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KATIA MARLY<br />
LEITE MENDONÇA<br />
Brasileira<br />
BELÉM-PA<br />
Ensino E Pesquisa<br />
Possui doutorado <strong>em</strong> Ciência Política pela Universi-<br />
<strong>da</strong>de de São Paulo (1997). Pós-Doutorado <strong>em</strong> Ética na<br />
Universi<strong>da</strong>d Pontificia Comillas(Madrid/Espanha-2007<br />
e 2010). É Professora associa<strong>da</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />
Federal do Pará atuando principalmente nos<br />
seguintes t<strong>em</strong>as: ética, nao-violência, alteri<strong>da</strong>de,<br />
violência e instituições. Coordenadora do Projeto de<br />
Extensão Universitária Peregrinos <strong>da</strong><br />
<strong>Paz</strong>.Coordenadora do Projeto de Formação <strong>em</strong> Ética<br />
para o Diálogo/Programa Novos Talentos/CAPES na<br />
UFPA. Bolsista de Produtivi<strong>da</strong>de do CNPQ.<br />
Da <strong>Paz</strong><br />
Para Paul Ricoeur, de um ponto de vista marcado pela ética de Aristóteles, não<br />
seria o medo, n<strong>em</strong> a desconfiança, n<strong>em</strong> a vai<strong>da</strong>de que gerariam a <strong>Paz</strong>, como o foi para<br />
Hobbes, mas, pelo contrário, “imaginar a <strong>Paz</strong> é livrarmo-nos dessa motivação profun<strong>da</strong>:<br />
a conservação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, a desconfiança, a vai<strong>da</strong>de e o medo <strong>da</strong> morte violenta que nos<br />
levam a construir um monstro”.<br />
Imaginar a <strong>Paz</strong> exige, sob esse viés, que busqu<strong>em</strong>os libertar o fundo de bon<strong>da</strong>de que<br />
há <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> um de nós. Em todo ser humano há uma orientação primeira para o Sim, dirá Ricoeur.<br />
Somos orientados, antes de tudo, pelo “desejo de encontro e de reconhecimento”.<br />
O “percurso do reconhecimento”, <strong>em</strong> vez de assentado na luta o é na vi<strong>da</strong> ética,<br />
que na<strong>da</strong> mais é do que o ensinamento de Aristóteles de um “desejo de viver uma<br />
vi<strong>da</strong> boa, com e para os outros e <strong>em</strong> instituições justas”, portanto <strong>da</strong>ndo conta do<br />
pessoal, do interpessoal e do social. Esse reconhecimento buscado pelo hom<strong>em</strong> dá-se<br />
<strong>em</strong> três dimensões: afetiva, judicial e social. O primeiro gera autoconfiança, o segundo<br />
respeito próprio e o terceiro é a síntese de todos. O reconhecimento t<strong>em</strong> por orig<strong>em</strong><br />
o reconhecimento de si mesmo por meio <strong>da</strong> autorreflexão ou autoconsciência de si.<br />
Um estado de <strong>Paz</strong>, no sentido grego, é um “estado de ágape”. Como l<strong>em</strong>bra Ricoeur,<br />
“é digno de nota que os ‘estados de <strong>Paz</strong>’ com a ágape encabeçando-os sejam globalmente<br />
opostos aos estados de luta [...]”. A ágape não é orienta<strong>da</strong> pelo julgamento e n<strong>em</strong><br />
pelo cálculo, ela perdoa as ofensas, não no sentido de afastá-las ou reprimi-las, mas<br />
de “deixá-las ir”. A ágape é gratui<strong>da</strong>de e “possui um olhar <strong>em</strong> favor do hom<strong>em</strong> que é<br />
visto [...]”.<br />
Mas, um estado de <strong>Paz</strong> é também um “estado de shalom”, no sentido ju<strong>da</strong>ico-cristão.<br />
Aqui o termo hebreu para <strong>Paz</strong>, shalom,<br />
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t<strong>em</strong> um significado profundo e complexo e mais do que simplesmente<br />
a ausência de hostili<strong>da</strong>de ou guerra entre os homens, refere-se às<br />
ideias de cura e de saúde, de inteireza, de harmonia, de completude e<br />
de b<strong>em</strong>-estar. Significa assim harmonia, estabili<strong>da</strong>de e segurança dentro<br />
de uma comuni<strong>da</strong>de. Diz respeito às relações basea<strong>da</strong>s na ver<strong>da</strong>de e na<br />
retidão <strong>da</strong>s pessoas.<br />
O imaginário mais completo de shalom encontramos no quadro Bíblico descrito por Isaías, no qual<br />
Um renovo sairá do tronco de Jessé, e um rebento brotará de suas<br />
raízes. Sobre ele repousará o Espírito do Senhor, Espírito de sabedoria<br />
e de entendimento, Espírito de prudência e de corag<strong>em</strong>, Espírito de<br />
ciência e de t<strong>em</strong>or ao Senhor. Sua alegria se encontrará no t<strong>em</strong>or ao<br />
Senhor. Ele não julgará pelas aparências, e não decidirá pelo que ouvir<br />
dizer; mas julgará os fracos com equi<strong>da</strong>de, fará justiça aos pobres <strong>da</strong><br />
terra, ferirá o hom<strong>em</strong> impetuoso com uma sentença de sua boca, e com<br />
o sopro dos seus lábios fará morrer o ímpio. A justiça será como o cinto<br />
de seus rins, e a leal<strong>da</strong>de circun<strong>da</strong>rá seus flancos. Então o lobo será<br />
hóspede do cordeiro, a pantera se deitará ao pé do cabrito, o touro e o<br />
leão comerão juntos, e um menino pequeno os conduzirá; a vaca e o urso<br />
se fraternizarão, suas crias repousarão juntas, e o leão comerá palha<br />
com o boi. A criança de peito brincará junto à toca <strong>da</strong> víbora, e o menino<br />
desmamado meterá a mão na caverna <strong>da</strong> áspide. Não se fará mal n<strong>em</strong><br />
<strong>da</strong>no <strong>em</strong> todo o meu santo monte, porque a terra estará cheia de ciência<br />
do Senhor, assim como as águas recobr<strong>em</strong> o fundo do mar.<br />
(Isaías 11:1-9).<br />
A <strong>Paz</strong> ver<strong>da</strong>deira, sob a perspectiva cristã, não é a <strong>Paz</strong> dos homens. Esta é frágil<br />
e submeti<strong>da</strong> aos interesses imediatos e egoístas <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. A <strong>Paz</strong> ver<strong>da</strong>deira<br />
é fruto do amor, principal ensinamento do cristianismo. Tudo o mais, incluindo a Jus-