evolução histórica do notário e sua função social - Fadisp
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FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO<br />
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” - MESTRADO<br />
FUNÇÃO SOCIAL DOS INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO<br />
ANA CAROLINA BERGAMASCHI AROUCA<br />
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO NOTÁRIO E SUA FUNÇÃO<br />
SOCIAL<br />
São Paulo<br />
2009
FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO<br />
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” - MESTRADO<br />
FUNÇÃO SOCIAL DOS INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO<br />
ANA CAROLINA BERGAMASCHI AROUCA<br />
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO NOTÁRIO E SUA FUNÇÃO<br />
SOCIAL<br />
Dissertação apresentada à Banca Examina<strong>do</strong>ra<br />
da Faculdade Autônoma de Direito, como<br />
requisito parcial para obtenção <strong>do</strong> título de<br />
MESTRE em Direito Civil – Função Social <strong>do</strong>s<br />
Institutos de Direito Priva<strong>do</strong>, sob a orientação <strong>do</strong><br />
Prof. Luis Paulo Cotrim Guimarães.<br />
São Paulo<br />
2009
Banca Examina<strong>do</strong>ra<br />
____________________________________<br />
____________________________________<br />
____________________________________
AGRADECIMENTOS<br />
Este trabalho representa o final de uma caminhada de muito<br />
aprendiza<strong>do</strong>, amadurecimento e superação e o início de uma nova fase.<br />
Agradeço primeiramente a Deus por permitir que eu viesse a esse<br />
mun<strong>do</strong> com capacidade de aprender, desaprender, reaprender, errar, reconhecer os<br />
erros com humildade, pedir perdão, e também acertar. Agradeço também porque me<br />
concedeu a dádiva de estar em uma família maravilhosa que aquece to<strong>do</strong>s os dias o<br />
meu coração.<br />
Agradeço com ternura aos meus pais que sempre acreditaram em<br />
mim, me apoiaram mesmo nos momentos mais difíceis e me fizeram entender que<br />
sou uma pessoa iluminada por ter todas as oportunidades para crescer.<br />
to<strong>do</strong>s os meus sonhos.<br />
sem eles nada seria possível!!!<br />
Espero retribuir a Deus me transforman<strong>do</strong> em instrumento de paz.<br />
Espero retribuir aos meus pais dedican<strong>do</strong> a eles a realização de<br />
Aos meus pais dedico este trabalho com o meu amor eterno, pois
RESUMO<br />
Este trabalho tem por objeto analisar a longa trajetória percorrida<br />
pelos <strong>notário</strong>s, desde o nascimento dessa classe de profissionais até os dias atuais,<br />
demonstran<strong>do</strong> <strong>sua</strong> importância em cada momento histórico vivi<strong>do</strong>.<br />
Para tanto avalia as experiências estrangeiras e as principais<br />
características <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s de vários países e após, é feito um retrospecto histórico<br />
da atividade notarial no Brasil para a compreensão <strong>do</strong> necessário avanço<br />
experimenta<strong>do</strong> e da imensurável contribuição desses profissionais para a formação<br />
de nossa sociedade.<br />
Em seguida analisa toda a estrutura da atividade notarial,<br />
enfrentan<strong>do</strong> questões atuais, divergentes na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência, para<br />
melhor entendimento <strong>do</strong> tema, sem prejuízo <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s princípios mais<br />
importantes aplica<strong>do</strong>s à atividade notarial que representam seu início e seu<br />
fundamento.<br />
To<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> tem como objetivo apresentar a nova<br />
sistemática da atividade notarial, que tem como finalidade não apenas a consecução<br />
<strong>do</strong> interesse público, mas a realização de um trabalho que transcende a letra da lei.<br />
Com o exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> o <strong>notário</strong> deve buscar a efetivação <strong>do</strong>s direitos<br />
humanos e garantir a dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa<br />
República, contribuin<strong>do</strong> desta forma, para a construção de uma sociedade justa.<br />
Palavras chaves: Evolução Histórica; Atividade Notarial; Função<br />
Pública; Gestão Privada; Tabelionato de Notas; Responsabilidade; Fé Pública;<br />
Segurança Jurídica; Dignidade da Pessoa Humana; Função Social; Justiça Social.
ABSTRACT<br />
This paper aims at analyzing the long path followed by notaries,<br />
since the birth of this class of professionals to the present day, demonstrating its<br />
importance in every historical moment lived.<br />
To evaluate both foreign experience and the main characteristics of<br />
notaries from various countries and after it's made a historical retrospective of<br />
notarial activity in Brazil to advance understanding of the need experienced and<br />
immeasurable contribution of these professionals to form our society.<br />
It then analyzes the whole structure of notarial activity, facing current<br />
issues, differing in <strong>do</strong>ctrine and jurisprudence, to better understand the subject,<br />
without prejudice to the study of the main principles applied to the notarial activity<br />
representing the beginning and foundation.<br />
All study aims to present a new system of notarial activity, that aims<br />
not merely to meet the public interest, but the realization of a work that transcends<br />
the letter of the law. With the exercise of its <strong>social</strong> function the notary must seek the<br />
realization of human rights and ensuring human dignity, the foundation of our<br />
Republic, thus contributing to building a just society.<br />
Key words: Historical evolution, activity Notary, Civil Service, Private<br />
Management, Notary Notes, Responsibility, Public Faith, Security Law, the Human<br />
Dignity, Social Function, Social Justice.
SUMÁRIO<br />
A tabela de conteú<strong>do</strong> está vazia porque nenhum <strong>do</strong>s estilos de parágrafo<br />
seleciona<strong>do</strong>s no Inspetor de Documento está sen<strong>do</strong> usa<strong>do</strong> no <strong>do</strong>cumento.
INTRODUÇÃO<br />
O presente trabalho tem como objetivo traçar os contornos da<br />
atividade notarial, bem como <strong>sua</strong> natureza jurídica demonstran<strong>do</strong> a importância da<br />
atuação <strong>do</strong> <strong>notário</strong> na sociedade ao longo <strong>do</strong>s tempos e a <strong>evolução</strong> da legislação<br />
aplicada, ditada pelas transformações sociais.<br />
O <strong>notário</strong> possui uma extensa gama de competências que serão<br />
analisadas de forma detalhada, dentre as quais está a elaboração de instrumentos<br />
públicos e a orientação das partes que antecede a formalização da vontade<br />
exteriorizada pelos interessa<strong>do</strong>s. Restará demonstra<strong>do</strong> ao longo deste estu<strong>do</strong> a<br />
imensurável contribuição <strong>do</strong> <strong>notário</strong> para prevenção de litígios prestan<strong>do</strong> às partes<br />
uma assessoria de qualidade e revestida da imparcialidade necessária para garantir<br />
o equilíbrio da relação contratual.<br />
O serviço presta<strong>do</strong> com profissionalismo pelo <strong>notário</strong> à sociedade é<br />
um importante instrumento de garantia da dignidade da pessoa humana, porém a<br />
atividade desenvolvida pelo <strong>notário</strong> poderá contribuir ainda mais para a garantia <strong>do</strong>s<br />
direitos humanos e para a justiça <strong>social</strong> se presta<strong>do</strong> por um profissional devidamente<br />
consciente de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> e de seu compromisso para a construção de uma<br />
sociedade mais justa.<br />
Para melhor compreensão <strong>do</strong> tema, “Evolução <strong>histórica</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> e<br />
<strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong>”, o estu<strong>do</strong> inicia-se com uma análise <strong>histórica</strong> detalhada da<br />
atividade notarial, passan<strong>do</strong> pelo seu surgimento na antiguidade, pelas experiências<br />
de outros povos, sistemas notariais estrangeiros a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s atualmente e encerran<strong>do</strong><br />
a análise <strong>histórica</strong> com o estu<strong>do</strong> da atividade notarial no Brasil.<br />
Em seguida será estuda<strong>do</strong> o regime jurídico aplica<strong>do</strong> à atividade<br />
notarial, que foi profundamente modifica<strong>do</strong> pela nova ordem constitucional,<br />
apresentan<strong>do</strong> noções sobre o sistema notarial brasileiro, por se tratar de tema<br />
polêmico, em face <strong>do</strong> rompimento com o regime anterior, e que influencia no<br />
8
desenvolvimento da atividade, vislumbran<strong>do</strong> dessa forma, compreender os pontos<br />
complexos e dúbios da legislação pátria.<br />
No próximo capítulo serão analisa<strong>do</strong>s os princípios, que são a base,<br />
o início de to<strong>do</strong> ordenamento jurídico, que norteiam a atividade, como o princípio da<br />
fé pública, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana e <strong>sua</strong><br />
importância no exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> na sociedade.<br />
Atenção especial será reservada ao princípio supranormativo da<br />
dignidade da pessoa humana, que é garanti<strong>do</strong> com o desempenho satisfatório da<br />
atividade notarial e com o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong>. Para melhor compreensão<br />
desse princípio foram analisadas <strong>sua</strong> <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong>, <strong>sua</strong>s dimensões e como ela<br />
é atualmente percebida pela sociedade e pelo ordenamento jurídico.<br />
O capítulo seguinte é dedica<strong>do</strong> à <strong>função</strong> <strong>social</strong>. Primeiramente será<br />
analisa<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> da expressão, em seguida estuda<strong>do</strong> o seu surgimento, <strong>sua</strong><br />
<strong>evolução</strong> ao longo da história, <strong>sua</strong> importância nos dias atuais e por fim, será<br />
analisa<strong>do</strong> o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> no desenvolvimento da atividade notarial.<br />
Nesta última parte <strong>do</strong> trabalho será avaliada a finalidade <strong>social</strong> <strong>do</strong>s<br />
atos pratica<strong>do</strong>s pelo <strong>notário</strong>, que além de garantir a segurança jurídica, validade,<br />
autenticidade e eficácia <strong>do</strong>s negócios jurídicos, contribui para a justiça preventiva e<br />
assegura a aplicação <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />
Importante ressaltar, que no presente trabalho pretende-se<br />
esclarecer que a atividade notarial é pautada pelas necessidades sociais e ao<br />
buscar uma identidade jurídica consoante aos costumes vigentes deve-se respeitar<br />
e observar experiências jurídicas externas, que serão oportunamente analisadas,<br />
porém, a matriz principal deve ser o desenvolvimento da nação e isto ocorre quan<strong>do</strong><br />
a sociedade, de forma soberana, define as <strong>sua</strong>s necessidades e elabora uma<br />
legislação que atenda a essas premissas.<br />
Trata-se da dinamogênese, um processo em que as necessidades e<br />
aspirações de uma sociedade são corretamente valoradas pelo Esta<strong>do</strong> que, por<br />
9
intermédio <strong>do</strong>s representantes <strong>do</strong> povo, estabelecem normas e regras jurídicas<br />
eficazes a satisfazer a pretensão <strong>social</strong>.<br />
Procura-se demonstrar, que para o bom exercício da atividade<br />
notarial é necessário que o profissional dessa área esteja prepara<strong>do</strong> juridicamente,<br />
mas, sobretu<strong>do</strong>, que ele tenha sensibilidade para compreender a importância da<br />
<strong>função</strong> <strong>social</strong> e os reflexos de <strong>sua</strong> atuação na sociedade, que constitui a base de<br />
sustentação para a garantia da dignidade humana.<br />
A pesquisa, no entanto, não se limita apenas a traçar os contornos<br />
jurídicos da atividade notarial e da <strong>função</strong> <strong>social</strong> exercida pelo tabelião de notas,<br />
pois se pretende com este estu<strong>do</strong> desmistificar a figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong> e despir de<br />
preconceitos a visão que a sociedade tem desse profissional, que é instrumento<br />
fundamental para a justiça <strong>social</strong>, tão necessária ao desenvolvimento de uma nação.<br />
A proposta deste trabalho tem ainda por motivação, fomentar o<br />
estu<strong>do</strong> desse tema tão importante para a formação de sociedades justas, por meio<br />
de uma abordagem geral, de uma linguagem simples e didática, que tenha o condão<br />
de estimular o leitor a efetuar uma pesquisa ainda mais aprofundada deste complexo<br />
e importante assunto.<br />
10
1. O NOTÁRIO NO CONTEXTO HISTÓRICO<br />
1.1 A origem da atividade<br />
A origem <strong>do</strong> tabelião de notas é muito remota e confunde-se com a<br />
própria origem da sociedade. Com a fixação <strong>do</strong> homem à terra, deixan<strong>do</strong> de ser<br />
nômade, surge a necessidade de viver em sociedade, para melhor se proteger <strong>do</strong>s<br />
ataques de animais, <strong>do</strong>s ataques de outros homens e para otimizar a produção de<br />
alimentos e, desta forma adere ao contrato <strong>social</strong>, que são regras que disciplinam a<br />
convivência, surgin<strong>do</strong> assim, o Direito, para regular as relações sociais e dirimir os<br />
conflitos existentes.<br />
Nessa sociedade recém formada surge a necessidade de uma<br />
pessoa que se possa ter confiança para relatar os fatos, perpetuan<strong>do</strong>-os para a<br />
posteridade e que auxilie as pessoas no momento de contratarem umas com as<br />
outras.<br />
Importante papel foi desempenha<strong>do</strong> pelo <strong>notário</strong> na história da<br />
humanidade, pois seus apontamentos, verdadeiros relatos históricos, serviram e<br />
ainda servem para a compreensão da <strong>evolução</strong> <strong>do</strong> homem e <strong>do</strong>s anseios da<br />
sociedade.<br />
Com as transformações sociais surge a necessidade de uma pessoa<br />
cada vez mais preparada para, além de relatar fatos, perpetuan<strong>do</strong>-os, e dar forma à<br />
vontade das partes, garantir os direitos das partes envolvidas, geran<strong>do</strong> a<br />
estabilidade das relações e a paz <strong>social</strong>.<br />
A figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong> surge <strong>do</strong>s anseios sociais, é um fenômeno <strong>social</strong>,<br />
em princípio instrumento essencial para a formação <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s e somente mais<br />
tarde será peça fundamental para o ordenamento jurídico.<br />
11
1.1.1Hebreus<br />
No início das sociedades, como a <strong>do</strong>s hebreus, as transações eram<br />
feitas verbalmente, apenas garantidas pelas testemunhas que presenciavam os<br />
atos. Segun<strong>do</strong> relatos de João Mendes de Almeida Júnior 1 foi entre os hebreus que<br />
se confeccionou o mais antigo contrato real de que a Escritura Sagrada faz menção<br />
(Gênesis, XXIII, 8, 18). Referi<strong>do</strong> contrato foi concluí<strong>do</strong> sem intervenção de <strong>notário</strong> e<br />
sem a forma escrita e por meio dele Abraão comprou de Efron um terreno para nele<br />
sepultar <strong>sua</strong> esposa, Sara.<br />
Porém, com a <strong>evolução</strong> das sociedades, como a <strong>do</strong>s hebreus, houve<br />
a necessidade <strong>do</strong> contrato escrito. Importante destacar, que além da formalização<br />
escrita da vontade das partes, são cria<strong>do</strong>s outros mecanismos de garantia das<br />
transações feitas pelos hebreus, como a imissão na posse para os bens imóveis.<br />
Havia entre os hebreus a figura <strong>do</strong>s escribas, cujas funções foram<br />
bem delineadas nos ensinamentos de João Mendes de Almeida Júnior:<br />
Desde 600 anos A. C., o encargo de receber e selar os atos e<br />
contratos, que deviam ser muni<strong>do</strong>s <strong>do</strong> sêlo público, competia a uma<br />
espécie de <strong>notário</strong>s chama<strong>do</strong>s escribas. Êstes, na maior parte das<br />
convenções, faziam simples notas ou abreviaturas, cada uma das<br />
quais significava uma palavra, e eram escritas com tôda a<br />
celeridade, como se depreende <strong>do</strong> versículo segun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Salmo,<br />
XLIV: Lingua mea calamus scribae, velociter scribentis. Eram<br />
revesti<strong>do</strong>s de caráter sacer<strong>do</strong>tal, tanto os escribas ou <strong>do</strong>utôres da lei,<br />
que transcreviam e interpretavam a Sagrada Escritura, como os<br />
escribas <strong>do</strong> povo, que ocorriam às necessidades quotidianas <strong>do</strong>s<br />
cidadãos, redigin<strong>do</strong> memórias, cartas e semelhantes <strong>do</strong>cumentos 2 .<br />
Os escribas <strong>do</strong> povo tinham como funções, além de dar forma à<br />
vontade exprimida pelas partes, redigin<strong>do</strong> pactos e convênios particulares,<br />
formalizar a vontade <strong>do</strong> rei e ainda autenticar atos e resoluções monárquicas.<br />
1 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 5.<br />
2 Ibidem, p. 7.<br />
12
Já os escribas da lei, como o próprio nome está a indicar, faziam a<br />
interpretação das leis auxilian<strong>do</strong> os Tribunais de Justiça e ainda tinham um<br />
importante papel no Conselho de Esta<strong>do</strong>.<br />
Os escribas hebreus também eram ocupantes de cargos<br />
privilegia<strong>do</strong>s e gozavam de uma preparação cultural especial para o bom exercício<br />
de <strong>sua</strong> <strong>função</strong>.<br />
1.1.2Egípcios<br />
A sociedade egípcia sempre foi considerada avançada em muitas<br />
áreas como na medicina, na engenharia, na astrologia. Era regida pelo monarca,<br />
organizada em castas, imperan<strong>do</strong> a forte influência sacer<strong>do</strong>tal.<br />
A vida jurídica no Egito tornou-se muito expressiva após a<br />
proclamação pelo rei Bochóris, no século VIII A.C. da liberdade de contratar, que até<br />
então era apenas reservada para as castas superiores, compostas pelos sacer<strong>do</strong>tes<br />
e pelos guerreiros.<br />
Foi nesse contexto que surgiram os primeiros oficiais de notas que<br />
se tem notícia, os escribas <strong>do</strong> Egito. Eram pessoas de altíssimo nível cultural,<br />
ocupantes de cargos privilegia<strong>do</strong>s nesta sociedade, considera<strong>do</strong>s propriedade<br />
privada, poden<strong>do</strong> transmitir por sucessão aos herdeiros 3 .<br />
Em que pese os escribas redigirem instrumentos jurídicos para o<br />
monarca, sen<strong>do</strong> pessoas de <strong>sua</strong> confiança e também redigirem instrumentos<br />
particulares, estes não eram possui<strong>do</strong>res de fé pública e por isso, os instrumentos<br />
por eles lavra<strong>do</strong>s, para ter valor probatório, tinham que ser homologa<strong>do</strong>s por uma<br />
autoridade superior.<br />
No início os contratos eram redigi<strong>do</strong>s pelas partes ou por <strong>notário</strong>s e<br />
na maioria das vezes na presença de cinco testemunhas que transcreviam o<br />
3 COTRIM NETO, Alberto Bittencourt. Perspectivas da <strong>função</strong> notarial no Brasil. Porto Alegre: Colégio<br />
Notarial <strong>do</strong> Brasil – Seção <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, 1973, p. 10.<br />
13
contrato de próprio punho, fazen<strong>do</strong> verdadeiras cópias e assinavam em baixo, isso<br />
como forma de garantia <strong>do</strong> negócio realiza<strong>do</strong> pelas partes. Com <strong>evolução</strong> da<br />
sociedade egípcia e o fomento da atividade notarial a transcrição <strong>do</strong> contrato pelas<br />
testemunhas foi cain<strong>do</strong> em desuso.<br />
João Mendes:<br />
O sistema notarial e registral egípcio era organiza<strong>do</strong> conforme relata<br />
Na praxe egípcia, pois, se encontram a escritura, o cadastro, o<br />
registro e o impôsto de transmissão ou siza, em <strong>sua</strong> origem <strong>histórica</strong>.<br />
Encontram-se ainda o arquivo ou cartório, porque não bastava que<br />
os contratos fôssem registra<strong>do</strong>s; a lei exigia ainda que fôssem<br />
transcritos no cartório <strong>do</strong> tribunal ou juízo e que fôssem deposita<strong>do</strong>s<br />
no cartório <strong>do</strong> conserva<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s contratos: era o uso de to<strong>do</strong>s os<br />
países onde penetrava a civilização helênica 4 .<br />
Com a introdução <strong>do</strong> helenismo na civilização egípcia os <strong>notário</strong>s<br />
gregos ganharam destaque e os contratos começaram a ser elabora<strong>do</strong>s perante<br />
esses profissionais.<br />
Importante ressaltar, que os escribas, ancestrais mais remotos <strong>do</strong>s<br />
<strong>notário</strong>s, apenas instrumentalizavam a vontade das partes, eram meros redatores,<br />
pois não estavam investi<strong>do</strong>s de fé pública, diferentemente <strong>do</strong> que ocorre nos dias<br />
atuais, em que a fé pública é peça fundamental para o exercício da <strong>função</strong>.<br />
1.1.3 Gregos<br />
Continuan<strong>do</strong> na <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> surge na Grécia a<br />
figura <strong>do</strong>s mnemons ou epistates e hieromnemons, que a tradução em latim era<br />
notarii, actuarii, chartularii, cuja tradução para o português seria <strong>notário</strong>s, secretários<br />
e arquivistas, considera<strong>do</strong>s funcionários públicos pelo filósofo Aristóteles,<br />
encarrega<strong>do</strong>s de redigir instrumentos particulares, poden<strong>do</strong> posteriormente ser<br />
utiliza<strong>do</strong>s pelas partes contratantes como prova, de escrever os atos <strong>do</strong>s processos<br />
4 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 14. João<br />
Mendes elencou as características <strong>do</strong> sistema notarial e registral egípcio de acor<strong>do</strong> com a obra<br />
Histoire Du Droit de Dareste.<br />
14
judiciais, como as petições, acusações, defesas, citações e as decisões <strong>do</strong>s juízes e<br />
por fim, e de suma importância, tinham a <strong>função</strong> de conservar <strong>do</strong>cumentos públicos<br />
e particulares 5 . Foram figuras importantes no desenvolvimento da sociedade e das<br />
cidades gregas, segun<strong>do</strong> João Mendes de Almeida Júnior: “Depois que se<br />
desenvolveu a vida civil na Grécia, êstes funcionários foram crescen<strong>do</strong> na<br />
consideração pública” 6 .<br />
A civilização helênica esteve presente em diversas regiões <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong>, o que permitiu a popularização <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, pois em to<strong>do</strong>s os países com<br />
influência da civilização helênica havia a figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, de acor<strong>do</strong> com os estu<strong>do</strong>s<br />
de João Mendes de Almeida Júnior:<br />
1.1.4Romanos<br />
maior <strong>evolução</strong>.<br />
A verdade é que, em to<strong>do</strong>s os países onde <strong>do</strong>minou a civilização<br />
helênica, observa-se a existência de <strong>notário</strong>s, incumbi<strong>do</strong>s de dar aos<br />
contratos o seu testemunho qualifica<strong>do</strong> e, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s tribunais e<br />
juízes, um secretário, incumbi<strong>do</strong> não só de escrever peças <strong>do</strong><br />
processo, como de coordená-las, guardá-las na caixa selada<br />
respectiva e transmitir essa caixa ao juiz ou tribunal. A expressão –<br />
mnemons, literalmente traduzida, bem explica que o fim principal <strong>do</strong><br />
<strong>notário</strong> é guardar a lembrança <strong>do</strong>s contratos, isto é, preconstituir<br />
prova 7 .<br />
Contu<strong>do</strong>, foi em Roma que a atividade notarial experimentou <strong>sua</strong><br />
Assim como os hebreus, no início da civilização romana a realização<br />
<strong>do</strong>s negócios era verbal, sen<strong>do</strong> fielmente cumprida a lei natural e imperan<strong>do</strong> a boa<br />
fé, porém, com o aumento da população romana e multiplicação <strong>do</strong>s negócios civis<br />
foi necessária a instrumentalização desses negócios e neste momento há a<br />
5 Ibidem, p. 16.<br />
6 Ibidem, p. 16.<br />
7 Ibidem, p. 16-17.<br />
15
exigência de um profissional que dê forma à vontade das partes perpetuan<strong>do</strong>-a e<br />
possuin<strong>do</strong> este instrumento força probatória como um ato público.<br />
Os atos pratica<strong>do</strong>s pelos tabeliães de notas romanos não eram<br />
<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé, dependiam de comprovação em juízo da assinatura e da letra<br />
constantes no instrumento confecciona<strong>do</strong> pelo tabelião, coletan<strong>do</strong> o depoimento de<br />
pelo menos duas testemunhas para esse mister.<br />
No início surgiram diversos profissionais responsáveis pela<br />
instrumentalização de negócios, conservação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos e por serviços<br />
auxiliares da justiça, como os argentarii, que exerciam nos fóruns a <strong>função</strong> de<br />
procurar empréstimos em dinheiro para particulares e confeccionar os contratos de<br />
mútuo. Os notarii, cuja atividade era escrever com as notas, que consistia muitas<br />
vezes na simples indicação das iniciais ou abreviaturas conhecidas se revelan<strong>do</strong><br />
uma espécie de estenógrafos. Os tabularii, que eram funcionários fiscais e tinham,<br />
dentre outras funções, a escrituração e a conservação <strong>do</strong>s registros hipotecários, a<br />
direção <strong>do</strong> censo e posteriormente confeccionavam <strong>do</strong>cumentos legais. Por algum<br />
tempo esses profissionais foram considera<strong>do</strong>s escravos <strong>do</strong> povo, mas após,<br />
somente foram admiti<strong>do</strong>s para esse ofício homens livres.<br />
Contu<strong>do</strong>, o profissional romano que mais se aproxima <strong>do</strong> <strong>notário</strong><br />
atual é o tabelliones, conforme leciona João Mendes:<br />
Os tabelliones, assim chama<strong>do</strong>s porque escreviam seus atos em<br />
tabuletas de madeira emplastadas de cera, a princípio exercitavam<br />
cumulativamente com os exceptores, os actuarii e os notarii, as <strong>sua</strong>s<br />
funções. Eram imperitos no direito, porém pessoas livres:<br />
Tabelliones, diz PEREZIO, ao tít. X, Liv. X <strong>do</strong> Cód. Just. erant liberi<br />
homines et poterant ad decurionatum adspirare. Mas, nos séculos IV<br />
e V, os exceptores, os actuarii e os notarii mudam de natureza, isto é,<br />
passam a exercer funções especiais e distintas, segun<strong>do</strong> observam<br />
SAVIGNY e CONTI; em tal época, com o nome de expectores são<br />
designa<strong>do</strong>s os secretários das autoridades administrativas e das<br />
mais elevadas autoridades judiciárias; com o nome de actuarii, são<br />
designa<strong>do</strong>s os escrivães <strong>do</strong>s juízes e emprega<strong>do</strong>s de menor escala;<br />
16
e com o nome de notarii eram designa<strong>do</strong>s os escrivães da<br />
chancelaria imperial 8 .<br />
A carreira de tabelião de notas somente foi institucionalizada com a<br />
administração <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r Justiniano I (Flavius Petrus Sabbatius Justinianus),<br />
responsável pela unificação <strong>do</strong> império romano cristão 9 .<br />
Após devidamente regularizada a profissão de tabelião de notas, ela<br />
ainda experimentou significativo avanço no século VI, durante o governo <strong>do</strong>s<br />
impera<strong>do</strong>res Leão I e Justiniano, com a criação de uma corporação, presidida por<br />
um primicerius (primus in coera), que era responsável pela formação de tabeliães,<br />
<strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-os de notável saber jurídico e aptidão para a escrita. Houve uma verdadeira<br />
institucionalização da classe notarial.<br />
Entre os anos de 527 e 565, elabora-se o Corpus Júris Civilis, obra<br />
legislativa dividida em quatro partes: institutiones (institutas), que era um manual de<br />
estu<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> mais simples e teórico, com noções gerais, definições e<br />
classificações; digesto (pandectas), compilações de fragmentos de jurisconsultos<br />
clássicos, obra mais complexa, de maior dificuldade na elaboração, era um código<br />
com <strong>do</strong>utrinas seletas; codex, compilação das leges presentes nas constituições<br />
imperiais que figuravam nos códigos Gregoriano, Hermogeniano e Teo<strong>do</strong>siano, era<br />
uma espécie de código dividi<strong>do</strong> em livros e títulos e por fim as novelas,<br />
caracterizada pela reunião das constituições promulgadas depois de 535 por<br />
Justiniano.<br />
No digesto encontram-se as disposições legislativas que regulam a<br />
atividade <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s. Na parte denominada gema primeva, tem-se o primeiro<br />
regulamento <strong>do</strong> <strong>notário</strong> <strong>do</strong> tipo latino, este, que transcreve a realidade e orienta com<br />
relação à forma jurídica <strong>do</strong> ato.<br />
Com as Novelas de Justiniano são veiculadas disposições sobre a<br />
atividade notarial, o que demonstra a importância <strong>do</strong> <strong>notário</strong> para o desenvolvimento<br />
da civilização romana. Para desenvolver de forma ordenada o império são previstas<br />
8 Ibidem, p. 22.<br />
9 MARTINS, Cláudio. Teoria e Prática <strong>do</strong>s atos notariais. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 7.<br />
17
sanções contra os tabeliães faltosos às <strong>sua</strong>s obrigações delegadas, uma vez que se<br />
tem a esse tempo, a delegação pública para exercício da atividade <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s,<br />
porém, em caráter priva<strong>do</strong>.<br />
É certo afirmar, que na cidade de Constantinopla no ano aproxima<strong>do</strong><br />
de 550 DC, a atividade mercantil era muito desenvolvida, portanto, em qualquer<br />
praça pública onde houvesse um <strong>notário</strong>, dan<strong>do</strong> forma à vontade e aos negócios das<br />
pessoas, o movimento era intenso. Em face <strong>do</strong> volume de serviço, o <strong>notário</strong> se<br />
obrigava a delegar alguns serviços a auxiliares, lembra-se, entretanto, que essa<br />
delegação como nos dias de hoje merecia to<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> quanto às qualificações <strong>do</strong><br />
preposto, para que desta forma, não houvesse prejuízo para as partes que<br />
utilizassem os serviços desses profissionais.<br />
Conta a história que uma mulher analfabeta, encarrega a um <strong>notário</strong><br />
a missão de elaborar um <strong>do</strong>cumento que expresse a <strong>sua</strong> vontade, ocorre que o<br />
<strong>do</strong>cumento não traduz a verdade dita <strong>do</strong>s fatos e ela se queixa a um juiz<br />
encarrega<strong>do</strong> de resolver a questão, o qual, de imediato convoca o <strong>notário</strong> para<br />
prestar esclarecimentos.<br />
Ao se convocar o dito <strong>notário</strong>, este alega desconhecer parte <strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>cumento, pois delegou a confecção <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento a outrem, que convoca<strong>do</strong><br />
também foi, porém ao ser indaga<strong>do</strong> sobre a questão, responde que tampouco havia<br />
si<strong>do</strong> de <strong>sua</strong> autoria a elaboração <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento, pois encarregara a outro a redação<br />
