dois conceitos foi formula<strong>da</strong>, há milênios, através <strong>da</strong> filosofia<br />
perene de Heráclito de Éfeso, que afirmava a indissociabili<strong>da</strong>de entre a guerra e a paz.<br />
Para este notável filósofo <strong>da</strong> transmutação, n<strong>em</strong> a paz e n<strong>em</strong> a guerra são fenômenos<br />
puros e dissociados, já que formam uma união viva, segundo o princípio <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de dos<br />
contrários e a harmonia dos opostos, como a do arco e <strong>da</strong> lira.<br />
Num movimento convergente, a sabedoria ancestral chinesa, através do seu clássico<br />
I Ching, aponta na mesma direção. Considerado o mais antigo texto chinês entre<br />
as obras de Confúcio com influência taoísta, sustenta-se na visão <strong>da</strong> interpenetração<br />
dos contrários, conti<strong>da</strong> no vasto e insondável símbolo do Tao. Este tratado singular de<br />
sabedoria investiga os mecanismos cósmicos, sobre a base do jogo do Yin e do Yang,<br />
nos fun<strong>da</strong>mentos de uma perene mutação: não há o que passa, não há qu<strong>em</strong> passa; só<br />
há passag<strong>em</strong>. É instigante constatar que o hexagrama <strong>da</strong> <strong>Paz</strong> do I CHING, número 11,<br />
consiste no princípio do céu, Yang, sustentando o princípio <strong>da</strong> terra, Yin. O seu oposto,<br />
o hexagrama número 12, indica uma inversão: o princípio <strong>da</strong> terra sustentando o princípio<br />
do céu. O seu nome, contrariando a expectativa <strong>da</strong> mente dualista, não é n<strong>em</strong><br />
guerra, n<strong>em</strong> conflito: é estagnação.<br />
Este preceito de sabedoria esclarece que nós perd<strong>em</strong>os a paz e também a saúde, onde<br />
há uma interdição do processo, um congelamento do devir, uma esclerose <strong>da</strong> dinâmica. A<br />
imag<strong>em</strong> de uma poça d’água estagna<strong>da</strong> ilustra, com eloquência, esta concepção...<br />
Nesta visão aberta e acolhedora <strong>da</strong> sabedoria do paradoxo, paz não é mera ausência<br />
de tensão e de conflito. Como afirma o poeta, quantas guerras eu terei que viver por um<br />
pouco de paz?... A paz é uma função <strong>da</strong> consciência do fluxo, do permanente devir, de<br />
uma entrega ativa ao processo infindo do Agora. O seu oposto é um estado de paralisia<br />
do movimento, de petrificação do vir-a-ser e de asfixia <strong>da</strong> vivência do Instante, causa<strong>da</strong><br />
pela ilusão do passado e pela ficção do futuro.<br />
Os artesãos <strong>da</strong> paz, portanto, são militantes e guerreiros do bom combate, seres humanos<br />
que ficam de pé e se atrev<strong>em</strong> a enfrentar a estagnação típica <strong>da</strong> normose, com as<br />
armas <strong>da</strong> consciência, com a infantaria do amor, a espa<strong>da</strong> do discernimento e o batalhão<br />
<strong>da</strong> fraterni<strong>da</strong>de e do serviço. Nunca é d<strong>em</strong>ais l<strong>em</strong>brar que a palavra japonesa samurai,<br />
na sua acepção original, significa aquele que serve ou servidor <strong>da</strong> paz.<br />
Por outro lado, o humano é um ser inacabado. Esta concepção r<strong>em</strong>onta ao Confúcio,<br />
que falava <strong>da</strong> nobreza humana como produto de uma tarefa educativa. Na abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong><br />
confuciana a originali<strong>da</strong>de humana é a de ser educável, sendo que as virtudes do belo,<br />
do bom e do b<strong>em</strong> se encarnam no ideal do nobre, a pessoa que se educa e se desenvolve<br />
na direção <strong>da</strong> sua plena realização. O que nos diferencia dos d<strong>em</strong>ais reinos não humanos<br />
- o mineral, o vegetal e o animal - é que não nasc<strong>em</strong>os humanos; nós nos tornamos<br />
humanos, através de um investimento disciplinado e permanente no potencial de<br />
uma plenitude possível, resultado <strong>da</strong> ousadia e disciplina dos passos numa trilha com<br />
coração. Como afirma o belo l<strong>em</strong>a do Bildungsroman do romantismo al<strong>em</strong>ão, Torne-se<br />
qu<strong>em</strong> você é!<br />
O <strong>em</strong>inente educador brasileiro, Paulo Freire, através <strong>da</strong> sua visão crítica e <strong>em</strong>ancipadora<br />
de uma pe<strong>da</strong>gogia do oprimido, s<strong>em</strong>pre insistiu no fato incontornável do inacabamento<br />
