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evolução histórica do notário e sua função social - Fadisp

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FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO<br />

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” - MESTRADO<br />

FUNÇÃO SOCIAL DOS INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO<br />

ANA CAROLINA BERGAMASCHI AROUCA<br />

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO NOTÁRIO E SUA FUNÇÃO<br />

SOCIAL<br />

São Paulo<br />

2009


FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO<br />

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” - MESTRADO<br />

FUNÇÃO SOCIAL DOS INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO<br />

ANA CAROLINA BERGAMASCHI AROUCA<br />

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO NOTÁRIO E SUA FUNÇÃO<br />

SOCIAL<br />

Dissertação apresentada à Banca Examina<strong>do</strong>ra<br />

da Faculdade Autônoma de Direito, como<br />

requisito parcial para obtenção <strong>do</strong> título de<br />

MESTRE em Direito Civil – Função Social <strong>do</strong>s<br />

Institutos de Direito Priva<strong>do</strong>, sob a orientação <strong>do</strong><br />

Prof. Luis Paulo Cotrim Guimarães.<br />

São Paulo<br />

2009


Banca Examina<strong>do</strong>ra<br />

____________________________________<br />

____________________________________<br />

____________________________________


AGRADECIMENTOS<br />

Este trabalho representa o final de uma caminhada de muito<br />

aprendiza<strong>do</strong>, amadurecimento e superação e o início de uma nova fase.<br />

Agradeço primeiramente a Deus por permitir que eu viesse a esse<br />

mun<strong>do</strong> com capacidade de aprender, desaprender, reaprender, errar, reconhecer os<br />

erros com humildade, pedir perdão, e também acertar. Agradeço também porque me<br />

concedeu a dádiva de estar em uma família maravilhosa que aquece to<strong>do</strong>s os dias o<br />

meu coração.<br />

Agradeço com ternura aos meus pais que sempre acreditaram em<br />

mim, me apoiaram mesmo nos momentos mais difíceis e me fizeram entender que<br />

sou uma pessoa iluminada por ter todas as oportunidades para crescer.<br />

to<strong>do</strong>s os meus sonhos.<br />

sem eles nada seria possível!!!<br />

Espero retribuir a Deus me transforman<strong>do</strong> em instrumento de paz.<br />

Espero retribuir aos meus pais dedican<strong>do</strong> a eles a realização de<br />

Aos meus pais dedico este trabalho com o meu amor eterno, pois


RESUMO<br />

Este trabalho tem por objeto analisar a longa trajetória percorrida<br />

pelos <strong>notário</strong>s, desde o nascimento dessa classe de profissionais até os dias atuais,<br />

demonstran<strong>do</strong> <strong>sua</strong> importância em cada momento histórico vivi<strong>do</strong>.<br />

Para tanto avalia as experiências estrangeiras e as principais<br />

características <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s de vários países e após, é feito um retrospecto histórico<br />

da atividade notarial no Brasil para a compreensão <strong>do</strong> necessário avanço<br />

experimenta<strong>do</strong> e da imensurável contribuição desses profissionais para a formação<br />

de nossa sociedade.<br />

Em seguida analisa toda a estrutura da atividade notarial,<br />

enfrentan<strong>do</strong> questões atuais, divergentes na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência, para<br />

melhor entendimento <strong>do</strong> tema, sem prejuízo <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s princípios mais<br />

importantes aplica<strong>do</strong>s à atividade notarial que representam seu início e seu<br />

fundamento.<br />

To<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> tem como objetivo apresentar a nova<br />

sistemática da atividade notarial, que tem como finalidade não apenas a consecução<br />

<strong>do</strong> interesse público, mas a realização de um trabalho que transcende a letra da lei.<br />

Com o exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> o <strong>notário</strong> deve buscar a efetivação <strong>do</strong>s direitos<br />

humanos e garantir a dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa<br />

República, contribuin<strong>do</strong> desta forma, para a construção de uma sociedade justa.<br />

Palavras chaves: Evolução Histórica; Atividade Notarial; Função<br />

Pública; Gestão Privada; Tabelionato de Notas; Responsabilidade; Fé Pública;<br />

Segurança Jurídica; Dignidade da Pessoa Humana; Função Social; Justiça Social.


ABSTRACT<br />

This paper aims at analyzing the long path followed by notaries,<br />

since the birth of this class of professionals to the present day, demonstrating its<br />

importance in every historical moment lived.<br />

To evaluate both foreign experience and the main characteristics of<br />

notaries from various countries and after it's made a historical retrospective of<br />

notarial activity in Brazil to advance understanding of the need experienced and<br />

immeasurable contribution of these professionals to form our society.<br />

It then analyzes the whole structure of notarial activity, facing current<br />

issues, differing in <strong>do</strong>ctrine and jurisprudence, to better understand the subject,<br />

without prejudice to the study of the main principles applied to the notarial activity<br />

representing the beginning and foundation.<br />

All study aims to present a new system of notarial activity, that aims<br />

not merely to meet the public interest, but the realization of a work that transcends<br />

the letter of the law. With the exercise of its <strong>social</strong> function the notary must seek the<br />

realization of human rights and ensuring human dignity, the foundation of our<br />

Republic, thus contributing to building a just society.<br />

Key words: Historical evolution, activity Notary, Civil Service, Private<br />

Management, Notary Notes, Responsibility, Public Faith, Security Law, the Human<br />

Dignity, Social Function, Social Justice.


SUMÁRIO<br />

A tabela de conteú<strong>do</strong> está vazia porque nenhum <strong>do</strong>s estilos de parágrafo<br />

seleciona<strong>do</strong>s no Inspetor de Documento está sen<strong>do</strong> usa<strong>do</strong> no <strong>do</strong>cumento.


INTRODUÇÃO<br />

O presente trabalho tem como objetivo traçar os contornos da<br />

atividade notarial, bem como <strong>sua</strong> natureza jurídica demonstran<strong>do</strong> a importância da<br />

atuação <strong>do</strong> <strong>notário</strong> na sociedade ao longo <strong>do</strong>s tempos e a <strong>evolução</strong> da legislação<br />

aplicada, ditada pelas transformações sociais.<br />

O <strong>notário</strong> possui uma extensa gama de competências que serão<br />

analisadas de forma detalhada, dentre as quais está a elaboração de instrumentos<br />

públicos e a orientação das partes que antecede a formalização da vontade<br />

exteriorizada pelos interessa<strong>do</strong>s. Restará demonstra<strong>do</strong> ao longo deste estu<strong>do</strong> a<br />

imensurável contribuição <strong>do</strong> <strong>notário</strong> para prevenção de litígios prestan<strong>do</strong> às partes<br />

uma assessoria de qualidade e revestida da imparcialidade necessária para garantir<br />

o equilíbrio da relação contratual.<br />

O serviço presta<strong>do</strong> com profissionalismo pelo <strong>notário</strong> à sociedade é<br />

um importante instrumento de garantia da dignidade da pessoa humana, porém a<br />

atividade desenvolvida pelo <strong>notário</strong> poderá contribuir ainda mais para a garantia <strong>do</strong>s<br />

direitos humanos e para a justiça <strong>social</strong> se presta<strong>do</strong> por um profissional devidamente<br />

consciente de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> e de seu compromisso para a construção de uma<br />

sociedade mais justa.<br />

Para melhor compreensão <strong>do</strong> tema, “Evolução <strong>histórica</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> e<br />

<strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong>”, o estu<strong>do</strong> inicia-se com uma análise <strong>histórica</strong> detalhada da<br />

atividade notarial, passan<strong>do</strong> pelo seu surgimento na antiguidade, pelas experiências<br />

de outros povos, sistemas notariais estrangeiros a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s atualmente e encerran<strong>do</strong><br />

a análise <strong>histórica</strong> com o estu<strong>do</strong> da atividade notarial no Brasil.<br />

Em seguida será estuda<strong>do</strong> o regime jurídico aplica<strong>do</strong> à atividade<br />

notarial, que foi profundamente modifica<strong>do</strong> pela nova ordem constitucional,<br />

apresentan<strong>do</strong> noções sobre o sistema notarial brasileiro, por se tratar de tema<br />

polêmico, em face <strong>do</strong> rompimento com o regime anterior, e que influencia no<br />

8


desenvolvimento da atividade, vislumbran<strong>do</strong> dessa forma, compreender os pontos<br />

complexos e dúbios da legislação pátria.<br />

No próximo capítulo serão analisa<strong>do</strong>s os princípios, que são a base,<br />

o início de to<strong>do</strong> ordenamento jurídico, que norteiam a atividade, como o princípio da<br />

fé pública, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana e <strong>sua</strong><br />

importância no exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> na sociedade.<br />

Atenção especial será reservada ao princípio supranormativo da<br />

dignidade da pessoa humana, que é garanti<strong>do</strong> com o desempenho satisfatório da<br />

atividade notarial e com o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong>. Para melhor compreensão<br />

desse princípio foram analisadas <strong>sua</strong> <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong>, <strong>sua</strong>s dimensões e como ela<br />

é atualmente percebida pela sociedade e pelo ordenamento jurídico.<br />

O capítulo seguinte é dedica<strong>do</strong> à <strong>função</strong> <strong>social</strong>. Primeiramente será<br />

analisa<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> da expressão, em seguida estuda<strong>do</strong> o seu surgimento, <strong>sua</strong><br />

<strong>evolução</strong> ao longo da história, <strong>sua</strong> importância nos dias atuais e por fim, será<br />

analisa<strong>do</strong> o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> no desenvolvimento da atividade notarial.<br />

Nesta última parte <strong>do</strong> trabalho será avaliada a finalidade <strong>social</strong> <strong>do</strong>s<br />

atos pratica<strong>do</strong>s pelo <strong>notário</strong>, que além de garantir a segurança jurídica, validade,<br />

autenticidade e eficácia <strong>do</strong>s negócios jurídicos, contribui para a justiça preventiva e<br />

assegura a aplicação <strong>do</strong>s direitos humanos.<br />

Importante ressaltar, que no presente trabalho pretende-se<br />

esclarecer que a atividade notarial é pautada pelas necessidades sociais e ao<br />

buscar uma identidade jurídica consoante aos costumes vigentes deve-se respeitar<br />

e observar experiências jurídicas externas, que serão oportunamente analisadas,<br />

porém, a matriz principal deve ser o desenvolvimento da nação e isto ocorre quan<strong>do</strong><br />

a sociedade, de forma soberana, define as <strong>sua</strong>s necessidades e elabora uma<br />

legislação que atenda a essas premissas.<br />

Trata-se da dinamogênese, um processo em que as necessidades e<br />

aspirações de uma sociedade são corretamente valoradas pelo Esta<strong>do</strong> que, por<br />

9


intermédio <strong>do</strong>s representantes <strong>do</strong> povo, estabelecem normas e regras jurídicas<br />

eficazes a satisfazer a pretensão <strong>social</strong>.<br />

Procura-se demonstrar, que para o bom exercício da atividade<br />

notarial é necessário que o profissional dessa área esteja prepara<strong>do</strong> juridicamente,<br />

mas, sobretu<strong>do</strong>, que ele tenha sensibilidade para compreender a importância da<br />

<strong>função</strong> <strong>social</strong> e os reflexos de <strong>sua</strong> atuação na sociedade, que constitui a base de<br />

sustentação para a garantia da dignidade humana.<br />

A pesquisa, no entanto, não se limita apenas a traçar os contornos<br />

jurídicos da atividade notarial e da <strong>função</strong> <strong>social</strong> exercida pelo tabelião de notas,<br />

pois se pretende com este estu<strong>do</strong> desmistificar a figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong> e despir de<br />

preconceitos a visão que a sociedade tem desse profissional, que é instrumento<br />

fundamental para a justiça <strong>social</strong>, tão necessária ao desenvolvimento de uma nação.<br />

A proposta deste trabalho tem ainda por motivação, fomentar o<br />

estu<strong>do</strong> desse tema tão importante para a formação de sociedades justas, por meio<br />

de uma abordagem geral, de uma linguagem simples e didática, que tenha o condão<br />

de estimular o leitor a efetuar uma pesquisa ainda mais aprofundada deste complexo<br />

e importante assunto.<br />

10


1. O NOTÁRIO NO CONTEXTO HISTÓRICO<br />

1.1 A origem da atividade<br />

A origem <strong>do</strong> tabelião de notas é muito remota e confunde-se com a<br />

própria origem da sociedade. Com a fixação <strong>do</strong> homem à terra, deixan<strong>do</strong> de ser<br />

nômade, surge a necessidade de viver em sociedade, para melhor se proteger <strong>do</strong>s<br />

ataques de animais, <strong>do</strong>s ataques de outros homens e para otimizar a produção de<br />

alimentos e, desta forma adere ao contrato <strong>social</strong>, que são regras que disciplinam a<br />

convivência, surgin<strong>do</strong> assim, o Direito, para regular as relações sociais e dirimir os<br />

conflitos existentes.<br />

Nessa sociedade recém formada surge a necessidade de uma<br />

pessoa que se possa ter confiança para relatar os fatos, perpetuan<strong>do</strong>-os para a<br />

posteridade e que auxilie as pessoas no momento de contratarem umas com as<br />

outras.<br />

Importante papel foi desempenha<strong>do</strong> pelo <strong>notário</strong> na história da<br />

humanidade, pois seus apontamentos, verdadeiros relatos históricos, serviram e<br />

ainda servem para a compreensão da <strong>evolução</strong> <strong>do</strong> homem e <strong>do</strong>s anseios da<br />

sociedade.<br />

Com as transformações sociais surge a necessidade de uma pessoa<br />

cada vez mais preparada para, além de relatar fatos, perpetuan<strong>do</strong>-os, e dar forma à<br />

vontade das partes, garantir os direitos das partes envolvidas, geran<strong>do</strong> a<br />

estabilidade das relações e a paz <strong>social</strong>.<br />

A figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong> surge <strong>do</strong>s anseios sociais, é um fenômeno <strong>social</strong>,<br />

em princípio instrumento essencial para a formação <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s e somente mais<br />

tarde será peça fundamental para o ordenamento jurídico.<br />

11


1.1.1Hebreus<br />

No início das sociedades, como a <strong>do</strong>s hebreus, as transações eram<br />

feitas verbalmente, apenas garantidas pelas testemunhas que presenciavam os<br />

atos. Segun<strong>do</strong> relatos de João Mendes de Almeida Júnior 1 foi entre os hebreus que<br />

se confeccionou o mais antigo contrato real de que a Escritura Sagrada faz menção<br />