<strong>do</strong> dito <strong>do</strong>cumento.<br />
O juiz convoca ainda um terceiro envolvi<strong>do</strong>, porém, não fora possível<br />
encontrar quem realmente houvera redigi<strong>do</strong> o <strong>do</strong>cumento, sen<strong>do</strong> que desta forma e<br />
após exaustiva investigação, o juiz diante <strong>do</strong>s fatos, consegue afinal determinar a<br />
verdade.<br />
Relata-se que tal situação deu origem à elaboração da Constituição<br />
XLV, Novela XLIV, abaixo transcrita:<br />
O Impera<strong>do</strong>r Justiniano, Augusto, por decreto a João, segunda vez<br />
Prefeito <strong>do</strong> Pretório, Ex-cônsul e Patrício, o texto em <strong>sua</strong> íntegra:<br />
18
Pois, nós cremos ser conveniente auxiliar a to<strong>do</strong>s, fazer uma lei<br />
comum para to<strong>do</strong>s os casos, a fim de que aos mesmos que estão à<br />
frente <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s, se lhes imponha de to<strong>do</strong>s os mo<strong>do</strong>s<br />
que formalizem por si o <strong>do</strong>cumento, e que estejam presentes até o<br />
seu término, (...).<br />
§1º – Para proibir todas estas coisas lavramos a presente lei,(...)<br />
entenden<strong>do</strong>-se que se contra estas determinações tiverem feito<br />
alguma coisa, perderão, em absoluto, as praças, e aquele que por<br />
eles é designa<strong>do</strong> para lavrar o <strong>do</strong>cumento e nele intervier será o<br />
<strong>do</strong>no da praça com própria autoridade, (...)<br />
§2º – Mas se por acaso for indigno de receber autoridade na praça<br />
aquele a quem contra o que por nós tiver si<strong>do</strong> disposto na presente<br />
lei lhe é encomenda<strong>do</strong> um <strong>do</strong>cumento, perca-se a autoridade<br />
certamente de to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> por esta causa o <strong>notário</strong>, e seja constituí<strong>do</strong><br />
outro em seu lugar;(...)<br />
§3º - E não finjam os <strong>notário</strong>s ocasiões para se irem, acaso por<br />
<strong>do</strong>ença, ou por ocupações de tal natureza; porque se tal acontecer,<br />
ser-lhes-á lícito chamar aos que contratam, (...)<br />
§4º – Mas para que não pareça que esta lei seja sumamente dura<br />
para eles,(...). Pois lhes damos licença, a cada um deles, para que,<br />
com motivo acaso de tais dúvidas sujas, nomeiem alguém para isso,<br />
(...) para estar presente ao serem finaliza<strong>do</strong>s, e sem que<br />
absolutamente qualquer outro que exista naquela praça tenha<br />
licença para que lhe seja encomenda<strong>do</strong> o começo,(...) Porque<br />
sabemos que por me<strong>do</strong> à lei guardarão também eles no sucessivo o<br />
q u e p o r n ó s f o i d e c r e t a d o , e f a r ã o c o m c a u t e l a o s<br />
<strong>do</strong>cumentos” (Manuscriptum Florentium) 10 .<br />
Do texto acima, percebe-se a preocupação em disciplinar a atividade<br />
notarial e acolhe-se uma forte tendência de imputar ao <strong>notário</strong> a <strong>sua</strong> devida<br />
responsabilidade, preven<strong>do</strong> de forma clara as sanções a serem aplicadas. Estas<br />
disposições têm por objetivo a prevenção e a repreensão <strong>do</strong>s erros ocorri<strong>do</strong>s no<br />
10 D. Idelfonso L. Garcia Corral; Francisco Tost, em tradução <strong>do</strong> latim para o espanhol e versão para o<br />
português, De tabellionibus et ut protocolla dimittant in chartis <strong>do</strong> Manuscriptum Florentium, Séc.<br />
VI.<br />
19
exercício da atividade, estabelecen<strong>do</strong> assim, o equilíbrio necessário à atividade<br />
mercantil. Nos dias atuais este equilíbrio se define como segurança jurídica.<br />
Importante destacar, que na época <strong>do</strong> império romano não havia<br />
tecnologia para armazenar as informações, e muito menos divulgá-las. Nesse<br />
cenário se produz a <strong>do</strong>cumentação no local da transação, praças públicas, e tem-se<br />
o efeito da verdade, desta forma, o império além de investir da autoridade<br />
necessária o <strong>notário</strong>, age com extremo rigor em casos de erro, uma vez, que o seu<br />
poder de fiscalização é frágil, e as transações tem em <strong>sua</strong> maioria caráter priva<strong>do</strong>. O<br />
império só tem conhecimento <strong>do</strong> erro em casos de contenda ou em casos que<br />
envolvam o recolhimento de impostos.<br />
Outra importante inovação disposta na Novela XLIV foi a criação <strong>do</strong><br />
protocolo, que era a determinação da prática de atos em papel que tivesse a marca<br />
<strong>do</strong> nome <strong>do</strong> comes sacrarum largitionum e da época de <strong>sua</strong> fabricação. O protocolo<br />
além de ser um mecanismo para dificultar falsificações, também era um meio de<br />
imposto indireto<br />
Justiniano sempre reconheceu a importância <strong>do</strong>s tabeliães de notas<br />
para o desenvolvimento da sociedade romana e incentivou o progresso da atividade<br />
notarial exigin<strong>do</strong> que estes profissionais fossem conhece<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Direito para<br />
melhor desempenhar a atividade. Prestigian<strong>do</strong> a <strong>função</strong> notarial Justiniano<br />
determinou a intervenção obrigatória <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s nos inventários, concedeu a<br />
<strong>função</strong> de subscrever as denúncias onde não houvesse magistra<strong>do</strong> com o fim de<br />
interromper a prescrição, mas também velan<strong>do</strong> pelo bom desempenho das<br />
atividades notariais previu pena de falsidade ao <strong>notário</strong> que não redigisse de acor<strong>do</strong><br />
com as declarações de última vontade prolatadas pelo testa<strong>do</strong>r.<br />
Depois de Justiniano a institucionalização e aprimoramento <strong>do</strong><br />
notaria<strong>do</strong> continuou com o impera<strong>do</strong>r bizantino Leão VI, que exigia para o exercício<br />
da atividade pessoas qualificadas, conhece<strong>do</strong>ras das leis, peritos na escrita,<br />
habili<strong>do</strong>sos na comunicação, probas, de raciocínio rápi<strong>do</strong> e ainda que tivesse em<br />
20
mãos os quarenta títulos <strong>do</strong> manual das leis, e conhecesse os sessenta livros e as<br />
regras para não cometer erros nas escrituras ou equivocar-se nas palavras 11 .<br />
Nesse contexto histórico há o surgimento <strong>do</strong> direito canônico<br />
medieval e ocorre um importante processo de sistematização da atividade notarial<br />
com a sedimentação <strong>do</strong> uso de fórmulas sacramentais para a confecção de<br />
instrumentos públicos.<br />
1.1.4.1 Direito Canônico<br />
O Direito é uma ciência que surgiu como forma de atender aos<br />
anseios sociais e garantir a convivência em sociedade. Antes <strong>do</strong> século XI não havia<br />
uma separação definida entre o Direito e outros mecanismos de controle <strong>social</strong>,<br />
pode-se afirmar que o Direito estava intrinsecamente liga<strong>do</strong> à idéia de regras morais<br />
e costumes sociais muitas vezes liga<strong>do</strong>s à religião.<br />
O Direito somente ganhou autonomia, transforman<strong>do</strong>-se em um<br />
corpo estrutura<strong>do</strong> de princípios e regras com a Reforma Gregoriana no século XI,<br />
que teve início no século X com o movimento monástico de Cluny. A reforma buscou<br />
a independência das autoridades eclesiásticas, separan<strong>do</strong> a esfera temporal da<br />
espiritual.<br />
Antes da reforma havia apenas normas eclesiásticas, sem<br />
autonomia, regidas pelos princípios eclesiásticos e intrinsecamente ligadas à<br />
atividade exercida pela igreja. Com a reforma há a sistematização e estruturação de<br />
normas autônomas de caráter jurídico, que deveriam reger a vida da igreja,<br />
denomina<strong>do</strong> Direito Canônico, considera<strong>do</strong> primeiro sistema jurídico ocidental<br />
moderno.<br />
Posteriormente ao surgimento <strong>do</strong> Direito Canônico houve o<br />
surgimento de sistemas jurídicos não eclesiásticos, como o mercantil, o feudal, o<br />
senhorial, conheci<strong>do</strong>s como sistemas jurídicos seculares.<br />
11 Os quarenta livros compreendiam toda a legislação romana, compendiada em sessenta livros por<br />
Basílio Macedón (apud Cláudio Martins, Teoria e prática <strong>do</strong>s atos notariais, Rio de Janeiro:<br />
Forense, 1979, p. 9).<br />
21
Em Roma a Igreja Católica constituía um <strong>do</strong>s pilares de sustentação<br />
<strong>do</strong> império romano e nesse contexto de expansão <strong>do</strong> império com participação ativa<br />
da Igreja o Direito Canônico tem uma <strong>função</strong> importante para o desenvolvimento e<br />
organização da sociedade romana e também para o notaria<strong>do</strong> de Roma.<br />
O Direito Canônico contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento<br />
e prestígio da atividade notarial como revela João Mendes de Almeida Júnior:<br />
Na ordem eclesiástica, desde os primeiros tempos da Era Cristã,<br />
achamos alguns oficiais que traziam o nome de – notarii. Eram êstes<br />
os notarii regionarii, <strong>notário</strong>s regionais, instituí<strong>do</strong>s pelo Papa S.<br />
Clemente, no ano 98, os quais eram distribuí<strong>do</strong>s pelas sete regiões<br />
eclesiásticas, e tinham o encargo de receber os atos <strong>do</strong>s mártires, de<br />
anunciar ao povo as procissões, as preces, etc.; os <strong>notário</strong>s <strong>do</strong><br />
tesouro da Igreja, chama<strong>do</strong>s também scriniarii, e os proto<strong>notário</strong>s<br />
apostólicos, instituí<strong>do</strong>s pelo Papa Júlio I na primeira metade <strong>do</strong><br />
século IV. Êstes últimos se chamavam – participantes, e gozavam de<br />
algum privilégio, como por exemplo, <strong>do</strong> direito a uma parte das taxas<br />
pagas à chancelaria romana pela expedição <strong>do</strong>s atos e ad instar<br />
participantium, se êste título era concedi<strong>do</strong> por mera honorificência 12 .<br />
A influência <strong>do</strong>s Papas na atividade notarial trouxe grande prestígio<br />
para essa classe, respeitada por toda sociedade por estar revestida de caráter<br />
sacer<strong>do</strong>tal. A fé pública que estava investi<strong>do</strong> o <strong>notário</strong> possuía um caráter religioso<br />
imputa<strong>do</strong> pela Igreja Católica, que conferia mais credibilidade a esses profissionais<br />
perante a sociedade.<br />
O Direito Canônico foi o precursor <strong>do</strong> registro civil das pessoas<br />
naturais e também, identificam-se traços de origem <strong>do</strong> registro de imóveis.<br />
A administração pela Igreja Católica em Roma <strong>do</strong>s sacramentos de<br />
batismo, matrimônio e extrema-unção deram origem aos assentamentos a cargo <strong>do</strong>s<br />
curas d’almas <strong>do</strong>s nascimentos, casamentos e óbitos ocorri<strong>do</strong>s, poden<strong>do</strong> ser<br />
considera<strong>do</strong> o berço da atividade de registro civil de pessoas naturais.<br />
12 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 53-54.<br />
22
Em Roma iniciou-se o tombamento de bens eclesiásticos para<br />
proteção da igreja católica e o registro desses tombamentos para fins de publicidade<br />
e segurança jurídica fomentou o registro das propriedades, que num primeiro<br />
momento eram efetua<strong>do</strong>s sob a égide da igreja católica e posteriormente dan<strong>do</strong><br />
origem ao serviço de registro de imóveis.<br />
A forte ligação da atividade notarial à igreja católica deve-se também<br />
ao fato de serem as pessoas ligadas ao clero <strong>do</strong>tadas de vasto conhecimento,<br />
inclusive jurídico, <strong>do</strong>minan<strong>do</strong> a escrita, e, desta forma, garantin<strong>do</strong> a confecção de<br />
instrumentos de eleva<strong>do</strong> nível técnico e <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de perfeição nas formas.<br />
Cumpre-se destacar, que a influência <strong>do</strong> clero não se restringiu<br />
apenas à atividade notarial e registral, pois no âmbito judicial também tiveram uma<br />
participação expressiva em face da grande quantidade de pessoas iletradas que<br />
havia em Roma, carecen<strong>do</strong> o foro judicial de pessoas cultas e preparadas como os<br />
cânones, que exerciam grande parte das funções judiciais.<br />
O direito canônico foi responsável por regularizar a forma escrita,<br />
tanto no foro judicial como no extrajudicial, sanean<strong>do</strong> as incorreções e essas formas<br />
canônicas introduzidas são conservadas, com as devidas atualizações, em muitos<br />
países até hoje como em Portugal, na Espanha, na Itália, na França, na Alemanha e<br />
também no Brasil.<br />
1.2 Atividade notarial no perío<strong>do</strong> contemporâneo<br />
A atividade notarial ao longo da história passou por diversas fases,<br />
alternan<strong>do</strong> momentos de reconhecimento e prestígio com momentos de decadência,<br />
como ocorreu na Idade Média, com a instituição <strong>do</strong> feudalismo. Nesse momento<br />
histórico a atividade notarial sofreu grande perda, pois com o <strong>do</strong>mínio e poder<br />
concentra<strong>do</strong> nas mãos <strong>do</strong>s senhores feudais, que inclusive validavam os atos<br />
notariais, a seleção <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s não levava em consideração <strong>sua</strong> aptidão para a<br />
escrita e seu conhecimento jurídico, mas sim, <strong>sua</strong> influência política.<br />
23
Após essa fase de degeneração o notaria<strong>do</strong> volta a ganhar vida,<br />
conforme os ensinamentos de Leonar<strong>do</strong> Brandelli:<br />
No século XIII, na Itália, mais precisamente na Universidade de<br />
Bolonha, com a instituição de um curso especial, a arte notarial<br />
tomou um incremento tal a ponto de os autores considerarem-na a<br />
pedra angular <strong>do</strong> ofício de notas <strong>do</strong> tipo latino, ten<strong>do</strong> acrescenta<strong>do</strong><br />
uma base científica ao notaria<strong>do</strong> 13 .<br />
A Universidade de Bolonha era um centro de estu<strong>do</strong>s e<br />
ensinamento <strong>do</strong> direito romano, onde jurisconsultos medievais traduziam e<br />
interpretavam o Corpus Juris Civilis, fazen<strong>do</strong> anotações à margem <strong>do</strong> texto romano<br />
chamadas de glosas.<br />
Com a Escola de Bolonha o notaria<strong>do</strong> experimentou grande<br />
<strong>evolução</strong>, aprimoran<strong>do</strong>-se até os dias de hoje e delinean<strong>do</strong> <strong>sua</strong>s características de<br />
pacifica<strong>do</strong>r de conflitos, garantin<strong>do</strong> a segurança jurídica necessária para o<br />
desenvolvimento <strong>social</strong> e econômico das sociedades.<br />
1.2.1Notaria<strong>do</strong> Francês<br />
Na origem <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> na França a atividade de formalização <strong>do</strong>s<br />
atos era confundida com a de fazer justiça, pois o <strong>notário</strong> executava funções em<br />
nome <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>. Luís IX vislumbran<strong>do</strong> esta confusão seguiu os ensinamentos<br />
da obra de Carlos Magno e separou em Paris a <strong>função</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> de formalizar a<br />
vontade das partes, denominada de jurisdição voluntária, da verdadeira jurisdição,<br />
identificada na <strong>função</strong> <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong> de fazer justiça, tornan<strong>do</strong> independentes essas<br />
funções e em 1302, Felipe, o Belo, estendeu esta modificação a to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mínios e<br />
em julho de 1304 determinou que to<strong>do</strong>s os <strong>notário</strong>s, com exceção <strong>do</strong>s parisienses,<br />
tivessem um registro de seus atos. A obrigatoriedade deste registro só foi estendida<br />
aos <strong>notário</strong>s de Paris em dezembro de 1437, por Carlos VII.<br />
Neste perío<strong>do</strong> os <strong>notário</strong>s formaram órgãos colegia<strong>do</strong>s e compilaram<br />
seus estatutos, fundan<strong>do</strong> o primeiro colégio de Paris, em 1348.<br />
13 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11.<br />
24
Francisco I, em 1542, por um edito fez a distinção <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e <strong>do</strong>s<br />
tabeliães. O edito proibia a cumulação das funções de <strong>notário</strong> e de tabelião, exceto<br />
para os <strong>notário</strong>s de Paris. Segun<strong>do</strong> as disposições <strong>do</strong> edito os <strong>notário</strong>s seriam<br />
responsáveis apenas pela lavratura das minutas de contrato, que tinham valor de<br />
simples convenção privada e que somente ganhariam força de instrumento público<br />
depois de leva<strong>do</strong>s ao tabelião que tinha o encargo de conservar o <strong>do</strong>cumento e dar<br />
cópias às partes.<br />
Também nesta época foi determina<strong>do</strong> o caráter venal <strong>do</strong>s ofícios,<br />
sen<strong>do</strong> para certos efeitos equipara<strong>do</strong>s a bens imóveis, e a <strong>sua</strong> hereditariedade, que<br />
significou grande perda para a classe notarial, já que com a natureza imobiliária e<br />
transmissibilidade hereditária <strong>do</strong> ofício notarial a <strong>função</strong> já não era exercida apenas<br />
por pessoas preparadas e vocacionadas, mas sim, pelos herdeiros, independente de<br />
<strong>sua</strong> aptidão.<br />
Contu<strong>do</strong>, foi apenas com a R<strong>evolução</strong> Francesa que o notaria<strong>do</strong><br />
ganhou os contornos que possui atualmente.<br />
João Mendes de Almeida Júnior leciona:<br />
A Assembléia Nacional Constituinte, pelo Decreto de 29 de setembro<br />
de 1791, confirma<strong>do</strong> a 6 de outubro <strong>do</strong> mesmo ano pela assembléia<br />
legislativa, estabeleceu nova organização <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong>. Por êsse<br />
decreto, dividi<strong>do</strong> em cinco capítulos, foi abolida a venalidade e<br />
hereditariedade <strong>do</strong>s ofícios notariais; suprimi<strong>do</strong>s os <strong>notário</strong>s públicos,<br />
encarrega<strong>do</strong>s de lavrar os atos de <strong>sua</strong> competência e de imprimir-lhe<br />
o caráter de autenticidade próprio <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos públicos. A <strong>sua</strong><br />
instituição era vitalícia e não podiam ser demiti<strong>do</strong>s senão por<br />
prevaricação; a determinação <strong>do</strong> número e residência <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s<br />
foi reservada ao poder legislativo, ao qual devia para isso servir de<br />
base, nas cidades, a população e, nos campos, a distância <strong>do</strong>s<br />
centros populosos e a extensão <strong>do</strong> território combinadas com a<br />
população. Foi prescrita aos <strong>notário</strong>s a obrigação de residência e<br />
foram habilita<strong>do</strong>s a exercitar as <strong>sua</strong> funções dentro de to<strong>do</strong> o<br />
departamento para o qual eram nomea<strong>do</strong>s. Foi declara<strong>do</strong> que os<br />
25
atos notaria<strong>do</strong>s seriam executórios em to<strong>do</strong> o reino, ainda que<br />
fossem impugna<strong>do</strong>s por falsidade até julgamento definitivo 14 .<br />
Além das mudanças citadas acima, outras ainda ocorreram na<br />
atividade notarial, como o reconhecimento da firma <strong>do</strong> <strong>notário</strong> pelo juiz <strong>do</strong> tribunal ao<br />
qual estivesse vincula<strong>do</strong> para a execução de ato que ocorresse fora de <strong>sua</strong><br />
circunscrição, prestação de caução em dinheiro, pelo <strong>notário</strong>, deposita<strong>do</strong> no tesouro<br />
nacional, para o exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> e que os ofícios seriam provi<strong>do</strong>s por<br />
concurso, ten<strong>do</strong> o candidato que preencher uma série de requisitos, como a prática.<br />
Após as estipulações acima referidas foi editada a lei de 25 Ventoso<br />
<strong>do</strong> ano de XI, de 16 de março de 1803, que estabeleceu nova organização ao<br />
notaria<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong> repetin<strong>do</strong> muitas das disposições da R<strong>evolução</strong> Francesa.<br />
João Mendes de Almeida Júnior 15 relata que os <strong>notário</strong>s franceses<br />
são funcionários públicos vitalícios, deven<strong>do</strong> residir no local determina<strong>do</strong> pelo<br />
governo e tem competência para dar forma à vontade das partes, lavran<strong>do</strong> atos e<br />
contratos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de autenticidade, asseguran<strong>do</strong> <strong>sua</strong> data, além de serem<br />
responsáveis pela <strong>sua</strong> guarda e conservação, poden<strong>do</strong> expedir cópias. São<br />
obriga<strong>do</strong>s a exercer seu mister sempre que necessário, salvo justo impedimento,<br />
sob pena de demissão <strong>do</strong> cargo, contu<strong>do</strong>, vedada a <strong>sua</strong> prática fora de <strong>sua</strong><br />
circunscrição.<br />
Outra importante inovação foi a proibição da lavratura de atos pelos<br />
<strong>notário</strong>s em que houvesse interesse próprio ou em que fossem interessa<strong>do</strong>s os seus<br />
consangüíneos e afins em linha reta em qualquer grau e em linha colateral até o<br />
grau de primo e de tio.To<strong>do</strong>s os atos eram lavra<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>is <strong>notário</strong>s ou um <strong>notário</strong><br />
assisti<strong>do</strong> por duas testemunhas, cidadãos franceses <strong>do</strong>micilia<strong>do</strong>s na comuna onde<br />
fosse lavra<strong>do</strong> o ato. Os impedimentos acima relata<strong>do</strong>s também se estendiam para<br />
as testemunhas e para os escreventes <strong>do</strong> <strong>notário</strong>. Não podiam figurar no mesmo ato<br />
<strong>do</strong>is <strong>notário</strong>s parentes ou alia<strong>do</strong>s em grau proibi<strong>do</strong>. As partes deveriam ser<br />
conhecidas <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, assim como <strong>sua</strong> residência, pois caso contrário, essas<br />
informações deveriam ser atestadas por duas testemunhas.<br />
14 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 87.<br />
15 Ibidem, p. 89.<br />
26
Os atos notariais na França eram <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de autenticidade e<br />
gozavam de fé pública, possuin<strong>do</strong> força executória em to<strong>do</strong> território <strong>do</strong> país, salvo<br />
se houvesse suspeita de falsidade, poden<strong>do</strong> a execução ser suspensa pelo juiz ou<br />
pelo tribunal. Esses atos notariais eram protegi<strong>do</strong>s, pois o <strong>notário</strong> era obriga<strong>do</strong> a<br />
guardar a minuta <strong>do</strong>s atos que praticasse, com algumas exceções e somente<br />
poderiam dar conhecimento ou expedição <strong>do</strong>s atos às pessoas diretamente<br />
interessadas ou cumprin<strong>do</strong> manda<strong>do</strong> <strong>do</strong> presidente <strong>do</strong> tribunal de primeira instância.<br />
Com todas as mudanças inauguradas pela R<strong>evolução</strong> Francesa o<br />
notaria<strong>do</strong> francês ganhou novos contornos, mais próximos <strong>do</strong>s atuais e continuou<br />
<strong>sua</strong> <strong>evolução</strong> acompanhan<strong>do</strong> as novas tendências sociais.<br />
1.2.2Notaria<strong>do</strong> Espanhol<br />
Passan<strong>do</strong> a analisar o notaria<strong>do</strong> espanhol, nos dias atuais pode-se<br />
afirmar que é, provavelmente, o mais desenvolvi<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e esta situação se<br />
justifica pela grande importância que ao longo de <strong>sua</strong> história foi dada a essa classe<br />
de profissionais.<br />
informações de que:<br />
Sobre a origem <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> na Espanha Leonar<strong>do</strong> Brandelli, traz<br />
Dividida em diversos reinos e em luta contra os mouros, a Espanha<br />
regulava-se pelo Fuero Juzgo, pelo Fuero Real e pela Lei das Sete<br />
Partidas, dentre outras. O Fuero Juzgo era o código das leis, no qual<br />
se fundiram o Código de Eurico e o de Alarico, publica<strong>do</strong> no ano de<br />
654 e que fazia menção aos <strong>notário</strong>s reais 16 .<br />
O Fuero Real, elabora<strong>do</strong> em 1255 por Alfonso X, o Sábio, veio para<br />
remediar a fragmentação legislativa em seus reinos, por meio de um código único.<br />
Aqui se encontra o primeiro precedente da forma notarial no testamento outorga<strong>do</strong><br />
com a intervenção <strong>do</strong> <strong>notário</strong> e, por isso, é considera<strong>do</strong> a origem da instituição na<br />
Espanha 17 .<br />
16 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 15.<br />
17 VALLE, Germán Fabra. Código de legislación notarial. Madri: Neo Ediciones, 1990, p. 12. (apud,<br />
BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 15).<br />
27
A lei das Sete Partidas (1256-1263), obra de relevante valor jurídico<br />
dedica uma parte aos <strong>notário</strong>s, dispon<strong>do</strong> sobre os princípios aplica<strong>do</strong>s à atividade,<br />
sobre os requisitos exigi<strong>do</strong>s para ser <strong>notário</strong>, como ser livre, cristão, de boa fama,<br />
probidade, ter habilidade para a escrita, viver perto <strong>do</strong> seu local de trabalho para<br />
conhecer melhor as pessoas, dentre outros requisitos.<br />
Outra importante lei que disciplinou a atividade notarial foi a Lei <strong>do</strong><br />
Notaria<strong>do</strong> espanhola, de 28 de maio de 1862, que se encontra vigente até hoje.<br />
Após essa data tiveram quatro regulamentos sobre a atividade notarial e por fim, o<br />
Decreto de 2 de junho de 1944, que regulamentou a organização e regime <strong>do</strong><br />
notaria<strong>do</strong>.<br />
texto da obra de João Mendes:<br />
Pode-se notar claramente a importância <strong>do</strong> <strong>notário</strong> na Espanha no<br />
Em Espanha, disse MORCILLO Y LEÓN, pessoas, autoridades,<br />
tribunais, e demais poderes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, prestam ao <strong>notário</strong> tôda a<br />
consideração que merece o caráter de um funcionário público; nas<br />
funções cívicas e nas solenidades <strong>do</strong> Tribunais ocupa um pôsto<br />
imediatamente depois da toga <strong>do</strong> jurisconsulto; os contratos<br />
encontram nêle a garantia de <strong>sua</strong> eficácia; êle conserva e mantém o<br />
depósito sagra<strong>do</strong> das convenções; as últimas vontades, sancionadas<br />
por seu intermédio, se convertem em preceitos e leis; os direitos <strong>do</strong><br />
órfão encontram nêle inexpugnável fortaleza, o filho natural<br />
consegue por <strong>sua</strong> mão a paternidade que a tão alta consideração o<br />
eleva na família; o Esta<strong>do</strong> assegura por meio dêle essa troca<br />
incessante de prestações recíprocas, que nascem, desenvolvem-se<br />
e morrem ao calor da convenção; a sociedade considera nêle um<br />
contrapêso exato que mantém em constante equilíbrio as fôrças<br />
opostas resultantes <strong>do</strong> incessante torvelinho <strong>do</strong>s interêsses priva<strong>do</strong>s;<br />
e o homem, enfim, na esfera de <strong>sua</strong> liberdade individual, encontra<br />
nêle um instrumento seguro para regular as condições que hajam de<br />
ligá-lo à família, a seus semelhantes, aos bens materiais, a tôdas as<br />
relações que, já no fun<strong>do</strong>, já na forma, constituem <strong>sua</strong> maneira de<br />
ser na vida cível 18 .<br />
18 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 77-78.<br />
28
Os <strong>notário</strong>s eram responsáveis por lavrar instrumentos que não<br />
fossem de competência de autoridade judiciária, poden<strong>do</strong> fornecer expedições,<br />
certidões e extratos e ainda, formalizavam o protocolo, que era a reunião <strong>do</strong>s atos<br />
originais (las escrituras matrices), lavra<strong>do</strong>s no decurso de um ano e organiza<strong>do</strong>s por<br />
ordem cronológica.<br />
Na Espanha o ministro da justiça exercia a <strong>função</strong> de <strong>notário</strong><br />
supremo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e era responsável pela autenticação <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> rei e de <strong>sua</strong><br />
família.<br />
Na Espanha, assim como ocorre no Brasil, a atividade registral e<br />
notarial é uma <strong>função</strong> pública exercida em caráter priva<strong>do</strong>, o que contribui muito<br />
para o aprimoramento dessa <strong>função</strong>.<br />
Atualmente, pode-se dizer que o notaria<strong>do</strong> espanhol é um <strong>do</strong>s mais<br />
desenvolvi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e isto decorre <strong>do</strong> fato de que na Espanha a atividade<br />
notarial é reconhecida como essencial para a manutenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e desde <strong>sua</strong><br />
origem teve a necessária atenção <strong>do</strong>s governantes e <strong>do</strong>s legisla<strong>do</strong>res. A sociedade<br />
reconhece na figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong> peça fundamental para o equilíbrio das relações<br />
privadas.<br />
O grande diferencial <strong>do</strong> <strong>notário</strong> espanhol é o seu avanço na <strong>função</strong><br />
de assessoramento jurídico imparcial das partes que é exercida de forma brilhante.<br />
1.2.3Notaria<strong>do</strong> Italiano<br />
A Itália teve grande participação no aperfeiçoamento da atividade<br />
notarial. Contribuiu de maneira expressiva com a Escola de Bolonha que deu vida<br />
novamente ao direito romano por meio da interpretação da legislação romana e das<br />
anotações feitas pelos glosa<strong>do</strong>res, comentan<strong>do</strong> a legislação.<br />
Após a R<strong>evolução</strong> Francesa a Itália era um país composto por<br />
regiões políticas que possuiam <strong>sua</strong> própria legislação, não haven<strong>do</strong> qualquer<br />
uniformidade no exercício da jurisdição e na atividade notarial, que era regida por<br />
29
dez leis distintas, todas confeccionadas seguin<strong>do</strong> os passos <strong>do</strong> 25 Ventoso <strong>do</strong> ano<br />
XI.<br />
Com a unificação política houve a uniformização da legislação de<br />
to<strong>do</strong> o país, de <strong>sua</strong>s instituições judiciárias, das ordens <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s<br />
procura<strong>do</strong>res. Entretanto, a atividade notarial continuou à deriva das leis esparsas<br />
existentes.<br />
Os <strong>notário</strong>s necessitavam de uma lei orgânica que fosse aplicada<br />
em to<strong>do</strong> o território nacional uniformemente e esta lei era importante não só para o<br />
melhor exercício da atividade, mas também para resgatar o prestígio desses<br />
profissionais que enfrentavam inúmeros problemas decorrentes da falta de<br />
legislação uniforme.<br />
Depois da confecção de diversos projetos de lei disciplinan<strong>do</strong> a<br />
atividade notarial, foi aprovada em 25 de julho de 1875 a esperada lei que<br />
disciplinou a atividade notarial em toda a Itália, entran<strong>do</strong> em vigor em 1 de janeiro de<br />
1876.<br />
Contu<strong>do</strong> a referida lei não teve o efeito que se esperava de sanar os<br />
problemas decorrentes da falta de uniformidade da legislação notarial, pois cada<br />
região <strong>do</strong> país possuia uma atividade notarial pautada em princípios distintos e desta<br />
forma, a lei que fez a unificação não atendeu aos anseios e às necessidades das<br />
diveresas regiões.<br />
