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Prefácio<br />
<strong>Paz</strong>, uma utopia realizável<br />
“Jogo a garrafa ao mar. Qu<strong>em</strong> a encontrar que apanhe a mensag<strong>em</strong><br />
nela conti<strong>da</strong>, e, se quiser e achar oportuno e viável, beneficie a si<br />
mesmo e a própria humani<strong>da</strong>de. É esse o meu último voto.”<br />
9<br />
PIERRE WEIL (1924-2008)<br />
Uma simbólica trin<strong>da</strong>de de letras e um desafio para todos os nossos passos na trilha<br />
<strong>da</strong> existência: PAZ.<br />
Pax, <strong>em</strong> latim, segundo uma opinião geral, designa um estado de tranquili<strong>da</strong>de, de<br />
calma e de ausência de agitação, de perturbação e de conflito. Entretanto, precisamos<br />
mergulhar além do pensamento binário do senso comum, rumo aos meandros paradoxais<br />
envolvi<strong>da</strong>s nos sentidos e nas experiências conti<strong>da</strong>s no interior desta palavra tão<br />
imperiosa nos t<strong>em</strong>pos de desabamentos e de florescimentos que estamos velejando, ao<br />
sabor de ventanias e de melodias, neste início numinoso do terceiro milênio.<br />
Algumas abor<strong>da</strong>gens <strong>da</strong> filosofia ocidental focalizam o t<strong>em</strong>a <strong>da</strong> paz, através de óticas<br />
diversas, geralmente a considerando como um estado oposto ao <strong>da</strong> guerra. Thomas<br />
Hobbes considerava o ser humano violento por natureza, vivendo num estado permanente<br />
de guerra, homo homini lupis. A existência de um contrato social, neste enfoque,<br />
torna-se imprescindível, para que alguma paz seja possível. Por outro lado, o filósofo do<br />
Iluminismo, Jean-Jacques Rousseau, que sustentava o mito do bom selvag<strong>em</strong>, considerava<br />
a guerra essencialmente uma reali<strong>da</strong>de social e política e jamais como um estado<br />
natural. Em outras palavras, a belicosi<strong>da</strong>de seria o sintoma de uma perversão causa<strong>da</strong><br />
por uma socie<strong>da</strong>de cultivadora de necessi<strong>da</strong>des supérfluas e irreais, que nos tornam<br />
miseráveis, sobretudo pela arraiga<strong>da</strong> rivali<strong>da</strong>de <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />
A concepção de Hobbes refere-se ao postulado de uma antropologia pol<strong>em</strong>ológica<br />
– do grego pol<strong>em</strong>os, que significa guerra –, afirmando um primado desta sobre a paz.<br />
Enquanto a de Rousseau diz respeito a uma antropologia irenista – do grego eirene, uma<br />
divin<strong>da</strong>de mitológica que simboliza a paz, que afirma o primado desta sobre a guerra.<br />
O paradigmático Emmanuel Kant, herdeiro <strong>da</strong> concepção de Hobbes, no seu texto<br />
clássico, Rumo à paz perpétua, afirma que, entre os seres humanos, o estado <strong>da</strong> guerra<br />
é natural e que, por esta razão, torna-se necessário que o estado <strong>da</strong> paz seja instituído.<br />
Para Kant, a paz deve ser estabeleci<strong>da</strong> juridicamente, através de certo número de princípios<br />
destinados a criar a possibili<strong>da</strong>de voluntária de uma paz permanente, além de uma<br />
simples cessação provisória <strong>da</strong>s hostili<strong>da</strong>des naturais humanas. De maneira paradoxal, a<br />
abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> kantiana indica que a guerra pode ser um mal necessário e, mesmo, um prelúdio<br />
à paz, <strong>em</strong> função <strong>da</strong> dialética histórica entre o b<strong>em</strong> e o mal: o b<strong>em</strong> procede do mal<br />
como a paz se origina <strong>da</strong> guerra, s<strong>em</strong> que, por esta razão, o mal e a guerra sejam justificados.<br />
Eis o paradoxo: exercitando a guerra o ser humano busca a vitória, ou seja, a paz.