(Gênesis, XXIII, 8, 18). Referi<strong>do</strong> contrato foi concluí<strong>do</strong> sem intervenção de <strong>notário</strong> e<br />

sem a forma escrita e por meio dele Abraão comprou de Efron um terreno para nele<br />

sepultar <strong>sua</strong> esposa, Sara.<br />

Porém, com a <strong>evolução</strong> das sociedades, como a <strong>do</strong>s hebreus, houve<br />

a necessidade <strong>do</strong> contrato escrito. Importante destacar, que além da formalização<br />

escrita da vontade das partes, são cria<strong>do</strong>s outros mecanismos de garantia das<br />

transações feitas pelos hebreus, como a imissão na posse para os bens imóveis.<br />

Havia entre os hebreus a figura <strong>do</strong>s escribas, cujas funções foram<br />

bem delineadas nos ensinamentos de João Mendes de Almeida Júnior:<br />

Desde 600 anos A. C., o encargo de receber e selar os atos e<br />

contratos, que deviam ser muni<strong>do</strong>s <strong>do</strong> sêlo público, competia a uma<br />

espécie de <strong>notário</strong>s chama<strong>do</strong>s escribas. Êstes, na maior parte das<br />

convenções, faziam simples notas ou abreviaturas, cada uma das<br />

quais significava uma palavra, e eram escritas com tôda a<br />

celeridade, como se depreende <strong>do</strong> versículo segun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Salmo,<br />

XLIV: Lingua mea calamus scribae, velociter scribentis. Eram<br />

revesti<strong>do</strong>s de caráter sacer<strong>do</strong>tal, tanto os escribas ou <strong>do</strong>utôres da lei,<br />

que transcreviam e interpretavam a Sagrada Escritura, como os<br />

escribas <strong>do</strong> povo, que ocorriam às necessidades quotidianas <strong>do</strong>s<br />

cidadãos, redigin<strong>do</strong> memórias, cartas e semelhantes <strong>do</strong>cumentos 2 .<br />

Os escribas <strong>do</strong> povo tinham como funções, além de dar forma à<br />

vontade exprimida pelas partes, redigin<strong>do</strong> pactos e convênios particulares,<br />

formalizar a vontade <strong>do</strong> rei e ainda autenticar atos e resoluções monárquicas.<br />

1 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 5.<br />

2 Ibidem, p. 7.<br />

12


Já os escribas da lei, como o próprio nome está a indicar, faziam a<br />

interpretação das leis auxilian<strong>do</strong> os Tribunais de Justiça e ainda tinham um<br />

importante papel no Conselho de Esta<strong>do</strong>.<br />

Os escribas hebreus também eram ocupantes de cargos<br />

privilegia<strong>do</strong>s e gozavam de uma preparação cultural especial para o bom exercício<br />

de <strong>sua</strong> <strong>função</strong>.<br />

1.1.2Egípcios<br />

A sociedade egípcia sempre foi considerada avançada em muitas<br />

áreas como na medicina, na engenharia, na astrologia. Era regida pelo monarca,<br />

organizada em castas, imperan<strong>do</strong> a forte influência sacer<strong>do</strong>tal.<br />

A vida jurídica no Egito tornou-se muito expressiva após a<br />

proclamação pelo rei Bochóris, no século VIII A.C. da liberdade de contratar, que até<br />

então era apenas reservada para as castas superiores, compostas pelos sacer<strong>do</strong>tes<br />

e pelos guerreiros.<br />

Foi nesse contexto que surgiram os primeiros oficiais de notas que<br />

se tem notícia, os escribas <strong>do</strong> Egito. Eram pessoas de altíssimo nível cultural,<br />

ocupantes de cargos privilegia<strong>do</strong>s nesta sociedade, considera<strong>do</strong>s propriedade<br />

privada, poden<strong>do</strong> transmitir por sucessão aos herdeiros 3 .<br />

Em que pese os escribas redigirem instrumentos jurídicos para o<br />

monarca, sen<strong>do</strong> pessoas de <strong>sua</strong> confiança e também redigirem instrumentos<br />

particulares, estes não eram possui<strong>do</strong>res de fé pública e por isso, os instrumentos<br />

por eles lavra<strong>do</strong>s, para ter valor probatório, tinham que ser homologa<strong>do</strong>s por uma<br />

autoridade superior.<br />

No início os contratos eram redigi<strong>do</strong>s pelas partes ou por <strong>notário</strong>s e<br />

na maioria das vezes na presença de cinco testemunhas que transcreviam o<br />

3 COTRIM NETO, Alberto Bittencourt. Perspectivas da <strong>função</strong> notarial no Brasil. Porto Alegre: Colégio<br />

Notarial <strong>do</strong> Brasil – Seção <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, 1973, p. 10.<br />

13


contrato de próprio punho, fazen<strong>do</strong> verdadeiras cópias e assinavam em baixo, isso<br />

como forma de garantia <strong>do</strong> negócio realiza<strong>do</strong> pelas partes. Com <strong>evolução</strong> da<br />

sociedade egípcia e o fomento da atividade notarial a transcrição <strong>do</strong> contrato pelas<br />

testemunhas foi cain<strong>do</strong> em desuso.<br />

João Mendes:<br />

O sistema notarial e registral egípcio era organiza<strong>do</strong> conforme relata<br />

Na praxe egípcia, pois, se encontram a escritura, o cadastro, o<br />

registro e o impôsto de transmissão ou siza, em <strong>sua</strong> origem <strong>histórica</strong>.<br />

Encontram-se ainda o arquivo ou cartório, porque não bastava que<br />

os contratos fôssem registra<strong>do</strong>s; a lei exigia ainda que fôssem<br />

transcritos no cartório <strong>do</strong> tribunal ou juízo e que fôssem deposita<strong>do</strong>s<br />

no cartório <strong>do</strong> conserva<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s contratos: era o uso de to<strong>do</strong>s os<br />

países onde penetrava a civilização helênica 4 .<br />

Com a introdução <strong>do</strong> helenismo na civilização egípcia os <strong>notário</strong>s<br />

gregos ganharam destaque e os contratos começaram a ser elabora<strong>do</strong>s perante<br />

esses profissionais.<br />

Importante ressaltar, que os escribas, ancestrais mais remotos <strong>do</strong>s<br />

<strong>notário</strong>s, apenas instrumentalizavam a vontade das partes, eram meros redatores,<br />

pois não estavam investi<strong>do</strong>s de fé pública, diferentemente <strong>do</strong> que ocorre nos dias<br />

atuais, em que a fé pública é peça fundamental para o exercício da <strong>função</strong>.<br />

1.1.3 Gregos<br />

Continuan<strong>do</strong> na <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> surge na Grécia a<br />

figura <strong>do</strong>s mnemons ou epistates e hieromnemons, que a tradução em latim era<br />

notarii, actuarii, chartularii, cuja tradução para o português seria <strong>notário</strong>s, secretários<br />

e arquivistas, considera<strong>do</strong>s funcionários públicos pelo filósofo Aristóteles,<br />

encarrega<strong>do</strong>s de redigir instrumentos particulares, poden<strong>do</strong> posteriormente ser<br />

utiliza<strong>do</strong>s pelas partes contratantes como prova, de escrever os atos <strong>do</strong>s processos<br />

4 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 14. João<br />

Mendes elencou as características <strong>do</strong> sistema notarial e registral egípcio de acor<strong>do</strong> com a obra<br />

Histoire Du Droit de Dareste.<br />

14


judiciais, como as petições, acusações, defesas, citações e as decisões <strong>do</strong>s juízes e<br />

por fim, e de suma importância, tinham a <strong>função</strong> de conservar <strong>do</strong>cumentos públicos<br />

e particulares 5 . Foram figuras importantes no desenvolvimento da sociedade e das<br />

cidades gregas, segun<strong>do</strong> João Mendes de Almeida Júnior: “Depois que se<br />

desenvolveu a vida civil na Grécia, êstes funcionários foram crescen<strong>do</strong> na<br />

consideração pública” 6 .<br />

A civilização helênica esteve presente em diversas regiões <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>, o que permitiu a popularização <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, pois em to<strong>do</strong>s os países com<br />

influência da civilização helênica havia a figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, de acor<strong>do</strong> com os estu<strong>do</strong>s<br />

de João Mendes de Almeida Júnior:<br />

1.1.4Romanos<br />

maior <strong>evolução</strong>.<br />

A verdade é que, em to<strong>do</strong>s os países onde <strong>do</strong>minou a civilização<br />

helênica, observa-se a existência de <strong>notário</strong>s, incumbi<strong>do</strong>s de dar aos<br />

contratos o seu testemunho qualifica<strong>do</strong> e, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s tribunais e<br />

juízes, um secretário, incumbi<strong>do</strong> não só de escrever peças <strong>do</strong><br />

processo, como de coordená-las, guardá-las na caixa selada<br />

respectiva e transmitir essa caixa ao juiz ou tribunal. A expressão –<br />

mnemons, literalmente traduzida, bem explica que o fim principal <strong>do</strong><br />

<strong>notário</strong> é guardar a lembrança <strong>do</strong>s contratos, isto é, preconstituir<br />

prova 7 .<br />

Contu<strong>do</strong>, foi em Roma que a atividade notarial experimentou <strong>sua</strong><br />

Assim como os hebreus, no início da civilização romana a realização<br />

<strong>do</strong>s negócios era verbal, sen<strong>do</strong> fielmente cumprida a lei natural e imperan<strong>do</strong> a boa<br />

fé, porém, com o aumento da população romana e multiplicação <strong>do</strong>s negócios civis<br />

foi necessária a instrumentalização desses negócios e neste momento há a<br />

5 Ibidem, p. 16.<br />

6 Ibidem, p. 16.<br />

7 Ibidem, p. 16-17.<br />

15


exigência de um profissional que dê forma à vontade das partes perpetuan<strong>do</strong>-a e<br />

possuin<strong>do</strong> este instrumento força probatória como um ato público.<br />

Os atos pratica<strong>do</strong>s pelos tabeliães de notas romanos não eram<br />

<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé, dependiam de comprovação em juízo da assinatura e da letra<br />

constantes no instrumento confecciona<strong>do</strong> pelo tabelião, coletan<strong>do</strong> o depoimento de<br />

pelo menos duas testemunhas para esse mister.<br />

No início surgiram diversos profissionais responsáveis pela<br />

instrumentalização de negócios, conservação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos e por serviços<br />

auxiliares da justiça, como os argentarii, que exerciam nos fóruns a <strong>função</strong> de<br />

procurar empréstimos em dinheiro para particulares e confeccionar os contratos de<br />

mútuo. Os notarii, cuja atividade era escrever com as notas, que consistia muitas<br />

vezes na simples indicação das iniciais ou abreviaturas conhecidas se revelan<strong>do</strong><br />

uma espécie de estenógrafos. Os tabularii, que eram funcionários fiscais e tinham,<br />

dentre outras funções, a escrituração e a conservação <strong>do</strong>s registros hipotecários, a<br />

direção <strong>do</strong> censo e posteriormente confeccionavam <strong>do</strong>cumentos legais. Por algum<br />

tempo esses profissionais foram considera<strong>do</strong>s escravos <strong>do</strong> povo, mas após,<br />

somente foram admiti<strong>do</strong>s para esse ofício homens livres.<br />

Contu<strong>do</strong>, o profissional romano que mais se aproxima <strong>do</strong> <strong>notário</strong><br />

atual é o tabelliones, conforme leciona João Mendes:<br />

Os tabelliones, assim chama<strong>do</strong>s porque escreviam seus atos em<br />

tabuletas de madeira emplastadas de cera, a princípio exercitavam<br />

cumulativamente com os exceptores, os actuarii e os notarii, as <strong>sua</strong>s<br />

funções. Eram imperitos no direito, porém pessoas livres:<br />

Tabelliones, diz PEREZIO, ao tít. X, Liv. X <strong>do</strong> Cód. Just. erant liberi<br />

homines et poterant ad decurionatum adspirare. Mas, nos séculos IV<br />

e V, os exceptores, os actuarii e os notarii mudam de natureza, isto é,<br />

passam a exercer funções especiais e distintas, segun<strong>do</strong> observam<br />

SAVIGNY e CONTI; em tal época, com o nome de expectores são<br />

designa<strong>do</strong>s os secretários das autoridades administrativas e das<br />

mais elevadas autoridades judiciárias; com o nome de actuarii, são<br />

designa<strong>do</strong>s os escrivães <strong>do</strong>s juízes e emprega<strong>do</strong>s de menor escala;<br />

16


e com o nome de notarii eram designa<strong>do</strong>s os escrivães da<br />

chancelaria imperial 8 .<br />

A carreira de tabelião de notas somente foi institucionalizada com a<br />

administração <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r Justiniano I (Flavius Petrus Sabbatius Justinianus),<br />

responsável pela unificação <strong>do</strong> império romano cristão 9 .<br />

Após devidamente regularizada a profissão de tabelião de notas, ela<br />

ainda experimentou significativo avanço no século VI, durante o governo <strong>do</strong>s<br />

impera<strong>do</strong>res Leão I e Justiniano, com a criação de uma corporação, presidida por<br />

um primicerius (primus in coera), que era responsável pela formação de tabeliães,<br />

<strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-os de notável saber jurídico e aptidão para a escrita. Houve uma verdadeira<br />

institucionalização da classe notarial.<br />

Entre os anos de 527 e 565, elabora-se o Corpus Júris Civilis, obra<br />

legislativa dividida em quatro partes: institutiones (institutas), que era um manual de<br />

estu<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> mais simples e teórico, com noções gerais, definições e<br />

classificações; digesto (pandectas), compilações de fragmentos de jurisconsultos<br />

clássicos, obra mais complexa, de maior dificuldade na elaboração, era um código<br />

com <strong>do</strong>utrinas seletas; codex, compilação das leges presentes nas constituições<br />

imperiais que figuravam nos códigos Gregoriano, Hermogeniano e Teo<strong>do</strong>siano, era<br />

uma espécie de código dividi<strong>do</strong> em livros e títulos e por fim as novelas,<br />

caracterizada pela reunião das constituições promulgadas depois de 535 por<br />

Justiniano.<br />

No digesto encontram-se as disposições legislativas que regulam a<br />

atividade <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s. Na parte denominada gema primeva, tem-se o primeiro<br />

regulamento <strong>do</strong> <strong>notário</strong> <strong>do</strong> tipo latino, este, que transcreve a realidade e orienta com<br />

relação à forma jurídica <strong>do</strong> ato.<br />

Com as Novelas de Justiniano são veiculadas disposições sobre a<br />

atividade notarial, o que demonstra a importância <strong>do</strong> <strong>notário</strong> para o desenvolvimento<br />

da civilização romana. Para desenvolver de forma ordenada o império são previstas<br />