Para realizar de forma mais efetiva a unificação da atividade notarial<br />
foi confecciona<strong>do</strong> projeto de lei trazen<strong>do</strong> importantes modificaçães à lei de 25 de<br />
julho de 1875, que foi aprova<strong>do</strong>, após várias emendas feitas pela Câmara <strong>do</strong>s<br />
Deputa<strong>do</strong>s e pelo Sena<strong>do</strong> e entran<strong>do</strong> em vigor em 1 de maio de 1879. O governo<br />
autoriza<strong>do</strong> pela nova redação da lei <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s consoli<strong>do</strong>u a lei de 25 de julho de<br />
1875, a tarifa e seu regulamento de 19 de dezembro de 1875, de acor<strong>do</strong> com os<br />
aditamentos feitos, dan<strong>do</strong> origem ao Decreto n. 6.900 de 25 de maio de 1879, um<br />
texto único, que reoganizou toda a atividade notarial e a disciplinou de forma<br />
detalhada em seis títulos.<br />
30
No primeiro título estão as disposições gerais, declaran<strong>do</strong> que os<br />
<strong>notário</strong>s são oficiais públicos, incumbi<strong>do</strong>s de lavrar instrumentos por ato de última<br />
vontade ou inter vivos assistin<strong>do</strong> às partes, dan<strong>do</strong> forma jurídica, atribuin<strong>do</strong><br />
autenticidade por meio de <strong>sua</strong> fé pública, conservan<strong>do</strong> os instrumentos feitos para<br />
deles extrair cópias, certidões e extratos.<br />
O segun<strong>do</strong> título tratou <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s, especificamente sobre os<br />
requisitos para assumir a <strong>função</strong>, <strong>sua</strong>s obrigações e as <strong>sua</strong>s principais<br />
características, como a vitaliciedade.<br />
Na sequência, o terceiro título tratou <strong>do</strong>s atos notariais. O quarto<br />
título disciplinou sobre os colégios, conselhos e arquivos notarias. O quinto título<br />
trouxe regras sobre vigilância aos <strong>notário</strong>s, conselhos, arquivos penas e processos<br />
disciplinares e reabilitação. E por fim, o sexto título tratou das disposições<br />
transitórias.<br />
Posteriormente, para acompanhar a <strong>evolução</strong> <strong>social</strong> e atualizar a<br />
atividade notarial italiana foi editada a lei 89, de 16 de fevereiro de 1913,<br />
complementada pelo regulamento n. 1.326, de 10 de setembro de 1914, com<br />
algumas modificações posteriores, que constitui o cerne da legislação notarial<br />
Italiana.<br />
A atual legislação italiana sobre a atividade notarial dispõe que o<br />
<strong>notário</strong> é um particular exercen<strong>do</strong> uma <strong>função</strong> pública, permitida a livre concorrência<br />
para obterem <strong>sua</strong> renda, responden<strong>do</strong> pessoalmente por todas as imperfeições, sem<br />
comprometer o Esta<strong>do</strong> no exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong>, são fiscaliza<strong>do</strong> pelos Colégios<br />
Notariais, representa<strong>do</strong>s por seus Conselhos superintendi<strong>do</strong>s pelo Ministro da<br />
Justiça.<br />
Pode-se concluir que pelas características descritas na lei o <strong>notário</strong><br />
italiano está entre os <strong>notário</strong>s mais avança<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s<br />
espanhóis.<br />
31
1.2.4 Notaria<strong>do</strong> Alemão<br />
A Alemanha experimentou grande perío<strong>do</strong> de obscuridade na<br />
atividade notarial em decorrência <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio feudal. No feudalismo a atividade<br />
notarial foi muito desprestigiada e perdeu a confiança da população, pois o os<br />
grandes feudatários da coroa e os condes palatinos direcionavam a atividade de<br />
acor<strong>do</strong> com seus interesses.<br />
século XIII.<br />
A atividade notarial voltou a gozar de algum prestigio somente no<br />
João Mendes de Almeida Júnior ensina:<br />
No século XIII, quan<strong>do</strong> alí começou a ser estuda<strong>do</strong> o Direito<br />
Romano, para o exercício <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> eram exigidios os mesmos<br />
requisistos prescritos para os <strong>notário</strong>s italianos; mas, por outro la<strong>do</strong>,<br />
não só eram instituí<strong>do</strong>s os colégios ou corporações de <strong>notário</strong>s,<br />
como era o seu ofício muito dependente <strong>do</strong>s juízes e tribunais 19 .<br />
Entretanto, a população não estava satisfeita com as mudanças<br />
ocorridas e principalmente a classe jurídica, como os advoga<strong>do</strong>s, jurisconsultos e<br />
juízes clamavam por uma modificação estrutural da atividade.<br />
Em 8 de outubro de 1512 foi publicada em Colônia a Constituição <strong>do</strong><br />
Impera<strong>do</strong>r Maximiliano I, trazen<strong>do</strong> profundas mudanças para a atividade notarial.<br />
Dentre as mudanças mais significativas pode-se destacar a<br />
proibição de pessoas improbas exerceram a atividade de notas, a obediência pelos<br />
<strong>notário</strong>s de regras na confecção <strong>do</strong>s instrumentos, como a obrigação de fazer<br />
menção aos cancelamentos, interlinhas e postilas, proibição de fazer abreviaturas ou<br />
utilização de palavras obscuras, estipulou ainda, regras para substituição <strong>do</strong> <strong>notário</strong><br />
no caso de legítimo impedimento, e obrigatoriedade de intervenção das testemunhas<br />
em to<strong>do</strong>s os atos.<br />
19 Ibidem, p. 66.<br />
32
Contu<strong>do</strong>, as mudanças realizadas não foram suficientes para<br />
sustentar o prestígio da atividade notarial e no século XVIII houve grande<br />
decadência dessa classe de profissionais. Nesse perío<strong>do</strong> os instrumentos<br />
confecciona<strong>do</strong>s pelos <strong>notário</strong>s sequer tinham força de instrumento público, somente<br />
sen<strong>do</strong> considera<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos públicos os protestos de câmbio.<br />
Atualmente na Alemanha a atividade notarial não possui o mesmo<br />
prestígio que existe em outros países da Europa como Portugal, Espanha e Itália,<br />
pois o país é dividi<strong>do</strong> em Esta<strong>do</strong>s-membros (bundeslander) que são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de<br />
autonomia legislativa, e, deste mo<strong>do</strong>, cada Esta<strong>do</strong>-membro possui um norma<br />
relativa às atividades notariais, dan<strong>do</strong> origem na Alemanha a três subtipos de<br />
<strong>notário</strong>s, cada um com <strong>sua</strong>s características peculiares.<br />
O primeiro subtipo é o notaria<strong>do</strong> livre e <strong>sua</strong>s características são bem<br />
definidas por Hercules Alexandre da Costa Benício:<br />
O notaria<strong>do</strong> livre (a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> em unidades como Macklenburg-<br />
Vorpommern, Sachsen-Anhalt, Bremen e Thuringen) não representa<br />
autoridade pública nem órgão estatal. A <strong>função</strong> é desempenhada em<br />
nome <strong>do</strong> <strong>notário</strong> e, por isso, o tabelionato não tem existência<br />
independente de seu titular. Como profissional, o <strong>notário</strong> tem a<br />
faculdade de declarar a validade <strong>do</strong>s atos jurídicos, mediante o<br />
exercício da fé pública, reduzin<strong>do</strong>-se <strong>sua</strong> atividade oficial a<br />
autenticações e consultoria. Nessas regiões, o tabelião exerce<br />
<strong>função</strong> notarial concomitantemente com a advocacia e pela duração<br />
<strong>do</strong> exercício de <strong>sua</strong> licença de advoga<strong>do</strong> (este é o regime <strong>do</strong><br />
chama<strong>do</strong> Anwaltsnotar) 20 .<br />
A denominação “notaria<strong>do</strong> livre” decorre <strong>do</strong> fato de que não gozam<br />
de exclusividade de atribuição, de que não possuem uma demarcação territorial de<br />
exercício, nem limitação quanto ao número de profissionais que podem atuar, pois a<br />
pessoa que pretende o exercício da <strong>função</strong> e preencher os requisitos legais será<br />
designada para a atividade.<br />
20 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Decorrente de Atos<br />
Notariais e de Registro. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2005, p. 59.<br />
33
O notaria<strong>do</strong> restrito é aquele que mais se aproxima <strong>do</strong> <strong>notário</strong> latino,<br />
pois exerce uma <strong>função</strong> pública em caráter priva<strong>do</strong>, depende de criação pelo Esta<strong>do</strong><br />
da Unidade de Serviço e de <strong>sua</strong> nomeação para o exercício da <strong>função</strong>, possuin<strong>do</strong><br />
atribuição exclusiva para prática de atos previstos em lei.<br />
Por fim, o notaria<strong>do</strong> é composto por titulares das serventias judiciais,<br />
pertencentes à magistratura e o tabelionato é considera<strong>do</strong> orgão estatal. Possuem<br />
atribuições para a prática de funções públicas, como a lavratura de testamentos,<br />
execuções de sentença e o registro de propriedade, podem invocar as prerrogativas<br />
<strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>s e são nomea<strong>do</strong>s pelo Ministério da Justiça e pagos pelo Esta<strong>do</strong>,<br />
independentemente da atividade realizada 21 .<br />
Conclui-se que a Alemanha possui um modelo peculiar de atividade<br />
notarial, em face da divisão política e da autonomia legislativa <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s-membros<br />
e por isso, destoan<strong>do</strong> da tendência européia de fortalecimento dessa classe<br />
profissional.<br />
1.2.5Notaria<strong>do</strong> Português<br />
Sobre o início da atividade notarial em Portugal paira alguma<br />
divergência. Segun<strong>do</strong> os ensinamentos de Mello Freire, em <strong>sua</strong> obra Historia Juris<br />
Civilis Lusitani, no início da monarquia não havia a figura <strong>do</strong> tabelião, escrevente ou<br />
qualquer outro profissional responsável pela instrumentalização da vontade das<br />
partes, pois esses instrumentos eram confecciona<strong>do</strong>s pelas próprias partes e os<br />
conflitos de interesses decorrentes desses instrumentos eram dirimi<strong>do</strong>s por pessoas<br />
probas e boas, não haven<strong>do</strong> sequer a figura de juízes.<br />
Entretanto, o notável tabelião de notas de Lisboa, Jorge Camelier,<br />
defende que no princípio da monarquia portuguesa a atividade notarial era regida<br />
pelo Código Visigótico, levemente altera<strong>do</strong> pelos forais e pelas côrtes e que as<br />
primeiras disposições sobre <strong>notário</strong>s em Portugal foram importadas <strong>do</strong> Direito<br />
Romano e também da Escola de Bolonha no reina<strong>do</strong> de Afonso III (1283) e<br />
revestiram o cargo de caráter oficial e investiram o <strong>notário</strong> de fé pública.<br />
21 Ibidem, p. 59.<br />
34
Disciplinan<strong>do</strong> a matéria referente aos foros judiciais e extrajudiciais<br />
vieram no século XV as Ordenações Afonsinas (1447), seguida das Ordenações<br />
Manoelinas (1521) e das Ordenações Filipinas (1604).<br />
Relata-se que o notaria<strong>do</strong> português passou por longo perío<strong>do</strong> sem<br />
inovações, preso às regras antigas e inadequadas para a nova realidade, que gerou<br />
a insatisfação da classe que reivindicava constantemente reformas legislativas.<br />
Em resposta às reivindicações foi promulga<strong>do</strong> o Decreto de 23 de<br />
dezembro de 1899, crian<strong>do</strong> o Conselho Superior <strong>do</strong> Notaria<strong>do</strong> e também dispon<strong>do</strong><br />
sobre regras importantes para o avanço da atividade notarial como estipulação de<br />
número de ofícios, regras para seu aumento ou supressão, garantiu estabilidade e<br />
independência <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s, exigiu i<strong>do</strong>neidade moral e civil, preparação jurídica para<br />
o exercício <strong>do</strong> cargo, pois foram incluí<strong>do</strong>s na categoria de magistra<strong>do</strong> de jurisdição<br />
voluntária, além de garantir prerrogativas de inamovabilidade e independência<br />
funcional.<br />
Na <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong> <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> lusitano foi promulga<strong>do</strong> o Decreto<br />
de 14 de setembro de 1900, que acarretou mudanças na atividade, pois deixou de<br />
considerar os <strong>notário</strong>s magistra<strong>do</strong>s de jurisdição voluntária e passou a considerá-los<br />
funcionário públicos. Outro Decreto importante para a história <strong>do</strong> <strong>notário</strong> português<br />
foi o 12.260 de 1926 que extinguiu o Conselho Superior <strong>do</strong> Notaria<strong>do</strong> e criou o<br />
Conselho Superior Judiciário que era responsável pela fiscalização <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e<br />
que mais tarde com o Decreto Lei 35.590, de 1945 esta competência passaria para<br />
o Ministro da Justiça e à Direção-Geral <strong>do</strong>s Registros e <strong>do</strong> Notaria<strong>do</strong>.<br />
Com as inovações e reformas da legislação o <strong>notário</strong> português<br />
experimentou um importante avanço e agora estava mais próximo <strong>do</strong> modelo de<br />
<strong>notário</strong> latino europeu, entretanto havia uma última barreira a ser superada para se<br />
enquadrar neste modelo, que era a modificação da qualidade de funcionário público,<br />
que ocorreu com a edição <strong>do</strong> Decreto-Lei n. 26/2004 que privatizou o notaria<strong>do</strong><br />
português.<br />
Importante as palavras de Leonar<strong>do</strong> Brandelli sobre a nova<br />
realidade da atividade notarial em Portugal:<br />
35
Com o novo estatuto <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong>, os tabeliães portugueses<br />
ingressaram de vez no notaria<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo latino, dan<strong>do</strong> o passo que<br />
faltava rumo à <strong>sua</strong> modernização, uma vez que revesti<strong>do</strong> já das<br />
demais características essenciais para tanto, indicativas da boa<br />
<strong>evolução</strong> da <strong>função</strong> notarial. Nesse senti<strong>do</strong>, o notaria<strong>do</strong> português,<br />
além da evidente fé pública de que é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, possui uma (1)<br />
independência no labor de qualificação típica <strong>do</strong>s melhores sistemas<br />
notariais, realizan<strong>do</strong> a polícia jurídica quanto à ilicitude <strong>do</strong>s atos que<br />
pratica, além de (2) ser verdadeiro assessor jurídico das partes,<br />
receben<strong>do</strong> e moldan<strong>do</strong> a vontade destas e informan<strong>do</strong>-as sobre os<br />
efeitos jurídicos de seus atos 22 .<br />
Atualmente o <strong>notário</strong> português faz parte <strong>do</strong> grupo <strong>do</strong>s melhores<br />
notaria<strong>do</strong>s europeus, pois atua com as prerrogativas de um oficial público investi<strong>do</strong><br />
de fé pública e com a independência funcional necessária para exercer um serviço<br />
imparcial de fiscalização da licitude <strong>do</strong>s atos e de assessoramento das partes com<br />
muita qualidade.<br />
22 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 20.<br />
36
2. ATIVIDADE NOTARIAL NO BRASIL<br />
2.1 Herança portuguesa ao <strong>notário</strong> brasileiro<br />
É inegável a influência portuguesa na formação <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong><br />
brasileiro. Com as grandes navegações <strong>do</strong> governo português a figura <strong>do</strong> tabelião<br />
era constante nas grandes expedições navais para relatar os acontecimentos e para<br />
fazer o registro das formalidades oficiais de posse pelo coloniza<strong>do</strong>r das terras<br />
descobertas em nome <strong>do</strong> monarca com a fé pública que lhe era inerente, assim<br />
como para registrar a fundação de cidades.<br />
Pero Vaz de Caminha, apesar de não ser nomea<strong>do</strong> pelo monarca D.<br />
Manoel, o Venturoso, oficialmente escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, foi o<br />
primeiro <strong>notário</strong> a pisar em solo brasileiro, pois <strong>do</strong>cumentou de forma minunciosa o<br />
descobrimento <strong>do</strong> Brasil e fez o registro da posse da terra respeitan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o<br />
procedimento oficial.<br />
Com a descoberta <strong>do</strong> Brasil em 1500, o Reino de Portugal<br />
transformou a nova terra em colônia e a legislação aplicada eram as ordenações<br />
editadas pelo Rei de Portugal 23 . Por longos anos foram aplicadas no Brasil as<br />
Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas que vigoraram até o século XX.<br />
A legislação aplicada aos <strong>notário</strong>s também era toda importada de<br />
Portugal e dispunha sobre a forma como os <strong>notário</strong>s deveriam praticar os atos<br />
notariais 24 .<br />
A <strong>função</strong> exercida pelo <strong>notário</strong> no Brasil foi definida pela tradição<br />
herdada <strong>do</strong>s tempos de colônia de Portugal e também pelos fundamentos que o<br />
próprio Reino de Portugal havia enraiza<strong>do</strong> no exercício da atividade, fatos estes que<br />
23 COTRIM NETO, Alberto Bittencourt. Perspectivas da <strong>função</strong> notarial no Brasil. Porto Alegre:<br />
Colégio Notarial <strong>do</strong> Brasil – Seção <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, 1973, p. 11.<br />
24 Ensina Maria Cristina Costa Salles, a “regulamentação <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> nas colônias se deu pelo<br />
simples transplante de legislação espanhola e portuguesa para a América, trazen<strong>do</strong> para cá os<br />
mesmos defeitos de uma instituição jurídica ultrapassada, ou seja, a depreciação da lei que é a<br />
diferença entre a <strong>sua</strong> formalidade e a <strong>sua</strong> aplicabilidade” (Revista Notarial Brasileira, cit., p. 8).<br />
37
nos remetem às Ordenações Filipinas <strong>do</strong> ano de 1.603, que foram reproduzidas à<br />
época com base no Regimento <strong>do</strong>s Notários de 1.305. Essas regras foram previstas<br />
para reger os <strong>notário</strong>s no exercício da <strong>sua</strong> <strong>função</strong> e foram elaboradas a pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
rei de Portugal, D. Diniz.<br />
No início <strong>do</strong> Brasil-Colônia quem nomeava os tabeliães de notas, em<br />
uma espécie de concessão, era o Rei de Portugal, que cobrava um tributo periódico<br />
por essa nomeação conforme estava disposto nas Ordenações, mas com a<br />
instituição das Capitanias Hereditárias quem recebia estas terras, chama<strong>do</strong> de<br />
<strong>do</strong>natário, tinha a <strong>função</strong> de administrar, colonizar, proteger, desenvolver a região e<br />
também nomear os tabeliães, como resta demonstra<strong>do</strong> nos dizeres de João Mendes<br />
de Almeida Júnior: “As capitanias <strong>do</strong> Brasil tinham a atribuição de nomear tabeliães<br />
e escrivães; mas, ten<strong>do</strong> a Coroa readquiri<strong>do</strong> os direitos conferi<strong>do</strong>s aos <strong>do</strong>natários,<br />
passaram os tabeliães a ser nomea<strong>do</strong>s pelo Poder Real” 25 .<br />
A investidura no cargo de tabelião de notas era feita por <strong>do</strong>ação,<br />
tinha caráter vitalício e poderia ser transferi<strong>do</strong> por sucessão causa mortis ou por<br />
compra e venda. Essas <strong>do</strong>ações <strong>do</strong> cargo eram pautadas por interesses políticos,<br />
por vínculos de amizade e outros interesses estranhos à aptidão da pessoa<br />
escolhida, que causou grande prejuízo para a atividade, já que a maioria das<br />
pessoas escolhidas eram desprovidas de qualquer preparação para o exercício <strong>do</strong><br />
cargo.<br />
leciona Leonar<strong>do</strong> Brandelli:<br />
Houve uma tentativa de aprimoramento da atividade, conforme<br />
Em 11 de outubro de 1827, foi editada, em nosso país, uma lei<br />
regulan<strong>do</strong> o provimento <strong>do</strong>s ofícios da Justiça e Fazenda. Dita lei<br />
passou a proibir que tais ofícios se transmitissem a título de<br />
propriedade, ordenan<strong>do</strong> que fossem conferi<strong>do</strong>s a título de serventia<br />
vitalícia a pessoas <strong>do</strong>tadas de i<strong>do</strong>neidade para tanto e que<br />
servissem pessoalmente aos ofícios. A ventilada lei pecou, porém,<br />
por não exigir formação jurídica <strong>do</strong>s aspirantes aos ofícios ou nem<br />
25 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 82.<br />
38
sequer determina<strong>do</strong> tempo de prática na <strong>função</strong>, bem como por não<br />
instituir uma organização profissional corporativa 26 .<br />
Assim como o notaria<strong>do</strong> português, o brasileiro também<br />
experimentou grande perío<strong>do</strong> de engessamento, sem inovações para acompanhar<br />
as mudanças sociais e atender aos anseios da sociedade.<br />
Fazen<strong>do</strong> uma análise <strong>histórica</strong> <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> no Brasil, pode-se<br />
concluir que num primeiro perío<strong>do</strong> o ofício de notas era auferi<strong>do</strong> por <strong>do</strong>ação, era<br />
vitalício, considera<strong>do</strong> propriedade, poden<strong>do</strong> ser transferi<strong>do</strong> por seu titular com<br />
licença especial <strong>do</strong> Rei, por ato inter vivos ou causa mortis e somente havia a perda<br />
da titularidade por sentença judicial confirmada pela relação, que era o tribunal de<br />
justiça da época.<br />
Um novo perío<strong>do</strong> foi marca<strong>do</strong> pela abolição da característica de<br />
propriedade <strong>do</strong> ofício de notas. E com a Constituição Federal de 1946 ficou<br />
constitucionalizada a vitaliciedade <strong>do</strong>s titulares <strong>do</strong>s Serviços Notariais e Registrais.<br />
A classe notarial no Brasil sempre foi confundida com a <strong>do</strong>s<br />
funcionários da Justiça como demonstra Alberto Bittencourt Cotrim Neto:<br />
As nossas priscas leis de organização judiciária, máxime as que o<br />
Congresso Nacional elaborava para o Distrito Federal (...)<br />
constumavam englobar num único diploma de normas a to<strong>do</strong>s<br />
quantos, próxima ou remotamente, tinham ingerência nos serviços<br />
da Justiça. Assim é que nelas figuravam os serventuários da Justiça,<br />
stricto sensu, isto é, aqueles orgãos e pessoas que participam <strong>do</strong><br />
processo judiciário (...), ademais <strong>do</strong>s distribui<strong>do</strong>res, parti<strong>do</strong>res,<br />
conta<strong>do</strong>res, depositários públicos, porteiros de auditórios, e to<strong>do</strong> o<br />
enorme elenco <strong>do</strong>s que com propriedade são chama<strong>do</strong>s às vezes<br />
também serventuários ou funcionários da Justiça; figuravam, ainda,<br />
nas leis de organização judiciária aqueles a quem Moacyr Amaral<br />
<strong>do</strong>s Santos classificou como órgão <strong>do</strong> foro extrajudicial, isto é, os<br />
tabeliães e os oficiais de registro públicos 27 .<br />
26 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 38.<br />
27 COTRIM NETO, Alberto Bittencourt. Perspectivas da <strong>função</strong> notarial no Brasil, Porto Alegre:<br />
Colégio Notarial <strong>do</strong> Brasil – Seção <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, 1973, p. 15.<br />
39
Por muito tempo o <strong>notário</strong> foi considera<strong>do</strong> funcionário público, o que<br />
causou grande prejuízo ao avanço da atividade, pois isso acarretava na diminuição<br />
de <strong>sua</strong> autonomia funcional e prejudicava inovações legislativas, necessárias para<br />
acompanhar os anseios da sociedade.<br />
Este fato pode ser comprova<strong>do</strong> com o exemplo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio<br />
Grande <strong>do</strong> Sul, que por seu Tribunal de Justiça, em sessão plenária de 26 de agosto<br />
de 1970, mediante resolução, classificou os registros públicos como auxiliares da<br />
Justiça, mencionan<strong>do</strong> expressamente os tabeliães e os oficiais de registro.<br />
Em que pese toda a carga negativa da herança portuguesa para a<br />
atividade notarial brasileira, este foi apenas o começo de uma caminhada constante<br />
até o exercício da atividade com perfeição.<br />
2.2 Espécies de <strong>notário</strong>s<br />
2.2.1Notário Latino<br />
Em que pese a Constituição de 1988 não ter enquadra<strong>do</strong><br />
expressamente o <strong>notário</strong> brasileiro na classificação de <strong>notário</strong> latino, pode-se<br />
identificar <strong>sua</strong>s características no notaria<strong>do</strong> brasileiro, pois estes profissionais<br />
estabelecem uma relação de confiança com o interessa<strong>do</strong>, prestan<strong>do</strong> uma<br />
assistência jurídica e desta forma, atende-se a vontade deste interessa<strong>do</strong> no<br />
<strong>do</strong>cumento e em cujo texto também se contempla a verdade, a legalidade, a<br />
autenticidade, prerrogativas imprescindíveis para a eficácia desejada <strong>do</strong> ato.<br />
As características <strong>do</strong> <strong>notário</strong> latino podem ser observadas na<br />
legislação brasileira, nos artigos abaixo transcritos:<br />
Lei n. 8.935/94<br />
40
Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registra<strong>do</strong>r, são<br />
profissionais <strong>do</strong> direito, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé pública, a quem é delega<strong>do</strong> o<br />
exercício da atividade notarial e de registro.<br />
Art. 8º - É livre a escolha <strong>do</strong> tabelião de notas, qualquer que seja o<br />
<strong>do</strong>micílio das partes ou lugar de situação <strong>do</strong>s bens objeto <strong>do</strong> ato ou<br />
negócio.<br />
Com o objetivo de atestar a relação de confiança entre o <strong>notário</strong> e a<br />
parte, o texto legal prevê que a escolha <strong>do</strong> profissional deve ser de espontânea<br />
vontade <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>, não pesar sobre este, qualquer pré-qualificação ou<br />
imposição da lei ou <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e ter ainda, o interessa<strong>do</strong> a condição de escolhê-lo<br />
em qualquer ponto <strong>do</strong> território nacional.<br />
Tal situação se deve ao formato de <strong>notário</strong> latino que a legislação<br />
brasileira prevê para o exercício da <strong>função</strong>, pois, estabelece que o <strong>notário</strong>, recebe,<br />
interpreta, assessora, dá forma legal à vontade das partes, redige os instrumentos<br />
adequa<strong>do</strong>s e confere ao final, a autenticidade necessária ao ato e proceden<strong>do</strong> <strong>sua</strong><br />
perpétua conservação para a garantia da segurança jurídica. Pode-se destacar<br />
como importante característica <strong>do</strong> <strong>notário</strong> latino o fato de <strong>sua</strong> atividade ser de cunho<br />
jurídico, necessitan<strong>do</strong> o <strong>notário</strong> <strong>do</strong> conhecimento jurídico para o bom exercício de<br />
seu mister.<br />
O traço mais marcante da atividade <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> latino é a<br />
orientação jurídica prestada ao interessa<strong>do</strong> na forma de aconselhamento e o<br />
assessoramento jurídico das partes, fundamental para a elaboração <strong>do</strong> ato. Cabe ao<br />
<strong>notário</strong> estabelecer uma relação de confiança com as partes, atenden<strong>do</strong> à vontade<br />
<strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s no <strong>do</strong>cumento, desde que lícitas, atenden<strong>do</strong> aos atributos da<br />
verdade, autenticidade e legalidade, prerrogativas imprescindíveis para a eficácia<br />
desejada para os atos jurídicos.<br />
Tais contornos de <strong>notário</strong> latino estão principalmente em países de<br />
origem latina e tem como fundamento de <strong>sua</strong> atividade o direito herda<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
romanos. O <strong>notário</strong> latino pode ser encontra<strong>do</strong> em Portugal, Espanha, Itália,<br />
Vaticano, França, Alemanha, Áustria, Bélgica, Mônaco, Canadá, México, Argentina e<br />
até no Japão.<br />
41
2.2.2Notário Anglo-saxão<br />
Ao <strong>notário</strong> <strong>do</strong> tipo anglo-saxão cabe a <strong>função</strong> de relatar os fatos<br />
conforme a vontade das partes, sen<strong>do</strong> nesse caso, conveniente para formalizar o<br />
ato, que este se elabore na presença de uma pessoa detentora de conhecimentos<br />
jurídicos, que será o advoga<strong>do</strong> de confiança <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>, responsável pela<br />
legalidade e eficácia <strong>do</strong> ato.<br />
Esse tipo de <strong>notário</strong> não tem com a parte uma relação de confiança,<br />
é mero formaliza<strong>do</strong>r da vontade, não presta assistência jurídica, que fica a cargo <strong>do</strong><br />
profissional de direito que acompanha a parte. Não é responsável pelos vícios <strong>do</strong>s<br />
negócios formaliza<strong>do</strong>s, o que demonstra <strong>sua</strong> atuação limitada, pois não cuida para<br />
que os requisitos legais sejam observa<strong>do</strong>s e sequer qualifica o ato e, desta forma,<br />
somente tem a <strong>função</strong> de identificar as partes envolvidas no negócio realiza<strong>do</strong>,<br />
reconhecer as assinaturas apostas e colocar o selo e <strong>sua</strong> assinatura para garantir<br />
que o <strong>do</strong>cumento não seja altera<strong>do</strong>. Esses <strong>do</strong>cumentos não são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de<br />
autenticidade e fé pública.<br />
Alexandre da Costa Benício:<br />
Essa característica <strong>do</strong> <strong>notário</strong> anglo-saxão é explicada por Hercules<br />
De uma maneira geral, no sistema inglês, por motivos históricos, a<br />
prova é, por excelência, oral (testemunhal). Vigora o princípio da<br />
liberdade da forma para os atos e negócios jurídicos, sen<strong>do</strong> que a<br />
simples declaração de vontade, formulada oralmente ou por escrito,<br />
desde que acompanhada da consideration (contraprestação recebida<br />
pela parte que se obriga), é suficiente para obrigar os contratantes. O<br />
fato é que o direito anglo-saxão, ao prescindir da fé pública para a<br />
dação de força probatória aos <strong>do</strong>cumentos, criou um específico<br />
sistema de autenticação das relações privadas, em que não se<br />
conhece instrumentos públicos, tais como nos ordenamentos<br />
jurídicos da família romano-germânica 28 .<br />
Este tipo de <strong>notário</strong> anglo-saxão pode ser encontra<strong>do</strong> em países<br />
como, Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América, Inglaterra, Venezuela e outros.<br />
28 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Decorrente de Atos<br />
Notariais e de Registro, São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2005, p. 65.<br />
42
2.3 Regramento atual da atividade notarial<br />
A competência para legislar sobre normas gerais de registros<br />
públicos é privativa da União, segun<strong>do</strong> disposição <strong>do</strong> art. 22, inciso XXV da<br />
Constituição Federal, e, conforme a redação <strong>do</strong> parágrafo primeiro, poderá ser<br />
delegada para os esta<strong>do</strong>s membros da federação a capacidade de legislar sobre<br />
matérias específicas da atividade notarial e registral, como estabelecer os<br />
emolumentos, de acor<strong>do</strong> com a realidade <strong>social</strong> de cada região.<br />
As diretrizes gerais sobre registros públicos foram fixadas pela Lei<br />
Federal n. 6.015 de 31 de dezembro de 1973 e as diretrizes gerais sobre a atividade<br />