humano. Para Freire, a razão de ser <strong>da</strong> educação reside na nossa condição<br />
de incompletude, que solicita um processo pe<strong>da</strong>gógico centrado na comunicação e no<br />
diálogo, para que uma pessoa possa evoluir de objeto à sua condição livre de sujeito.<br />
Em total convergência, <strong>em</strong> hebraico, a palavra que designa paz, shalom, deriva <strong>da</strong><br />
mesma raiz de shal<strong>em</strong>, que significa inteireza – como o termo holístico, derivado do<br />
grego holos, significa totali<strong>da</strong>de. Já no idioma inglês, a expressão whole – inteiro; total<br />
– se origina <strong>da</strong> mesma raiz de holy, que significa sagrado. Assim, as virtudes compl<strong>em</strong>entares<br />
<strong>da</strong> paz, <strong>da</strong> saúde e <strong>da</strong> plenitude ou santi<strong>da</strong>de implicam, por um lado, na força<br />
dinâmica do processo, do vir-a-ser e, por outro, na conquista <strong>da</strong> consciência de inteireza,<br />
já que tudo que é inteiro é belo, é justo, é saudável, é pacífico e é sagrado. Neste sentido,<br />
a paz é uma consequência natural de certa integri<strong>da</strong>de logra<strong>da</strong>, de um mínimo de<br />
completude conquista<strong>da</strong>. Enfim, paz é integração entre a terra e o céu, entre o imanente<br />
e o transcendente, entre a razão e o coração, entre o pessoal e o transpessoal, entre a<br />
matéria e a Luz...<br />
Necessitamos, com pr<strong>em</strong>ência, de uma educação para a paz, que nos liberte do fardo<br />
<strong>da</strong> estagnação, vinculando-nos ao que a sabedoria milenar denomina de Presença,<br />
atenção ao aqui-e-agora. E que também nos propicie um solo fértil, para que o potencial<br />
humano de inteireza e de plenitude floresça, abrindo espaço para a <strong>em</strong>ergência de uma<br />
humani<strong>da</strong>de mais digna, sábia, amorosa e íntegra.<br />
A Universi<strong>da</strong>de Internacional <strong>da</strong> <strong>Paz</strong>, UNIPAZ, por meio <strong>da</strong> sua teoria fun<strong>da</strong>mental,<br />
alicerça<strong>da</strong> no paradigma transdisciplinar holístico, há um quarto de século v<strong>em</strong> desenvolvendo,<br />
de forma ousa<strong>da</strong> e inovadora, uma Escola Superior de <strong>Paz</strong>, o sonho do nosso<br />
querido e perene Samurai <strong>da</strong> <strong>Paz</strong>, Pierre Weil. Esta é a mensag<strong>em</strong> conti<strong>da</strong> na garrafa<br />
que ele lançou ao mar, após ter dedicado to<strong>da</strong> a sua existência e obra a uma promessa<br />
feita na sua adolescência: a de desenvolver uma educação que lance pontes sobre to<strong>da</strong>s<br />
as fronteiras que dissociam, fragmentam e dilaceram a humani<strong>da</strong>de. Um sonho plenamente<br />
realizado, transmutado <strong>em</strong> Obra Prima, que se irradiou por todo o Brasil e vai se<br />
difundindo mundo afora, humani<strong>da</strong>de adentro.<br />
Através de uma sensível inspiração de Lívia Araujo, coordenadora desta obra, <strong>Carta</strong>s<br />
<strong>da</strong> <strong>Paz</strong>, é o valioso e fecundo resultado de um projeto desenvolvido pela Fun<strong>da</strong>ção Arte<br />
de Educar Cogente. Escritas por reconhecid@s guerreir@s pacífic@s, estas mensagens<br />
são endereça<strong>da</strong>s à Família Humana, residente no nosso encantado Lar de Gaia. Convocando<br />
todos os seres sensíveis e conscientes a um mutirão do bom combate, pela<br />
reconstrução do projeto humano no jardim <strong>da</strong> Terra.<br />
“Tudo que não regenera, degenera”, afirma o filósofo <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de, Edgar Morin.<br />
Que estas cartas chegu<strong>em</strong> às mentes sensíveis e aos corações abertos. E que não tard<strong>em</strong><br />
as respostas, traduzi<strong>da</strong>s por atitudes construtivas e responsáveis, na tarefa pr<strong>em</strong>ente<br />
de regeneração do ser humano, essa terra prometi<strong>da</strong>, espaço de Aliança entre todos os<br />
Reinos, onde o Universo pode se saborear e a poesia <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> nos reencantar. Em marcha!<br />
Roberto Cr<strong>em</strong>a<br />
Reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Internacional <strong>da</strong> <strong>Paz</strong>, Rede UNIPAZ.<br />
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