8 Ibidem, p. 22.<br />

9 MARTINS, Cláudio. Teoria e Prática <strong>do</strong>s atos notariais. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 7.<br />

17


sanções contra os tabeliães faltosos às <strong>sua</strong>s obrigações delegadas, uma vez que se<br />

tem a esse tempo, a delegação pública para exercício da atividade <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s,<br />

porém, em caráter priva<strong>do</strong>.<br />

É certo afirmar, que na cidade de Constantinopla no ano aproxima<strong>do</strong><br />

de 550 DC, a atividade mercantil era muito desenvolvida, portanto, em qualquer<br />

praça pública onde houvesse um <strong>notário</strong>, dan<strong>do</strong> forma à vontade e aos negócios das<br />

pessoas, o movimento era intenso. Em face <strong>do</strong> volume de serviço, o <strong>notário</strong> se<br />

obrigava a delegar alguns serviços a auxiliares, lembra-se, entretanto, que essa<br />

delegação como nos dias de hoje merecia to<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> quanto às qualificações <strong>do</strong><br />

preposto, para que desta forma, não houvesse prejuízo para as partes que<br />

utilizassem os serviços desses profissionais.<br />

Conta a história que uma mulher analfabeta, encarrega a um <strong>notário</strong><br />

a missão de elaborar um <strong>do</strong>cumento que expresse a <strong>sua</strong> vontade, ocorre que o<br />

<strong>do</strong>cumento não traduz a verdade dita <strong>do</strong>s fatos e ela se queixa a um juiz<br />

encarrega<strong>do</strong> de resolver a questão, o qual, de imediato convoca o <strong>notário</strong> para<br />

prestar esclarecimentos.<br />

Ao se convocar o dito <strong>notário</strong>, este alega desconhecer parte <strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>cumento, pois delegou a confecção <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento a outrem, que convoca<strong>do</strong><br />

também foi, porém ao ser indaga<strong>do</strong> sobre a questão, responde que tampouco havia<br />

si<strong>do</strong> de <strong>sua</strong> autoria a elaboração <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento, pois encarregara a outro a redação<br />

<strong>do</strong> dito <strong>do</strong>cumento.<br />

O juiz convoca ainda um terceiro envolvi<strong>do</strong>, porém, não fora possível<br />

encontrar quem realmente houvera redigi<strong>do</strong> o <strong>do</strong>cumento, sen<strong>do</strong> que desta forma e<br />

após exaustiva investigação, o juiz diante <strong>do</strong>s fatos, consegue afinal determinar a<br />

verdade.<br />

Relata-se que tal situação deu origem à elaboração da Constituição<br />

XLV, Novela XLIV, abaixo transcrita:<br />

O Impera<strong>do</strong>r Justiniano, Augusto, por decreto a João, segunda vez<br />

Prefeito <strong>do</strong> Pretório, Ex-cônsul e Patrício, o texto em <strong>sua</strong> íntegra:<br />

18


Pois, nós cremos ser conveniente auxiliar a to<strong>do</strong>s, fazer uma lei<br />

comum para to<strong>do</strong>s os casos, a fim de que aos mesmos que estão à<br />

frente <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s, se lhes imponha de to<strong>do</strong>s os mo<strong>do</strong>s<br />

que formalizem por si o <strong>do</strong>cumento, e que estejam presentes até o<br />

seu término, (...).<br />

§1º – Para proibir todas estas coisas lavramos a presente lei,(...)<br />

entenden<strong>do</strong>-se que se contra estas determinações tiverem feito<br />

alguma coisa, perderão, em absoluto, as praças, e aquele que por<br />

eles é designa<strong>do</strong> para lavrar o <strong>do</strong>cumento e nele intervier será o<br />

<strong>do</strong>no da praça com própria autoridade, (...)<br />

§2º – Mas se por acaso for indigno de receber autoridade na praça<br />

aquele a quem contra o que por nós tiver si<strong>do</strong> disposto na presente<br />

lei lhe é encomenda<strong>do</strong> um <strong>do</strong>cumento, perca-se a autoridade<br />

certamente de to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> por esta causa o <strong>notário</strong>, e seja constituí<strong>do</strong><br />

outro em seu lugar;(...)<br />

§3º - E não finjam os <strong>notário</strong>s ocasiões para se irem, acaso por<br />

<strong>do</strong>ença, ou por ocupações de tal natureza; porque se tal acontecer,<br />

ser-lhes-á lícito chamar aos que contratam, (...)<br />

§4º – Mas para que não pareça que esta lei seja sumamente dura<br />

para eles,(...). Pois lhes damos licença, a cada um deles, para que,<br />

com motivo acaso de tais dúvidas sujas, nomeiem alguém para isso,<br />

(...) para estar presente ao serem finaliza<strong>do</strong>s, e sem que<br />

absolutamente qualquer outro que exista naquela praça tenha<br />

licença para que lhe seja encomenda<strong>do</strong> o começo,(...) Porque<br />

sabemos que por me<strong>do</strong> à lei guardarão também eles no sucessivo o<br />

q u e p o r n ó s f o i d e c r e t a d o , e f a r ã o c o m c a u t e l a o s<br />

<strong>do</strong>cumentos” (Manuscriptum Florentium) 10 .<br />

Do texto acima, percebe-se a preocupação em disciplinar a atividade<br />

notarial e acolhe-se uma forte tendência de imputar ao <strong>notário</strong> a <strong>sua</strong> devida<br />

responsabilidade, preven<strong>do</strong> de forma clara as sanções a serem aplicadas. Estas<br />

disposições têm por objetivo a prevenção e a repreensão <strong>do</strong>s erros ocorri<strong>do</strong>s no<br />

10 D. Idelfonso L. Garcia Corral; Francisco Tost, em tradução <strong>do</strong> latim para o espanhol e versão para o<br />

português, De tabellionibus et ut protocolla dimittant in chartis <strong>do</strong> Manuscriptum Florentium, Séc.<br />

VI.<br />

19


exercício da atividade, estabelecen<strong>do</strong> assim, o equilíbrio necessário à atividade<br />

mercantil. Nos dias atuais este equilíbrio se define como segurança jurídica.<br />

Importante destacar, que na época <strong>do</strong> império romano não havia<br />

tecnologia para armazenar as informações, e muito menos divulgá-las. Nesse<br />

cenário se produz a <strong>do</strong>cumentação no local da transação, praças públicas, e tem-se<br />

o efeito da verdade, desta forma, o império além de investir da autoridade<br />

necessária o <strong>notário</strong>, age com extremo rigor em casos de erro, uma vez, que o seu<br />

poder de fiscalização é frágil, e as transações tem em <strong>sua</strong> maioria caráter priva<strong>do</strong>. O<br />

império só tem conhecimento <strong>do</strong> erro em casos de contenda ou em casos que<br />

envolvam o recolhimento de impostos.<br />

Outra importante inovação disposta na Novela XLIV foi a criação <strong>do</strong><br />

protocolo, que era a determinação da prática de atos em papel que tivesse a marca<br />

<strong>do</strong> nome <strong>do</strong> comes sacrarum largitionum e da época de <strong>sua</strong> fabricação. O protocolo<br />

além de ser um mecanismo para dificultar falsificações, também era um meio de<br />

imposto indireto<br />

Justiniano sempre reconheceu a importância <strong>do</strong>s tabeliães de notas<br />

para o desenvolvimento da sociedade romana e incentivou o progresso da atividade<br />

notarial exigin<strong>do</strong> que estes profissionais fossem conhece<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Direito para<br />

melhor desempenhar a atividade. Prestigian<strong>do</strong> a <strong>função</strong> notarial Justiniano<br />

determinou a intervenção obrigatória <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s nos inventários, concedeu a<br />

<strong>função</strong> de subscrever as denúncias onde não houvesse magistra<strong>do</strong> com o fim de<br />

interromper a prescrição, mas também velan<strong>do</strong> pelo bom desempenho das<br />

atividades notariais previu pena de falsidade ao <strong>notário</strong> que não redigisse de acor<strong>do</strong><br />

com as declarações de última vontade prolatadas pelo testa<strong>do</strong>r.<br />

Depois de Justiniano a institucionalização e aprimoramento <strong>do</strong><br />

notaria<strong>do</strong> continuou com o impera<strong>do</strong>r bizantino Leão VI, que exigia para o exercício<br />

da atividade pessoas qualificadas, conhece<strong>do</strong>ras das leis, peritos na escrita,<br />

habili<strong>do</strong>sos na comunicação, probas, de raciocínio rápi<strong>do</strong> e ainda que tivesse em<br />

20


mãos os quarenta títulos <strong>do</strong> manual das leis, e conhecesse os sessenta livros e as<br />

regras para não cometer erros nas escrituras ou equivocar-se nas palavras 11 .<br />

Nesse contexto histórico há o surgimento <strong>do</strong> direito canônico<br />

medieval e ocorre um importante processo de sistematização da atividade notarial<br />

com a sedimentação <strong>do</strong> uso de fórmulas sacramentais para a confecção de<br />

instrumentos públicos.<br />

1.1.4.1 Direito Canônico<br />

O Direito é uma ciência que surgiu como forma de atender aos<br />

anseios sociais e garantir a convivência em sociedade. Antes <strong>do</strong> século XI não havia<br />

uma separação definida entre o Direito e outros mecanismos de controle <strong>social</strong>,<br />

pode-se afirmar que o Direito estava intrinsecamente liga<strong>do</strong> à idéia de regras morais<br />

e costumes sociais muitas vezes liga<strong>do</strong>s à religião.<br />

O Direito somente ganhou autonomia, transforman<strong>do</strong>-se em um<br />

corpo estrutura<strong>do</strong> de princípios e regras com a Reforma Gregoriana no século XI,<br />

que teve início no século X com o movimento monástico de Cluny. A reforma buscou<br />

a independência das autoridades eclesiásticas, separan<strong>do</strong> a esfera temporal da<br />

espiritual.<br />

Antes da reforma havia apenas normas eclesiásticas, sem<br />

autonomia, regidas pelos princípios eclesiásticos e intrinsecamente ligadas à<br />

atividade exercida pela igreja. Com a reforma há a sistematização e estruturação de<br />

normas autônomas de caráter jurídico, que deveriam reger a vida da igreja,<br />

denomina<strong>do</strong> Direito Canônico, considera<strong>do</strong> primeiro sistema jurídico ocidental<br />

moderno.<br />

Posteriormente ao surgimento <strong>do</strong> Direito Canônico houve o<br />

surgimento de sistemas jurídicos não eclesiásticos, como o mercantil, o feudal, o<br />

senhorial, conheci<strong>do</strong>s como sistemas jurídicos seculares.<br />

11 Os quarenta livros compreendiam toda a legislação romana, compendiada em sessenta livros por<br />

Basílio Macedón (apud Cláudio Martins, Teoria e prática <strong>do</strong>s atos notariais, Rio de Janeiro:<br />

Forense, 1979, p. 9).<br />

21


Em Roma a Igreja Católica constituía um <strong>do</strong>s pilares de sustentação<br />

<strong>do</strong> império romano e nesse contexto de expansão <strong>do</strong> império com participação ativa<br />

da Igreja o Direito Canônico tem uma <strong>função</strong> importante para o desenvolvimento e<br />

organização da sociedade romana e também para o notaria<strong>do</strong> de Roma.<br />

O Direito Canônico contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento<br />

e prestígio da atividade notarial como revela João Mendes de Almeida Júnior:<br />

Na ordem eclesiástica, desde os primeiros tempos da Era Cristã,<br />

achamos alguns oficiais que traziam o nome de – notarii. Eram êstes<br />

os notarii regionarii, <strong>notário</strong>s regionais, instituí<strong>do</strong>s pelo Papa S.<br />

Clemente, no ano 98, os quais eram distribuí<strong>do</strong>s pelas sete regiões<br />

eclesiásticas, e tinham o encargo de receber os atos <strong>do</strong>s mártires, de<br />

anunciar ao povo as procissões, as preces, etc.; os <strong>notário</strong>s <strong>do</strong><br />

tesouro da Igreja, chama<strong>do</strong>s também scriniarii, e os proto<strong>notário</strong>s<br />

apostólicos, instituí<strong>do</strong>s pelo Papa Júlio I na primeira metade <strong>do</strong><br />

século IV. Êstes últimos se chamavam – participantes, e gozavam de<br />

algum privilégio, como por exemplo, <strong>do</strong> direito a uma parte das taxas<br />

pagas à chancelaria romana pela expedição <strong>do</strong>s atos e ad instar<br />

participantium, se êste título era concedi<strong>do</strong> por mera honorificência 12 .<br />

A influência <strong>do</strong>s Papas na atividade notarial trouxe grande prestígio<br />

para essa classe, respeitada por toda sociedade por estar revestida de caráter<br />

sacer<strong>do</strong>tal. A fé pública que estava investi<strong>do</strong> o <strong>notário</strong> possuía um caráter religioso<br />

imputa<strong>do</strong> pela Igreja Católica, que conferia mais credibilidade a esses profissionais<br />

perante a sociedade.<br />

O Direito Canônico foi o precursor <strong>do</strong> registro civil das pessoas<br />

naturais e também, identificam-se traços de origem <strong>do</strong> registro de imóveis.<br />

A administração pela Igreja Católica em Roma <strong>do</strong>s sacramentos de<br />

batismo, matrimônio e extrema-unção deram origem aos assentamentos a cargo <strong>do</strong>s<br />

curas d’almas <strong>do</strong>s nascimentos, casamentos e óbitos ocorri<strong>do</strong>s, poden<strong>do</strong> ser<br />

considera<strong>do</strong> o berço da atividade de registro civil de pessoas naturais.<br />