notarial estão previstas na Lei Federal 8.935 de 18 de novembro de 1994, que<br />
regulamentou o art. 236 da Constituição Federal, caben<strong>do</strong> aos esta<strong>do</strong>s membros<br />
legislar sobre matérias específicas.<br />
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve<br />
importantes mudanças na atividade notarial, com a fixação de princípios<br />
fundamentais e a previsão de diretrizes básicas, rompen<strong>do</strong> com as regras anteriores<br />
que atribuíam aos <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res o tratamento de funcionários públicos.<br />
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 236, trata <strong>do</strong>s<br />
serviços notariais e registrais. In verbis:<br />
Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exerci<strong>do</strong>s em<br />
caráter priva<strong>do</strong>, por delegação <strong>do</strong> Poder Público.<br />
§1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e<br />
criminal <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s, <strong>do</strong>s oficiais de registro e de seus prepostos, e<br />
definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.<br />
§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de<br />
emolumentos relativos aos atos pratica<strong>do</strong>s pelos serviços notariais e<br />
de registro.<br />
§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de<br />
concurso público de provas e títulos, não se permitin<strong>do</strong> que qualquer<br />
serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de<br />
remoção, por mais de seis meses.<br />
43
Deste mo<strong>do</strong>, pode-se identificar no texto constitucional a natureza<br />
pública da <strong>função</strong> notarial e registral, ainda que haja a delegação para ser exercida<br />
em caráter priva<strong>do</strong>, assim como, a previsão constitucional de edição de lei federal<br />
para regular essa atividade, o ingresso por concurso público, mediante seleção para<br />
verificação da aptidão <strong>do</strong> candidato, preenchimento de requisitos legais e a<br />
necessidade da realização de concurso para preenchimento das serventias que<br />
estejam vagas por mais de seis meses.<br />
Aberto o caminho para grandes transformações há muito tempo<br />
reclamadas, a Lei 8.935 de 18 de novembro de 1994, denominada Lei Orgânica <strong>do</strong>s<br />
Notários e Registra<strong>do</strong>res trouxe mudanças estruturais na atividade notarial e<br />
registral.<br />
Anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988 já<br />
havia a Lei 6.015/73, conhecida como Lei <strong>do</strong>s Registros Públicos, que contém<br />
normas gerais sobre registros públicos, como o registro de pessoas naturais, registro<br />
de pessoas jurídicas, registro de títulos e <strong>do</strong>cumentos e registro de imóveis.<br />
Contu<strong>do</strong>, referida lei não disciplinou a atividade notarial.<br />
Como já exposto, no Brasil, tradicionalmente, os cartórios<br />
extrajudiciais, como eram chama<strong>do</strong>s, sempre foram considera<strong>do</strong>s serviços auxiliares<br />
<strong>do</strong> Poder Judiciário e os titulares destes serviços eram denomina<strong>do</strong>s serventuários<br />
da Justiça, ainda que a <strong>do</strong>utrina de direito administrativo denominasse esses<br />
profissionais como particulares em colaboração como o Poder Judiciário.<br />
Com o advento da Constituição de 1988, este panorama mu<strong>do</strong>u e os<br />
<strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res deixaram de ser enquadra<strong>do</strong>s no âmbito <strong>do</strong>s serventuários<br />
ou <strong>do</strong>s auxiliares da Justiça. São hoje particulares que recebem a delegação <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> para desempenhar um serviço de interesse público.<br />
Para disciplinar o parágrafo segun<strong>do</strong> <strong>do</strong> artigo 236 da Constituição<br />
Federal foi editada a Lei Federal n. 10.169/2000, que fixou as diretrizes gerais sobre<br />
emolumentos, deixan<strong>do</strong> clara <strong>sua</strong> natureza jurídica de tributo, já que dentre outras<br />
disposições, estabeleceu a necessidade de respeito ao princípio da anterioridade<br />
tributária. Entretanto, esse assunto é tormentoso na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência.<br />
44
Apesar de a fiscalização <strong>do</strong>s atos notariais ser de competência <strong>do</strong><br />
Poder Judiciário, por expressa disposição constitucional, os serviços registrais e<br />
notariais não mantém qualquer relação organizacional nem hierárquica com o<br />
referi<strong>do</strong> poder e tampouco com qualquer outro órgão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> o <strong>notário</strong> e<br />
o registra<strong>do</strong>r subordina<strong>do</strong>s tão somente à lei, em cumprimento ao princípio da<br />
legalidade, como resta demonstra<strong>do</strong> nos artigos transcritos:<br />
Lei nº 8.935/94<br />
Art. 1º - Serviços notariais e de registro são os de organização<br />
técnica e administrativa destina<strong>do</strong>s a garantir a publicidade,<br />
autenticidade, segurança e eficácia <strong>do</strong>s atos jurídicos.<br />
Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registra<strong>do</strong>r, são<br />
profissionais <strong>do</strong> direito, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé pública, a quem é delega<strong>do</strong> o<br />
exercício da atividade notarial e de registro.<br />
Trata-se de uma atividade de cunho jurídico em que a<br />
independência funcional é pressuposto da segurança jurídica que o serviço deve<br />
garantir. Tal independência não significa total liberdade, pois to<strong>do</strong>s os seus atos e<br />
decisões devem basear-se na lei e também não significa falta de controle, uma vez<br />
que tal atividade é supervisionada pelo Poder Judiciário, por expressa disposição<br />
constitucional.<br />
Outra inovação bem vinda trazida pela Lei 8.935/94 foi a fixação da<br />
denominação <strong>do</strong>s profissionais que estão a frente das atividades notariais. Por<br />
longos anos as pessoas que entravam em um serviço notarial procuravam por<br />
escrivães, escreventes, oficiais maiores, <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> cartório e, muitas vezes, essas<br />
nomenclaturas tinham aspecto pejorativo e desvalorizava essa classe de<br />
profissionais. Atualmente a lei <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res acabou com esta<br />
celeuma ao determinar que os profissionais da atividade notarial são os <strong>notário</strong>s e<br />
tabeliães.<br />
45
O desconhecimento da classe <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s não se restringia aos<br />
leigos, pois eram desconheci<strong>do</strong>s até mesmo da classe jurídica, onde muitos<br />
profissionais não sabiam sequer qual <strong>sua</strong> correta denominação, quanto mais qual a<br />
<strong>função</strong> que exerciam. Contu<strong>do</strong>, esse desconhecimento foi abranda<strong>do</strong> pela edição da<br />
Lei 8.935/94, que trouxe em seu corpo ampla explicação sobre a atividade notarial e<br />
a <strong>função</strong> <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res.<br />
Contu<strong>do</strong>, a disciplina da matéria notarial não se restringe apenas à<br />
Constituição Federal e à Lei 8.935/94, pois, diversas leis esparsas são editadas<br />
tanto no âmbito federal, como no âmbito estadual para disciplinar a matéria<br />
atualizan<strong>do</strong>-a de forma a atender às necessidades sociais. Como é o caso da Lei<br />
11.441/07, que permitiu a realização de separações, divórcios e partilhas na esfera<br />
extrajudicial, trazen<strong>do</strong> maior celeridade para esses feitos.<br />
Pode-se concluir que a nova ordem constitucional representou um<br />
importante passo para a atividade notarial, assim como a edição da Lei 8.935/94,<br />
que regula o art. 236 da Constituição Federal, e é considera<strong>do</strong> um marco histórico<br />
na modernização <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> brasileiro.<br />
2.4 Autonomia <strong>do</strong> Direito Notarial<br />
O Direito é uno. É fruto das necessidades e da <strong>evolução</strong> <strong>social</strong>, na<br />
verdade um fim <strong>social</strong> a ser busca<strong>do</strong>, traduzi<strong>do</strong> na justiça e na paz <strong>social</strong>. Contu<strong>do</strong>,<br />
o Direito é dividi<strong>do</strong> em ramos para facilitação <strong>do</strong> seu estu<strong>do</strong>, já que o fim <strong>social</strong> se<br />
divide em várias vertentes, possuin<strong>do</strong> objetos distintos.<br />
A divisão <strong>do</strong> Direito em ramos ocorre para acompanhar o<br />
desenvolvimento <strong>social</strong> e a especialização das relações jurídicas, tornan<strong>do</strong> mais<br />
efetiva a prestação jurisdicional.<br />
Para um ramo <strong>do</strong> Direito ser identifica<strong>do</strong> como autônomo é<br />
necessário que ele tenha autonomia científica, que seja independente <strong>do</strong>s outros<br />
ramos, que possa ser regi<strong>do</strong> por <strong>sua</strong>s próprias normas, reunin<strong>do</strong> condições para dar<br />
solução às lides envolven<strong>do</strong> a matéria tratada por esse ramo sem ter que buscar<br />
46
auxílio de outros ramos, salvo no caso de lacunas ou ineficiência <strong>do</strong> direito<br />
positiva<strong>do</strong>.<br />
Contu<strong>do</strong>, importante lembrar que um ramo especializa<strong>do</strong> não fica<br />
isola<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> jurídico, pois mantém muitos pontos de contato com outros ramos<br />
e com esses conserva estreitas relações.<br />
Para ter autonomia científica são necessários <strong>do</strong>is requisitos: 1) ser<br />
um conjunto sistematiza<strong>do</strong> de normas jurídicas, isto é, ter autonomia estrutural; e 2)<br />
ter princípios próprios regen<strong>do</strong> o sistema jurídico especializa<strong>do</strong>.<br />
O primeiro requisito, autonomia estrutural, traduz-se na idéia de um<br />
conjunto de normas, denomina<strong>do</strong> sistema jurídico, segun<strong>do</strong> Norberto Bobbio:<br />
Uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe<br />
uma certa ordem e para que se possa falar em ordem, é necessário<br />
que os entes que a constituem não estejam somente em<br />
relacionamento com o to<strong>do</strong>, mas também num relacionamento de<br />
coerência entre si 29 .<br />
Desta forma, não basta apenas homogeneidade entre as normas,<br />
que elas pos<strong>sua</strong>m um objeto comum, é necessário que exista coerência, que as<br />
normas estejam organizadas de forma que se relacionem mutuamente.<br />
O sistema jurídico que possuir um objeto comum, isto é, autonomia<br />
lógica ou homogeneidade e coerência já teria o primeiro requisito preenchi<strong>do</strong> para<br />
ser considera<strong>do</strong> um ramo autônomo.<br />
O segun<strong>do</strong> requisito da autonomia científica pode ser verifica<strong>do</strong><br />
quan<strong>do</strong> as normas <strong>do</strong> ramo especializa<strong>do</strong> estão pautadas em princípios próprios que<br />
regem a atividade. Quan<strong>do</strong> o nascimento <strong>do</strong> ramo <strong>do</strong> Direito está intrinsecamente<br />
liga<strong>do</strong> à existência de princípios exclusivos, que possuem <strong>função</strong> interpretativa,<br />
integrativa e nortea<strong>do</strong>ra na confecção das demais normas <strong>do</strong> sistema.<br />
29 BOBBIO, Norberto. Teoria <strong>do</strong> ordenamento jurídico. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1992, p. 71.<br />
47
Passan<strong>do</strong> à análise específica da autonomia <strong>do</strong> direito notarial,<br />
pode-se concluir que o direito notarial possui autonomia sistemática, pois há amplo<br />
regramento específico da matéria notarial com a necessária homogeneidade e<br />
coerência. Há, indubitavelmente, uma legislação autônoma dedicada a essa matéria.<br />
Contu<strong>do</strong>, alguns autores não reconhecem a especialidade da<br />
legislação de direito notarial e sustentam que essa legislação está inserida no direito<br />
civil. Entendimento que pode ser combati<strong>do</strong> ten<strong>do</strong> em vista que o direito notarial é<br />
um direito eminentemente público e adjetivo e o direito civil é priva<strong>do</strong> e substantivo.<br />
Quanto ao requisito da exclusividade <strong>do</strong>s princípios surge grande<br />
celeuma, pois autores como Roberto J. Pugliese sustentam que o direito notarial<br />
possui princípios específicos, como o da fé pública, o da forma, da notoriedade, da<br />
unidade formal, da rogação, entre outros. Entretanto, outros autores como Rufino<br />
Larraud, com acerto, defendem que não há autonomia científica, pois estes<br />
princípios cita<strong>do</strong>s como específicos da atividade notarial podem ser identifica<strong>do</strong>s em<br />
outros ramos <strong>do</strong> direito.<br />
Analisan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o exposto, conclui-se que o direito notarial<br />
experimentou enorme avanço com a edição de vasto regramento próprio, com<br />
autonomia estrutural, e, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de operabilidade, garantin<strong>do</strong> a eficiente prestação <strong>do</strong><br />
serviço para a sociedade, sem gozar <strong>do</strong> título de ramo autônomo <strong>do</strong> direito, pois<br />
está passan<strong>do</strong> por uma fase de transição, caminhan<strong>do</strong> rapidamente rumo à<br />
autonomia plena.<br />
2.5 Das atribuições e competências <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s<br />
Por atribuição entende-se o conjunto de poderes e faculdades<br />
conferi<strong>do</strong>s a alguém para a prática de determina<strong>do</strong>s atos previstos em lei. Já<br />
competência é a esfera de atuação, estabelecida em lei, de determinada pessoa.<br />
As atribuições e competências funcionais <strong>do</strong> tabelião de notas estão<br />
disciplinadas na Lei Federal 8.935/94, que regulamentou a atividade notarial.<br />
48
O tabelião de notas, ou <strong>notário</strong> 30 é profissional <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de<br />
conhecimento jurídico adquiri<strong>do</strong> tanto pela formação em direito, como pela<br />
experiência prática na área durante o perío<strong>do</strong> de dez anos e são denomina<strong>do</strong>s na lei<br />
de profissionais <strong>do</strong> direito.<br />
Ceneviva:<br />
O conceito de serviço notarial foi bem explica<strong>do</strong> por Walter<br />
O vocábulo serviço caracteriza, no título de abertura da Lei n.<br />
8.935/94, o trabalho técnico desenvolvi<strong>do</strong> sob as ordens de um<br />
delega<strong>do</strong> <strong>do</strong> Poder Público, para exclusivo cumprimento de funções<br />
ali indicadas, delega<strong>do</strong> esse atuan<strong>do</strong> com independência, mas<br />
sujeito à fiscalização <strong>do</strong> Poder Judiciário 31 .<br />
O serviço notarial visa garantir a publicidade, autenticidade,<br />
segurança e eficácia <strong>do</strong>s atos jurídicos e para atingir esse fim o <strong>notário</strong> tem que<br />
cumprir com eficiência <strong>sua</strong> atividade de compatibilizar com a lei a vontade das<br />
partes.<br />
O <strong>notário</strong> possui competência para formalizar juridicamente a<br />
vontade das partes, intervin<strong>do</strong>, redigin<strong>do</strong> e autentican<strong>do</strong> negócios, atos e até fatos<br />
jurídicos, com o objetivo final de garantir a segurança das relações contratuais e<br />
interpessoais, prevenin<strong>do</strong> litígios e colaboran<strong>do</strong> para o bem-estar <strong>social</strong>.<br />
verbis:<br />
A esfera de competência <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s está disposta no texto in<br />
Lei nº 8.935/94<br />
Art. 6º - Aos <strong>notário</strong>s compete:<br />
I - formalizar juridicamente a vontade das partes;<br />
II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou<br />
queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizan<strong>do</strong> a redação ou<br />
30 Em que pese a Lei 8.935/94 utilizar expressões distintas para designar o titular <strong>do</strong> tabelionato de<br />
notas, “<strong>notário</strong>” no artigo 6º e “tabelião de notas” no artigo 7º, não há diferença entre eles, trata-se<br />
<strong>do</strong> mesmo profissional, sen<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is termos sinônimos na tradição brasileira.<br />
31 CENEVIVA, Walter. Lei <strong>do</strong>s Notários e Registra<strong>do</strong>res Comentada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 21.<br />
49
edigin<strong>do</strong> os instrumentos adequa<strong>do</strong>s, conservan<strong>do</strong> os originais e<br />
expedin<strong>do</strong> cópias fidedignas de seu conteú<strong>do</strong>;<br />
III - autenticar fatos.<br />
Importante destacar, que nem todas as competências previstas no<br />
artigo acima cita<strong>do</strong> são exclusivas <strong>do</strong> <strong>notário</strong>. Por exemplo, um instrumento pode ser<br />
confecciona<strong>do</strong> sob a forma jurídica por outro profissional <strong>do</strong> direito, como o<br />
advoga<strong>do</strong>.<br />
Para formalizar tais situações, a lei relaciona os atos que podem ser<br />
pratica<strong>do</strong>s pelo <strong>notário</strong> para o exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> pública no artigo abaixo<br />
cita<strong>do</strong>:<br />
Lei nº 8.935/94<br />
Art. 7º - Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:<br />
I - lavrar escrituras e procurações, públicas;<br />
II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerra<strong>do</strong>s;<br />
III - lavrar atas notariais;<br />
IV - reconhecer firmas;<br />
V - autenticar cópias.<br />
Parágrafo único. É faculta<strong>do</strong> aos tabeliães de notas realizarem todas<br />
as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo <strong>do</strong>s<br />
atos notariais, requeren<strong>do</strong> o que couber, sem ônus maiores que os<br />
emolumentos devi<strong>do</strong>s pelo ato.<br />
Neste artigo o próprio legisla<strong>do</strong>r fez questão de constar<br />
expressamente que o rol de competências compete exclusivamente aos tabeliães,<br />
porém, deve-se interpretar que essa exclusividade não compreende o ato material<br />
em si, isto é, a <strong>função</strong> de redigir os instrumentos, mas somente o ato de conferir fé<br />
pública ao que foi escrito sob <strong>sua</strong> responsabilidade pessoal e direta.<br />
Segun<strong>do</strong> Walter Ceneviva o artigo 7º da Lei 8.935/94 apresenta<br />
falha de técnica legislativa, e entende que andaria melhor o legisla<strong>do</strong>r se não<br />
houvesse relaciona<strong>do</strong> as atividades <strong>do</strong> tabelião, conforme o exposto: “O artigo<br />
relaciona <strong>do</strong>ze atividades que não esgotam as possibilidades. Melhor seria fugir<br />
50
dessa especificação, até porque algumas das definições encontradas são<br />
obscuras” 32 .<br />
Em que pese o entendimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r Walter Ceneviva o rol<br />
elencan<strong>do</strong> os atos que podem ser pratica<strong>do</strong>s pelo <strong>notário</strong> é um importante<br />
instrumento nortea<strong>do</strong>r para o exercício da atividade notarial e de garantia da<br />
segurança jurídica, pois evita a prática discricionária de atos pelos <strong>notário</strong>s,<br />
manten<strong>do</strong> uma uniformidade em to<strong>do</strong> país.<br />
A interpretação <strong>do</strong> rol <strong>do</strong> artigo 7º da Lei 8.935/94 deve ser feita de<br />
maneira mais branda, permitin<strong>do</strong> a prática pelos <strong>notário</strong>s de atos não previstos no<br />
rol, para conciliar a realidade legislativa com a realidade fática e assim a norma<br />
possa atender aos anseios da sociedade.<br />
De acor<strong>do</strong> com a redação <strong>do</strong>s artigos 6º e 7º da Lei <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e<br />
registra<strong>do</strong>res pode-se elencar as principais atividades exercidas pelo <strong>notário</strong>, sem<br />
prejuízo de outras funções de natureza acessória, mas tão importantes para o<br />
cumprimento <strong>do</strong> serviço público delega<strong>do</strong>, tais como:<br />
testamento cerra<strong>do</strong>;<br />
forma pública;<br />
a) lavratura de testamento e <strong>sua</strong> revogação, e aprovação de<br />
b) lavratura de to<strong>do</strong>s os atos para os quais a lei exija ou faculta a<br />
c) reconhecimento de firma, letra ou chancela, bem como<br />
autenticação de cópia de <strong>do</strong>cumento;<br />
autoriza<strong>do</strong>s por lei;<br />
respectivas folhas;<br />
d) expedição de trasla<strong>do</strong>, certidão, fotocópia e outros instrumentos<br />
e) abertura e encerramento <strong>do</strong>s livros <strong>do</strong> seu ofício e rubrica das<br />
f) assessoramento das partes sobre o ato notarial a ser realiza<strong>do</strong>.<br />
Cumpre ressaltar, que a Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, com<br />
publicação e entrada em vigor no dia seguinte, modificou dispositivos <strong>do</strong> Código de<br />
32 Ibidem, p. 46.<br />
51
Processo Civil e ampliou o rol de competências <strong>do</strong> tabelião de notas permitin<strong>do</strong> a<br />
lavratura de escritura pública para inventários e partilhas, separações consen<strong>sua</strong>is e<br />
divórcios, desde que respeita<strong>do</strong>s os requisitos legais.<br />
Para o bom exercício das atividades supra relacionadas é<br />
necessário que o <strong>notário</strong> observe os princípios aplica<strong>do</strong>s à atividade e em especial o<br />
princípio da legalidade que irá traçar os limites de atuação desse profissional, sem<br />
prejuízo <strong>do</strong> respeito à dignidade humana.<br />
Compete, portanto, ao <strong>notário</strong> cuidar da segurança dinâmica das<br />
relações interpessoais, uma vez que atua na constituição <strong>do</strong>s atos e negócios<br />
jurídicos, na formalização <strong>do</strong> “dictum”, na conformação e pré-constituição de prova<br />
com a devida fé pública, além da prestação de um eficiente serviço de<br />
aconselhamento e assessoria àqueles que o elegeram para dar validade jurídica às<br />
<strong>sua</strong>s vontades, garantin<strong>do</strong> o equilíbrio entre as partes e atingin<strong>do</strong> o fim econômico<br />
ou <strong>social</strong> espera<strong>do</strong> pelos contratantes.<br />
Para expor a importância <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> <strong>notário</strong> na sociedade, valiosos<br />
os ensinamentos de Rufino Larraud:<br />
Por eso es posible afirmar que los derechos subjetivos de las<br />
personas constituyen la matéria viva sobre la qual ejerce el escribano<br />
su actividad. La función notarial tiende a asegurar el<br />
desenvolvimiento regular de La que ha si<strong>do</strong> llamada, alguna vez,<br />
biologia de los derechos em la normalidad; el nacimiento, desarrollo,<br />
transformación y caducidad de los derechos subjetivos em el plano<br />
de la normalidad jurídica. Ya hemos visto...que la función notarial<br />
considera las relaciones de los indivíduos em su dimensión jurídica.<br />
Vale a pena agregar que esta afirmación no excluye (...) las<br />
consecuencias econômicas que son resulta<strong>do</strong> directo e imediato de<br />
su régimen jurídico 33 .<br />
A intervenção <strong>do</strong> <strong>notário</strong> deve ser de forma ativa, observada a<br />
necessária imparcialidade e participan<strong>do</strong> <strong>do</strong> ato de mo<strong>do</strong> a evitar a confecção de<br />
instrumentos que não estejam aptos a produzirem os efeitos jurídicos descritos em<br />
33 LARRAUD, Rufino. Curso de derecho notaria., Buenos Aires: Depalma, 1966, p. 168-169.<br />
52
lei, exercen<strong>do</strong> uma <strong>função</strong> de prevenção de lides, sem, contu<strong>do</strong>, praticar qualquer<br />
ato de natureza jurisdicional.<br />
Esclarece<strong>do</strong>ra é a <strong>do</strong>utrina de Serpa Lopes:<br />
A <strong>função</strong> <strong>do</strong> Tabelião é comparável com a de um Juiz, de categoria<br />
administrativa. Na maioria das vezes consiste em receber a<br />
declaração de vontade das partes contratantes e fazê-la constar de<br />
<strong>sua</strong>s Notas. Por assim dizer, ele dá autenticidade ao ato pratica<strong>do</strong><br />
em <strong>sua</strong> presença. Trata-se de um dever legal. A responsabilidade <strong>do</strong><br />
Tabelião assume de valor maior, intensifican<strong>do</strong>-se a <strong>sua</strong> culpa, se se<br />
tratar de um ato no qual tenha intervin<strong>do</strong> virus, auditus, et sentibus,<br />
isto é, daquilo que resultou de <strong>sua</strong> atestação, baseada no que viu,<br />
ouviu e sentiu. Assim, portanto, a identidade <strong>do</strong> testa<strong>do</strong>r num<br />
testamento público, trata-se efetivamente da pessoa legitimamente<br />
interessada na realização <strong>do</strong> negócio jurídico, são circunstâncias<br />
sobre as quais mui grande é a responsabilidade no Notário, que deve<br />
empregar to<strong>do</strong>s os meios idôneos para a apuração exata dessa<br />
identidade 34 .<br />
Diante desse arcabouço de atribuições legais, fica patente que o<br />
serviço que o <strong>notário</strong> presta à <strong>sua</strong> comunidade é de inegável essencialidade e<br />
possui caráter eminentemente <strong>social</strong>, por isso tão importante a delimitação de <strong>sua</strong>s<br />
funções e de <strong>sua</strong> responsabilidade.<br />
34 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p.<br />
227-228.<br />
53
3. ASPECTOS JURÍDICOS DA FUNÇÃO NOTARIAL<br />
3.1 Poder delegante<br />
Para que seja exercida a atividade notarial e de registro é preciso<br />
haver a delegação que é o ato em que o Esta<strong>do</strong> transfere a responsabilidade pelo<br />
exercício de um determina<strong>do</strong> serviço público ao setor priva<strong>do</strong>, por este ter melhores<br />
condições para garantir a eficiência que a sociedade exige. É o caso específico das<br />
atividades notarial e de registro, cuja importância para a população, requer a <strong>sua</strong><br />
efetiva presença em to<strong>do</strong>s os lugares em que haja interação <strong>social</strong>, situação<br />
verificada durante toda a <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong>, como a seguir exposto:<br />
E, em cada Aldea, que tiver mais de vinte vizinhos, e estiver situada<br />
fora da Cidade, ou Villa huma legoa, haja huma pessoa apta para<br />
fazer os testamentos aos mora<strong>do</strong>res da dita Aldea, que estiverem<br />
<strong>do</strong>entes em cama. E sen<strong>do</strong> feitos segun<strong>do</strong> fórma de nossas<br />
Ordenações, ser-lhes-ha dada a fé e auctoridade, como se foram<br />
feitos per tabellião das Notas 35 .<br />
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 236, caput, reza que,<br />
"os serviços notariais e de registro serão exercidas em caráter priva<strong>do</strong>, por<br />
delegação <strong>do</strong> Poder Público". Nota-se um primeiro problema que decorre da<br />
redação <strong>do</strong> texto constitucional que é saber quem será a autoridade competente<br />
para a outorga da delegação, o chefe <strong>do</strong> Poder Executivo, com a natural atribuição<br />
administrativa, ou o chefe <strong>do</strong> Poder Judiciário, que recebeu da Constituição Federal<br />
expressa responsabilidade fiscalizatória sobre a execução desses serviços<br />
delega<strong>do</strong>s.<br />
No Brasil, tradicionalmente, os cartórios extrajudiciais, sempre<br />
estiveram vincula<strong>do</strong>s ao Poder Judiciário, em face da herança <strong>do</strong> direito português,<br />
mas com o advento da Constituição Federal de 1988, este panorama mu<strong>do</strong>u, pois a<br />
disciplina referente a estes serviços não está mais inserida no Capítulo III, referente<br />
35 Ordenações Filipinas, de 1143.<br />
54
ao Poder Judiciário, mas sim, no Título IX, que trata das disposições Constitucionais<br />
Gerais e, também, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Desta forma,<br />
os <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res deixaram de ser enquadra<strong>do</strong>s no âmbito <strong>do</strong>s<br />
serventuários ou <strong>do</strong>s auxiliares da Justiça.<br />
Com a nova constituição houve para a atividade notarial e de<br />
registro um importante rompimento com a sistemática <strong>do</strong> regime jurídico anterior,<br />
conforme expõe Cláudio Luiz Bueno de Go<strong>do</strong>y:<br />
No contexto da nova Constituição Federal, inegável a substancial<br />
alteração que atingiu o serviço extrajudicial e, em especial, aqueles a<br />
quem se delega o seu exercício. E a tanto deve se adequar qualquer<br />
atual enfrentamento de questão que lhe seja atinente,<br />
desprenden<strong>do</strong>-se de conceitos arraiga<strong>do</strong>s sob o manto de<br />
normatividade de to<strong>do</strong> ultrapassada 36 .<br />
Importante citar que o Projeto de Lei nº 16/1994, que originou a Lei<br />
nº 8.935/1994, que regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal, teve seu<br />
artigo 2° veta<strong>do</strong> pelo Presidente da República, veto este que não foi rejeita<strong>do</strong> pelo<br />
Congresso Nacional. Este artigo dispunha o seguinte, in verbis:<br />
Art. 2º - Os serviços notariais e de registro são exerci<strong>do</strong>s, em caráter<br />
priva<strong>do</strong>, por delegação <strong>do</strong> Poder Judiciário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-Membro e <strong>do</strong><br />
Distrito Federal.<br />
Devi<strong>do</strong> a esse veto a discussão sobre a competência para outorga<br />
da delegação <strong>do</strong>s serviços registrais e notariais ficou ainda mais latente. Com a<br />
incerteza instaurada, esta competência vem sen<strong>do</strong> exercida pelo Poder Judiciário,<br />
apoiada no entendimento <strong>do</strong> Superior Tribunal de Justiça.<br />
A atividade notarial é uma atividade jurídica em que a independência<br />
é pressuposto da segurança jurídica que o serviço deve garantir. O <strong>notário</strong> deve<br />
proceder à análise <strong>do</strong> caso trazi<strong>do</strong> pelas partes e orientá-las com total<br />
imparcialidade, isenção e sem qualquer tipo de pressão, garantidas pela<br />
36 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Poder Judiciário e a Delegação <strong>do</strong>s Serviços Notariais e de<br />
Registros. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Correge<strong>do</strong>rias <strong>do</strong> poder judiciário. São Paulo:<br />
Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2003, p. 251-276.<br />
55
independência funcional. O tabelião de notas não pode sucumbir diante de posições<br />
ideológicas ou políticas <strong>do</strong>s governantes.<br />
Não se deve confundir a independência <strong>do</strong> <strong>notário</strong> com total<br />
discricionariedade, pois todas as <strong>sua</strong>s decisões devem ser motivadas, com base na<br />
lei, respeitan<strong>do</strong> o princípio da legalidade.<br />
Recentemente a problemática da competência para delegação <strong>do</strong>s<br />
serviços notariais e registrais veio à tona com o veto <strong>do</strong> Presidente da República ao<br />
Projeto de Lei n° 160/2003, que visava a acrescentar o artigo 2-A à Lei 8.935/1994.<br />
O referi<strong>do</strong> projeto dispunha que a outorga da delegação para o exercício <strong>do</strong>s<br />
serviços notariais e registrais é "ato privativo <strong>do</strong> Poder Executivo Estadual ou<br />
Distrital".<br />
Com esse veto ao pretenso artigo 2-A da Lei nº 8.935/94, que foi<br />
diametralmente inverso <strong>do</strong> veto ao artigo 2º original, a tese que sustentava que a<br />
