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<strong>Vinho</strong> na Academia<br />
O preço<br />
da fama<br />
“Uma reportagem<br />
sobre degustação<br />
de vinhos famosos<br />
chamou a atenção de<br />
Carlos Arruda sobre<br />
alguns aspectos. Quais?<br />
Confira...<br />
Como todo principiante na descoberta<br />
do vinho, eu também reverenciei<br />
muitos e muitos rótulos<br />
“de peso” nos primeiros anos de envolvimento<br />
com esse rico tema. Considero-me<br />
um degustador mediano, sempre atento ao<br />
caminhar, e admiro muito alguns amigos<br />
que têm uma facilidade desconcertante<br />
para perceber em detalhes os aromas e<br />
sabores dos vinhos em prova.<br />
Meu filho canhoto e inábil se tornou<br />
um reputado violonista clássico, graças à<br />
sua perseverança e muito, muito estudo.<br />
Cá do meu lado, esforço-me para aprender<br />
sempre, deixando de lado as opiniões e<br />
resenhas, e me concentrando na taça à<br />
minha frente.<br />
Dou aulas para sommeliers e sommelières<br />
aprendizes, com eles aprendo,<br />
e tento ensinar tudo que sei, mas insisto<br />
sempre na máxima solidão da profissão:<br />
“Numa prova, em frente a uma taça de<br />
vinho, você só tem o lápis, o papel em<br />
branco e a sua percepção. Desenvolva-a,<br />
pois ela é sua única aliada!”<br />
Trabalhando como consultor, professor<br />
e avaliador de produtos, me deparo<br />
com essa situação sempre, e com seu<br />
desafio aprendo cada vez mais.<br />
Recentemente li uma reportagem<br />
sobre um painel de degustação de vinhos<br />
do Rhône, publicada por revista especializada<br />
da maior confiabilidade, que em sua<br />
equipe tenho amigos e conhecidos. Me<br />
surpreendi e me alegrei, pois os resultados<br />
ali demonstrados revelam muitas verdades<br />
do mundo do vinho, algumas não tão<br />
agradáveis: uma quinzena de vinhos, entre<br />
eles alguns “monstros sagrados” da região,<br />
campeões eméritos de pontuações e<br />
avaliações pelo mundo, merecidos detentores<br />
de fama e respeito. Ao lado, alguns<br />
nomes conhecidos, mas não tão famosos,<br />
e outros quase novidades, desconhecidos<br />
de muitos consumidores.<br />
Importantíssimo explicar aos menos<br />
familiarizados: os vinhos são degustados<br />
“às cegas”: cada degustador preenche uma<br />
ficha técnica com suas avaliações (corpo,<br />
aroma, acidez, equilíbrio, tipicidade, notas<br />
gustativas, estrutura, etc.), traduzidas em<br />
pontos, que somados dão uma nota ao<br />
vinho. As notas são computadas estatisticamente<br />
e se chega a uma média do grupo,<br />
que pretende tão somente expressar uma<br />
apreciação genérica para aquele vinho.<br />
Reveladas as notas dos degustadores,<br />
surpresa, surpresas:<br />
- Alguns grandes nomes decepcionaram<br />
em sua colocação no painel, com<br />
pontuação baixa;<br />
- Alguns vinhos com preços mais altos<br />
no grupo não fizeram jus a pontuações<br />
altas;<br />
- Os vinhos com melhores notas não<br />
eram os mais caros;<br />
- Alguns vinhos de preços mais<br />
baixos surpreenderam pela qualidade<br />
apresentada.<br />
Obviamente isso tudo dá o que pensar,<br />
e para os leigos talvez dê para desesperar<br />
(e agora, o que eu faço?). Tenho certeza<br />
que alguns pontos de análise podem ajudar<br />
todos os amantes do vinho a tirar algumas<br />
conclusões:<br />
- Notas e pontuações raramente expressam<br />
o estilo peculiar de um vinho.<br />
Seu perfil de personalidade gustativa<br />
pode agradar mais a uns que a outros.<br />
A média das notas de um grupo é um<br />
cálculo frio, que aplaina sensações que<br />
você, caro leitor, pode valorizar muito<br />
mais (ou menos).<br />
- Vinícolas famosas, que em algum<br />
momento têm ou tiveram vinhos aclamados<br />
pela crítica mundial, nem sempre produzem<br />
o vinho perfeito, pois as condições<br />
da safra, a troca de enólogo e as pressões<br />
financeiras, por exemplo, podem afetar o<br />
produto final.<br />
- Nem só do Olimpo surgem bons<br />
vinhos: nomes desconhecidos podem surpreender<br />
com produtos interessantíssimos<br />
a preços convidativos – estas são sempre<br />
gratas surpresas. O mundo do vinho muda<br />
rápido, novas tecnologias e muita criatividade<br />
estão em ação.<br />
- Não devemos beber rótulos. A humildade<br />
perante uma taça desconhecida<br />
é nossa única aliada na busca do conforto<br />
e do prazer que o vinho nos proporciona,<br />
sem preconceito. Responda rápido: gosta<br />
ou não desse vinho?<br />
- Nem sempre o alto valor de uma garrafa<br />
é garantia de prazer: o estilo peculiar<br />
de um vinho é seu grande denominador<br />
de qualidade.<br />
- Não espere milagres: bons vinhos<br />
têm seu preço, mas a fama, essa sim tem<br />
seu preço...<br />
Carlos Arruda<br />
Academia do <strong>Vinho</strong><br />
arruda@jornalvinhoecia.com.br<br />
<strong>Vinho</strong>&<strong>Cia</strong> - No. 57