12 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 53-54.<br />

22


Em Roma iniciou-se o tombamento de bens eclesiásticos para<br />

proteção da igreja católica e o registro desses tombamentos para fins de publicidade<br />

e segurança jurídica fomentou o registro das propriedades, que num primeiro<br />

momento eram efetua<strong>do</strong>s sob a égide da igreja católica e posteriormente dan<strong>do</strong><br />

origem ao serviço de registro de imóveis.<br />

A forte ligação da atividade notarial à igreja católica deve-se também<br />

ao fato de serem as pessoas ligadas ao clero <strong>do</strong>tadas de vasto conhecimento,<br />

inclusive jurídico, <strong>do</strong>minan<strong>do</strong> a escrita, e, desta forma, garantin<strong>do</strong> a confecção de<br />

instrumentos de eleva<strong>do</strong> nível técnico e <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de perfeição nas formas.<br />

Cumpre-se destacar, que a influência <strong>do</strong> clero não se restringiu<br />

apenas à atividade notarial e registral, pois no âmbito judicial também tiveram uma<br />

participação expressiva em face da grande quantidade de pessoas iletradas que<br />

havia em Roma, carecen<strong>do</strong> o foro judicial de pessoas cultas e preparadas como os<br />

cânones, que exerciam grande parte das funções judiciais.<br />

O direito canônico foi responsável por regularizar a forma escrita,<br />

tanto no foro judicial como no extrajudicial, sanean<strong>do</strong> as incorreções e essas formas<br />

canônicas introduzidas são conservadas, com as devidas atualizações, em muitos<br />

países até hoje como em Portugal, na Espanha, na Itália, na França, na Alemanha e<br />

também no Brasil.<br />

1.2 Atividade notarial no perío<strong>do</strong> contemporâneo<br />

A atividade notarial ao longo da história passou por diversas fases,<br />

alternan<strong>do</strong> momentos de reconhecimento e prestígio com momentos de decadência,<br />

como ocorreu na Idade Média, com a instituição <strong>do</strong> feudalismo. Nesse momento<br />

histórico a atividade notarial sofreu grande perda, pois com o <strong>do</strong>mínio e poder<br />

concentra<strong>do</strong> nas mãos <strong>do</strong>s senhores feudais, que inclusive validavam os atos<br />

notariais, a seleção <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s não levava em consideração <strong>sua</strong> aptidão para a<br />

escrita e seu conhecimento jurídico, mas sim, <strong>sua</strong> influência política.<br />

23


Após essa fase de degeneração o notaria<strong>do</strong> volta a ganhar vida,<br />

conforme os ensinamentos de Leonar<strong>do</strong> Brandelli:<br />

No século XIII, na Itália, mais precisamente na Universidade de<br />

Bolonha, com a instituição de um curso especial, a arte notarial<br />

tomou um incremento tal a ponto de os autores considerarem-na a<br />

pedra angular <strong>do</strong> ofício de notas <strong>do</strong> tipo latino, ten<strong>do</strong> acrescenta<strong>do</strong><br />

uma base científica ao notaria<strong>do</strong> 13 .<br />

A Universidade de Bolonha era um centro de estu<strong>do</strong>s e<br />

ensinamento <strong>do</strong> direito romano, onde jurisconsultos medievais traduziam e<br />

interpretavam o Corpus Juris Civilis, fazen<strong>do</strong> anotações à margem <strong>do</strong> texto romano<br />

chamadas de glosas.<br />

Com a Escola de Bolonha o notaria<strong>do</strong> experimentou grande<br />

<strong>evolução</strong>, aprimoran<strong>do</strong>-se até os dias de hoje e delinean<strong>do</strong> <strong>sua</strong>s características de<br />

pacifica<strong>do</strong>r de conflitos, garantin<strong>do</strong> a segurança jurídica necessária para o<br />

desenvolvimento <strong>social</strong> e econômico das sociedades.<br />

1.2.1Notaria<strong>do</strong> Francês<br />

Na origem <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> na França a atividade de formalização <strong>do</strong>s<br />

atos era confundida com a de fazer justiça, pois o <strong>notário</strong> executava funções em<br />

nome <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>. Luís IX vislumbran<strong>do</strong> esta confusão seguiu os ensinamentos<br />

da obra de Carlos Magno e separou em Paris a <strong>função</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> de formalizar a<br />

vontade das partes, denominada de jurisdição voluntária, da verdadeira jurisdição,<br />

identificada na <strong>função</strong> <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong> de fazer justiça, tornan<strong>do</strong> independentes essas<br />

funções e em 1302, Felipe, o Belo, estendeu esta modificação a to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mínios e<br />

em julho de 1304 determinou que to<strong>do</strong>s os <strong>notário</strong>s, com exceção <strong>do</strong>s parisienses,<br />

tivessem um registro de seus atos. A obrigatoriedade deste registro só foi estendida<br />

aos <strong>notário</strong>s de Paris em dezembro de 1437, por Carlos VII.<br />

Neste perío<strong>do</strong> os <strong>notário</strong>s formaram órgãos colegia<strong>do</strong>s e compilaram<br />

seus estatutos, fundan<strong>do</strong> o primeiro colégio de Paris, em 1348.<br />

13 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11.<br />

24


Francisco I, em 1542, por um edito fez a distinção <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e <strong>do</strong>s<br />

tabeliães. O edito proibia a cumulação das funções de <strong>notário</strong> e de tabelião, exceto<br />

para os <strong>notário</strong>s de Paris. Segun<strong>do</strong> as disposições <strong>do</strong> edito os <strong>notário</strong>s seriam<br />

responsáveis apenas pela lavratura das minutas de contrato, que tinham valor de<br />

simples convenção privada e que somente ganhariam força de instrumento público<br />

depois de leva<strong>do</strong>s ao tabelião que tinha o encargo de conservar o <strong>do</strong>cumento e dar<br />

cópias às partes.<br />

Também nesta época foi determina<strong>do</strong> o caráter venal <strong>do</strong>s ofícios,<br />

sen<strong>do</strong> para certos efeitos equipara<strong>do</strong>s a bens imóveis, e a <strong>sua</strong> hereditariedade, que<br />

significou grande perda para a classe notarial, já que com a natureza imobiliária e<br />

transmissibilidade hereditária <strong>do</strong> ofício notarial a <strong>função</strong> já não era exercida apenas<br />

por pessoas preparadas e vocacionadas, mas sim, pelos herdeiros, independente de<br />

<strong>sua</strong> aptidão.<br />

Contu<strong>do</strong>, foi apenas com a R<strong>evolução</strong> Francesa que o notaria<strong>do</strong><br />

ganhou os contornos que possui atualmente.<br />

João Mendes de Almeida Júnior leciona:<br />

A Assembléia Nacional Constituinte, pelo Decreto de 29 de setembro<br />

de 1791, confirma<strong>do</strong> a 6 de outubro <strong>do</strong> mesmo ano pela assembléia<br />

legislativa, estabeleceu nova organização <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong>. Por êsse<br />

decreto, dividi<strong>do</strong> em cinco capítulos, foi abolida a venalidade e<br />

hereditariedade <strong>do</strong>s ofícios notariais; suprimi<strong>do</strong>s os <strong>notário</strong>s públicos,<br />

encarrega<strong>do</strong>s de lavrar os atos de <strong>sua</strong> competência e de imprimir-lhe<br />

o caráter de autenticidade próprio <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos públicos. A <strong>sua</strong><br />

instituição era vitalícia e não podiam ser demiti<strong>do</strong>s senão por<br />

prevaricação; a determinação <strong>do</strong> número e residência <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s<br />

foi reservada ao poder legislativo, ao qual devia para isso servir de<br />

base, nas cidades, a população e, nos campos, a distância <strong>do</strong>s<br />

centros populosos e a extensão <strong>do</strong> território combinadas com a<br />

população. Foi prescrita aos <strong>notário</strong>s a obrigação de residência e<br />

foram habilita<strong>do</strong>s a exercitar as <strong>sua</strong> funções dentro de to<strong>do</strong> o<br />

departamento para o qual eram nomea<strong>do</strong>s. Foi declara<strong>do</strong> que os<br />

25


atos notaria<strong>do</strong>s seriam executórios em to<strong>do</strong> o reino, ainda que<br />

fossem impugna<strong>do</strong>s por falsidade até julgamento definitivo 14 .<br />

Além das mudanças citadas acima, outras ainda ocorreram na<br />

atividade notarial, como o reconhecimento da firma <strong>do</strong> <strong>notário</strong> pelo juiz <strong>do</strong> tribunal ao<br />

qual estivesse vincula<strong>do</strong> para a execução de ato que ocorresse fora de <strong>sua</strong><br />

circunscrição, prestação de caução em dinheiro, pelo <strong>notário</strong>, deposita<strong>do</strong> no tesouro<br />

nacional, para o exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> e que os ofícios seriam provi<strong>do</strong>s por<br />

concurso, ten<strong>do</strong> o candidato que preencher uma série de requisitos, como a prática.<br />

Após as estipulações acima referidas foi editada a lei de 25 Ventoso<br />

<strong>do</strong> ano de XI, de 16 de março de 1803, que estabeleceu nova organização ao<br />

notaria<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong> repetin<strong>do</strong> muitas das disposições da R<strong>evolução</strong> Francesa.<br />

João Mendes de Almeida Júnior 15 relata que os <strong>notário</strong>s franceses<br />

são funcionários públicos vitalícios, deven<strong>do</strong> residir no local determina<strong>do</strong> pelo<br />

governo e tem competência para dar forma à vontade das partes, lavran<strong>do</strong> atos e<br />

contratos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de autenticidade, asseguran<strong>do</strong> <strong>sua</strong> data, além de serem<br />

responsáveis pela <strong>sua</strong> guarda e conservação, poden<strong>do</strong> expedir cópias. São<br />

obriga<strong>do</strong>s a exercer seu mister sempre que necessário, salvo justo impedimento,<br />

sob pena de demissão <strong>do</strong> cargo, contu<strong>do</strong>, vedada a <strong>sua</strong> prática fora de <strong>sua</strong><br />

circunscrição.<br />

Outra importante inovação foi a proibição da lavratura de atos pelos<br />

<strong>notário</strong>s em que houvesse interesse próprio ou em que fossem interessa<strong>do</strong>s os seus<br />

consangüíneos e afins em linha reta em qualquer grau e em linha colateral até o<br />

grau de primo e de tio.To<strong>do</strong>s os atos eram lavra<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>is <strong>notário</strong>s ou um <strong>notário</strong><br />

assisti<strong>do</strong> por duas testemunhas, cidadãos franceses <strong>do</strong>micilia<strong>do</strong>s na comuna onde<br />

fosse lavra<strong>do</strong> o ato. Os impedimentos acima relata<strong>do</strong>s também se estendiam para<br />

as testemunhas e para os escreventes <strong>do</strong> <strong>notário</strong>. Não podiam figurar no mesmo ato<br />

<strong>do</strong>is <strong>notário</strong>s parentes ou alia<strong>do</strong>s em grau proibi<strong>do</strong>. As partes deveriam ser<br />

conhecidas <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, assim como <strong>sua</strong> residência, pois caso contrário, essas<br />

informações deveriam ser atestadas por duas testemunhas.<br />

14 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 87.<br />

15 Ibidem, p. 89.<br />

26


Os atos notariais na França eram <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de autenticidade e<br />

gozavam de fé pública, possuin<strong>do</strong> força executória em to<strong>do</strong> território <strong>do</strong> país, salvo<br />

se houvesse suspeita de falsidade, poden<strong>do</strong> a execução ser suspensa pelo juiz ou<br />

pelo tribunal. Esses atos notariais eram protegi<strong>do</strong>s, pois o <strong>notário</strong> era obriga<strong>do</strong> a<br />

guardar a minuta <strong>do</strong>s atos que praticasse, com algumas exceções e somente<br />

poderiam dar conhecimento ou expedição <strong>do</strong>s atos às pessoas diretamente<br />

interessadas ou cumprin<strong>do</strong> manda<strong>do</strong> <strong>do</strong> presidente <strong>do</strong> tribunal de primeira instância.<br />

Com todas as mudanças inauguradas pela R<strong>evolução</strong> Francesa o<br />

notaria<strong>do</strong> francês ganhou novos contornos, mais próximos <strong>do</strong>s atuais e continuou<br />

<strong>sua</strong> <strong>evolução</strong> acompanhan<strong>do</strong> as novas tendências sociais.<br />

1.2.2Notaria<strong>do</strong> Espanhol<br />

Passan<strong>do</strong> a analisar o notaria<strong>do</strong> espanhol, nos dias atuais pode-se<br />

afirmar que é, provavelmente, o mais desenvolvi<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e esta situação se<br />

justifica pela grande importância que ao longo de <strong>sua</strong> história foi dada a essa classe<br />

de profissionais.<br />

informações de que:<br />

Sobre a origem <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> na Espanha Leonar<strong>do</strong> Brandelli, traz<br />

Dividida em diversos reinos e em luta contra os mouros, a Espanha<br />

regulava-se pelo Fuero Juzgo, pelo Fuero Real e pela Lei das Sete<br />

Partidas, dentre outras. O Fuero Juzgo era o código das leis, no qual<br />

se fundiram o Código de Eurico e o de Alarico, publica<strong>do</strong> no ano de<br />

654 e que fazia menção aos <strong>notário</strong>s reais 16 .<br />

O Fuero Real, elabora<strong>do</strong> em 1255 por Alfonso X, o Sábio, veio para<br />

remediar a fragmentação legislativa em seus reinos, por meio de um código único.<br />

Aqui se encontra o primeiro precedente da forma notarial no testamento outorga<strong>do</strong><br />

com a intervenção <strong>do</strong> <strong>notário</strong> e, por isso, é considera<strong>do</strong> a origem da instituição na<br />

Espanha 17 .<br />

16 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 15.<br />

17 VALLE, Germán Fabra. Código de legislación notarial. Madri: Neo Ediciones, 1990, p. 12. (apud,<br />

BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 15).<br />

27


A lei das Sete Partidas (1256-1263), obra de relevante valor jurídico<br />

dedica uma parte aos <strong>notário</strong>s, dispon<strong>do</strong> sobre os princípios aplica<strong>do</strong>s à atividade,<br />

sobre os requisitos exigi<strong>do</strong>s para ser <strong>notário</strong>, como ser livre, cristão, de boa fama,<br />

probidade, ter habilidade para a escrita, viver perto <strong>do</strong> seu local de trabalho para<br />

conhecer melhor as pessoas, dentre outros requisitos.<br />

Outra importante lei que disciplinou a atividade notarial foi a Lei <strong>do</strong><br />