competência para a outorga da delegação devia ser <strong>do</strong> Poder Judiciário, apesar das<br />
divergências <strong>do</strong>utrinárias, passou a ter mais força. Portanto, o Poder Judiciário<br />
Estadual continua sen<strong>do</strong> o órgão competente para esta <strong>função</strong> e, conforme<br />
mandamento constitucional, também para fiscalizar os atos das atividades<br />
desempenhadas pelos <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res.<br />
A <strong>função</strong> notarial e de registro é de natureza pública, pois está<br />
intrinsecamente ligada à soberania <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e é por imperativo constitucional<br />
exercida por meio de descentralização administrativa por colaboração, muito bem<br />
definida por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “...é feita por acor<strong>do</strong> de vontades ou por<br />
ato administrativo unilateral, pelo qual se atribui a uma pessoa de direito priva<strong>do</strong> a<br />
execução de serviço público, conservan<strong>do</strong> o poder concedente <strong>sua</strong> titularidade” 37 .<br />
A delegação é o ato inicial para o exercício da atividade notarial,<br />
nesse senti<strong>do</strong> as palavras de Luís Paulo Aliende Ribeiro:<br />
37 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2003, p.<br />
65-66.<br />
56
(...) o Poder Público conserva a titularidade <strong>do</strong> serviço e transfere<br />
<strong>sua</strong> execução a particulares (pessoas físicas com qualificação<br />
específica e que foram aprovadas em concurso público de provas e<br />
títulos) em unidades (ou feixes de competências) definidas, pela<br />
Administração, em <strong>função</strong> das necessidades <strong>do</strong>s usuários e da<br />
adequação <strong>do</strong> serviço, mediante critérios relativos ao número de atos<br />
pratica<strong>do</strong>s, receita, aspectos populacionais e conformidade com a<br />
organização judiciária de cada Esta<strong>do</strong> da Federação. Não há mais<br />
que se falar em cartórios como unidades da estrutura administrativa<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, nem cargos a serem provi<strong>do</strong>s, tampouco quadros,<br />
classes ou carreiras 38 .<br />
Importante nesta análise, compreender a necessidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em<br />
substabelecer uma <strong>função</strong> pública ao exercício priva<strong>do</strong>, senão pelo fato, <strong>do</strong> setor<br />
priva<strong>do</strong> possuir as características de eficiência que o merca<strong>do</strong> exige, sen<strong>do</strong> este, o<br />
caso específico da atividade notarial e de registro brasileira.<br />
A delegação estabelece um vínculo muito estreito com o poder<br />
público, a ponto de muitas pessoas confundirem o titular <strong>do</strong> serviço notarial com um<br />
funcionário público e, assim, pode-se concluir que os serviços notariais são de suma<br />
importância para a manutenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e necessário entender a importância que<br />
o ato da delegação tem para essa atividade, já que ela somente se inicia após tal ato<br />
delegatório.<br />
3.2 Natureza jurídica <strong>do</strong> serviço notarial<br />
Para discorrer sobre a <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> é preciso entender o<br />
que é a instituição notarial e por isso, muito importante uma breve passagem pela<br />
natureza jurídica <strong>do</strong> serviço notarial, pois, entende-se de forma pacífica, que os<br />
serviços de notas não possuem personalidade jurídica, portanto não são empresas<br />
ou entidades, não possuem patrimônio, nem tem capacidade proces<strong>sua</strong>l.<br />
38 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da Função Pública Notarial e de Registro. São Paulo:<br />
Saraiva, 2009, p. 56-57.<br />
57
A outorga da delegação de notas e de registro é feita a uma pessoa<br />
natural, que exercerá a <strong>função</strong> em caráter priva<strong>do</strong>, corresponden<strong>do</strong> à atividade<br />
jurídica<br />
Apesar da inexistência da pessoa jurídica "cartório", este é, de certo<br />
mo<strong>do</strong>, considera<strong>do</strong> "empresa" (lato sensu) para alguns fins específicos, como para a<br />
gestão da unidade de serviço pelo particular aprova<strong>do</strong> em concurso, para<br />
contratação de funcionários, possuin<strong>do</strong> registro no Cadastro Nacional de Pessoas<br />
Jurídicas (CNPJ) <strong>do</strong> Ministério da Justiça para fins de recolhimento de tributos e<br />
fiscalização pelo Poder Público, mas isso não transforma a figura <strong>do</strong> "cartório" em<br />
uma pessoa jurídica, <strong>do</strong>tada de personalidade e capacidade para adquirir e<br />
transmitir direitos.<br />
A palavra “cartório” no âmbito popular nada mais é <strong>do</strong> que o<br />
estabelecimento onde é desempenhada a atividade notarial delegada pelo Esta<strong>do</strong> a<br />
uma pessoa natural.<br />
É freqüente a comparação <strong>do</strong> tabelionato de notas com uma firma<br />
individual e o objetivo da comparação tem como premissa definir melhor como a<br />
questão da responsabilidade <strong>do</strong> <strong>notário</strong> se instala, como ela se comporta diante de<br />
fatos ocorri<strong>do</strong>s no exercício de <strong>sua</strong>s atividades, pois a firma individual não possui,<br />
assim como o "cartório", natureza jurídica própria.<br />
Outro ponto em comum, é que o <strong>notário</strong> atua por <strong>sua</strong> conta e risco<br />
no exercício da atividade, como na firma individual, que tem o autor da atividade a<br />
frente de qualquer responsabilidade, assim sen<strong>do</strong>, pode-se considerar em muitos<br />
aspectos o oficial de notas e o titular da firma individual 39 como equivalentes na<br />
questão da responsabilidade, uma vez que a totalidade <strong>do</strong> patrimônio de ambos<br />
responde por eventuais danos causa<strong>do</strong>s a terceiros, pelas dívidas trabalhistas,<br />
previdenciárias e tributárias.<br />
Para finalizar esta análise e como forma de ilustrar o tema,<br />
transcreve-se o ensinamento de J. X. Carvalho de Men<strong>do</strong>nça:<br />
39 À rigor, firma individual e o seu titular são a mesma pessoa, pois to<strong>do</strong> o patrimônio da pessoa<br />
natural responde pelas dívidas contraídas em nome da firma individual.<br />
58
Usan<strong>do</strong> uma firma para exercer o comércio o seu nome civil para<br />
atos civis, o comerciante, pessoa natural, não se investe de dupla<br />
personalidade; por outra, não há duas personalidades, uma civil e<br />
outra comercial. As obrigações contraídas sob a firma comercial<br />
ligam a pessoa civil <strong>do</strong> comerciante e vice-versa. A firma <strong>do</strong><br />
comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil,<br />
pois designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão<br />
mercantil. Existe essa separação abstrata, embora os <strong>do</strong>is nomes se<br />
apliquem à mesma individualidade. Se, em senti<strong>do</strong> particular, uma é<br />
o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo homem que vive ao<br />
mesmo tempo a vida civil e a vida comercial. 40<br />
Os atos inexatos ocorri<strong>do</strong>s no serviço de notas têm, na figura física<br />
<strong>do</strong> titular, o centro de toda a responsabilidade civil. Pelo fato de o oficial estar na<br />
qualidade de agente delega<strong>do</strong> pelo poder público, ele responde por qualquer dano<br />
causa<strong>do</strong> a terceiros. Ressalta-se, porém, que a <strong>sua</strong> responsabilidade está afeta<br />
somente aos atos pratica<strong>do</strong>s no perío<strong>do</strong> de <strong>sua</strong> delegação e desde que sejam atos<br />
típicos de gestão (de livre escolha <strong>do</strong> <strong>notário</strong>) e não referentes aos atos de império<br />
(aqueles executa<strong>do</strong>s pelo <strong>notário</strong> em estrita obediência à lei).<br />
A responsabilidade civil é uma forma de o <strong>notário</strong> responder pelos<br />
prejuízos causa<strong>do</strong>s aos usuários <strong>do</strong> serviço público presta<strong>do</strong>, na prática <strong>do</strong>s atos de<br />
gestão, restabelecen<strong>do</strong> o status quo ante. Contu<strong>do</strong>, muitos <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res agregam à<br />
responsabilidade civil o caráter punitivo <strong>do</strong> autor da ação ou omissão antijurídica e<br />
pedagógico, pois com a punição <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> dano fica demonstra<strong>do</strong> a toda<br />
sociedade que o causa<strong>do</strong>r de um dano não fica impune, geran<strong>do</strong> na sociedade uma<br />
sensação de que seus direitos estão garanti<strong>do</strong>s por mecanismos cria<strong>do</strong>s pela lei.<br />
Cumpre esclarecer que, no tocante à questão da reparação de<br />
danos, não é raro a propositura de demandas visan<strong>do</strong> à responsabilização civil em<br />
face da figura <strong>do</strong> cartório. Tais demandas são extintas por ausência de legitimidade<br />
passiva, pois o serviço notarial não possui personalidade jurídica.<br />
40 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Trata<strong>do</strong> de Direito Comercial Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas<br />
Bastos, 1957, p. 166-167.<br />
59
Uma das razões para tal procedimento ainda persistir é que, no<br />
passa<strong>do</strong>, consideravam-se os cartórios figuras jurídicas, equivalentes a imóveis,<br />
objeto de herança ou adquiri<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>ação, porém, com o passar <strong>do</strong>s anos eles<br />
deixaram de compor o patrimônio de seu titular.<br />
Nos dias atuais eles têm a condição de ente fictício, constituem<br />
unidades de serviços notariais e seu titular deve ter si<strong>do</strong> aprova<strong>do</strong> por concurso<br />
público de provas e títulos, receben<strong>do</strong> assim, a delegação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para o<br />
exercício de <strong>sua</strong> atividade em caráter priva<strong>do</strong>, conforme art. 236 da Constituição<br />
Federal.<br />
Desta forma, os <strong>notário</strong>s são habilita<strong>do</strong>s por concurso público, sen<strong>do</strong><br />
os candidatos bacharéis ou aqueles que estejam no exercício da <strong>função</strong> notarial e<br />
de registro por mais de dez anos, investin<strong>do</strong>-se nesta <strong>função</strong> por delegação <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> de acor<strong>do</strong> com o artigo in verbis.<br />
Lei nº 8.935/94<br />
Art. 15 - Os concursos serão realiza<strong>do</strong>s pelo Poder Judiciário, com a<br />
participação, em todas as <strong>sua</strong>s fases, da Ordem <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
Brasil, <strong>do</strong> Ministério Público, de um <strong>notário</strong> e de um registra<strong>do</strong>r.<br />
§1º - O concurso será aberto com a publicação de edital, dele<br />
constan<strong>do</strong> os critérios de desempate.<br />
§2º - Ao concurso público poderão concorrer candidatos não<br />
bacharéis em direito que tenham completa<strong>do</strong>, até a data da primeira<br />
publicação <strong>do</strong> edital <strong>do</strong> concurso de provas e títulos, 10 (dez) anos<br />
de exercício em serviço notarial ou de registro.<br />
Apenas será aprova<strong>do</strong> por concurso o titular da unidade de serviço<br />
notarial que tem por <strong>sua</strong> conta a administração <strong>do</strong> serviço notarial, arcan<strong>do</strong> com<br />
todas as despesas e toman<strong>do</strong> as decisões acerca da escolha <strong>do</strong>s seus funcionários,<br />
estes, atuan<strong>do</strong> sob <strong>sua</strong> responsabilidade e regi<strong>do</strong>s pelas normas da CLT.<br />
O tabelião de notas detém sob <strong>sua</strong> orientação to<strong>do</strong>s os atos<br />
pratica<strong>do</strong>s em seu cartório, poden<strong>do</strong> seus funcionários praticar somente os atos que<br />
60
ele autorizar e deste mo<strong>do</strong>, a pessoa física, titular <strong>do</strong> serviço notarial, deve<br />
responder de forma solitária a todas as questões relativas à responsabilidade civil.<br />
O <strong>notário</strong> responderá por to<strong>do</strong>s os atos inexatos próprios da <strong>função</strong><br />
pública que ocorram na serventia, mas não de forma objetiva como sustentam<br />
autores como Luís Carlos Fagundes Vianna e Yussef Said Cahali, pois o artigo 22 da<br />
Lei <strong>do</strong>s Notários e Registra<strong>do</strong>res apenas dispõe que os <strong>notário</strong>s responderão<br />
mesmo agin<strong>do</strong> sem <strong>do</strong>lo ou culpa pelos atos inexatos próprios <strong>do</strong> serviço notarial<br />
pratica<strong>do</strong>s pelos seus prepostos, desde que tenham agi<strong>do</strong> com <strong>do</strong>lo ou culpa,<br />
caben<strong>do</strong> ao titular da serventia o direito de regresso em face <strong>do</strong>s prepostos.<br />
A única hipótese apresentada pelo artigo 22 que independe da<br />
comprovação de culpa refere-se tão somente à substituição <strong>do</strong> preposto pelo titular<br />
<strong>do</strong> serviço na responsabilização civil, não poden<strong>do</strong> o <strong>notário</strong> alegar ausência de<br />
culpa in eligen<strong>do</strong> ou in vigilan<strong>do</strong>, para se eximir da responsabilização.<br />
Importante destacar, que o preposto tem que ter agi<strong>do</strong> com <strong>do</strong>lo ou<br />
culpa na prática de atos próprios <strong>do</strong> serviço público, para que o titular <strong>do</strong> serviço<br />
responda em seu lugar. Caso não haja <strong>do</strong>lo ou culpa por parte <strong>do</strong> preposto o titular<br />
da serventia não irá responder pelo ato inexato, pois não haverá responsabilidade<br />
objetiva <strong>do</strong> <strong>notário</strong>. Nestes casos o Esta<strong>do</strong> responderá pelo ato inexato de forma<br />
objetiva, já que o dano teve origem em um ato de império no exercício da <strong>função</strong><br />
pública.<br />
Assim, como o titular <strong>do</strong> serviço notarial responde pessoalmente<br />
pelos atos pratica<strong>do</strong>s em seu ofício, por não ter o cartório personalidade jurídica,<br />
conclui-se que não se aplica, em regra, a esse serviço o instituto da sucessão, pois<br />
a responsabilidade é pessoal <strong>do</strong> titular e não <strong>do</strong> serviço notarial.<br />
Neste senti<strong>do</strong>, para ilustrar o tema, o julga<strong>do</strong> abaixo:<br />
PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL.<br />
AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA<br />
FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato não detém<br />
personalidade jurídica ou judiciária, sen<strong>do</strong> a responsabilidade<br />
pessoal <strong>do</strong> titular da serventia. No caso de dano decorrente de má<br />
61
prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época <strong>do</strong>s<br />
fatos e o Esta<strong>do</strong> possui legitimidade passiva. Recurso conheci<strong>do</strong> e<br />
provi<strong>do</strong> 41 .<br />
Apesar <strong>do</strong> exposto anteriormente definir de forma precisa a posição<br />
a respeito da inexistência da personalidade jurídica <strong>do</strong> serviço notarial, e por esse<br />
fato não poder estar no pólo passivo da demanda, existem divergências em torno<br />
<strong>do</strong>s julgamentos sobre o tema, conforme o julga<strong>do</strong> transcrito:<br />
Nesta Quarta Turma já assim foi decidi<strong>do</strong> sobre a legitimidade das<br />
pessoas formais: Desta forma, o réu estaria legitima<strong>do</strong> para<br />
demandar e ser demanda<strong>do</strong>, por defender um interesse próprio,<br />
sen<strong>do</strong> ele equipara<strong>do</strong> a uma das várias figuras denominadas<br />
“pessoas formais”, contempladas pela lei como titulares de<br />
personalidade judiciária, conquanto não-detentoras de personalidade<br />
jurídica, tais como a massa falida, o espólio, as heranças jacente e<br />
vacante e o con<strong>do</strong>mínio, sen<strong>do</strong> pertinente a lição de Thereza Alvim,<br />
em O Direito Proces<strong>sua</strong>l de Estar em Juízo (RT, 1996, n.º 1.7, pág.<br />
71), no senti<strong>do</strong> de não ser taxativo o rol elenca<strong>do</strong> no art. 12 <strong>do</strong><br />
Código de Processo Civil. (…) Assim, tenho que o cartório de notas<br />
pode figurar na relação proces<strong>sua</strong>l instaurada para a indenização<br />
pelo dano decorrente da alegada má prestação <strong>do</strong>s serviços<br />
notariais. Tanto ele está legitima<strong>do</strong>, como o tabelião, como o Esta<strong>do</strong>:<br />
“Nada impedia, ademais, que o lesa<strong>do</strong>, para a recomposição <strong>do</strong><br />
dano patrimonial causa<strong>do</strong> por quem atuava investi<strong>do</strong> de <strong>função</strong> de<br />
natureza pública, acionasse exclusivamente o Esta<strong>do</strong>, como, da<br />
mesma forma, poderia fazê-lo em relação ao responsável direto, ou a<br />
ambos, conjuntamente. Afinal, a norma constitucional que estabelece<br />
a responsabilidade objetiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, nitidamente posta para<br />
proteger os administra<strong>do</strong>s, não cria quaisquer restrições nesse<br />
campo da legitimação passiva (Celso Antônio Bandeira de Mello,<br />
Responsabilidade <strong>do</strong> Funcionário por Ação Direta <strong>do</strong> Lesa<strong>do</strong>, in RDP<br />
77/39)” (RE 175739-6/SP, 2ª Turma, rel. em. Ministro Marco Aurélio,<br />
DJ 26.02.99). Posto isso, conheço <strong>do</strong> recurso, pela divergência, e<br />
<strong>do</strong>u-lhe provimento, para afastar a preliminar de ilegitimidade<br />
acolhida pela egrégia Câmara. 42<br />
41 RE 545 613/MG (2003/0066629-2). Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julga<strong>do</strong> em 29/06/07.<br />
42 RE 476.532-RJ (2002/0079415-2). Min. Rel. Ruy Rosa<strong>do</strong> de Aguiar, julga<strong>do</strong> em 04/08/2003.<br />
62
Demonstra-se, pelo julga<strong>do</strong> acima, existir divergência sobre o tema,<br />
porém, pelo número expressivo de jurisprudências que corroboram o entendimento<br />
de inexistência de personalidade jurídica da serventia e de ser controverso o<br />
previsto no Código de Processo Civil, entende-se que o serviço de notas é<br />
desprovi<strong>do</strong> de personalidade jurídica e que o seu titular, a pessoa natural, responde<br />
por inexatidões ocorridas no exercício da atividade.<br />
Cumpre ressaltar que, ao abrir o precedente de admitir a<br />
personalidade jurídica para o cartório, modifica em <strong>sua</strong> essência a responsabilidade<br />
<strong>do</strong> titular no caso de sucessão <strong>do</strong> serviço, poden<strong>do</strong>, neste formato, o sucessor ser<br />
responsabiliza<strong>do</strong> por atos pratica<strong>do</strong>s antes de <strong>sua</strong> assunção. Ao se admitir a<br />
personalidade jurídica <strong>do</strong> serviço notarial, se inviabiliza o atual sistema de ingresso e<br />
remoção, pois desta forma, o novo titular assume a responsabilidade por um ato<br />
inexato que foi pratica<strong>do</strong> pelo antigo titular. Contu<strong>do</strong>, importante salientar, que há um<br />
número expressivo de julga<strong>do</strong>s reconhecen<strong>do</strong> a sucessão trabalhista nas Unidades<br />
de Serviço Notarial e Registral.<br />
3.3 Regime jurídico da atividade notarial<br />
Excetua<strong>do</strong>s dessa análise o regime jurídico <strong>do</strong>s serviços já<br />
oficializa<strong>do</strong>s até 5 de outubro de 1988, ressalva<strong>do</strong>s pelo disposto no art. 32 <strong>do</strong> ato<br />
das Disposições Transitórias.<br />
Dentro da realidade da Constituição Federal de 1988, há de se<br />
considerar, como é difícil delinear qual é a configuração orgânica e funcional <strong>do</strong><br />
<strong>notário</strong> e <strong>do</strong> oficial de registro, assim como o seu estatuto disciplinar.<br />
O texto constitucional dispõe em seu artigo 236, que os serviços<br />
notariais e registrais serão exerci<strong>do</strong>s em caráter priva<strong>do</strong>, nos estritos limites da lei,<br />
por delegação <strong>do</strong> Poder Público. A dúvida, porém ocorre, pois o texto ao abdicar de<br />
uma definição clara das atividades notarial e de registro, não trouxe luz às questões<br />
básicas, como, por exemplo, não talhar as <strong>sua</strong>s características, tanto as<br />
institucionais quanto as funcionais e não estabelecer qual o regime jurídico aplica<strong>do</strong>.<br />
63
O texto cria diversas correntes de interpretação das atribuições da<br />
atividade e carece desta forma, o exercício da <strong>função</strong>, de fundamentos básicos,<br />
estes tão necessários para a configuração da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, como a<br />
interpretação da expressão “caráter priva<strong>do</strong> por delegação <strong>do</strong> poder público”,<br />
constante no referi<strong>do</strong> artigo 236, da Constituição Federal, pois necessário saber até<br />
onde vai o serviço público e onde começa a gestão privada.<br />
Os serviços, notarial e de registro, pelo texto constitucional, se<br />
caracterizam como funções de soberania nacional, portanto, não por mera ficção,<br />
afirma-se que, no Brasil da Constituição de 1988, são verdadeiros serviços públicos<br />
e somente é delega<strong>do</strong> o seu exercício, manten<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> <strong>sua</strong> titularidade.<br />
Sempre que o serviço notarial ficar vago por morte, aposenta<strong>do</strong>ria<br />
ou perda da delegação haverá uma delegação originária <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para o novo<br />
particular habilita<strong>do</strong> em concurso público.<br />
Os fundamentos para se considerar a atividade notarial um serviço<br />
público são as seguintes: caso não fosse considera<strong>do</strong> um serviço público a<br />
Constituição Federal não faria menção em seu texto da necessidade de delegação,<br />
já que só há delegação de serviços públicos; trata-se de uma atividade jurídica e não<br />
meramente material, não poden<strong>do</strong> ser concedida à pessoas jurídicas como ocorre<br />
nas permissões e concessões e ainda não é atribuída ao particular por meio de<br />
contrato, mas por meio de delegação prevista na Magna Carta; o serviço notarial<br />
presta<strong>do</strong> não é remunera<strong>do</strong> por tarifa ou preço público, mas sim, por emolumentos,<br />
que tem natureza tributária de taxa e segun<strong>do</strong> disposição legal, somente pode ser<br />
cobrada pela prestação de um serviço público; a delegação é feita a habilita<strong>do</strong> em<br />
concurso público de provas e títulos e não em processo licitatório; e por fim a<br />
fiscalização <strong>do</strong> serviço notarial é feito pelo Poder Judiciário e não pelo Poder<br />
Executivo, como ocorre com os serviços que são concedi<strong>do</strong>s ou autoriza<strong>do</strong>s,<br />
restan<strong>do</strong> clara a natureza jurídica da atividade e a importância deste serviço<br />
presta<strong>do</strong> à sociedade.<br />
Importante destacar que existem diversos regimes jurídicos públicos<br />
estabeleci<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com as especificidades <strong>do</strong> serviço presta<strong>do</strong>.<br />
64
O primeiro regime jurídico é aquele aplica<strong>do</strong> aos serviços públicos<br />
que apenas o Poder Público, como exclusividade, poderá prestar como os de<br />
prestação da jurisdição, segurança pública, diplomacia, atividade legislativa, entre<br />
outros.<br />
Outro regime jurídico é aquele aplica<strong>do</strong> aos serviços públicos<br />
previstos no art. 175 da Constituição Federal e por esse regime os serviços podem<br />
ser presta<strong>do</strong>s diretamente pelo Poder Público ou podem ser objeto de delegação por<br />
meio de concessão, permissão ou autorização, sempre precedi<strong>do</strong> de licitação.<br />
Ainda há a possibilidade <strong>do</strong> serviço público ser presta<strong>do</strong> pelo Poder<br />
Público e pelo particular conjuntamente, necessitan<strong>do</strong> o particular de uma licença.<br />
Os exemplos mais comuns são os serviços de saúde e educação constante nos arts.<br />
199 e 209 da Constituição Federal.<br />
Por fim, o último regime jurídico é o <strong>do</strong>s serviços notariais, em que a<br />
Constituição Federal atribui a prestação da <strong>função</strong> pública diretamente pelo<br />
particular habilita<strong>do</strong> por meio de concurso público, não poden<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong><br />
desempenhar direta ou indiretamente essa atividade, nos termos <strong>do</strong> art. 236 da<br />
Constituição Federal.<br />
No entanto, não se pode fechar os olhos para situações<br />
excepcionais onde ocorre descumprimento <strong>do</strong> dispositivo constitucional para garantir<br />
o exercício <strong>do</strong> serviço notarial e de registro.<br />
Em algumas regiões <strong>do</strong> país onde não há condições econômicas e<br />
sociais para a instalação da serventia e não há meios de manter as atividades, seja<br />
por problemas logísticos ou de viabilidade econômica, o Poder Público nomeia<br />
funcionários públicos estaduais, como técnicos e analistas <strong>do</strong> Poder Judiciário para<br />
assumir as atividades, já que nenhum particular aprova<strong>do</strong> em concurso se<br />
interessaria em assumir uma serventia deficitária.<br />
Por ser a atividade notarial e de registro uma atividade de caráter<br />
<strong>social</strong>, há a necessidade da existência desses serviços, principalmente o registro<br />
civil das pessoas naturais e por essas razões existem casos até hoje, em que o<br />
65
<strong>notário</strong> e o oficial de registro são funcionários públicos estaduais e recebem<br />
vencimentos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e, também, os emolumentos devi<strong>do</strong>s pelo serviço<br />
extrajudicial presta<strong>do</strong>.<br />
Esta anomalia ocorre, por exemplo, no Esta<strong>do</strong> de Sergipe e<br />
atualmente ganhou um contorno mais grave, pois os funcionários públicos<br />
nomea<strong>do</strong>s para assumir os serviços extrajudiciais de cidades sem viabilidade<br />
econômica <strong>do</strong> serviço, depois de completa<strong>do</strong> o prazo para remoção se removem<br />
para cidades maiores, inclusive para a capital Aracaju, e continuam a ser titulares de<br />
cargos públicos, receben<strong>do</strong> os vencimentos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e os emolumentos <strong>do</strong>s<br />
particulares.<br />
A delegação à gestão privada de serviços intrínsecos à soberania<br />
política e à segurança jurídica é a forma mais eficiente <strong>do</strong> exercício da atividade<br />
notarial para o Esta<strong>do</strong>, pois possui um particular altamente qualifica<strong>do</strong> que gerencia<br />
a Unidade de Serviço e ainda responde pelos atos inexatos, de acor<strong>do</strong> com o artigo<br />
in verbis:<br />
Lei nº 8.935/94<br />
Art. 21 - O gerenciamento, administrativo e financeiro <strong>do</strong>s serviços<br />
notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva <strong>do</strong> respectivo<br />
titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio,<br />
investimento e pessoal, caben<strong>do</strong>-lhe estabelecer normas, condições<br />
e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de<br />
seus prepostos de mo<strong>do</strong> a obter a melhor qualidade na prestação<br />
<strong>do</strong>s serviços.<br />
O fato de que a atividade de notas e de registro é uma das vigas<br />
mestras da soberania nacional fez com que o modelo adequa<strong>do</strong> fosse a delegação<br />
<strong>do</strong> serviço público para um particular, pois o exercício da atividade é complexo, já<br />
que possui contornos de serviço público, contu<strong>do</strong>, deven<strong>do</strong> ser a serventia<br />
gerenciada como se fosse uma verdadeira empresa.<br />
66
O <strong>notário</strong> além de exercer diversas funções de caráter público,<br />
como a de fiscal de tributos, ainda precisa ter conhecimentos de administração de<br />
empresas para viabilizar economicamente a atividade, suportan<strong>do</strong> os prejuízos que<br />
eventualmente sofrer e responden<strong>do</strong> civilmente pelos atos inexatos próprios e de<br />
seus prepostos.<br />
Os <strong>notário</strong>s são representantes <strong>do</strong> poder público na categoria de<br />
agentes delega<strong>do</strong>s, isto é, pessoas incumbidas, definitivamente ou transitoriamente,<br />
<strong>do</strong> exercício de alguma <strong>função</strong> estatal, pois a competência ou atribuição <strong>do</strong> agente<br />
constitui a natureza da <strong>função</strong> estatal, uma vez, que não são funcionários públicos,<br />
não exercem cargos públicos e não recebem <strong>do</strong> poder público qualquer provento.<br />
Meirelles:<br />
Para reforçar o exposto, recorre-se aos ensinamentos de Hely Lopes<br />
São particulares que recebem a incumbência da execução de<br />
determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome<br />
próprio, por <strong>sua</strong> conta e risco, mas segun<strong>do</strong> as normas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e<br />
sob a permanente fiscalização <strong>do</strong> delegante. Esses agentes não são<br />
servi<strong>do</strong>res públicos, nem honoríficos, nem representantes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>;<br />
todavia, constituem uma categoria à parte de colabora<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
Poder Público. Nessa categoria encontram-se os concessionários e<br />
permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de<br />
ofícios ou cartórios não estatiza<strong>do</strong>s, os leiloeiros, os tradutores e<br />
intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação<br />
para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse<br />
coletivo 43 .<br />
Até pouco tempo atrás, o Supremo Tribunal Federal considerava os<br />
oficiais de registro e tabeliães funcionários públicos, porém este entendimento<br />
mu<strong>do</strong>u completamente com o julgamento da ADIn 2.602/MG, em que se firmou o<br />
entendimento de que aos tabeliães e aos oficiais de registro não se aplica a<br />
aposenta<strong>do</strong>ria compulsória, já que pela EC/1998 a regra <strong>do</strong> artigo 40 da<br />
Constituição Federal, que se referia apenas a servi<strong>do</strong>res públicos, passou a tratar de<br />
43 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 75.<br />
67
servi<strong>do</strong>res "titulares de cargos efetivos", não se enquadran<strong>do</strong> os oficiais de registro e<br />
tabeliães nesta nova exigência.<br />
A verdade é que se aplica à atividade notarial um regime jurídico<br />
misto, em face da existência de atos de império e atos de gestão e a aplicação <strong>do</strong><br />
regime jurídico de direito público aos atos que envolvam a fé pública e <strong>do</strong> regime<br />
jurídico de direito priva<strong>do</strong> a outros atos não encontra qualquer óbice, conviven<strong>do</strong><br />
pacificamente, pois são diversos os campos de atuação.<br />
Para confirmar a plena convivência <strong>do</strong> regime jurídico de direito<br />
priva<strong>do</strong> com a natureza de <strong>função</strong> pública, Luís Paulo Aliende Ribeiro afirma: “A<br />
gestão privada, isoladamente considerada, não permite, por este motivo, a<br />
caracterização da atividade notarial de registros como atividade econômica em<br />
senti<strong>do</strong> estrito, permanecen<strong>do</strong>, em face <strong>do</strong> parcial regime jurídico de direito público,<br />
<strong>sua</strong> natureza de serviço público” 44 .<br />