Notaria<strong>do</strong> espanhola, de 28 de maio de 1862, que se encontra vigente até hoje.<br />

Após essa data tiveram quatro regulamentos sobre a atividade notarial e por fim, o<br />

Decreto de 2 de junho de 1944, que regulamentou a organização e regime <strong>do</strong><br />

notaria<strong>do</strong>.<br />

texto da obra de João Mendes:<br />

Pode-se notar claramente a importância <strong>do</strong> <strong>notário</strong> na Espanha no<br />

Em Espanha, disse MORCILLO Y LEÓN, pessoas, autoridades,<br />

tribunais, e demais poderes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, prestam ao <strong>notário</strong> tôda a<br />

consideração que merece o caráter de um funcionário público; nas<br />

funções cívicas e nas solenidades <strong>do</strong> Tribunais ocupa um pôsto<br />

imediatamente depois da toga <strong>do</strong> jurisconsulto; os contratos<br />

encontram nêle a garantia de <strong>sua</strong> eficácia; êle conserva e mantém o<br />

depósito sagra<strong>do</strong> das convenções; as últimas vontades, sancionadas<br />

por seu intermédio, se convertem em preceitos e leis; os direitos <strong>do</strong><br />

órfão encontram nêle inexpugnável fortaleza, o filho natural<br />

consegue por <strong>sua</strong> mão a paternidade que a tão alta consideração o<br />

eleva na família; o Esta<strong>do</strong> assegura por meio dêle essa troca<br />

incessante de prestações recíprocas, que nascem, desenvolvem-se<br />

e morrem ao calor da convenção; a sociedade considera nêle um<br />

contrapêso exato que mantém em constante equilíbrio as fôrças<br />

opostas resultantes <strong>do</strong> incessante torvelinho <strong>do</strong>s interêsses priva<strong>do</strong>s;<br />

e o homem, enfim, na esfera de <strong>sua</strong> liberdade individual, encontra<br />

nêle um instrumento seguro para regular as condições que hajam de<br />

ligá-lo à família, a seus semelhantes, aos bens materiais, a tôdas as<br />

relações que, já no fun<strong>do</strong>, já na forma, constituem <strong>sua</strong> maneira de<br />

ser na vida cível 18 .<br />

18 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 77-78.<br />

28


Os <strong>notário</strong>s eram responsáveis por lavrar instrumentos que não<br />

fossem de competência de autoridade judiciária, poden<strong>do</strong> fornecer expedições,<br />

certidões e extratos e ainda, formalizavam o protocolo, que era a reunião <strong>do</strong>s atos<br />

originais (las escrituras matrices), lavra<strong>do</strong>s no decurso de um ano e organiza<strong>do</strong>s por<br />

ordem cronológica.<br />

Na Espanha o ministro da justiça exercia a <strong>função</strong> de <strong>notário</strong><br />

supremo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e era responsável pela autenticação <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> rei e de <strong>sua</strong><br />

família.<br />

Na Espanha, assim como ocorre no Brasil, a atividade registral e<br />

notarial é uma <strong>função</strong> pública exercida em caráter priva<strong>do</strong>, o que contribui muito<br />

para o aprimoramento dessa <strong>função</strong>.<br />

Atualmente, pode-se dizer que o notaria<strong>do</strong> espanhol é um <strong>do</strong>s mais<br />

desenvolvi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e isto decorre <strong>do</strong> fato de que na Espanha a atividade<br />

notarial é reconhecida como essencial para a manutenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e desde <strong>sua</strong><br />

origem teve a necessária atenção <strong>do</strong>s governantes e <strong>do</strong>s legisla<strong>do</strong>res. A sociedade<br />

reconhece na figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong> peça fundamental para o equilíbrio das relações<br />

privadas.<br />

O grande diferencial <strong>do</strong> <strong>notário</strong> espanhol é o seu avanço na <strong>função</strong><br />

de assessoramento jurídico imparcial das partes que é exercida de forma brilhante.<br />

1.2.3Notaria<strong>do</strong> Italiano<br />

A Itália teve grande participação no aperfeiçoamento da atividade<br />

notarial. Contribuiu de maneira expressiva com a Escola de Bolonha que deu vida<br />

novamente ao direito romano por meio da interpretação da legislação romana e das<br />

anotações feitas pelos glosa<strong>do</strong>res, comentan<strong>do</strong> a legislação.<br />

Após a R<strong>evolução</strong> Francesa a Itália era um país composto por<br />

regiões políticas que possuiam <strong>sua</strong> própria legislação, não haven<strong>do</strong> qualquer<br />

uniformidade no exercício da jurisdição e na atividade notarial, que era regida por<br />

29


dez leis distintas, todas confeccionadas seguin<strong>do</strong> os passos <strong>do</strong> 25 Ventoso <strong>do</strong> ano<br />

XI.<br />

Com a unificação política houve a uniformização da legislação de<br />

to<strong>do</strong> o país, de <strong>sua</strong>s instituições judiciárias, das ordens <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s<br />

procura<strong>do</strong>res. Entretanto, a atividade notarial continuou à deriva das leis esparsas<br />

existentes.<br />

Os <strong>notário</strong>s necessitavam de uma lei orgânica que fosse aplicada<br />

em to<strong>do</strong> o território nacional uniformemente e esta lei era importante não só para o<br />

melhor exercício da atividade, mas também para resgatar o prestígio desses<br />

profissionais que enfrentavam inúmeros problemas decorrentes da falta de<br />

legislação uniforme.<br />

Depois da confecção de diversos projetos de lei disciplinan<strong>do</strong> a<br />

atividade notarial, foi aprovada em 25 de julho de 1875 a esperada lei que<br />

disciplinou a atividade notarial em toda a Itália, entran<strong>do</strong> em vigor em 1 de janeiro de<br />

1876.<br />

Contu<strong>do</strong> a referida lei não teve o efeito que se esperava de sanar os<br />

problemas decorrentes da falta de uniformidade da legislação notarial, pois cada<br />

região <strong>do</strong> país possuia uma atividade notarial pautada em princípios distintos e desta<br />

forma, a lei que fez a unificação não atendeu aos anseios e às necessidades das<br />

diveresas regiões.<br />

Para realizar de forma mais efetiva a unificação da atividade notarial<br />

foi confecciona<strong>do</strong> projeto de lei trazen<strong>do</strong> importantes modificaçães à lei de 25 de<br />

julho de 1875, que foi aprova<strong>do</strong>, após várias emendas feitas pela Câmara <strong>do</strong>s<br />

Deputa<strong>do</strong>s e pelo Sena<strong>do</strong> e entran<strong>do</strong> em vigor em 1 de maio de 1879. O governo<br />

autoriza<strong>do</strong> pela nova redação da lei <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s consoli<strong>do</strong>u a lei de 25 de julho de<br />

1875, a tarifa e seu regulamento de 19 de dezembro de 1875, de acor<strong>do</strong> com os<br />

aditamentos feitos, dan<strong>do</strong> origem ao Decreto n. 6.900 de 25 de maio de 1879, um<br />

texto único, que reoganizou toda a atividade notarial e a disciplinou de forma<br />

detalhada em seis títulos.<br />

30


No primeiro título estão as disposições gerais, declaran<strong>do</strong> que os<br />

<strong>notário</strong>s são oficiais públicos, incumbi<strong>do</strong>s de lavrar instrumentos por ato de última<br />

vontade ou inter vivos assistin<strong>do</strong> às partes, dan<strong>do</strong> forma jurídica, atribuin<strong>do</strong><br />

autenticidade por meio de <strong>sua</strong> fé pública, conservan<strong>do</strong> os instrumentos feitos para<br />

deles extrair cópias, certidões e extratos.<br />

O segun<strong>do</strong> título tratou <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s, especificamente sobre os<br />

requisitos para assumir a <strong>função</strong>, <strong>sua</strong>s obrigações e as <strong>sua</strong>s principais<br />

características, como a vitaliciedade.<br />

Na sequência, o terceiro título tratou <strong>do</strong>s atos notariais. O quarto<br />

título disciplinou sobre os colégios, conselhos e arquivos notarias. O quinto título<br />

trouxe regras sobre vigilância aos <strong>notário</strong>s, conselhos, arquivos penas e processos<br />

disciplinares e reabilitação. E por fim, o sexto título tratou das disposições<br />

transitórias.<br />

Posteriormente, para acompanhar a <strong>evolução</strong> <strong>social</strong> e atualizar a<br />

atividade notarial italiana foi editada a lei 89, de 16 de fevereiro de 1913,<br />

complementada pelo regulamento n. 1.326, de 10 de setembro de 1914, com<br />

algumas modificações posteriores, que constitui o cerne da legislação notarial<br />

Italiana.<br />

A atual legislação italiana sobre a atividade notarial dispõe que o<br />

<strong>notário</strong> é um particular exercen<strong>do</strong> uma <strong>função</strong> pública, permitida a livre concorrência<br />

para obterem <strong>sua</strong> renda, responden<strong>do</strong> pessoalmente por todas as imperfeições, sem<br />

comprometer o Esta<strong>do</strong> no exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong>, são fiscaliza<strong>do</strong> pelos Colégios<br />

Notariais, representa<strong>do</strong>s por seus Conselhos superintendi<strong>do</strong>s pelo Ministro da<br />

Justiça.<br />

Pode-se concluir que pelas características descritas na lei o <strong>notário</strong><br />

italiano está entre os <strong>notário</strong>s mais avança<strong>do</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s<br />

espanhóis.<br />

31


1.2.4 Notaria<strong>do</strong> Alemão<br />

A Alemanha experimentou grande perío<strong>do</strong> de obscuridade na<br />

atividade notarial em decorrência <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio feudal. No feudalismo a atividade<br />

notarial foi muito desprestigiada e perdeu a confiança da população, pois o os<br />

grandes feudatários da coroa e os condes palatinos direcionavam a atividade de<br />

acor<strong>do</strong> com seus interesses.<br />

século XIII.<br />

A atividade notarial voltou a gozar de algum prestigio somente no<br />

João Mendes de Almeida Júnior ensina:<br />

No século XIII, quan<strong>do</strong> alí começou a ser estuda<strong>do</strong> o Direito<br />

Romano, para o exercício <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> eram exigidios os mesmos<br />

requisistos prescritos para os <strong>notário</strong>s italianos; mas, por outro la<strong>do</strong>,<br />

não só eram instituí<strong>do</strong>s os colégios ou corporações de <strong>notário</strong>s,<br />

como era o seu ofício muito dependente <strong>do</strong>s juízes e tribunais 19 .<br />

Entretanto, a população não estava satisfeita com as mudanças<br />

ocorridas e principalmente a classe jurídica, como os advoga<strong>do</strong>s, jurisconsultos e<br />

juízes clamavam por uma modificação estrutural da atividade.<br />

Em 8 de outubro de 1512 foi publicada em Colônia a Constituição <strong>do</strong><br />

Impera<strong>do</strong>r Maximiliano I, trazen<strong>do</strong> profundas mudanças para a atividade notarial.<br />

Dentre as mudanças mais significativas pode-se destacar a<br />

proibição de pessoas improbas exerceram a atividade de notas, a obediência pelos<br />

<strong>notário</strong>s de regras na confecção <strong>do</strong>s instrumentos, como a obrigação de fazer<br />

menção aos cancelamentos, interlinhas e postilas, proibição de fazer abreviaturas ou<br />

utilização de palavras obscuras, estipulou ainda, regras para substituição <strong>do</strong> <strong>notário</strong><br />

no caso de legítimo impedimento, e obrigatoriedade de intervenção das testemunhas<br />

em to<strong>do</strong>s os atos.<br />

19 Ibidem, p. 66.<br />

32


Contu<strong>do</strong>, as mudanças realizadas não foram suficientes para<br />

sustentar o prestígio da atividade notarial e no século XVIII houve grande<br />

decadência dessa classe de profissionais. Nesse perío<strong>do</strong> os instrumentos<br />

confecciona<strong>do</strong>s pelos <strong>notário</strong>s sequer tinham força de instrumento público, somente<br />

sen<strong>do</strong> considera<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos públicos os protestos de câmbio.<br />

Atualmente na Alemanha a atividade notarial não possui o mesmo<br />

prestígio que existe em outros países da Europa como Portugal, Espanha e Itália,<br />

pois o país é dividi<strong>do</strong> em Esta<strong>do</strong>s-membros (bundeslander) que são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de<br />

autonomia legislativa, e, deste mo<strong>do</strong>, cada Esta<strong>do</strong>-membro possui um norma<br />

relativa às atividades notariais, dan<strong>do</strong> origem na Alemanha a três subtipos de<br />

<strong>notário</strong>s, cada um com <strong>sua</strong>s características peculiares.<br />

O primeiro subtipo é o notaria<strong>do</strong> livre e <strong>sua</strong>s características são bem<br />

definidas por Hercules Alexandre da Costa Benício:<br />

O notaria<strong>do</strong> livre (a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> em unidades como Macklenburg-<br />

Vorpommern, Sachsen-Anhalt, Bremen e Thuringen) não representa<br />

autoridade pública nem órgão estatal. A <strong>função</strong> é desempenhada em<br />

nome <strong>do</strong> <strong>notário</strong> e, por isso, o tabelionato não tem existência<br />

independente de seu titular. Como profissional, o <strong>notário</strong> tem a<br />

faculdade de declarar a validade <strong>do</strong>s atos jurídicos, mediante o<br />

exercício da fé pública, reduzin<strong>do</strong>-se <strong>sua</strong> atividade oficial a<br />

autenticações e consultoria. Nessas regiões, o tabelião exerce<br />

<strong>função</strong> notarial concomitantemente com a advocacia e pela duração<br />

<strong>do</strong> exercício de <strong>sua</strong> licença de advoga<strong>do</strong> (este é o regime <strong>do</strong><br />

chama<strong>do</strong> Anwaltsnotar) 20 .<br />

A denominação “notaria<strong>do</strong> livre” decorre <strong>do</strong> fato de que não gozam<br />

de exclusividade de atribuição, de que não possuem uma demarcação territorial de<br />

exercício, nem limitação quanto ao número de profissionais que podem atuar, pois a<br />

pessoa que pretende o exercício da <strong>função</strong> e preencher os requisitos legais será<br />

designada para a atividade.<br />

20 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Decorrente de Atos<br />

Notariais e de Registro. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2005, p. 59.<br />

33


O notaria<strong>do</strong> restrito é aquele que mais se aproxima <strong>do</strong> <strong>notário</strong> latino,<br />

pois exerce uma <strong>função</strong> pública em caráter priva<strong>do</strong>, depende de criação pelo Esta<strong>do</strong><br />

da Unidade de Serviço e de <strong>sua</strong> nomeação para o exercício da <strong>função</strong>, possuin<strong>do</strong><br />

atribuição exclusiva para prática de atos previstos em lei.<br />

Por fim, o notaria<strong>do</strong> é composto por titulares das serventias judiciais,<br />

pertencentes à magistratura e o tabelionato é considera<strong>do</strong> orgão estatal. Possuem<br />

atribuições para a prática de funções públicas, como a lavratura de testamentos,<br />

execuções de sentença e o registro de propriedade, podem invocar as prerrogativas<br />

<strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>s e são nomea<strong>do</strong>s pelo Ministério da Justiça e pagos pelo Esta<strong>do</strong>,<br />

independentemente da atividade realizada 21 .<br />

Conclui-se que a Alemanha possui um modelo peculiar de atividade<br />

notarial, em face da divisão política e da autonomia legislativa <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s-membros<br />

e por isso, destoan<strong>do</strong> da tendência européia de fortalecimento dessa classe<br />

profissional.<br />

1.2.5Notaria<strong>do</strong> Português<br />

Sobre o início da atividade notarial em Portugal paira alguma<br />

divergência. Segun<strong>do</strong> os ensinamentos de Mello Freire, em <strong>sua</strong> obra Historia Juris<br />

Civilis Lusitani, no início da monarquia não havia a figura <strong>do</strong> tabelião, escrevente ou<br />

qualquer outro profissional responsável pela instrumentalização da vontade das<br />

partes, pois esses instrumentos eram confecciona<strong>do</strong>s pelas próprias partes e os<br />

conflitos de interesses decorrentes desses instrumentos eram dirimi<strong>do</strong>s por pessoas<br />

probas e boas, não haven<strong>do</strong> sequer a figura de juízes.<br />

Entretanto, o notável tabelião de notas de Lisboa, Jorge Camelier,<br />

defende que no princípio da monarquia portuguesa a atividade notarial era regida<br />

pelo Código Visigótico, levemente altera<strong>do</strong> pelos forais e pelas côrtes e que as<br />

primeiras disposições sobre <strong>notário</strong>s em Portugal foram importadas <strong>do</strong> Direito<br />

Romano e também da Escola de Bolonha no reina<strong>do</strong> de Afonso III (1283) e<br />

revestiram o cargo de caráter oficial e investiram o <strong>notário</strong> de fé pública.<br />

21 Ibidem, p. 59.<br />

34


Disciplinan<strong>do</strong> a matéria referente aos foros judiciais e extrajudiciais<br />

vieram no século XV as Ordenações Afonsinas (1447), seguida das Ordenações<br />

Manoelinas (1521) e das Ordenações Filipinas (1604).<br />

Relata-se que o notaria<strong>do</strong> português passou por longo perío<strong>do</strong> sem<br />

inovações, preso às regras antigas e inadequadas para a nova realidade, que gerou<br />

a insatisfação da classe que reivindicava constantemente reformas legislativas.<br />

Em resposta às reivindicações foi promulga<strong>do</strong> o Decreto de 23 de<br />

dezembro de 1899, crian<strong>do</strong> o Conselho Superior <strong>do</strong> Notaria<strong>do</strong> e também dispon<strong>do</strong><br />

sobre regras importantes para o avanço da atividade notarial como estipulação de<br />

número de ofícios, regras para seu aumento ou supressão, garantiu estabilidade e<br />

independência <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s, exigiu i<strong>do</strong>neidade moral e civil, preparação jurídica para<br />

o exercício <strong>do</strong> cargo, pois foram incluí<strong>do</strong>s na categoria de magistra<strong>do</strong> de jurisdição<br />

voluntária, além de garantir prerrogativas de inamovabilidade e independência<br />

funcional.<br />

Na <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong> <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> lusitano foi promulga<strong>do</strong> o Decreto<br />

de 14 de setembro de 1900, que acarretou mudanças na atividade, pois deixou de<br />

considerar os <strong>notário</strong>s magistra<strong>do</strong>s de jurisdição voluntária e passou a considerá-los<br />

funcionário públicos. Outro Decreto importante para a história <strong>do</strong> <strong>notário</strong> português<br />

foi o 12.260 de 1926 que extinguiu o Conselho Superior <strong>do</strong> Notaria<strong>do</strong> e criou o<br />

Conselho Superior Judiciário que era responsável pela fiscalização <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e<br />

que mais tarde com o Decreto Lei 35.590, de 1945 esta competência passaria para<br />

o Ministro da Justiça e à Direção-Geral <strong>do</strong>s Registros e <strong>do</strong> Notaria<strong>do</strong>.<br />

Com as inovações e reformas da legislação o <strong>notário</strong> português<br />

experimentou um importante avanço e agora estava mais próximo <strong>do</strong> modelo de<br />

<strong>notário</strong> latino europeu, entretanto havia uma última barreira a ser superada para se<br />

enquadrar neste modelo, que era a modificação da qualidade de funcionário público,<br />

que ocorreu com a edição <strong>do</strong> Decreto-Lei n. 26/2004 que privatizou o notaria<strong>do</strong><br />

português.<br />

Importante as palavras de Leonar<strong>do</strong> Brandelli sobre a nova<br />

realidade da atividade notarial em Portugal:<br />

35


Com o novo estatuto <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong>, os tabeliães portugueses<br />

ingressaram de vez no notaria<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo latino, dan<strong>do</strong> o passo que<br />

faltava rumo à <strong>sua</strong> modernização, uma vez que revesti<strong>do</strong> já das<br />

demais características essenciais para tanto, indicativas da boa<br />

<strong>evolução</strong> da <strong>função</strong> notarial. Nesse senti<strong>do</strong>, o notaria<strong>do</strong> português,<br />

além da evidente fé pública de que é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, possui uma (1)<br />

independência no labor de qualificação típica <strong>do</strong>s melhores sistemas<br />

notariais, realizan<strong>do</strong> a polícia jurídica quanto à ilicitude <strong>do</strong>s atos que<br />

pratica, além de (2) ser verdadeiro assessor jurídico das partes,<br />

receben<strong>do</strong> e moldan<strong>do</strong> a vontade destas e informan<strong>do</strong>-as sobre os<br />

efeitos jurídicos de seus atos 22 .<br />

Atualmente o <strong>notário</strong> português faz parte <strong>do</strong> grupo <strong>do</strong>s melhores<br />

notaria<strong>do</strong>s europeus, pois atua com as prerrogativas de um oficial público investi<strong>do</strong><br />

de fé pública e com a independência funcional necessária para exercer um serviço<br />

imparcial de fiscalização da licitude <strong>do</strong>s atos e de assessoramento das partes com<br />

muita qualidade.<br />

22 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 20.<br />

36


2. ATIVIDADE NOTARIAL NO BRASIL<br />

2.1 Herança portuguesa ao <strong>notário</strong> brasileiro<br />

É inegável a influência portuguesa na formação <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong><br />

brasileiro. Com as grandes navegações <strong>do</strong> governo português a figura <strong>do</strong> tabelião<br />

era constante nas grandes expedições navais para relatar os acontecimentos e para<br />

fazer o registro das formalidades oficiais de posse pelo coloniza<strong>do</strong>r das terras<br />

descobertas em nome <strong>do</strong> monarca com a fé pública que lhe era inerente, assim<br />

como para registrar a fundação de cidades.<br />

Pero Vaz de Caminha, apesar de não ser nomea<strong>do</strong> pelo monarca D.<br />

Manoel, o Venturoso, oficialmente escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, foi o<br />

primeiro <strong>notário</strong> a pisar em solo brasileiro, pois <strong>do</strong>cumentou de forma minunciosa o<br />

descobrimento <strong>do</strong> Brasil e fez o registro da posse da terra respeitan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o<br />

procedimento oficial.<br />

Com a descoberta <strong>do</strong> Brasil em 1500, o Reino de Portugal<br />

transformou a nova terra em colônia e a legislação aplicada eram as ordenações<br />

editadas pelo Rei de Portugal 23 . Por longos anos foram aplicadas no Brasil as<br />

Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas que vigoraram até o século XX.<br />

A legislação aplicada aos <strong>notário</strong>s também era toda importada de<br />

Portugal e dispunha sobre a forma como os <strong>notário</strong>s deveriam praticar os atos<br />

notariais 24 .<br />

A <strong>função</strong> exercida pelo <strong>notário</strong> no Brasil foi definida pela tradição<br />

herdada <strong>do</strong>s tempos de colônia de Portugal e também pelos fundamentos que o<br />

próprio Reino de Portugal havia enraiza<strong>do</strong> no exercício da atividade, fatos estes que<br />

23 COTRIM NETO, Alberto Bittencourt. Perspectivas da <strong>função</strong> notarial no Brasil. Porto Alegre:<br />

Colégio Notarial <strong>do</strong> Brasil – Seção <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, 1973, p. 11.<br />

24 Ensina Maria Cristina Costa Salles, a “regulamentação <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> nas colônias se deu pelo<br />

simples transplante de legislação espanhola e portuguesa para a América, trazen<strong>do</strong> para cá os<br />

mesmos defeitos de uma instituição jurídica ultrapassada, ou seja, a depreciação da lei que é a<br />

diferença entre a <strong>sua</strong> formalidade e a <strong>sua</strong> aplicabilidade” (Revista Notarial Brasileira, cit., p. 8).<br />

37


nos remetem às Ordenações Filipinas <strong>do</strong> ano de 1.603, que foram reproduzidas à<br />

época com base no Regimento <strong>do</strong>s Notários de 1.305. Essas regras foram previstas<br />

para reger os <strong>notário</strong>s no exercício da <strong>sua</strong> <strong>função</strong> e foram elaboradas a pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

rei de Portugal, D. Diniz.<br />

No início <strong>do</strong> Brasil-Colônia quem nomeava os tabeliães de notas, em<br />

uma espécie de concessão, era o Rei de Portugal, que cobrava um tributo periódico<br />

por essa nomeação conforme estava disposto nas Ordenações, mas com a<br />

instituição das Capitanias Hereditárias quem recebia estas terras, chama<strong>do</strong> de<br />

<strong>do</strong>natário, tinha a <strong>função</strong> de administrar, colonizar, proteger, desenvolver a região e<br />

também nomear os tabeliães, como resta demonstra<strong>do</strong> nos dizeres de João Mendes<br />

de Almeida Júnior: “As capitanias <strong>do</strong> Brasil tinham a atribuição de nomear tabeliães<br />

e escrivães; mas, ten<strong>do</strong> a Coroa readquiri<strong>do</strong> os direitos conferi<strong>do</strong>s aos <strong>do</strong>natários,<br />

passaram os tabeliães a ser nomea<strong>do</strong>s pelo Poder Real” 25 .<br />

A investidura no cargo de tabelião de notas era feita por <strong>do</strong>ação,<br />

tinha caráter vitalício e poderia ser transferi<strong>do</strong> por sucessão causa mortis ou por<br />

compra e venda. Essas <strong>do</strong>ações <strong>do</strong> cargo eram pautadas por interesses políticos,<br />

por vínculos de amizade e outros interesses estranhos à aptidão da pessoa<br />

escolhida, que causou grande prejuízo para a atividade, já que a maioria das<br />

pessoas escolhidas eram desprovidas de qualquer preparação para o exercício <strong>do</strong><br />

cargo.<br />

leciona Leonar<strong>do</strong> Brandelli:<br />

Houve uma tentativa de aprimoramento da atividade, conforme<br />

Em 11 de outubro de 1827, foi editada, em nosso país, uma lei<br />

regulan<strong>do</strong> o provimento <strong>do</strong>s ofícios da Justiça e Fazenda. Dita lei<br />

passou a proibir que tais ofícios se transmitissem a título de<br />

propriedade, ordenan<strong>do</strong> que fossem conferi<strong>do</strong>s a título de serventia<br />

vitalícia a pessoas <strong>do</strong>tadas de i<strong>do</strong>neidade para tanto e que<br />

servissem pessoalmente aos ofícios. A ventilada lei pecou, porém,<br />

por não exigir formação jurídica <strong>do</strong>s aspirantes aos ofícios ou nem<br />

25 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 82.<br />

38


sequer determina<strong>do</strong> tempo de prática na <strong>função</strong>, bem como por não<br />

instituir uma organização profissional corporativa 26 .<br />

Assim como o notaria<strong>do</strong> português, o brasileiro também<br />

experimentou grande perío<strong>do</strong> de engessamento, sem inovações para acompanhar<br />

as mudanças sociais e atender aos anseios da sociedade.<br />

Fazen<strong>do</strong> uma análise <strong>histórica</strong> <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> no Brasil, pode-se<br />

concluir que num primeiro perío<strong>do</strong> o ofício de notas era auferi<strong>do</strong> por <strong>do</strong>ação, era<br />

vitalício, considera<strong>do</strong> propriedade, poden<strong>do</strong> ser transferi<strong>do</strong> por seu titular com<br />

licença especial <strong>do</strong> Rei, por ato inter vivos ou causa mortis e somente havia a perda<br />

da titularidade por sentença judicial confirmada pela relação, que era o tribunal de<br />

justiça da época.<br />

Um novo perío<strong>do</strong> foi marca<strong>do</strong> pela abolição da característica de<br />

propriedade <strong>do</strong> ofício de notas. E com a Constituição Federal de 1946 ficou<br />

constitucionalizada a vitaliciedade <strong>do</strong>s titulares <strong>do</strong>s Serviços Notariais e Registrais.<br />