exercício da atividade de notas.<br />
Necessário fazer uma breve explanação sobre os atos pratica<strong>do</strong>s no<br />
Atos de gestão são aqueles em que o Esta<strong>do</strong> age como particular,<br />
em igualdade de forças com este. Na atividade notarial são os atos de<br />
gerenciamento administrativo, financeiro e de pessoal que estão elenca<strong>do</strong>s no art.<br />
21 da Lei Federal 8.935/94. É aplica<strong>do</strong> o regime jurídico de direito priva<strong>do</strong> a<br />
referi<strong>do</strong>s atos. Não haven<strong>do</strong> qualquer diferença de tratamento aos <strong>notário</strong>s. Como<br />
atos de gestão podemos citar a contratação de seus prepostos que será sob a égide<br />
da CLT e a contratação de serviços terceiriza<strong>do</strong>s, como limpeza, informática e<br />
telefonia.<br />
Atos de império são aqueles que possuem submissão obrigatória<br />
<strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s, que a administração pratica usan<strong>do</strong> de <strong>sua</strong> supremacia. Assim,<br />
no tabelionato de notas, serão atos de império aqueles que o oficial é obriga<strong>do</strong> a<br />
praticar da forma determinada pela lei, sem qualquer possibilidade de<br />
discricionariedade, que estão intrinsecamente liga<strong>do</strong>s à busca <strong>do</strong> fim <strong>social</strong> pelo<br />
44 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da Função Pública Notarial e de Registro. São Paulo:<br />
Saraiva, 2009, p. 53-54.<br />
68
<strong>notário</strong>. Entre outros podemos destacar a atribuição da fé pública aos <strong>do</strong>cumentos, a<br />
publicidade oficial, a qualidade de autenticidade <strong>do</strong>s instrumentos e segurança<br />
jurídica das relações.<br />
Para o Esta<strong>do</strong> essa forma de exercício da atividade notarial por meio<br />
de delegação é vantajosa, pois possui um profissional prepara<strong>do</strong>, devidamente<br />
seleciona<strong>do</strong> em concurso público, que garante uma série de direitos para toda a<br />
sociedade, que responde civil, penal e administrativamente pelos seus atos de<br />
gestão e é remunera<strong>do</strong> pelas próprias partes mediante os emolumentos, não ten<strong>do</strong><br />
o Esta<strong>do</strong> que utilizar verbas públicas para garantir a prestação desse serviço<br />
essencial para toda a sociedade.<br />
4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ATIVIDADE NOTARIAL<br />
4.1 Fé Pública<br />
Atestar <strong>do</strong>cumentos ou elaborar atos jurídicos com fé pública teve a<br />
<strong>sua</strong> concepção no Império Romano. A fides pública, matéria de direito priva<strong>do</strong>,<br />
estava reservada, às autoridades que possuíam o ius actorum conficien<strong>do</strong>rum,<br />
considerada a faculdade de formar e autorizar expedientes, e os autos eram a acta<br />
ou gesta. Ao proceder desta forma estas pessoas podiam transferir ao Esta<strong>do</strong> a<br />
legalidade que a sociedade necessitava, poden<strong>do</strong> ser em julgamentos de posse ou<br />
69
outros atos em tribunais, pois somente quem tinha fé pública poderia produzir<br />
expediente a ser julga<strong>do</strong>, dito à época, pública monumenta.<br />
Segun<strong>do</strong> os dizeres de João Mendes de Almeida Júnior: “A idéia de<br />
fé tem como notas características a sinceridade de quem afirma e a adesão<br />
confiante <strong>do</strong> espírito de quem recebe a afirmação” 45 .<br />
Desde os primórdios da humanidade, condiciona-se a formação de<br />
uma sociedade à existência da fé, no início uma fé intimamente ligada à crença<br />
religiosa. Ocorre que oriunda dessa força religiosa, se estabelece o <strong>do</strong>gma, de que a<br />
fé e a crença religiosa vêm de uma mesma origem, tem um mesmo senti<strong>do</strong>, da<br />
necessidade intrínseca ao homem de crer. Como essa crença religiosa, ficou sujeita<br />
ao extremismo da verdade absoluta, se estabelece nos primórdios o mesmo<br />
princípio básico para a fé, a verdade absoluta.<br />
Quan<strong>do</strong> um ato de fé se reveste de verdade jurídica, protegida pelos<br />
ditames legais, denomina-se ato de fé pública e quan<strong>do</strong> se exerce essa verdade por<br />
indivíduos devidamente prepara<strong>do</strong>s para tal atividade, são denomina<strong>do</strong>s, atos<br />
elabora<strong>do</strong>s por indivíduos investi<strong>do</strong>s de fé pública, no presente trabalho, atos<br />
notariais e registrais.<br />
Para a sociedade foi sempre complexa a relação da verdade<br />
absoluta com o indivíduo encarrega<strong>do</strong> de exercê-la, sen<strong>do</strong> que esta atribuição vinha<br />
de um substabelecimento de poder, <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r, Rei, Igreja, Esta<strong>do</strong> moderno,<br />
enfim ela sempre foi fruto da necessidade de se elaborar as regras para convivência<br />
<strong>do</strong> homem, no que concerne aos seus direitos e obrigações.<br />
a <strong>do</strong>utrina de João Mendes:<br />
Desta forma foram cria<strong>do</strong>s órgãos revesti<strong>do</strong>s de fé pública, conforme<br />
Constituí<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> para assegurar e transmitir a verdade da<br />
existência de certos fatos e atos jurídicos, os órgãos da fé pública<br />
têm por <strong>função</strong> a “afirmativa geral”, e são incumbi<strong>do</strong>s de lavrar atos e<br />
contratos, de atestar a identidade das pessoas das letras e das<br />
45 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. V.<br />
70
assinaturas e firmas, de registrar títulos de direito, de conservar os<br />
respectivos formais, de autenticar atos proces<strong>sua</strong>is 46 .<br />
Para atender aos anseios da sociedade de estabilidade, certeza,<br />
autenticidade e indiscutibilidade das diversas formas de relações jurídicas a fé<br />
pública foi desmembrada em fé pública geral, especial, judicial, administrativa e<br />
extrajudicial, que é a inerente aos <strong>notário</strong>s e também aos cônsules, militares e<br />
outras autoridades.<br />
Nos tempos atuais, para o exercício da fé pública, o Esta<strong>do</strong> delega a<br />
<strong>função</strong> a um indivíduo devidamente credencia<strong>do</strong> por concurso público, o <strong>notário</strong> ou o<br />
oficial de registro, estes, porém, devem ser isentos de qualquer suspeição. Para<br />
compreender a linha de poder que esta designação contém, vale fazer breve<br />
parâmetro, de que esse poder da delegação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ao <strong>notário</strong> e ao oficial de<br />
registro advém <strong>do</strong> substabelecimento <strong>do</strong> poder que o povo investe o Esta<strong>do</strong> pelo<br />
voto, ressalva-se, porém, que o poder investi<strong>do</strong> ao Esta<strong>do</strong>, é oriun<strong>do</strong> de ato de<br />
confiança particular de cada indivíduo ao votar e o poder que Esta<strong>do</strong> reveste o<br />
<strong>notário</strong> e o oficial de registro é delega<strong>do</strong> após a avaliação de méritos.<br />
A fé pública garante a representação exata e correta da realidade e<br />
certeza ideológica e fornece evidência e força probante atribuída pelo ordenamento<br />
jurídico, que constitui subsídio aos juízes em casos de possíveis disputas, para um<br />
julgamento justo e assim transfere à sociedade a segurança necessária para<br />
promover o desenvolvimento de <strong>sua</strong>s atividades. Nesse senti<strong>do</strong> os dizeres de João<br />
Mendes de Almeida Júnior: “Os fins da <strong>sua</strong> organização são a segurança <strong>do</strong>s<br />
direitos individuais e a conservação <strong>do</strong>s interêsses da vida <strong>social</strong>, fins êsses que lhe<br />
dão, pela identificação com certos fins <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o caráter público” 47 .<br />
A atividade notarial compreende uma gama imensa de atribuições,<br />
das quais se destaca a fé pública, crença da sociedade na verdade <strong>do</strong>s seus atos,<br />
desta forma, esta sociedade acredita no que se elabora no cartório, no que o<br />
tabelião de notas diz, que ganha valor jurídico e acarreta em severo regime de<br />
46 Ibidem, p. V.<br />
47 Ibidem, p. V.<br />
71
esponsabilização civil, administrativa e criminal, caso ocorra incorreção no exercício<br />
de <strong>sua</strong> <strong>função</strong>.<br />
Entretanto, entende-se que os efeitos da fé pública não são<br />
absolutos, são impostos limites, sen<strong>do</strong> assim, ela vem associada a uma série de<br />
cuida<strong>do</strong>s, proporcionais a importância que este efeito de fé pública pode gerar<br />
dentro da sociedade.<br />
A pessoa investida de fé pública está sujeita a controles<br />
devidamente estabeleci<strong>do</strong>s por lei específica, por órgãos específicos, que colocam a<br />
atividade dentro da rigidez jurídica necessária ao desenvolvimento harmônico da<br />
sociedade, sen<strong>do</strong>, porém, previstos erros que geram a responsabilidade civil, com<br />
punições definidas em lei.<br />
Assim, o <strong>notário</strong> é detentor da fé pública, sen<strong>do</strong> esta definida<br />
quan<strong>do</strong>, ele coloca seu sinal público em algum instrumento ou declara ser<br />
determina<strong>do</strong> ato pratica<strong>do</strong> absolutamente isento de inverdade, dúvida ou suspeita.<br />
Ao atribuir a uma pessoa, fé pública, figura como pressuposto que<br />
<strong>sua</strong>s ações contenham a certeza jurídica, contu<strong>do</strong> relativa, a fim de revestir de<br />
legalidade, autenticidade e estabilidade, to<strong>do</strong>s os seus atos, portanto e para tanto,<br />
condiciona-se que além de elaborar <strong>do</strong>cumentos que contenham a verdade, o<br />
tabelião deve observar a realidade jurídica, pois somente assim, tutela<strong>do</strong> pelo<br />
direito, é que serão fixa<strong>do</strong>s os parâmetros para produção <strong>do</strong>s efeitos da fé pública, o<br />
oficial atestan<strong>do</strong> a verdade protegida pelo direito.<br />
Neste senti<strong>do</strong> a <strong>do</strong>utrina de Afonso Celso F. Rezende:<br />
O valor jurídico e a certeza implicam que a fé pública pressupõe a<br />
correspondência da realidade, cuja firmeza é tutelada pelo Direito. A<br />
consistência desse efeito traduz-se na própria importância da <strong>função</strong><br />
exercida, esta, por <strong>sua</strong> vez, submetida a to<strong>do</strong>s os tipos de garantias<br />
e exigências, que necessariamente, derivam de normas jurídicas,<br />
incluin<strong>do</strong> severo regime de responsabilidades civis, penais e<br />
72
administrativas, caso ocorressem desvios, deslizes ou incorreções<br />
no seu exercício 48 .<br />
A <strong>função</strong> da fé pública é garantir que as relações patrimoniais e<br />
sociais da sociedade estejam revestidas da presunção de veracidade, ainda que<br />
relativa, de autenticidade e legitimidade necessárias para proteção <strong>do</strong>s direitos e<br />
prevenção de litígios.<br />
Corroboran<strong>do</strong> esse entendimento, Afonso Celso F. Rezende ensina:<br />
“O fundamento da existência da fé pública encontra-se na vida <strong>social</strong>, que requer<br />
estabilidade em <strong>sua</strong>s relações, para que venham alcançar a evidência e<br />
permanência legal” 49 .<br />
Este mecanismo de prevenção de litígios tem o poder de inibir<br />
demandas e retira <strong>do</strong> judiciário uma parcela considerável <strong>do</strong> trabalho de julgar estes<br />
possíveis litígios. Neste senti<strong>do</strong>, a atividade notarial exercida revestida <strong>do</strong>s efeitos<br />
da fé pública, pode ser classificada como uma espécie de justiça preventiva e com<br />
certeza constitui importante peça na construção de uma sociedade mais justa.<br />
A atividade de notas tem um papel importante na sociedade e no<br />
mun<strong>do</strong> jurídico, pois possibilita ao judiciário tomar decisões com base em<br />
instrumentos confecciona<strong>do</strong>s sob uma forma juridicamente correta, elabora<strong>do</strong>s por<br />
pessoas devidamente qualificadas e detentoras de fé pública.<br />
A <strong>função</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> está intimamente ligada com os efeitos da fé<br />
pública, pois não se concebe uma sem a outra, intrínsecos, o tabelião ao mesmo<br />
tempo em que elabora um <strong>do</strong>cumento, comprova o fato perante a sociedade,<br />
ampara<strong>do</strong> pelos efeitos da fé pública, reveste o <strong>do</strong>cumento com legalidade jurídica,<br />
dá proteção às transações, isto, dentro <strong>do</strong>s parâmetros que o merca<strong>do</strong> exige se<br />
expressa, portanto, a vontade das partes de forma válida, verdadeira e juridicamente<br />
correta, como dispõe o artigo in verbis:<br />
Lei nº 8.935/94<br />
48 REZENDE, Afonso Celso F.Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. Campinas, SP: Millennium,<br />
2006, p. 31.<br />
49 Ibidem, p. 30.<br />
73
Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registra<strong>do</strong>r, são<br />
profissionais <strong>do</strong> direito, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé pública, a quem é delega<strong>do</strong> o<br />
exercício da atividade notarial e de registro.<br />
Importante destacar que, para estabelecer e compreender na <strong>sua</strong><br />
forma mais precisa tão importante instrumento para certificar a titularidade da<br />
propriedade e para propiciar um tráfego imobiliário seguro, é necessário explicar<br />
que, quan<strong>do</strong> se refere à certificação da titularidade de propriedade é questão de fé<br />
pública de registro e quan<strong>do</strong> se refere à certificação das transações é questão de fé<br />
pública notarial.<br />
A quebra da fé pública, a prova de que um <strong>do</strong>cumento produzi<strong>do</strong> em<br />
cartório perdeu o efeito por erro ou má fé, tem um efeito devasta<strong>do</strong>r na crença da<br />
sociedade no sistema instaura<strong>do</strong> e é por este motivo que existem órgãos<br />
fiscaliza<strong>do</strong>res que atuam com extremo rigor em casos de deslize ou mesmo erros,<br />
como as correições ordinárias e extraordinárias feitas pelas Correge<strong>do</strong>rias<br />
Estaduais.<br />
A fé pública notarial é essencial para atestar a legalidade,<br />
autenticidade e legitimidade das transações, garantin<strong>do</strong> um tráfego imobiliário<br />
seguro e tem por princípio básico a confiança, pois, proporciona o grau de confiança<br />
necessário ao andamento <strong>do</strong> negócio, o seu amparo jurídico, a <strong>sua</strong> segurança<br />
jurídica, enfim, a situação de imutabilidade <strong>do</strong> fato quan<strong>do</strong> observadas todas as<br />
prescrições legais.<br />
Em primeira análise a fé notarial, fundamento basilar da atividade,<br />
segun<strong>do</strong> as leis e normas em vigor, tem por objetivo validar os atos pratica<strong>do</strong>s<br />
dentro das serventias de notas, buscan<strong>do</strong> a segurança jurídica esperada pela<br />
sociedade.<br />
O interessa<strong>do</strong> expõe ao <strong>notário</strong> a <strong>sua</strong> vontade e, mediante a<br />
orientação jurídica desse profissional, tem a convicção de que ela será preservada e<br />
terá o formato jurídico adequa<strong>do</strong>. Desta forma se produz os efeitos deseja<strong>do</strong>s<br />
perante a sociedade, que é obter a eficácia jurídica <strong>do</strong> ato. Conforme explica<br />
Leonar<strong>do</strong> Brandelli, “Por buscar a realização <strong>do</strong> melhor resulta<strong>do</strong> jurídico de acor<strong>do</strong><br />
74
com a vontade de ambas as partes envolvidas, constituin<strong>do</strong>-se numa espécie de<br />
magistra<strong>do</strong> extrajudicial” 50 .<br />
Ao consumar este grau de confiança, entre o <strong>notário</strong> e o<br />
interessa<strong>do</strong>, fica satisfeito na <strong>sua</strong> forma plena o exercício da fé pública notarial,<br />
desígnio próprio <strong>do</strong> <strong>notário</strong> latino, uma tradição <strong>do</strong> exercício da atividade notarial<br />
através <strong>do</strong>s tempos.<br />
4.2 Segurança Jurídica<br />
A segurança jurídica é um princípio supranormativo da <strong>função</strong><br />
notarial e registral imobiliária, sen<strong>do</strong> irrevogável pela lei, sob pena de desnaturar por<br />
completo o sistema.<br />
No tabelionato de notas a segurança jurídica é a garantia <strong>do</strong> cidadão<br />
de que <strong>sua</strong> declaração de vontade terá a forma jurídica adequada e gozará de<br />
certeza e estabilidade <strong>social</strong>, produzin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os efeitos espera<strong>do</strong>s. Cabe ao<br />
<strong>notário</strong> impedir a realização de qualquer ato que não esteja de acor<strong>do</strong> com as regras<br />
rígidas e formais <strong>do</strong> sistema notarial.<br />
A atividade notarial é uma das bases da soberania nacional e isto<br />
ocorre pelo fato de que tal atividade é, por <strong>sua</strong> essência e excelência, parte<br />
intrínseca da estabilidade <strong>social</strong>. A atividade exercida pelo tabelião de notas está<br />
ligada à garantia <strong>do</strong> direito à propriedade e o exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong>, por isso<br />
tem a clara missão de manter a ordem <strong>social</strong>, conferin<strong>do</strong> à atividade um vínculo<br />
sóli<strong>do</strong> com a segurança jurídica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e de seus cidadãos.<br />
Para um desenvolvimento sustentável, o sistema <strong>social</strong> insere como<br />
insumo básico a segurança jurídica, a qual gera a soberania política, por meio da<br />
qual se estabelecem regras claras para as relações econômicas. Pressuposto para<br />
tanto é a existência de instituições que garantem de forma eficiente a segurança das<br />
transações, pois é consagra<strong>do</strong>, de forma absoluta, que quanto maior for a segurança<br />
jurídica preventiva, maior será a possibilidade de crescimento econômico. Deste<br />
50 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria geral <strong>do</strong> direito notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, passim.<br />
75
mo<strong>do</strong>, conclui-se, que a atividade notarial está no centro desta relação, <strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />
com a segurança jurídica e estes estão diretamente liga<strong>do</strong>s ao crescimento<br />
econômico.<br />
O estu<strong>do</strong> da origem <strong>do</strong> desenvolvimento sustentável define um<br />
parâmetro de fundamental importância, ao compreender como a atividade <strong>do</strong>s<br />
tabeliães de notas está diretamente relacionada com nosso cotidiano. Realiza-se<br />
este estu<strong>do</strong> de forma básica, para se entender a precisa equação, mais capital no<br />
setor produtivo mais trabalho, a partir <strong>do</strong> que se elabora a seguinte relação, quanto<br />
maior for a segurança jurídica das transações, maior será o crescimento econômico,<br />
este, fundamento básico para o desenvolvimento sustentável.<br />
A definição básica das razões pelas quais o desenvolvimento<br />
acontece tem em <strong>sua</strong> concepção diversas origens, no entanto, pode-se afirmar, com<br />
certeza, que a qualidade das transações jurídicas e a <strong>sua</strong> adequada<br />
instrumentalização é um <strong>do</strong>s pilares de um desenvolvimento sustentável de grande<br />
confiabilidade.<br />
A atividade <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, investi<strong>do</strong> da fé pública, desenvolve-se dentro<br />
<strong>do</strong>s padrões técnicos e éticos estabeleci<strong>do</strong>s, contribui de forma significativa para dar<br />
segurança ao merca<strong>do</strong> e colabora sobremaneira para a circulação de riquezas,<br />
favorecen<strong>do</strong> o setor produtivo.<br />
O sistema notarial define as condições para garantir as transações<br />
comerciais, mediante os princípios que regem o exercício da atividade. O merca<strong>do</strong><br />
solicita uma assistência jurídica de qualidade e precisa obter as informações com a<br />
devida precisão e segurança.<br />
Com o objetivo de atenuar a inevitável desinformação, são<br />
necessários os esclarecimentos que atendam a essa exigência, que diminuam os<br />
custos que a incerteza jurídica coloca sobre a negociação, de forma a fomentar<br />
novos negócios, novas transações, mais circulação de riquezas.<br />
O <strong>notário</strong> tem a <strong>função</strong> de produzir segurança e certeza jurídica por<br />
meio de <strong>sua</strong> intervenção nas transações jurídicas produzin<strong>do</strong> nos dizeres de<br />
76
Leonar<strong>do</strong> Brandelli, “uma <strong>do</strong>cumentação especial, pública, privilegiada, aos atos e<br />
contratos, aos negócios jurídicos, dan<strong>do</strong>-lhes mais qualidade e tornan<strong>do</strong>-os mais<br />
críveis, o que traz forçosamente, vantagens e soluções óbvias” 51 .<br />
4.3 Dignidade da pessoa humana<br />
4.3.1Surgimento <strong>do</strong> Direito<br />
Para entender o conceito da dignidade da pessoa humana e<br />
estabelecer o seu fundamento, é necessária uma análise da origem das normas<br />
protetoras até <strong>sua</strong> consolidação no ordenamento jurídico da atualidade.<br />
O homem é indiscutivelmente um ser <strong>social</strong>, viven<strong>do</strong> em sociedade<br />
em constante interação com seus semelhantes por necessidade de sobrevivência.<br />
Inexiste o homem independente, pois ele precisa relacionar-se com outros homens<br />
para satisfazer seus interesses e necessidades.<br />
Somente viven<strong>do</strong> em sociedade, com o apoio de seus semelhantes,<br />
conseguiu o homem suprir <strong>sua</strong>s necessidades básicas. A caça em grupo era bem<br />
mais proveitosa <strong>do</strong> que a executada de forma individual; os animais carnívoros<br />
somente poderiam ser afugenta<strong>do</strong>s pela força e coordenação <strong>do</strong> grupo; e a<br />
perpetuação da espécie dependia <strong>do</strong> convívio <strong>social</strong> entre famílias diversas e da<br />
ocorrência de interesses comuns.<br />
A vida em sociedade, apesar de motivada por objetivos comuns <strong>do</strong><br />
grupo, é também caracterizada pela existência de conflitos de interesses individuais.<br />
Para que tais conflitos não resultassem na quebra da estrutura <strong>social</strong>, que levaria à<br />
extinção da sociedade e da própria espécie humana foi necessário disciplinar tais<br />
conflitos, com a criação de regras (direitos e deveres) impostas a to<strong>do</strong>s. É a origem<br />
<strong>do</strong> Direito.<br />
Em um primeiro momento, esses direitos eram garanti<strong>do</strong>s por um<br />
modelo vertical, fundamenta<strong>do</strong> na hierarquia, em que to<strong>do</strong>s respeitavam as regras<br />
51 Ibidem, p. 123.<br />
77
que eram ditadas pelo indivíduo mais forte, ou mais esperto, haven<strong>do</strong> uma relação<br />
entre <strong>do</strong>minantes e <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s.<br />
Esse modelo vertical perdurou durante muito tempo, somente<br />
perden<strong>do</strong> espaço para o modelo horizontal nos tempos modernos, em que as regras<br />
passaram a ser respeitadas em face da legitimação <strong>do</strong> governante.<br />
4.3.2Origem e dimensões <strong>do</strong>s direitos fundamentais<br />
No perío<strong>do</strong> em que estavam em curso as monarquias absolutas, o<br />
soberano ditava as regras, sem qualquer interferência, e cabia ao povo apenas se<br />
submeter às <strong>sua</strong>s vontades. Esse tipo de governo se sustentava em face da<br />
sistemática <strong>do</strong> modelo vertical de organização <strong>social</strong>, que dispõe que as regras são<br />
respeitadas por to<strong>do</strong>s devi<strong>do</strong> apenas ao poder de coação que o soberano exerce<br />
sobre seu povo e não pela legitimidade de <strong>sua</strong> <strong>função</strong>, fican<strong>do</strong> clara a hierarquia e a<br />
submissão <strong>do</strong>s mais fracos.<br />
Entretanto, em face das insatisfações <strong>do</strong> povo e até da nobreza<br />
latifundiária, que não tinham garanti<strong>do</strong>s os direitos essenciais à <strong>sua</strong> sobrevivência,<br />
teve início a falência da monarquia absoluta, ten<strong>do</strong> como ponto de partida o Reino<br />
Uni<strong>do</strong>.<br />
Depois de muita luta entre a monarquia absoluta e a nobreza<br />
latifundiária foi inaugura<strong>do</strong> um novo modelo de Esta<strong>do</strong>, que atendia aos anseios de<br />
liberdade da sociedade, o Esta<strong>do</strong> Liberal. A transição para o Esta<strong>do</strong> Liberal tem<br />
como marco histórico a Magna Carta de 1215, <strong>do</strong> Rei João, conheci<strong>do</strong> como “João<br />
Sem Terra”.<br />
Com o novo modelo de Esta<strong>do</strong> em curso, paulatinamente foram<br />
confecciona<strong>do</strong>s instrumentos que limitavam o poder <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, garantin<strong>do</strong> direitos<br />
fundamentais em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> em resposta a uma necessidade de toda sociedade<br />
de ver assegura<strong>do</strong>s os direitos necessários à <strong>sua</strong> sobrevivência. Dentre os principais<br />
instrumentos, podem ser cita<strong>do</strong>s o Petition of Rights, Habeas Corpus Act, Bill of<br />
78
Rights, 52 a primeira Constituição escrita limitativa <strong>do</strong> poder, Instrument of<br />
Government, a R<strong>evolução</strong> norte-americana e a R<strong>evolução</strong> Francesa.<br />
Os direitos fundamentais, que são aqueles essenciais para garantir<br />
a dignidade da pessoa humana, costumam ser classifica<strong>do</strong>s em gerações ou<br />
dimensões. A R<strong>evolução</strong> Francesa é vista como o mais importante acontecimento<br />
histórico contemporâneo e é, talvez, o marco histórico mais apropria<strong>do</strong> para ilustrar<br />
essa classificação. Inspirada pelos ideais iluministas de liberdade, igualdade e<br />
fraternidade, lemas da R<strong>evolução</strong> (Liberté, Egalité, Fraternité - frase de Jean-<br />
Jacques Rousseau) a R<strong>evolução</strong> Francesa inaugurou um novo paradigma <strong>do</strong>s<br />
direitos fundamentais, poden<strong>do</strong> ser considerada o marco que consoli<strong>do</strong>u a<br />
necessidade de se positivar to<strong>do</strong>s esses direitos e, a partir <strong>do</strong> qual, passou-se a falar<br />
em gerações ou dimensões de direitos humanos.<br />
A primeira dimensão <strong>do</strong>s direitos, que remonta à Antigüidade, está<br />
representada pelo primeiro ideal da R<strong>evolução</strong> Francesa, o da liberdade. Trata-se <strong>do</strong><br />
início da conscientização da importância <strong>do</strong> povo, em que o Esta<strong>do</strong> passou a<br />
garantir diversos direitos essenciais às necessidades primárias <strong>do</strong> homem, como<br />
<strong>sua</strong> própria vida, <strong>sua</strong> liberdade, <strong>sua</strong> integridade física e o direito à propriedade<br />
privada. Esta dimensão inicial abarcava os direitos civis e políticos, também<br />
denomina<strong>do</strong>s liberdades públicas e tem como característica marcante o<br />
individualismo <strong>do</strong>s direitos, que não são garanti<strong>do</strong>s por uma prestação positiva<br />
estatal, mas sim pela <strong>sua</strong> omissão, ou seja, os direitos de primeira dimensão eram<br />
<strong>do</strong>s indivíduos em face <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que teria que se abster de praticar qualquer ato<br />
que ferisse esses direitos individuais. Era a proteção da pessoa humana em face<br />
das ingerências <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> contra a esfera jurídico-individual. 53<br />
Os ideais da R<strong>evolução</strong> Francesa se espalharam por muitos países,<br />
que positivaram em <strong>sua</strong>s Constituições os direitos fundamentais de primeira<br />
dimensão, inauguran<strong>do</strong> uma nova realidade política e <strong>social</strong>, surgin<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong><br />
Liberal.<br />
52 FERREIRA, Luís Paulo Pinto. Princípios gerais de direito constitucional moderno. São Paulo:<br />
Saraiva, 1983, p. 57.<br />
53 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1995, p. 517.<br />
79
Importante um breve relato sobre o significa<strong>do</strong> das expressões<br />
“direitos fundamentais” e “direitos humanos”, nas palavras de Ingo W. Sarlet:<br />
“Direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos <strong>do</strong> ser<br />
humano reconheci<strong>do</strong>s e positiva<strong>do</strong>s na esfera <strong>do</strong> direito<br />
constitucional positivo de determina<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, ao passo que a<br />
expressão “direitos humanos” guardaria relação com os <strong>do</strong>cumentos<br />
de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que<br />
se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de <strong>sua</strong><br />
vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto,<br />
aspiram à validade universal, para to<strong>do</strong>s os povos e tempos, de tal<br />
sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional<br />
(internacional) 54 .<br />
No Brasil, os direitos fundamentais de primeira dimensão foram<br />
incluí<strong>do</strong>s no artigo 127 da “Constituição Política <strong>do</strong> Império <strong>do</strong> Brazil”, de 25/3/1824,<br />
a primeira Carta Política <strong>do</strong> Brasil independente. In verbis:<br />
Art. 179. A inviolabilidade <strong>do</strong>s Direitos Civis, e Políticos <strong>do</strong>s Cidadãos<br />
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a<br />
propriedade, é garantida pela Constituição <strong>do</strong> Império, pela maneira<br />
seguinte: (…)<br />
Com a previsão <strong>do</strong>s direitos fundamentais na Carta Magna o Brasil<br />
adere ao novo modelo de Esta<strong>do</strong>, defendi<strong>do</strong> em muitos países e considera<strong>do</strong> a<br />
solução para as mazelas da sociedade.<br />
O Esta<strong>do</strong> Liberal pregava o individualismo e, em um primeiro<br />
instante, isso foi fundamental para o desenvolvimento da economia e das<br />
sociedades. No entanto, esse liberalismo somente se sustentou <strong>do</strong> século XVII até<br />
início <strong>do</strong> século XX, quan<strong>do</strong> a omissão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, tão defendida outrora, foi<br />
identificada como a principal causa de diversos problemas sociais irreversíveis, que<br />
levariam a queda desse liberalismo desenfrea<strong>do</strong>.<br />
54 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia <strong>do</strong>s Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>,<br />
1998, p. 22.<br />
80
O liberalismo causou conflitos sociais, pois já não atendia às<br />
necessidades da sociedade que está sempre em constante <strong>evolução</strong>. As aspirações<br />
<strong>do</strong> povo não se restringiam apenas aos direitos individuais, precisan<strong>do</strong> ver<br />
garanti<strong>do</strong>s direitos outros que lhe garantissem melhores condições de vida.<br />
Surgem, então, os direitos de segunda dimensão ten<strong>do</strong> como<br />
fundamento a igualdade, o segun<strong>do</strong> ideal declara<strong>do</strong> pela R<strong>evolução</strong> Francesa.<br />
Nesta fase, surgem os direitos que necessitam de uma ação positiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. São<br />
os direitos sociais, que dão início ao Esta<strong>do</strong> Democrático e Social de Direito, que<br />
tem que agir de forma ativa para garantir que to<strong>do</strong> o povo tenha plenas condições de<br />
acessar esses direitos.<br />