A classe notarial no Brasil sempre foi confundida com a <strong>do</strong>s<br />

funcionários da Justiça como demonstra Alberto Bittencourt Cotrim Neto:<br />

As nossas priscas leis de organização judiciária, máxime as que o<br />

Congresso Nacional elaborava para o Distrito Federal (...)<br />

constumavam englobar num único diploma de normas a to<strong>do</strong>s<br />

quantos, próxima ou remotamente, tinham ingerência nos serviços<br />

da Justiça. Assim é que nelas figuravam os serventuários da Justiça,<br />

stricto sensu, isto é, aqueles orgãos e pessoas que participam <strong>do</strong><br />

processo judiciário (...), ademais <strong>do</strong>s distribui<strong>do</strong>res, parti<strong>do</strong>res,<br />

conta<strong>do</strong>res, depositários públicos, porteiros de auditórios, e to<strong>do</strong> o<br />

enorme elenco <strong>do</strong>s que com propriedade são chama<strong>do</strong>s às vezes<br />

também serventuários ou funcionários da Justiça; figuravam, ainda,<br />

nas leis de organização judiciária aqueles a quem Moacyr Amaral<br />

<strong>do</strong>s Santos classificou como órgão <strong>do</strong> foro extrajudicial, isto é, os<br />

tabeliães e os oficiais de registro públicos 27 .<br />

26 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria Geral <strong>do</strong> Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 38.<br />

27 COTRIM NETO, Alberto Bittencourt. Perspectivas da <strong>função</strong> notarial no Brasil, Porto Alegre:<br />

Colégio Notarial <strong>do</strong> Brasil – Seção <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, 1973, p. 15.<br />

39


Por muito tempo o <strong>notário</strong> foi considera<strong>do</strong> funcionário público, o que<br />

causou grande prejuízo ao avanço da atividade, pois isso acarretava na diminuição<br />

de <strong>sua</strong> autonomia funcional e prejudicava inovações legislativas, necessárias para<br />

acompanhar os anseios da sociedade.<br />

Este fato pode ser comprova<strong>do</strong> com o exemplo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio<br />

Grande <strong>do</strong> Sul, que por seu Tribunal de Justiça, em sessão plenária de 26 de agosto<br />

de 1970, mediante resolução, classificou os registros públicos como auxiliares da<br />

Justiça, mencionan<strong>do</strong> expressamente os tabeliães e os oficiais de registro.<br />

Em que pese toda a carga negativa da herança portuguesa para a<br />

atividade notarial brasileira, este foi apenas o começo de uma caminhada constante<br />

até o exercício da atividade com perfeição.<br />

2.2 Espécies de <strong>notário</strong>s<br />

2.2.1Notário Latino<br />

Em que pese a Constituição de 1988 não ter enquadra<strong>do</strong><br />

expressamente o <strong>notário</strong> brasileiro na classificação de <strong>notário</strong> latino, pode-se<br />

identificar <strong>sua</strong>s características no notaria<strong>do</strong> brasileiro, pois estes profissionais<br />

estabelecem uma relação de confiança com o interessa<strong>do</strong>, prestan<strong>do</strong> uma<br />

assistência jurídica e desta forma, atende-se a vontade deste interessa<strong>do</strong> no<br />

<strong>do</strong>cumento e em cujo texto também se contempla a verdade, a legalidade, a<br />

autenticidade, prerrogativas imprescindíveis para a eficácia desejada <strong>do</strong> ato.<br />

As características <strong>do</strong> <strong>notário</strong> latino podem ser observadas na<br />

legislação brasileira, nos artigos abaixo transcritos:<br />

Lei n. 8.935/94<br />

40


Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registra<strong>do</strong>r, são<br />

profissionais <strong>do</strong> direito, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé pública, a quem é delega<strong>do</strong> o<br />

exercício da atividade notarial e de registro.<br />

Art. 8º - É livre a escolha <strong>do</strong> tabelião de notas, qualquer que seja o<br />

<strong>do</strong>micílio das partes ou lugar de situação <strong>do</strong>s bens objeto <strong>do</strong> ato ou<br />

negócio.<br />

Com o objetivo de atestar a relação de confiança entre o <strong>notário</strong> e a<br />

parte, o texto legal prevê que a escolha <strong>do</strong> profissional deve ser de espontânea<br />

vontade <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>, não pesar sobre este, qualquer pré-qualificação ou<br />

imposição da lei ou <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e ter ainda, o interessa<strong>do</strong> a condição de escolhê-lo<br />

em qualquer ponto <strong>do</strong> território nacional.<br />

Tal situação se deve ao formato de <strong>notário</strong> latino que a legislação<br />

brasileira prevê para o exercício da <strong>função</strong>, pois, estabelece que o <strong>notário</strong>, recebe,<br />

interpreta, assessora, dá forma legal à vontade das partes, redige os instrumentos<br />

adequa<strong>do</strong>s e confere ao final, a autenticidade necessária ao ato e proceden<strong>do</strong> <strong>sua</strong><br />

perpétua conservação para a garantia da segurança jurídica. Pode-se destacar<br />

como importante característica <strong>do</strong> <strong>notário</strong> latino o fato de <strong>sua</strong> atividade ser de cunho<br />

jurídico, necessitan<strong>do</strong> o <strong>notário</strong> <strong>do</strong> conhecimento jurídico para o bom exercício de<br />

seu mister.<br />

O traço mais marcante da atividade <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> latino é a<br />

orientação jurídica prestada ao interessa<strong>do</strong> na forma de aconselhamento e o<br />

assessoramento jurídico das partes, fundamental para a elaboração <strong>do</strong> ato. Cabe ao<br />

<strong>notário</strong> estabelecer uma relação de confiança com as partes, atenden<strong>do</strong> à vontade<br />

<strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s no <strong>do</strong>cumento, desde que lícitas, atenden<strong>do</strong> aos atributos da<br />

verdade, autenticidade e legalidade, prerrogativas imprescindíveis para a eficácia<br />

desejada para os atos jurídicos.<br />

Tais contornos de <strong>notário</strong> latino estão principalmente em países de<br />

origem latina e tem como fundamento de <strong>sua</strong> atividade o direito herda<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

romanos. O <strong>notário</strong> latino pode ser encontra<strong>do</strong> em Portugal, Espanha, Itália,<br />

Vaticano, França, Alemanha, Áustria, Bélgica, Mônaco, Canadá, México, Argentina e<br />

até no Japão.<br />

41


2.2.2Notário Anglo-saxão<br />

Ao <strong>notário</strong> <strong>do</strong> tipo anglo-saxão cabe a <strong>função</strong> de relatar os fatos<br />

conforme a vontade das partes, sen<strong>do</strong> nesse caso, conveniente para formalizar o<br />

ato, que este se elabore na presença de uma pessoa detentora de conhecimentos<br />

jurídicos, que será o advoga<strong>do</strong> de confiança <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>, responsável pela<br />

legalidade e eficácia <strong>do</strong> ato.<br />

Esse tipo de <strong>notário</strong> não tem com a parte uma relação de confiança,<br />

é mero formaliza<strong>do</strong>r da vontade, não presta assistência jurídica, que fica a cargo <strong>do</strong><br />

profissional de direito que acompanha a parte. Não é responsável pelos vícios <strong>do</strong>s<br />

negócios formaliza<strong>do</strong>s, o que demonstra <strong>sua</strong> atuação limitada, pois não cuida para<br />

que os requisitos legais sejam observa<strong>do</strong>s e sequer qualifica o ato e, desta forma,<br />

somente tem a <strong>função</strong> de identificar as partes envolvidas no negócio realiza<strong>do</strong>,<br />

reconhecer as assinaturas apostas e colocar o selo e <strong>sua</strong> assinatura para garantir<br />

que o <strong>do</strong>cumento não seja altera<strong>do</strong>. Esses <strong>do</strong>cumentos não são <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de<br />

autenticidade e fé pública.<br />

Alexandre da Costa Benício:<br />

Essa característica <strong>do</strong> <strong>notário</strong> anglo-saxão é explicada por Hercules<br />

De uma maneira geral, no sistema inglês, por motivos históricos, a<br />

prova é, por excelência, oral (testemunhal). Vigora o princípio da<br />

liberdade da forma para os atos e negócios jurídicos, sen<strong>do</strong> que a<br />

simples declaração de vontade, formulada oralmente ou por escrito,<br />

desde que acompanhada da consideration (contraprestação recebida<br />

pela parte que se obriga), é suficiente para obrigar os contratantes. O<br />

fato é que o direito anglo-saxão, ao prescindir da fé pública para a<br />

dação de força probatória aos <strong>do</strong>cumentos, criou um específico<br />

sistema de autenticação das relações privadas, em que não se<br />

conhece instrumentos públicos, tais como nos ordenamentos<br />

jurídicos da família romano-germânica 28 .<br />

Este tipo de <strong>notário</strong> anglo-saxão pode ser encontra<strong>do</strong> em países<br />

como, Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América, Inglaterra, Venezuela e outros.<br />

28 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Decorrente de Atos<br />

Notariais e de Registro, São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2005, p. 65.<br />

42


2.3 Regramento atual da atividade notarial<br />

A competência para legislar sobre normas gerais de registros<br />

públicos é privativa da União, segun<strong>do</strong> disposição <strong>do</strong> art. 22, inciso XXV da<br />

Constituição Federal, e, conforme a redação <strong>do</strong> parágrafo primeiro, poderá ser<br />

delegada para os esta<strong>do</strong>s membros da federação a capacidade de legislar sobre<br />

matérias específicas da atividade notarial e registral, como estabelecer os<br />

emolumentos, de acor<strong>do</strong> com a realidade <strong>social</strong> de cada região.<br />

As diretrizes gerais sobre registros públicos foram fixadas pela Lei<br />

Federal n. 6.015 de 31 de dezembro de 1973 e as diretrizes gerais sobre a atividade<br />

notarial estão previstas na Lei Federal 8.935 de 18 de novembro de 1994, que<br />

regulamentou o art. 236 da Constituição Federal, caben<strong>do</strong> aos esta<strong>do</strong>s membros<br />

legislar sobre matérias específicas.<br />

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve<br />

importantes mudanças na atividade notarial, com a fixação de princípios<br />

fundamentais e a previsão de diretrizes básicas, rompen<strong>do</strong> com as regras anteriores<br />

que atribuíam aos <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res o tratamento de funcionários públicos.<br />

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 236, trata <strong>do</strong>s<br />

serviços notariais e registrais. In verbis:<br />

Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exerci<strong>do</strong>s em<br />

caráter priva<strong>do</strong>, por delegação <strong>do</strong> Poder Público.<br />

§1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e<br />

criminal <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s, <strong>do</strong>s oficiais de registro e de seus prepostos, e<br />

definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.<br />

§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de<br />

emolumentos relativos aos atos pratica<strong>do</strong>s pelos serviços notariais e<br />

de registro.<br />

§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de<br />

concurso público de provas e títulos, não se permitin<strong>do</strong> que qualquer<br />

serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de<br />

remoção, por mais de seis meses.<br />

43


Deste mo<strong>do</strong>, pode-se identificar no texto constitucional a natureza<br />

pública da <strong>função</strong> notarial e registral, ainda que haja a delegação para ser exercida<br />

em caráter priva<strong>do</strong>, assim como, a previsão constitucional de edição de lei federal<br />

para regular essa atividade, o ingresso por concurso público, mediante seleção para<br />

verificação da aptidão <strong>do</strong> candidato, preenchimento de requisitos legais e a<br />

necessidade da realização de concurso para preenchimento das serventias que<br />

estejam vagas por mais de seis meses.<br />

Aberto o caminho para grandes transformações há muito tempo<br />

reclamadas, a Lei 8.935 de 18 de novembro de 1994, denominada Lei Orgânica <strong>do</strong>s<br />

Notários e Registra<strong>do</strong>res trouxe mudanças estruturais na atividade notarial e<br />

registral.<br />

Anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988 já<br />

havia a Lei 6.015/73, conhecida como Lei <strong>do</strong>s Registros Públicos, que contém<br />

normas gerais sobre registros públicos, como o registro de pessoas naturais, registro<br />

de pessoas jurídicas, registro de títulos e <strong>do</strong>cumentos e registro de imóveis.<br />

Contu<strong>do</strong>, referida lei não disciplinou a atividade notarial.<br />

Como já exposto, no Brasil, tradicionalmente, os cartórios<br />

extrajudiciais, como eram chama<strong>do</strong>s, sempre foram considera<strong>do</strong>s serviços auxiliares<br />

<strong>do</strong> Poder Judiciário e os titulares destes serviços eram denomina<strong>do</strong>s serventuários<br />

da Justiça, ainda que a <strong>do</strong>utrina de direito administrativo denominasse esses<br />

profissionais como particulares em colaboração como o Poder Judiciário.<br />

Com o advento da Constituição de 1988, este panorama mu<strong>do</strong>u e os<br />

<strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res deixaram de ser enquadra<strong>do</strong>s no âmbito <strong>do</strong>s serventuários<br />

ou <strong>do</strong>s auxiliares da Justiça. São hoje particulares que recebem a delegação <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> para desempenhar um serviço de interesse público.<br />

Para disciplinar o parágrafo segun<strong>do</strong> <strong>do</strong> artigo 236 da Constituição<br />

Federal foi editada a Lei Federal n. 10.169/2000, que fixou as diretrizes gerais sobre<br />

emolumentos, deixan<strong>do</strong> clara <strong>sua</strong> natureza jurídica de tributo, já que dentre outras<br />

disposições, estabeleceu a necessidade de respeito ao princípio da anterioridade<br />

tributária. Entretanto, esse assunto é tormentoso na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência.<br />

44


Apesar de a fiscalização <strong>do</strong>s atos notariais ser de competência <strong>do</strong><br />

Poder Judiciário, por expressa disposição constitucional, os serviços registrais e<br />

notariais não mantém qualquer relação organizacional nem hierárquica com o<br />

referi<strong>do</strong> poder e tampouco com qualquer outro órgão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, estan<strong>do</strong> o <strong>notário</strong> e<br />

o registra<strong>do</strong>r subordina<strong>do</strong>s tão somente à lei, em cumprimento ao princípio da<br />

legalidade, como resta demonstra<strong>do</strong> nos artigos transcritos:<br />