As palavras de Cunha Jr. retratam o momento de transição <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> Liberal para o Esta<strong>do</strong> Democrático e Social de Direito:<br />
Toda essa transformação, portanto, ocorreu em virtude <strong>do</strong> fracasso<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> liberal, que não logrou concretizar materialmente as<br />
conquistas formais e abstratas da liberdade e, sobretu<strong>do</strong>, da<br />
igualdade. Com a ascensão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>social</strong>, surgem os direitos de<br />
segunda dimensão, caracteriza<strong>do</strong>s por outorgarem ao indivíduo<br />
direitos a prestações sociais estatais, como saúde, educação,<br />
trabalho, assistência <strong>social</strong>, entre outras, revelan<strong>do</strong> uma transição<br />
das liberdades formais abstratas, conquistadas pelo liberalismo, para<br />
as liberdades materiais concretas 55 .<br />
Diante das insatisfações sociais agravada por uma grande crise<br />
econômica em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, tem início a 2ª Grande Guerra Mundial, e nesse<br />
momento histórico surge a terceira dimensão de direitos fundamentais, que pode ser<br />
representada pelo terceiro ideal da R<strong>evolução</strong> Francesa, a fraternidade. Nessa<br />
dimensão enfatizam-se os direitos de fraternidade, solidariedade e desponta a<br />
importância <strong>do</strong>s direitos difusos. Essa idéia de solidarismo transcende o conceito de<br />
coletividade e os limites <strong>do</strong>s territórios <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s soberanos, pois está<br />
intimamente ligada à noção de cosmopolitismo, de sustentabilidade das<br />
55 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle judicial das omissões <strong>do</strong> poder público: em busca de uma<br />
<strong>do</strong>gmática constitucional transforma<strong>do</strong>ra à luz <strong>do</strong> direito fundamental à efetivação da Constituição.<br />
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 204.<br />
81
comunidades internacionais independentemente de fronteiras físicas, políticas ou<br />
ideológicas.<br />
Nesse processo de internacionalização <strong>do</strong>s direitos humanos, houve<br />
a criação da ONU - Organização das Nações Unidas, em 1945, e, a partir de então,<br />
diversos assuntos receberam tratamento especial mediante a criação de organismos<br />
específicos, como o direito <strong>do</strong> trabalho com a criação da Organização Internacional<br />
<strong>do</strong> Trabalho (OIT), o direito à saúde com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o<br />
direito à educação com a Organização Educacional Científica e Cultural das Nações<br />
Unidas (Unesco), o direito à alimentação com a Organização de Comida e<br />
Agricultura (FAO), dentre vários outros.<br />
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS<br />
PREÂMBULO<br />
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a<br />
preservar as gerações vin<strong>do</strong>uras <strong>do</strong> flagelo da guerra,que por duas<br />
vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à<br />
humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais <strong>do</strong> homem,<br />
na dignidade e no valor <strong>do</strong> ser humano, na igualdade de direito <strong>do</strong>s<br />
homens e das mulheres, assim como das nações grandes e<br />
pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o<br />
respeito às obrigações decorrentes de trata<strong>do</strong>s e de outras fontes <strong>do</strong><br />
direito internacional possam ser manti<strong>do</strong>s, e a promover o progresso<br />
<strong>social</strong> e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.<br />
E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os<br />
outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a<br />
paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de<br />
princípios e a instituição <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s, que a força armada não será<br />
usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo<br />
internacional para promover o progresso econômico e <strong>social</strong> de<br />
to<strong>do</strong>s os povos. 56<br />
56 Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26/6/1945, após o<br />
término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entran<strong>do</strong> em vigor a<br />
24 de outubro daquele mesmo ano.<br />
82
Assinada em 1948, a Declaração Universal <strong>do</strong>s Direitos Humanos é<br />
um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos básicos das Nações Unidas que enumera os direitos<br />
fundamentais a serem segui<strong>do</strong>s por todas as Nações <strong>do</strong> planeta.<br />
Vários <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res defendem a existência de outras dimensões,<br />
como Paulo Otero e Ricar<strong>do</strong> Dip, que sustentam que os direitos fundamentais<br />
podem ser classifica<strong>do</strong>s até a sétima dimensão.<br />
Ricar<strong>do</strong> Dip enfatiza que a utilização <strong>do</strong> termo “geração” em vez de<br />
“dimensão” é equivocada, pois traz a idéia de sucessão de uma geração pela outra,<br />
o que não é verdadeiro. Cada uma dessas fases representa uma nova forma de<br />
interpretar e valorar a dignidade da pessoa humana, positivan<strong>do</strong> novos direitos para<br />
garanti-la de forma plena nos termos em que ela é compreendida numa determinada<br />
época.<br />
W. Sarlet:<br />
Para complementar esse entendimento, valiosas as palavras de Ingo<br />
A teoria dimensional <strong>do</strong>s direitos fundamentais não aponta, tão<br />
somente, para o caráter cumulativo <strong>do</strong> processo evolutivo e para a<br />
natureza complementar de to<strong>do</strong>s os direitos fundamentais, mas<br />
afirma, para além disso, <strong>sua</strong> unidade e indivisibilidade no contexto <strong>do</strong><br />
direito constitucional interno e, de mo<strong>do</strong> especial, na esfera <strong>do</strong><br />
moderno “Direito Internacional <strong>do</strong>s Direitos Humanos” 57 .<br />
Não se pode falar em sobreposição de direitos humanos de<br />
diferentes épocas. Não há substituição de direitos, há apenas complementação com<br />
uma convivência harmônica entre to<strong>do</strong>s os direitos fundamentais para a existência<br />
humana.<br />
Os direitos fundamentais nada mais são <strong>do</strong> que resulta<strong>do</strong> da<br />
<strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong> da humanidade. Possuem um início e estão em constante<br />
<strong>evolução</strong>. Eles nasceram com a r<strong>evolução</strong> burguesa e com o passar <strong>do</strong> tempo vem<br />
57 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:<br />
Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2001, p. 199.<br />
83
agregan<strong>do</strong> valores e cada vez mais o rol <strong>do</strong>s direitos fundamentais vem amplian<strong>do</strong><br />
para suprir as necessidades sociais.<br />
Júnior:<br />
Corroboran<strong>do</strong> esse entendimento, as palavras de Dirley da Cunha<br />
Que eles não são apenas resulta<strong>do</strong> de “um” acontecimento histórico<br />
determina<strong>do</strong>, mas sim, de to<strong>do</strong> um processo de afirmação que<br />
envolve antecedentes, <strong>evolução</strong>, reconhecimento,<br />
constitucionalização e até universalização. Os direitos fundamentais<br />
são históricos na medida em que emergem progressivamente das<br />
lutas que o homem trava por <strong>sua</strong> própria emancipação 58 .<br />
Com fatos históricos como revoluções e guerras há quebra de<br />
paradigmas e a instalação de uma nova realidade política, econômica e <strong>social</strong>,<br />
deven<strong>do</strong> nesse contexto ser compatibiliza<strong>do</strong> os primeiros direitos fundamentais que<br />
surgiram com os novos direitos que irão surgir, frutos da <strong>evolução</strong> <strong>social</strong>.<br />
4.3.3Conceito e positivação da dignidade da pessoa humana<br />
Em que pese a dignidade da pessoa humana ser fundamento para<br />
inúmeras construções jurídicas, justifican<strong>do</strong> a aplicação da lei a casos concretos, ela<br />
não é uma ficção jurídica e tem <strong>sua</strong>s raízes na própria criação <strong>do</strong> homem.<br />
A existência da dignidade está ligada à própria existência <strong>do</strong> ser<br />
humano. Sempre existiu a dignidade humana, porém vista sob diversos prismas<br />
dita<strong>do</strong>s pelo momento histórico.<br />
Na antiguidade clássica a dignidade <strong>do</strong> homem estava ligada à<br />
posição <strong>social</strong> que ele ocupava na sociedade. Com a propagação <strong>do</strong> pensamento<br />
judaico-cristão o conceito de dignidade da pessoa humana ganhou novo contorno e<br />
58 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle judicial das omissões <strong>do</strong> poder público: em busca de uma<br />
<strong>do</strong>gmática constitucional transforma<strong>do</strong>ra à luz <strong>do</strong> direito fundamental à efetivação da Constituição.<br />
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 142.<br />
84
passou a ser entendi<strong>do</strong> como um atributo intrínseco a to<strong>do</strong> ser humano<br />
independente de <strong>sua</strong> condição <strong>social</strong>.<br />
Na Idade Média filósofos como São Tomás de Aquino lançaram as<br />
sementes <strong>do</strong> conceito moderno de dignidade da pessoa humana, liga<strong>do</strong> à<br />
valorização <strong>do</strong> indivíduo. Com a Renascença o homem foi coloca<strong>do</strong> no centro <strong>do</strong><br />
universo e esse perío<strong>do</strong> foi campo fértil para a <strong>evolução</strong> <strong>do</strong> conceito de dignidade da<br />
pessoa humana, independente de raça, religião ou civilização.<br />
O jusnaturalismo contribuiu sobremaneira para a formação <strong>do</strong><br />
conceito moderno de dignidade da pessoa humana, pois essa escola jurídica<br />
defendia a idéia de que os direitos <strong>do</strong>s indivíduos são naturais, isto é, inerentes a<br />
eles somente em virtude de <strong>sua</strong> condição humana.<br />
Nessa esteira, contribuição importante foi dada por Immanuel Kant<br />
que construiu a fundamentação filosófica a respeito da dignidade da pessoa humana<br />
transportan<strong>do</strong> a moral popular para o campo da metafísica <strong>do</strong>s costumes,<br />
estabelecen<strong>do</strong> um princípio a ser segui<strong>do</strong>, uma lei moral que se traduz na afirmação<br />
<strong>do</strong> referi<strong>do</strong> autor “Age como se a máxima da tua ação se devesse tomar, pela tua<br />
vontade, em lei universal da natureza 59”.<br />
Kant defendia que o ser humano seria uma existência em si mesma,<br />
que possui um fim em si mesmo, estan<strong>do</strong> acima de qualquer circunstância e desta<br />
forma, é porta<strong>do</strong>r de dignidade, um tributo inerente a to<strong>do</strong> ser humano.<br />
A dignidade humana é um direito fundamental intangível que<br />
antecede a criação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. É um princípio supranormativo que tem caráter<br />
absoluto, pois não pode ser restringi<strong>do</strong> pelo legisla<strong>do</strong>r e, diante da colisão com<br />
outros princípios, “seu peso ou importância”, segun<strong>do</strong> Ronald Dworkin 60 , tende a ser<br />
maior, deven<strong>do</strong> o caso concreto ser analisa<strong>do</strong> com a devida cautela.<br />
59 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica <strong>do</strong>s costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1990, p.<br />
130.<br />
60 O termo é de DWORKIN, Apud SANTOS, Fernan<strong>do</strong> Ferreira <strong>do</strong>s. Princípio constitucional da<br />
dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 44.<br />
85
Ingo Wolfgang Sarlet conceituou juridicamente a dignidade da<br />
pessoa humana da seguinte forma:<br />
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e<br />
distintiva de cada ser humano que o faz merece<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mesmo<br />
respeito e consideração por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da comunidade,<br />
implican<strong>do</strong>, neste senti<strong>do</strong>, um complexo de direitos e deveres<br />
fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra to<strong>do</strong> e qualquer<br />
ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir<br />
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de<br />
propiciar e promover <strong>sua</strong> participação ativa co-responsável nos<br />
destinos da própria existência e da vida em comunhão <strong>do</strong>s demais<br />
seres humanos 61.<br />
Com a <strong>evolução</strong> da sociedade, surgem novas aspirações, interesses<br />
e necessidades, que vão sen<strong>do</strong> valora<strong>do</strong>s pela própria sociedade (<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s, que<br />
sentem a necessidade) e pelos governantes (<strong>do</strong>minantes, que decidem pelo sim ou<br />
pelo não). Dessa valoração, despontam alguns interesses que, paulatinamente, são<br />
inseri<strong>do</strong>s no ordenamento jurídico como direitos fundamentais. Trata-se <strong>do</strong><br />
fenômeno da dinamogênese, que reflete diretamente no conceito de dignidade da<br />
pessoa humana, que passa a ser dinâmico, evolutivo, adapta<strong>do</strong> aos usos e<br />
costumes de uma determinada época e de um determina<strong>do</strong> povo.<br />
Portanto, para assegurar o respeito à dignidade humana na Idade<br />
Média, bastava o Esta<strong>do</strong> não matar, não aprisionar e não molestar o seu povo, além<br />
de não lhe confiscar os bens de <strong>sua</strong> propriedade. Tais direitos eram dirigi<strong>do</strong>s apenas<br />
aos cidadãos de seu território ou a apenas uma determinada classe de cidadãos,<br />
além de estarem subordina<strong>do</strong>s ao exato cumprimento das rígidas regras de<br />
submissão ao soberano.<br />
Após o iluminismo, o liberalismo e a r<strong>evolução</strong> industrial, surgem os<br />
direitos sociais como necessários para garantir um mínimo de dignidade ao ser<br />
humano. Trata-se de uma nova dimensão <strong>do</strong> conceito de dignidade da pessoa<br />
humana, pois abarca tanto os direitos de liberdade (civis e políticos, da 1ª<br />
61 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:<br />
Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2001, p. 60.<br />
86
dimensão), como também os direitos de igualdade, que carecem de ações efetivas<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para gerar empregos, moradia, alimentação, saúde, lazer.<br />
O dinamismo dessa <strong>evolução</strong> <strong>social</strong> é constante, não ocorre apenas<br />
em um determina<strong>do</strong> momento histórico, mas a <strong>evolução</strong> jurídico-legislativa<br />
normalmente ocorre apenas diante de um acontecimento de grande vulto. As<br />
aspirações, os ideais, as vontades e necessidades vão surgin<strong>do</strong> dia-a-dia. Algumas<br />
são ignoradas pelo Esta<strong>do</strong> e aban<strong>do</strong>nadas pela sociedade (devi<strong>do</strong> à <strong>sua</strong> pouca<br />
importância), enquanto outras são fortemente enraizadas no anseio popular e<br />
passam a ser objeto de constantes reivindicações em face <strong>do</strong> poder <strong>do</strong>minante.<br />
Esse confronto de aspirações entre <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> e <strong>do</strong>minante pode<br />
gerar diferentes situações, dependen<strong>do</strong> de vários fatores, como o grau de<br />
submissão <strong>do</strong> povo, a qualidade <strong>do</strong>s governantes, o teor das reivindicações, o<br />
sistema democrático (ou ditatorial) existente e o cenário político interno e externo.<br />
Devi<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s esses complica<strong>do</strong>res, as evoluções legislativas no<br />
tocante ao respeito da dignidade da pessoa humana têm ocorri<strong>do</strong> de forma pontual,<br />
geran<strong>do</strong> reflexos em to<strong>do</strong> o planeta após acontecimentos históricos de valores<br />
incontestáveis, como a R<strong>evolução</strong> Francesa e as duas Grandes Guerras Mundiais.<br />
Foi diante <strong>do</strong> grande impacto causa<strong>do</strong> pela 2ª Grande Guerra<br />
Mundial nos campos econômico e <strong>social</strong> de to<strong>do</strong> o Mun<strong>do</strong>, que as constituições de<br />
vários Esta<strong>do</strong>s passaram a positivar outro lote de aspirações <strong>do</strong> ser humano,<br />
aspirações agora voltadas para a solidariedade, ao mun<strong>do</strong> sem fronteiras, à paz <strong>do</strong><br />
ser humano independentemente de <strong>sua</strong> origem, raça, religião, sexo, cor, grau de<br />
instrução ou idade. Assim, a dignidade da pessoa humana continua dependente <strong>do</strong><br />
respeito de <strong>sua</strong> liberdade (direitos civis e políticos - 1ª dimensão) e da garantia de<br />
igualdade (direitos sociais - 2ª dimensão), mas, de acor<strong>do</strong> com as atuais aspirações<br />
já positivadas, a dignidade da pessoa humana somente é plenamente garantida pela<br />
inclusão, aos demais direitos já consagra<strong>do</strong>s, da garantia da fraternidade (direitos de<br />
solidariedade - 3ª dimensão), que engloba o respeito aos direitos difusos, à<br />
exploração <strong>do</strong> meio ambiente de forma sustentável e uma incessante busca da paz<br />
mundial.<br />
87
Portanto, o termo “dimensão” mostra-se mais apropria<strong>do</strong> <strong>do</strong> que<br />
“geração” para denominar cada uma dessas fases <strong>histórica</strong>s <strong>do</strong>s direitos<br />
fundamentais, pois todas elas, desde o início mais remoto, tiveram por objetivo tão-<br />
somente estabelecer um mínimo de garantias para preservar a dignidade da pessoa<br />
indispensável para a existência humana, como sustenta Rousseau:<br />
Renunciar à própria liberdade é o mesmo que renunciar à qualidade<br />
de homem, aos direitos da Humanidade, inclusive aos seus deveres.<br />
Não há nenhuma compensação possível para quem quer que<br />
renuncie a tu<strong>do</strong>. Tal renúncia é incompatível com a natureza humana,<br />
e é arrebatar toda moralidade a <strong>sua</strong>s ações, bem como subtrair toda<br />
liberdade à <strong>sua</strong> vontade. Enfim, não passa de vã e contraditória<br />
convenção estipular, de um la<strong>do</strong>, uma autoridade absoluta, e, de<br />
outro, uma obediência sem limites. 62<br />
Hodiernamente, as declarações de direitos internacionais e as<br />
constituições de diversos países com conteú<strong>do</strong> substancial sobre os direitos e<br />
garantias fundamentais, asseguram a dignidade da pessoa humana e a manutenção<br />
da vida em sociedade, sen<strong>do</strong> esta conquista um importante avanço da civilização,<br />
conforme os dizeres de Norberto Bobbio: “Todas as declarações recentes <strong>do</strong>s<br />
direitos <strong>do</strong> homem compreendem, além <strong>do</strong>s direitos individuais tradicionais, que<br />
consistem em liberdades, também os chama<strong>do</strong>s direitos sociais, que consistem em<br />
poderes” 63 .<br />
A Constituição de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana ao<br />
mais alto patamar <strong>do</strong>s direitos fundamentais, pois traz tal princípio de forma<br />
expressa no artigo 1º, in verbis:<br />
Art. 1º - A República Federativa <strong>do</strong> Brasil, formada pela união<br />
indissolúvel <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s e Municípios e <strong>do</strong> Distrito Federal, constitui-<br />
se em Esta<strong>do</strong> Democrático de Direito e tem como fundamentos:<br />
I - a soberania;<br />
II - a cidadania;<br />
62 ROSSEAU, Jean-Jacques. O contrato <strong>social</strong>. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 132.<br />
63 BOBBIO, Norberto. A era <strong>do</strong>s direitos. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1992, p. 21.<br />
88
III - a dignidade da pessoa humana;<br />
IV - os valores sociais <strong>do</strong> trabalho e da livre iniciativa;<br />
V - o pluralismo político.<br />
Parágrafo único. To<strong>do</strong> o poder emana <strong>do</strong> povo, que o exerce por<br />
meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta<br />
Constituição.<br />
Os direitos fundamentais que dão suporte a esse princípio<br />
supranormativo estão relaciona<strong>do</strong>s em várias passagens da Constituição Federal,<br />
destacan<strong>do</strong>-se o artigo 3º (objetivos fundamentais), o artigo 5º (direitos e garantias<br />
fundamentais), os artigos 6º e 7º (direitos sociais) e o artigo 14 (direitos políticos).<br />
Além <strong>do</strong>s direitos e garantias expressos na Lei Maior, outros direitos<br />
serão eleva<strong>do</strong>s a “status” constitucional, nos termos <strong>do</strong> §2º <strong>do</strong> artigo 5º, reconhecida<br />
como “cláusula de abertura”, in verbis:<br />
Artigo 5º<br />
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não<br />
excluem outros decorrentes <strong>do</strong> regime e <strong>do</strong>s princípios por ela<br />
a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, ou <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais em que a República<br />
Federativa <strong>do</strong> Brasil seja parte.<br />
To<strong>do</strong>s os direitos individuais dessa espécie, que compõem o<br />
conceito de dignidade da pessoa humana, não podem ser expurga<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
ordenamento jurídico, por se tratar de cláusula pétrea, conforme desejo expresso <strong>do</strong><br />
constituinte originário, in verbis:<br />
Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta<br />
(…)<br />
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda<br />
tendente a abolir:<br />
I - a forma federativa de Esta<strong>do</strong>;<br />
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;<br />
III - a separação <strong>do</strong>s Poderes;<br />
89
IV - os direitos e garantias individuais.<br />
A formalização escrita <strong>do</strong>s direitos fundamentais não garante a<br />
concretização da dignidade humana, contu<strong>do</strong>, essa formalização demonstra a<br />
finalidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de garantir esse direito fundamental e fornece à sociedade a<br />
segurança de que a pessoa humana não poderá ter <strong>sua</strong> dignidade violada de forma<br />
lícita.<br />
Apesar das abalizadas críticas quanto à extensão e quanto ao<br />
conteú<strong>do</strong> da Constituição Brasileira, ela se apresenta como uma das mais completas<br />
cartas políticas <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> no tocante à positivação <strong>do</strong>s direitos e garantias inerentes<br />
à dignidade da pessoa humana. Cabe, agora, torná-los uma realidade no cotidiano<br />
<strong>do</strong> povo brasileiro.<br />
90
5. FUNÇÃO SOCIAL<br />
5.1 Significa<strong>do</strong> da expressão “<strong>função</strong> <strong>social</strong>”<br />
Para melhor compreensão <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da expressão “<strong>função</strong> <strong>social</strong>”<br />
necessária uma breve passagem pela etimologia das palavras <strong>função</strong> e <strong>social</strong>.<br />
O vocábulo <strong>função</strong> tem <strong>sua</strong> origem no latim. A palavra functio é<br />
derivada <strong>do</strong> verbo fungor o qual significa exercer uma <strong>função</strong>, cumprir uma missão,<br />
desempenhar um dever ou tarefa, tornar algo funcional. Estabeleci<strong>do</strong> um primeiro<br />
conceito de <strong>função</strong>, segue-se na análise, e a definição mais adequada para a<br />
atividade notarial é de natureza sociojurídica dada por Sílvio de Mace<strong>do</strong>, “conjunto<br />
de atividades e papéis exerci<strong>do</strong>s por indivíduos ou grupos sociais, no senti<strong>do</strong> de<br />
atender necessidades específicas” 64 .<br />
Função não é atuar para alcançar os objetivos próprios, não é<br />
desempenhar uma atividade apenas em seu benefício, é atuar a serviço de algo que<br />
transcende a própria pessoa, para fazer funcionar um sistema que depende da<br />
atuação de cada um visan<strong>do</strong> o interesse coletivo.<br />
64 MACEDO, Sílvio de. Função, in Enciclopédia Saraiva <strong>do</strong> Direito. São Paulo: Saraiva, 1979, p.<br />
480-483.<br />
91
Já a palavra <strong>social</strong>, está ligada à idéia de sociável, de sociedade.<br />
Tu<strong>do</strong> que está liga<strong>do</strong> à palavra <strong>social</strong> tem caráter coletivo, sen<strong>do</strong> que o coletivo nada<br />
mais é <strong>do</strong> que o conjunto de interesses individuais. Social é aquilo que transcende a<br />
esfera individual, é tu<strong>do</strong> que atende às necessidades de várias pessoas, é a<br />
harmonização <strong>do</strong> interesse individual com o interesse coletivo.<br />
Josserand:<br />
Nos dizeres de Cláudio Luiz Bueno de Go<strong>do</strong>y, citan<strong>do</strong> Louis<br />
As prerrogativas, mesmo as mais individuais e as mais egoísticas,<br />
são ainda produtos sociais, seja na forma, seja no fun<strong>do</strong>: seria<br />
inconcebível que elas pudessem, ao gra<strong>do</strong> de seus titulares, se livrar<br />
da marca característica original e ser empregada para todas as<br />
necessidades, mesmo fossem elas inconciliáveis com <strong>sua</strong> filiação e<br />
com os interesses os mais urgentes, os mais certos, da comunidade<br />
que as concedeu 65 .<br />
Deste mo<strong>do</strong>, a expressão “<strong>função</strong> <strong>social</strong>” poderia ser traduzida no<br />
exercício <strong>do</strong> dever de tornar algo funcional para satisfazer o interesse <strong>social</strong>. O<br />
exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> não é uma faculdade, mas sim, um dever imposto a to<strong>do</strong>s,<br />
de forma a garantir uma convivência harmônica em sociedade para que ela seja<br />
sustentável ao longo <strong>do</strong>s anos.<br />
5.2 Natureza jurídica da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />
Questão controvertida na <strong>do</strong>utrina é a natureza jurídica da<br />
expressão “<strong>função</strong> <strong>social</strong>”. Alguns autores entendem ser um princípio, outros<br />
acreditam ter natureza jurídica de diretriz, ou cláusula geral e há ainda quem<br />
defenda ser uma idéia-princípio.<br />
65 JOSSERAND, Louis. (apud GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social <strong>do</strong> Contrato. São<br />
Paulo: Saraiva, 2007, p. 115). De l’ espirit dês droits et de leur relativité, Paris: Dalloz, 1939, p. 320.<br />
Versão original <strong>do</strong> texto: “(...) lês prérrogatives, même lês plus individuelles et les plus égoistes,<br />
sont encore dês produits sociaux, soit dans la forme, soit dans le fond: Il serait inconcevable<br />
qu’elles pussent, au gré de leurs titulaires, s’affranchir de l’empreinte originalle et être employées à<br />
toutes besognes, fussent-elles inconciliables avec leur filiation et avec lês intérêts lês plus<br />
pressents, lês plus certains, de La communauté qui lês a concedées”<br />
92
Aprofundan<strong>do</strong> na análise da natureza jurídica da expressão “<strong>função</strong><br />
<strong>social</strong>” cabe fazer uma breve passagem no campo <strong>do</strong>s princípios.<br />
Princípios jurídicos são diretrizes dispostas em lei, positivadas, com<br />
forma normativa e com <strong>função</strong> interpretativa, integrativa e nortea<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> sistema<br />
jurídico. Já os princípios gerais <strong>do</strong> direito não são normas, não estão positiva<strong>do</strong>s,<br />
são proposições descritivas e atuam de forma a apontar a tendência <strong>do</strong> Direito, que<br />
é uma ciência em constante <strong>evolução</strong>. Os princípios gerais <strong>do</strong> direito são fixa<strong>do</strong>s<br />
pela <strong>do</strong>utrina de mo<strong>do</strong> a adequar o sistema às necessidades sociais.<br />
Porém, os princípios gerais <strong>do</strong> direito podem vir positiva<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong><br />
formula<strong>do</strong>s pela jurisprudência e o fato de um princípio estar ou não positiva<strong>do</strong> não<br />
interfere na <strong>sua</strong> eficácia. Um princípio expresso não é mais importante que um<br />
princípio implícito.<br />
To<strong>do</strong>s os princípios, implícitos ou explícitos, têm a <strong>função</strong> de<br />
enunciar valores fundamentais para o ordenamento jurídico, pois são o início, a base<br />
<strong>do</strong> sistema, o fundamento para confecção de outras normas. Eles têm uma mesma<br />
<strong>função</strong> que é de dar unidade ao sistema. Desta forma, as normas <strong>do</strong> sistema jurídico<br />
serão ordenadas de acor<strong>do</strong> com as diretrizes ditadas pelos princípios.<br />
A <strong>função</strong> <strong>social</strong> que sempre esteve implicitamente presente em<br />
nosso ordenamento jurídico, atualmente, além de continuar gozan<strong>do</strong> da posição de<br />
um princípio geral <strong>do</strong> direito, está prevista expressamente em nosso Código Civil,<br />
influencia<strong>do</strong> pela Constituição Federal.<br />
Na seara da <strong>função</strong> <strong>social</strong> uma importante definição de princípio foi<br />
dada por Luís Roberto Barroso 66 ao afirmar que os princípios são “coman<strong>do</strong>s de<br />
otimização” ao contrário das regras jurídicas positivadas que são “coman<strong>do</strong>s de<br />
definição”.<br />
Desta forma, pode-se concluir que o princípio da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />
determina uma nova leitura das normas dispostas em nossa legislação, que foram<br />
<strong>do</strong>tadas de otimização por esse princípio, mas não mais no âmbito individual, e sim,<br />
66 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 358.<br />
93
no âmbito coletivo, em prol <strong>do</strong> interesse <strong>social</strong> acarretan<strong>do</strong> uma relativização <strong>do</strong><br />
individualismo.<br />
Leon Duguit entende que o caráter individualista <strong>do</strong>s direitos deve<br />
ser substituí<strong>do</strong> pela idéia de <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s direitos. Ele sustenta que o sistema<br />
individualista é precário, pois o direito subjetivo nada mais é, <strong>do</strong> que um poder de<br />
querer algo, de impor aos outros indivíduos <strong>sua</strong> vontade, contu<strong>do</strong>, no momento em<br />
que to<strong>do</strong>s exercem esse poder de querer é difícil identificar qual vontade deve<br />
prevalecer, geran<strong>do</strong> conflitos. Consideran<strong>do</strong> que os indivíduos exercem uma <strong>função</strong><br />
<strong>social</strong>, não há mais um poder, mas sim, um dever de exercício de <strong>sua</strong><br />
individualidade física, intelectual e moral da maneira mais vantajosa para toda a<br />
sociedade, assim, evitan<strong>do</strong> conflitos sociais. 67.<br />
5.3 Evolução <strong>histórica</strong> da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />
A origem da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s institutos <strong>do</strong> direito não pode ser<br />
estabelecida com precisão. Muitos sustentam que o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />
estaria inicialmente liga<strong>do</strong> ao conceito filosófico de felicidade que seria alcançada<br />
pela convivência <strong>do</strong>s indivíduos em uma sociedade harmônica, com atuação direta<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> garantin<strong>do</strong> os direitos fundamentais <strong>do</strong> homem, prevenin<strong>do</strong> e dirimin<strong>do</strong><br />
conflitos com o fim de alcançar justiça e paz <strong>social</strong>. Este sentimento de felicidade,<br />
que justificaria o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> é denomina<strong>do</strong> sentimento eudaimonista<br />
teleológico.<br />
Partin<strong>do</strong> para um plano mais concreto pode-se afirmar que a <strong>função</strong><br />
<strong>social</strong> foi traçada no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> jusnaturalismo e <strong>do</strong> cristianismo.<br />
O cristianismo teve grande influência na delimitação <strong>do</strong> conceito de<br />
<strong>função</strong> <strong>social</strong>, inicialmente ligada ao conceito de produtividade da propriedade<br />
privada, pautada na <strong>do</strong>utrina de São Tomás de Aquino que sustentava que a<br />
propriedade pertencia a to<strong>do</strong>s e somente provisoriamente poderia haver apreensão<br />
individual. A propriedade era vista pelo catolicismo como um bem de produção, que<br />
67 DUGUIT, Leon. Las transformaciones del derecho (público y priva<strong>do</strong>). Trad. De A<strong>do</strong>lfo G. Posada e<br />
Carlos G. Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975, p. 175.<br />
94
tinha como <strong>função</strong> proporcionar o bem-estar comum. Estava clara a idéia de<br />
relativização <strong>do</strong> interesse individual em prol <strong>do</strong> interesse coletivo, vislumbran<strong>do</strong> a<br />
<strong>função</strong> <strong>social</strong> desse instituto.<br />
Com o jusnaturalismo foi trazida a idéia de equidade, de justiça<br />
supranormativa. Entendia-se que a propriedade era um instrumento de justiça divina,<br />
deven<strong>do</strong> ser utilizada para a realização da justiça <strong>social</strong>.<br />
Essas concepções filosófico-cristãs foram vencidas com a<br />
R<strong>evolução</strong> Francesa que pregava a liberdade <strong>social</strong> e política e considerava a<br />
propriedade um direito absoluto, irrestrito e incondicional aniquilan<strong>do</strong> desta forma, o<br />
modelo feudal de propriedade existente.<br />
Contu<strong>do</strong>, o modelo de Esta<strong>do</strong> Liberal introduzi<strong>do</strong> pela R<strong>evolução</strong><br />
Francesa teve <strong>sua</strong> decadência com o advento das duas Guerras Mundiais e com a<br />
criação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático e Social de Direito.<br />
O novo modelo de Esta<strong>do</strong> mais intervencionista nas relações<br />
privadas, prove<strong>do</strong>r <strong>do</strong> equilíbrio entre a esfera particular e coletiva e garanti<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />
direitos fundamentais, reavivou o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s institutos de direito.<br />
Atualmente no Brasil pode-se identificar a presença da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />
em toda legislação, e em especial, nas normas constitucionais que tratam <strong>do</strong>s<br />
direitos fundamentais, assim como nos mecanismos cria<strong>do</strong>s para alcançar e<br />
assegurar esses direitos que são peças essenciais para a consolidação de um<br />
Esta<strong>do</strong> Democrático e Social de Direito.<br />
A <strong>função</strong> <strong>social</strong>, como já se viu, não é criação <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r<br />
moderno, entretanto está mais presente em nosso ordenamento jurídico, devi<strong>do</strong> às<br />
necessidades decorrentes da <strong>evolução</strong> <strong>social</strong>. Fatores sociais determinaram a<br />
necessidade da aplicação da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s institutos, para preservar os direitos<br />
fundamentais que estavam sen<strong>do</strong> viola<strong>do</strong>s, principalmente pela política de<br />
liberalismo econômico e de não-intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nas relações particulares.<br />
Com o aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> modelo de Esta<strong>do</strong> Liberal e a a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong><br />
modelo de Esta<strong>do</strong> Social a “Constituição Cidadã” de 1988, confirmou a quebra de<br />
95
paradigmas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e traçou um novo rumo a ser segui<strong>do</strong> e descreveu um novo<br />
modelo de Esta<strong>do</strong>, mais condizente com a realidade <strong>social</strong> vivida.<br />
Com a atual disposição constitucional foi estabelecida uma política<br />
de “despatrimonialização” <strong>do</strong>s direitos e cria<strong>do</strong>s mecanismos de solidarismo e<br />
valorização da pessoa. Foram previstos inúmeros deveres extrapatrimonias nas<br />
relações privadas de forma a assegurar os direitos fundamentais.<br />
Na moderna visão <strong>do</strong> Direito, a <strong>função</strong> <strong>social</strong> é um instituto de<br />
inestimável importância. Diversos direitos ganharam nova roupagem com a<br />
aplicação da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s institutos e pode-se dizer que ela é uma espécie de<br />
lente, através da qual, pode-se verificar uma nova dimensão <strong>do</strong>s direitos.<br />
5.4 Função <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong><br />
A <strong>função</strong> <strong>social</strong> é um fim a ser busca<strong>do</strong> nos institutos jurídicos para<br />
satisfazer os anseios de toda sociedade. Esses institutos não são mais vistos sob a<br />
ótica <strong>do</strong> interesse individual, mas sob a ótica <strong>do</strong> interesse coletivo, para atender a<br />
necessidade de sociabilidade imposta pela <strong>função</strong> ordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> direito.<br />
O atual exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> está vincula<strong>do</strong> à funcionalização<br />
<strong>do</strong>s direitos subjetivos, garantin<strong>do</strong> real efetividade e concretizan<strong>do</strong> os fins busca<strong>do</strong>s<br />
pelo legisla<strong>do</strong>r.<br />
O exercício <strong>do</strong>s direitos não pode ser efetua<strong>do</strong> de forma egoísta,<br />
atenden<strong>do</strong> apenas o desejo de seu titular. Segun<strong>do</strong> a sistemática da <strong>função</strong> <strong>social</strong>,<br />
to<strong>do</strong> exercício de um direito tem que ter um motivo justifica<strong>do</strong> e não ferir o interesse<br />
coletivo, pois caso contrário, estaria haven<strong>do</strong> abuso de direito, que é considera<strong>do</strong><br />
ato ilícito e está sujeito a indenização.<br />
Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da<br />
pessoa humana foi eleva<strong>do</strong> a fundamento da República Federativa <strong>do</strong> Brasil e deste<br />
mo<strong>do</strong>, to<strong>do</strong> exercício de um direito tem que cumprir <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> e garantir a<br />
96
dignidade humana, que é alcançada no momento em que os direitos têm efetividade<br />
e contribuem para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.<br />
O antigo entendimento de que apenas o Esta<strong>do</strong> deveria assegurar<br />
os direitos fundamentais, cedeu lugar a essa nova visão, cujo caráter mais volta<strong>do</strong><br />
ao solidarismo, influencia<strong>do</strong> pelos direitos fundamentais de terceira dimensão, leva à<br />
conclusão de que toda e qualquer pessoa deve respeitar e privilegiar a <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />
de cada atividade, de cada instituto, de cada direito. Além disso, muitas atividades<br />
delegadas à iniciativa privada têm por escopo prestações positivas de cunho <strong>social</strong>,<br />
que remetem principalmente aos direitos fundamentais de segunda dimensão.<br />
A atividade notarial, devi<strong>do</strong> à peculiaridade de <strong>sua</strong>s funções<br />
específicas, encontra-se entre as atividades que têm grande responsabilidade na<br />
manutenção da paz <strong>social</strong>, contribuin<strong>do</strong> sobremaneira para que os direitos<br />
fundamentais sejam respeita<strong>do</strong>s.<br />
Desde o surgimento da atividade notarial os <strong>notário</strong>s sempre<br />
exerceram uma <strong>função</strong> <strong>social</strong>, já que tutelam administrativamente os interesses<br />
priva<strong>do</strong>s, formalizan<strong>do</strong> juridicamente a vontade das partes e garantin<strong>do</strong> a<br />
autenticidade, eficácia, publicidade e segurança jurídica <strong>do</strong>s atos pratica<strong>do</strong>s.<br />
Para que a atividade notarial possa ser exercida com eficiência, o<br />
legisla<strong>do</strong>r previu características técnicas, das quais se destaca a fé pública que é a<br />
qualidade de presunção legal de verdade, autenticidade ou legitimidade <strong>do</strong> que é<br />
produzi<strong>do</strong> no serviço notarial. Desta forma, o <strong>notário</strong> é depositário da fé pública “juris<br />
tantum”, que é inerente à <strong>função</strong> exercida, sen<strong>do</strong> exteriorizada quan<strong>do</strong> coloca seu<br />
sinal ou declara que determina<strong>do</strong> ato jurídico foi pratica<strong>do</strong> pelas partes com isenção<br />
de fraude, dúvida ou suspeita.<br />
A <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> brasileiro é uma característica<br />
identifica<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> <strong>notário</strong> <strong>do</strong> tipo latino.<br />
De acor<strong>do</strong> com os ensinamentos de João Teo<strong>do</strong>ro da Silva:<br />
O notaria<strong>do</strong> genuíno, identifica<strong>do</strong> como notaria<strong>do</strong> de tipo latino,<br />
firmou prestígio como instituição que se destina a garantir<br />
97
publicidade, autenticidade, segurança e eficácia <strong>do</strong>s atos jurídicos,<br />
que congrega profissionais <strong>do</strong> direito <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé pública para o<br />
exercício de <strong>função</strong> pública concernente à tutela administrativa de<br />
interesses priva<strong>do</strong>s, quais sejam os estabelecíveis ou declaráveis<br />
sem controvérsia judicial 68 .<br />
Cumpre ressaltar, que a atividade notarial nem sempre foi exercida<br />
com a efetividade, imparcialidade e transparência que se observa nos dias atuais.<br />
Na Idade Média, época <strong>do</strong> feudalismo, prevaleceu a nomeação de <strong>notário</strong>s por<br />
critérios políticos, o que levou à nomeação de pessoas despreparadas para o<br />
cumprimento das funções, dan<strong>do</strong> início à degradação da atividade, cuja<br />
recomposição ocorreu apenas no Século XIII, na Universidade de Bolonha, na Itália.<br />
O atual <strong>notário</strong> brasileiro é um profissional <strong>do</strong> Direito, muito mais<br />
prepara<strong>do</strong> para o desempenho de <strong>sua</strong> importante missão. A exigência de concurso<br />
público, realiza<strong>do</strong> pelo Poder Judiciário e atualmente, principalmente após o início<br />
da fiscalização externa pelo Conselho Nacional de Justiça, tem seleciona<strong>do</strong><br />
excelentes profissionais, com vasto conhecimento jurídico para o bom desempenho<br />
da <strong>função</strong>. Outro fator essencial é o reconhecimento de uma maior autonomia <strong>do</strong>s<br />
<strong>notário</strong>s para o exercício da atividade, fato este, que proporciona melhores<br />
condições para fiscalizar e intervir nos atos em que se verifica a existência de<br />
tentativa de fraude ou qualquer outro vício que possa macular a qualidade <strong>do</strong><br />
negócio jurídico para o qual é chama<strong>do</strong> a instrumentalizar.<br />
Desta forma, o <strong>notário</strong> possui o respal<strong>do</strong> legal para o exercício da<br />
atividade notarial asseguran<strong>do</strong> os direitos fundamentais <strong>do</strong> homem, em especial a<br />
dignidade da pessoa humana e com a nova roupagem <strong>do</strong>s direitos imposta pela<br />
nova ordem constitucional a <strong>função</strong> <strong>social</strong> inerente à atividade notarial foi<br />
potencializada e deverá ser observada por to<strong>do</strong>s os profissionais dessa área.<br />
Para o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> o <strong>notário</strong> deve além de cumprir o<br />
que está descrito em lei, dan<strong>do</strong> efetividade ao princípio da legalidade, enxergar o<br />
68 SILVA, João Teo<strong>do</strong>ro da. Função notarial da atualidade: importância e forma de atuação <strong>do</strong> <strong>notário</strong>.<br />
Instituto de Educação Continuada da Pontificia Universidade Católica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais.<br />
Belo Horizonte: 2004, p. 2.<br />
98
aspecto teleológico da norma e atender aos fins econômicos e sociais das relações<br />
jurídicas, buscan<strong>do</strong> sempre garantir os direitos fundamentais.<br />
Ao receber os interessa<strong>do</strong>s para formalização de um negócio<br />
jurídico, compete ao <strong>notário</strong>, inicialmente, as seguintes atribuições:<br />
pelos particulares;<br />
g) ouvir das partes qual negócio jurídico pretendem realizar;<br />
h) analisar to<strong>do</strong>s os elementos intrínsecos e extrínsecos leva<strong>do</strong>s<br />
i) identificar a real vontade das partes;<br />
j) atentar se algum deles não está consciente das conseqüências<br />
<strong>do</strong> ato que pretende realizar;<br />
k) dar seu parecer jurídico sobre o ato que se pretende concretizar.<br />
Sen<strong>do</strong> o negócio jurídico lícito, não haven<strong>do</strong> vício aparente e<br />
cumpridas todas as exigências legais, compete ao tabelião instrumentalizar o ato<br />
pela forma mais condizente com o sistema jurídico-normativo. No entanto,<br />
identifican<strong>do</strong> qualquer vício, seja <strong>do</strong> consentimento de uma das partes ou quanto à<br />
ilicitude <strong>do</strong> que se pretende obter, compete ao tabelião intervir, de forma imparcial e<br />
em nome da lei, para indicar às partes a maneira correta de se proceder ou, diante<br />
da recusa das partes ou de <strong>sua</strong> impossibilidade, negan<strong>do</strong>-se a utilizar o seu sinal<br />
<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de fé pública estatal para acobertar negócios irregulares.<br />
Essa <strong>função</strong> interventora <strong>do</strong> <strong>notário</strong> se justifica e não pode ser<br />
confundida como “atividade policial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”, pois isso é feito no exclusivo<br />
interesse das partes, com base na justiça contratual. Em face da nova teoria<br />
contratual, os negócios jurídicos ganharam uma nova dimensão, deven<strong>do</strong> ser<br />
assegurada na relação contratual a autonomia da vontade, que precisa ser exercida<br />
de forma racional, para garantir que o hipossuficiente possa expressar <strong>sua</strong> vontade.<br />
A <strong>função</strong> notarial também é uma atividade acautelatória de litígios,<br />
pois o <strong>notário</strong> atua preventivamente na busca da tutela <strong>do</strong>s direitos subjetivos <strong>do</strong>s<br />
particulares, evitan<strong>do</strong> futuros conflitos que acabam em longas contendas judiciais.<br />
99
A <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> transcende o âmbito das partes<br />
envolvidas na relação jurídica e ele tem como atividade precípua garantir a<br />
funcionalização <strong>do</strong>s institutos <strong>do</strong> direito.<br />
5.4.1Responsabilidade <strong>social</strong><br />
Com as transformações sócio-econômicas e culturais ocorridas nos<br />
últimos 20 anos, nasceu um novo conceito de atuação <strong>do</strong>s profissionais de todas as<br />
áreas, e não podia ser diferente com os profissionais da área notarial e registral.<br />
Trata-se da responsabilidade <strong>social</strong>, que pode ser colocada em<br />
prática na comunidade em que o <strong>notário</strong> exerce seu mister.<br />
Os <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res por terem uma participação expressiva<br />
na vida da sociedade também possuem uma grande responsabilidade <strong>social</strong>, tanto<br />
em cidades grandes como nas pequenas cidades.<br />
Em que pese o conceito mais antigo de responsabilidade <strong>social</strong><br />
estar liga<strong>do</strong> à transparência <strong>do</strong>s atos pratica<strong>do</strong>s em uma empresa ou na serventia<br />
notarial e de registro, atualmente o conceito de responsabilidade <strong>social</strong> está bem<br />
mais amplia<strong>do</strong>.<br />
Contu<strong>do</strong>, não se deve confundir responsabilidade <strong>social</strong> com<br />
filantropia, já que na primeira não se busca apenas um bem estar desinteressa<strong>do</strong>,<br />
pois, procura-se conciliar a realização de medidas para garantir o bem estar da<br />
sociedade com a otimização da atividade exercida. É o exercício <strong>do</strong> bem geran<strong>do</strong><br />
frutos para a própria atividade.<br />
A responsabilidade <strong>social</strong> é o exercício de uma atividade da maneira<br />
mais transparente possível, garantin<strong>do</strong> o amplo acesso das pessoas ao conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
acervo da serventia, sempre atuan<strong>do</strong> em conjunto com outras instituições, firman<strong>do</strong><br />
parcerias para beneficiar toda a população e também para otimizar o serviço,<br />
tornan<strong>do</strong>-o acessível à to<strong>do</strong>s, como é o caso das parcerias firmadas para<br />
implantação da Infraestrutura de Chaves Públicas nos cartórios.<br />
100
O exercício da atividade com responsabilidade <strong>social</strong> tem caráter<br />
distributivo, pois seus efeitos serão propaga<strong>do</strong>s por toda sociedade e não ficam<br />
restritos apenas a quem foi beneficia<strong>do</strong> com o exercício dessa responsabilidade<br />
<strong>social</strong>.<br />
A finalidade da responsabilidade <strong>social</strong> é o desenvolvimento<br />
sustentável de toda a sociedade, seja no setor <strong>social</strong>, econômico e ambiental,<br />
garantin<strong>do</strong> que não ocorra a escassez <strong>do</strong>s recursos.<br />
O exercício na prática da responsabilidade <strong>social</strong> pelo <strong>notário</strong> ou<br />
registra<strong>do</strong>r deverá ser feito de maneira a não desrespeitar as previsões legais sobre<br />
a atividade e também não poden<strong>do</strong> modificar a natureza jurídica de serviço público<br />
presta<strong>do</strong> por particular.<br />
O primeiro ponto a ser analisa<strong>do</strong> é a instrução e a profissionalização<br />
<strong>do</strong>s funcionários da serventia. Por serem contrata<strong>do</strong>s pelo regime da CLT, o <strong>notário</strong><br />
e o registra<strong>do</strong>r tem grande mobilidade para criar mecanismos de incentivo ao estu<strong>do</strong><br />
e à profissionalização, como a concessão de bolsas escolares, realização de<br />
convênios com instituições de ensino para obtenção de descontos para os<br />
funcionários das Unidades de Serviço Notarial e Registral.<br />
O <strong>notário</strong> ou registra<strong>do</strong>r pode ainda, para fomentar o estu<strong>do</strong>, fazer<br />
em <strong>sua</strong> serventia uma biblioteca para que to<strong>do</strong>s os funcionários possam ter acesso<br />
a livros, inclusive os mais carentes, que provavelmente não teriam condições de<br />
comprar livros sem prejuízo de seu próprio sustento.<br />
Comprometimento <strong>do</strong> titular da serventia em discorrer sobre<br />
assuntos controverti<strong>do</strong>s ou complexos com seus funcionários e também com os<br />
usuários <strong>do</strong> serviço para aclarar essas questões.<br />
Com essas medidas o <strong>notário</strong> e o registra<strong>do</strong>r, além de contribuir para<br />
o crescimento pessoal e profissional de seus funcionários, proporcionan<strong>do</strong> uma<br />
inclusão <strong>social</strong>, também torna o trabalho realiza<strong>do</strong> na serventia mais eficiente.<br />
Outra conduta que o <strong>notário</strong> e o registra<strong>do</strong>r podem ter é a<br />
organização de mutirões com os funcionários da serventia para a realização de<br />
101
ações sociais ou ainda ambientais, da prefeitura ou outro órgão, promoven<strong>do</strong> além<br />
<strong>do</strong> bem para a sociedade, uma maior interação entre os funcionários.<br />
Sempre que o <strong>notário</strong> ou registra<strong>do</strong>r no exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong><br />
vislumbrar violação de direitos, ainda que alheia ao seu campo de atuação deverá<br />
ter uma postura ativa e informar as autoridades competentes para serem tomadas<br />
as medidas cabíveis. Em especial deverá levar informações para o membro <strong>do</strong><br />
Ministério Público que é o fiscal da lei, para que ingresse com Ação Civil Pública,<br />
quan<strong>do</strong> necessário.<br />
Para ajudar na preservação <strong>do</strong> meio ambiente o <strong>notário</strong> ou<br />
registra<strong>do</strong>r poderá prestar orientação para toda a sociedade sobre a legislação<br />
ambiental, por meio de palestras ou até mesmo individualmente para quem tenha<br />
alguma dúvida. Poderá contribuir ainda, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> uma política de economia de<br />
papel e também um sistema de reciclagem <strong>do</strong> papel utiliza<strong>do</strong> nos ofícios.<br />
O incentivo ao estu<strong>do</strong>, profissionalização e realização de projetos<br />
sociais e ambientais contribui sobremaneira para o crescimento pessoal e com uma<br />
satisfação interior to<strong>do</strong>s exercem seu mister de forma mais prazerosa, melhoran<strong>do</strong> a<br />
qualidade de vida de to<strong>do</strong>s.<br />
Os <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res são profissionais que atuam de forma<br />
decisiva na vida das pessoas, deste mo<strong>do</strong>, uma atuação ética em todas as<br />
atividades praticadas na serventia viabiliza uma boa interação <strong>do</strong>s titulares <strong>do</strong>s<br />
ofícios notariais e registrais com os seus funcionários, com o Esta<strong>do</strong>, com o meio<br />
ambiente, com os usuários <strong>do</strong> serviço e de uma forma geral, com toda a<br />
comunidade. A responsabilidade <strong>social</strong> exercida em prol da sociedade é<br />
recompensada pela confiança depositada nesses profissionais.<br />
Não há uma limitação fixa para a responsabilidade <strong>social</strong>, já que as<br />
necessidades sociais são ditadas pela <strong>evolução</strong> humana. A responsabilidade <strong>social</strong><br />
transcende o conceito de postura legal da serventia, que cumpre corretamente os<br />
dispositivos legais, que paga corretamente to<strong>do</strong>s os impostos, transcende o conceito<br />
de filantropia ou apoio à comunidade.<br />
102
Muito se discute acerca da amplitude da responsabilidade <strong>social</strong> das<br />
serventias notariais e de registro, mas atualmente ela deve ser exercida por to<strong>do</strong>s,<br />
pessoas físicas ou jurídicas, presta<strong>do</strong>ras de serviços públicos ou priva<strong>do</strong>s, desde<br />
que respeita<strong>do</strong>s as disposições legais sobre a atividade, pois vai além <strong>do</strong> âmbito<br />
econômico, ultrapassa fronteiras e atualmente é uma necessidade de sobrevivência<br />
da população.<br />
Com o novo modelo de Esta<strong>do</strong> surgiu um processo de <strong>evolução</strong><br />
<strong>social</strong> fundada no solidarismo, na fraternidade, de forma que to<strong>do</strong>s garantem o<br />
desenvolvimento sustentável da sociedade. Esse processo está em fase avançada<br />
em muitos países e em outros está apenas começan<strong>do</strong>, mas aos poucos está<br />
propagan<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.<br />
O que se espera <strong>do</strong>s registra<strong>do</strong>res e <strong>notário</strong>s é uma nova postura,<br />
fundada em valores éticos contribuin<strong>do</strong> para a construção de uma sociedade justa,<br />
onde to<strong>do</strong>s tenham seus direitos garanti<strong>do</strong>s e não apenas teoricamente. A postura<br />
esperada deve ser ativa de verdadeiro compromisso <strong>social</strong>, buscan<strong>do</strong> solucionar<br />
necessidades públicas que já não são mais um problema apenas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />
103
CONCLUSÃO<br />
Com o presente trabalho procurou-se demonstrar de forma clara os<br />
verdadeiros contornos da atividade notarial, mostran<strong>do</strong> seus principais aspectos<br />
através de uma análise detalhada e seguin<strong>do</strong> a cronologia da <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong><br />
desta atividade.<br />
Inicialmente, foi identifica<strong>do</strong> seu surgimento nas sociedades da<br />
antiguidade, em face das necessidades sociais. Foram destacadas <strong>sua</strong>s principais<br />
características, tão diferentes da atual realidade e de forma cronológica foram<br />
estudadas as mudanças ocorridas na atividade notarial, que moldaram o <strong>notário</strong> <strong>do</strong>s<br />
dias atuais.<br />
Em que pese às profundas mudanças ocorridas na atividade notarial<br />
e na figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, importante destacar <strong>sua</strong> imensurável contribuição para toda a<br />
humanidade. No início <strong>do</strong>s tempos uma contribuição de cunho histórico, em face de<br />
<strong>sua</strong> <strong>função</strong> de historia<strong>do</strong>r, relatan<strong>do</strong> importantes fatos e perpetuan<strong>do</strong>-os, permitin<strong>do</strong><br />
dessa forma, que se pudesse entender melhor a história de um povo. Por algum<br />
tempo essa classe foi desprestigiada por funcionar como um instrumento de<br />
satisfação de interesses políticos e pessoais, atuan<strong>do</strong> de forma parcial, atenden<strong>do</strong> a<br />
interesses escusos, maculan<strong>do</strong> a <strong>sua</strong> imagem. E atualmente está ganhan<strong>do</strong><br />
prestígio novamente, com a implantação da seleção <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s por concurso,<br />
conforme reza nossa Constituição Federal.<br />
Os <strong>notário</strong>s atuais são profissionais muito bem prepara<strong>do</strong>s<br />
juridicamente e conscientes de seu papel diante da comunidade. Seu ofício não<br />
deve ater-se mais à letra da lei, deve se moldar à sociedade que atua e cumpre ao<br />
<strong>notário</strong> fazer um trabalho que vai além <strong>do</strong>s limites legais.<br />
104
O <strong>notário</strong> atual deve ir além <strong>do</strong> cumprimento da lei. Deve conseguir<br />
fazer um trabalho além <strong>do</strong>s limites legais, sem, contu<strong>do</strong> descumprir os princípios da<br />
legalidade, segurança jurídica e dignidade da pessoa humana, fundamentos básicos<br />
de to<strong>do</strong> ordenamento jurídico.<br />
Os princípios nortea<strong>do</strong>res da atividade notarial são as diretrizes <strong>do</strong><br />
<strong>notário</strong> e o seu cumprimento viabiliza o bom exercício da <strong>função</strong> notarial. Por isso,<br />
tão importante o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> alicerce <strong>do</strong> direito notarial, para a boa compreensão de<br />
to<strong>do</strong> o sistema informa<strong>do</strong>r da atividade.<br />
O princípio da fé pública foi estuda<strong>do</strong> desde a <strong>sua</strong> origem, no início<br />
uma fé de cunho religioso passan<strong>do</strong> por <strong>sua</strong>s modificações até a formatação da fé<br />
pública atual e neste momento analisada <strong>sua</strong> ligação umbilical com o direito notarial,<br />
na verdade, o principal instrumento <strong>do</strong> <strong>notário</strong>.<br />
O estu<strong>do</strong> da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana<br />
possibilitou o entendimento da importância da atividade no cenário sócio-econômico.<br />
Com o novo modelo de Esta<strong>do</strong> Social e com toda a disposição<br />
jurídica de nossa Constituição Federal a atividade notarial deve estar voltada para a<br />
garantia da dignidade da pessoa humana, considera<strong>do</strong> um princípio supranormativo,<br />
que se amolda de acor<strong>do</strong> com as evoluções sociais.<br />
Para garantir a dignidade da pessoa humana o <strong>notário</strong> deve<br />
assegurar o cumprimento de to<strong>do</strong>s os princípios informa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> sistema jurídico e<br />
em especial os princípios da <strong>função</strong> notarial.<br />
Um <strong>do</strong>s principais instrumentos para assegurar a dignidade da<br />
pessoa humana é o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, considera<strong>do</strong> um princípio<br />
nortea<strong>do</strong>r não só da atividade notarial, mas de to<strong>do</strong> ordenamento jurídico. O objetivo<br />
<strong>do</strong> exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> é plena realização da cidadania e da dignidade da<br />
pessoa humana.<br />
O <strong>notário</strong> que já era importante peça na consecução da justiça<br />
<strong>social</strong>, com a “Constituição Cidadã” ganhou mais insumo para o desempenho de<br />
uma atividade de inestimável importância para toda sociedade.<br />
105
Cumprin<strong>do</strong> <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> o <strong>notário</strong> garante a <strong>função</strong> <strong>social</strong> de<br />
outros institutos de direito, como a <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> contrato, peça chave para a<br />
circulação de riquezas e desenvolvimento econômico <strong>do</strong> país. Por isso, pode-se<br />
dizer que a atividade notarial está intimamente ligada à soberania de um Esta<strong>do</strong>.<br />
Porém, a atividade que deve ser desempenhada pelo <strong>notário</strong><br />
ultrapassa os limites jurídicos e avança no campo <strong>social</strong>. O <strong>notário</strong> atual além de<br />
cumprir <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> de aconselhamento, de prevenção de litígios, de<br />
garanti<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s direitos das partes, em especial <strong>do</strong>s hipossuficientes, de equilíbrio<br />
<strong>do</strong>s contratos, deve desempenhar um novo papel na sociedade, de cunho mais<br />
humanitário.<br />
Trata-se da responsabilidade <strong>social</strong>, instrumento necessário para o<br />
desenvolvimento sustentável de toda a sociedade.<br />
A responsabilidade <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> é a atuação deste profissional<br />
visan<strong>do</strong> ao interesse público, <strong>social</strong>, ambiental e econômico.<br />
Os <strong>notário</strong>s podem ser considera<strong>do</strong>s co-responsáveis pelo<br />
desenvolvimento da sociedade, com o fomento <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s, com a formação<br />
acadêmica e a profissionalização de seus funcionários, realização de projetos<br />
sociais, que também tem o condão de otimizar até a própria gestão da serventia.<br />
Em suma, o presente trabalho teve como objetivo traçar as<br />
características da atividade notarial e os contornos <strong>do</strong> próprio <strong>notário</strong> para fomentar<br />
o estu<strong>do</strong> dessa atividade tão nobre e desta forma, fazer com que toda sociedade<br />
entenda e enxergue esses profissionais como peças essenciais no cenário jurídico e<br />
não meros profissionais de atividades administrativas burocráticas, que tem como<br />
único fim dificultar a vida das pessoas, fomentan<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> dessa atividade tão<br />
nobre. Entretanto, o objetivo dessa dissertação ultrapassa os limites legais da<br />
atividade notarial e procura demonstrar que o <strong>notário</strong>, além de ser importante<br />
instrumento na área jurídica, também tem um importante papel na sociedade,<br />
enaltecen<strong>do</strong> ainda mais esses profissionais.<br />
106
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