Lei nº 8.935/94<br />

Art. 1º - Serviços notariais e de registro são os de organização<br />

técnica e administrativa destina<strong>do</strong>s a garantir a publicidade,<br />

autenticidade, segurança e eficácia <strong>do</strong>s atos jurídicos.<br />

Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registra<strong>do</strong>r, são<br />

profissionais <strong>do</strong> direito, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé pública, a quem é delega<strong>do</strong> o<br />

exercício da atividade notarial e de registro.<br />

Trata-se de uma atividade de cunho jurídico em que a<br />

independência funcional é pressuposto da segurança jurídica que o serviço deve<br />

garantir. Tal independência não significa total liberdade, pois to<strong>do</strong>s os seus atos e<br />

decisões devem basear-se na lei e também não significa falta de controle, uma vez<br />

que tal atividade é supervisionada pelo Poder Judiciário, por expressa disposição<br />

constitucional.<br />

Outra inovação bem vinda trazida pela Lei 8.935/94 foi a fixação da<br />

denominação <strong>do</strong>s profissionais que estão a frente das atividades notariais. Por<br />

longos anos as pessoas que entravam em um serviço notarial procuravam por<br />

escrivães, escreventes, oficiais maiores, <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> cartório e, muitas vezes, essas<br />

nomenclaturas tinham aspecto pejorativo e desvalorizava essa classe de<br />

profissionais. Atualmente a lei <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res acabou com esta<br />

celeuma ao determinar que os profissionais da atividade notarial são os <strong>notário</strong>s e<br />

tabeliães.<br />

45


O desconhecimento da classe <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s não se restringia aos<br />

leigos, pois eram desconheci<strong>do</strong>s até mesmo da classe jurídica, onde muitos<br />

profissionais não sabiam sequer qual <strong>sua</strong> correta denominação, quanto mais qual a<br />

<strong>função</strong> que exerciam. Contu<strong>do</strong>, esse desconhecimento foi abranda<strong>do</strong> pela edição da<br />

Lei 8.935/94, que trouxe em seu corpo ampla explicação sobre a atividade notarial e<br />

a <strong>função</strong> <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res.<br />

Contu<strong>do</strong>, a disciplina da matéria notarial não se restringe apenas à<br />

Constituição Federal e à Lei 8.935/94, pois, diversas leis esparsas são editadas<br />

tanto no âmbito federal, como no âmbito estadual para disciplinar a matéria<br />

atualizan<strong>do</strong>-a de forma a atender às necessidades sociais. Como é o caso da Lei<br />

11.441/07, que permitiu a realização de separações, divórcios e partilhas na esfera<br />

extrajudicial, trazen<strong>do</strong> maior celeridade para esses feitos.<br />

Pode-se concluir que a nova ordem constitucional representou um<br />

importante passo para a atividade notarial, assim como a edição da Lei 8.935/94,<br />

que regula o art. 236 da Constituição Federal, e é considera<strong>do</strong> um marco histórico<br />

na modernização <strong>do</strong> notaria<strong>do</strong> brasileiro.<br />

2.4 Autonomia <strong>do</strong> Direito Notarial<br />

O Direito é uno. É fruto das necessidades e da <strong>evolução</strong> <strong>social</strong>, na<br />

verdade um fim <strong>social</strong> a ser busca<strong>do</strong>, traduzi<strong>do</strong> na justiça e na paz <strong>social</strong>. Contu<strong>do</strong>,<br />

o Direito é dividi<strong>do</strong> em ramos para facilitação <strong>do</strong> seu estu<strong>do</strong>, já que o fim <strong>social</strong> se<br />

divide em várias vertentes, possuin<strong>do</strong> objetos distintos.<br />

A divisão <strong>do</strong> Direito em ramos ocorre para acompanhar o<br />

desenvolvimento <strong>social</strong> e a especialização das relações jurídicas, tornan<strong>do</strong> mais<br />

efetiva a prestação jurisdicional.<br />

Para um ramo <strong>do</strong> Direito ser identifica<strong>do</strong> como autônomo é<br />

necessário que ele tenha autonomia científica, que seja independente <strong>do</strong>s outros<br />

ramos, que possa ser regi<strong>do</strong> por <strong>sua</strong>s próprias normas, reunin<strong>do</strong> condições para dar<br />

solução às lides envolven<strong>do</strong> a matéria tratada por esse ramo sem ter que buscar<br />

46


auxílio de outros ramos, salvo no caso de lacunas ou ineficiência <strong>do</strong> direito<br />

positiva<strong>do</strong>.<br />

Contu<strong>do</strong>, importante lembrar que um ramo especializa<strong>do</strong> não fica<br />

isola<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> jurídico, pois mantém muitos pontos de contato com outros ramos<br />

e com esses conserva estreitas relações.<br />

Para ter autonomia científica são necessários <strong>do</strong>is requisitos: 1) ser<br />

um conjunto sistematiza<strong>do</strong> de normas jurídicas, isto é, ter autonomia estrutural; e 2)<br />

ter princípios próprios regen<strong>do</strong> o sistema jurídico especializa<strong>do</strong>.<br />

O primeiro requisito, autonomia estrutural, traduz-se na idéia de um<br />

conjunto de normas, denomina<strong>do</strong> sistema jurídico, segun<strong>do</strong> Norberto Bobbio:<br />

Uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe<br />

uma certa ordem e para que se possa falar em ordem, é necessário<br />

que os entes que a constituem não estejam somente em<br />

relacionamento com o to<strong>do</strong>, mas também num relacionamento de<br />

coerência entre si 29 .<br />

Desta forma, não basta apenas homogeneidade entre as normas,<br />

que elas pos<strong>sua</strong>m um objeto comum, é necessário que exista coerência, que as<br />

normas estejam organizadas de forma que se relacionem mutuamente.<br />

O sistema jurídico que possuir um objeto comum, isto é, autonomia<br />

lógica ou homogeneidade e coerência já teria o primeiro requisito preenchi<strong>do</strong> para<br />

ser considera<strong>do</strong> um ramo autônomo.<br />

O segun<strong>do</strong> requisito da autonomia científica pode ser verifica<strong>do</strong><br />

quan<strong>do</strong> as normas <strong>do</strong> ramo especializa<strong>do</strong> estão pautadas em princípios próprios que<br />

regem a atividade. Quan<strong>do</strong> o nascimento <strong>do</strong> ramo <strong>do</strong> Direito está intrinsecamente<br />

liga<strong>do</strong> à existência de princípios exclusivos, que possuem <strong>função</strong> interpretativa,<br />

integrativa e nortea<strong>do</strong>ra na confecção das demais normas <strong>do</strong> sistema.<br />

29 BOBBIO, Norberto. Teoria <strong>do</strong> ordenamento jurídico. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1992, p. 71.<br />

47


Passan<strong>do</strong> à análise específica da autonomia <strong>do</strong> direito notarial,<br />

pode-se concluir que o direito notarial possui autonomia sistemática, pois há amplo<br />

regramento específico da matéria notarial com a necessária homogeneidade e<br />

coerência. Há, indubitavelmente, uma legislação autônoma dedicada a essa matéria.<br />

Contu<strong>do</strong>, alguns autores não reconhecem a especialidade da<br />

legislação de direito notarial e sustentam que essa legislação está inserida no direito<br />

civil. Entendimento que pode ser combati<strong>do</strong> ten<strong>do</strong> em vista que o direito notarial é<br />

um direito eminentemente público e adjetivo e o direito civil é priva<strong>do</strong> e substantivo.<br />

Quanto ao requisito da exclusividade <strong>do</strong>s princípios surge grande<br />

celeuma, pois autores como Roberto J. Pugliese sustentam que o direito notarial<br />

possui princípios específicos, como o da fé pública, o da forma, da notoriedade, da<br />

unidade formal, da rogação, entre outros. Entretanto, outros autores como Rufino<br />

Larraud, com acerto, defendem que não há autonomia científica, pois estes<br />

princípios cita<strong>do</strong>s como específicos da atividade notarial podem ser identifica<strong>do</strong>s em<br />

outros ramos <strong>do</strong> direito.<br />

Analisan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o exposto, conclui-se que o direito notarial<br />

experimentou enorme avanço com a edição de vasto regramento próprio, com<br />

autonomia estrutural, e, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de operabilidade, garantin<strong>do</strong> a eficiente prestação <strong>do</strong><br />

serviço para a sociedade, sem gozar <strong>do</strong> título de ramo autônomo <strong>do</strong> direito, pois<br />

está passan<strong>do</strong> por uma fase de transição, caminhan<strong>do</strong> rapidamente rumo à<br />

autonomia plena.<br />

2.5 Das atribuições e competências <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s<br />

Por atribuição entende-se o conjunto de poderes e faculdades<br />

conferi<strong>do</strong>s a alguém para a prática de determina<strong>do</strong>s atos previstos em lei. Já<br />

competência é a esfera de atuação, estabelecida em lei, de determinada pessoa.<br />

As atribuições e competências funcionais <strong>do</strong> tabelião de notas estão<br />

disciplinadas na Lei Federal 8.935/94, que regulamentou a atividade notarial.<br />

48


O tabelião de notas, ou <strong>notário</strong> 30 é profissional <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de<br />

conhecimento jurídico adquiri<strong>do</strong> tanto pela formação em direito, como pela<br />

experiência prática na área durante o perío<strong>do</strong> de dez anos e são denomina<strong>do</strong>s na lei<br />

de profissionais <strong>do</strong> direito.<br />

Ceneviva:<br />

O conceito de serviço notarial foi bem explica<strong>do</strong> por Walter<br />

O vocábulo serviço caracteriza, no título de abertura da Lei n.<br />

8.935/94, o trabalho técnico desenvolvi<strong>do</strong> sob as ordens de um<br />

delega<strong>do</strong> <strong>do</strong> Poder Público, para exclusivo cumprimento de funções<br />

ali indicadas, delega<strong>do</strong> esse atuan<strong>do</strong> com independência, mas<br />

sujeito à fiscalização <strong>do</strong> Poder Judiciário 31 .<br />

O serviço notarial visa garantir a publicidade, autenticidade,<br />

segurança e eficácia <strong>do</strong>s atos jurídicos e para atingir esse fim o <strong>notário</strong> tem que<br />

cumprir com eficiência <strong>sua</strong> atividade de compatibilizar com a lei a vontade das<br />

partes.<br />

O <strong>notário</strong> possui competência para formalizar juridicamente a<br />

vontade das partes, intervin<strong>do</strong>, redigin<strong>do</strong> e autentican<strong>do</strong> negócios, atos e até fatos<br />

jurídicos, com o objetivo final de garantir a segurança das relações contratuais e<br />

interpessoais, prevenin<strong>do</strong> litígios e colaboran<strong>do</strong> para o bem-estar <strong>social</strong>.<br />

verbis:<br />

A esfera de competência <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s está disposta no texto in<br />

Lei nº 8.935/94<br />

Art. 6º - Aos <strong>notário</strong>s compete:<br />

I - formalizar juridicamente a vontade das partes;<br />

II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou<br />

queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizan<strong>do</strong> a redação ou<br />

30 Em que pese a Lei 8.935/94 utilizar expressões distintas para designar o titular <strong>do</strong> tabelionato de<br />

notas, “<strong>notário</strong>” no artigo 6º e “tabelião de notas” no artigo 7º, não há diferença entre eles, trata-se<br />

<strong>do</strong> mesmo profissional, sen<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is termos sinônimos na tradição brasileira.<br />

31 CENEVIVA, Walter. Lei <strong>do</strong>s Notários e Registra<strong>do</strong>res Comentada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 21.<br />

49


edigin<strong>do</strong> os instrumentos adequa<strong>do</strong>s, conservan<strong>do</strong> os originais e<br />

expedin<strong>do</strong> cópias fidedignas de seu conteú<strong>do</strong>;<br />

III - autenticar fatos.<br />

Importante destacar, que nem todas as competências previstas no<br />

artigo acima cita<strong>do</strong> são exclusivas <strong>do</strong> <strong>notário</strong>. Por exemplo, um instrumento pode ser<br />

confecciona<strong>do</strong> sob a forma jurídica por outro profissional <strong>do</strong> direito, como o<br />

advoga<strong>do</strong>.<br />

Para formalizar tais situações, a lei relaciona os atos que podem ser<br />

pratica<strong>do</strong>s pelo <strong>notário</strong> para o exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> pública no artigo abaixo<br />

cita<strong>do</strong>:<br />

Lei nº 8.935/94<br />

Art. 7º - Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:<br />

I - lavrar escrituras e procurações, públicas;<br />

II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerra<strong>do</strong>s;<br />

III - lavrar atas notariais;<br />

IV - reconhecer firmas;<br />

V - autenticar cópias.<br />

Parágrafo único. É faculta<strong>do</strong> aos tabeliães de notas realizarem todas<br />

as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo <strong>do</strong>s<br />

atos notariais, requeren<strong>do</strong> o que couber, sem ônus maiores que os<br />

emolumentos devi<strong>do</strong>s pelo ato.<br />

Neste artigo o próprio legisla<strong>do</strong>r fez questão de constar<br />

expressamente que o rol de competências compete exclusivamente aos tabeliães,<br />

porém, deve-se interpretar que essa exclusividade não compreende o ato material<br />

em si, isto é, a <strong>função</strong> de redigir os instrumentos, mas somente o ato de conferir fé<br />

pública ao que foi escrito sob <strong>sua</strong> responsabilidade pessoal e direta.<br />

Segun<strong>do</strong> Walter Ceneviva o artigo 7º da Lei 8.935/94 apresenta<br />

falha de técnica legislativa, e entende que andaria melhor o legisla<strong>do</strong>r se não<br />

houvesse relaciona<strong>do</strong> as atividades <strong>do</strong> tabelião, conforme o exposto: “O artigo<br />

relaciona <strong>do</strong>ze atividades que não esgotam as possibilidades. Melhor seria fugir<br />

50


dessa especificação, até porque algumas das definições encontradas são<br />

obscuras” 32 .<br />

Em que pese o entendimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r Walter Ceneviva o rol<br />

elencan<strong>do</strong> os atos que podem ser pratica<strong>do</strong>s pelo <strong>notário</strong> é um importante<br />

instrumento nortea<strong>do</strong>r para o exercício da atividade notarial e de garantia da<br />

segurança jurídica, pois evita a prática discricionária de atos pelos <strong>notário</strong>s,<br />

manten<strong>do</strong> uma uniformidade em to<strong>do</strong> país.<br />

A interpretação <strong>do</strong> rol <strong>do</strong> artigo 7º da Lei 8.935/94 deve ser feita de<br />

maneira mais branda, permitin<strong>do</strong> a prática pelos <strong>notário</strong>s de atos não previstos no<br />

rol, para conciliar a realidade legislativa com a realidade fática e assim a norma<br />

possa atender aos anseios da sociedade.<br />

De acor<strong>do</strong> com a redação <strong>do</strong>s artigos 6º e 7º da Lei <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s e<br />

registra<strong>do</strong>res pode-se elencar as principais atividades exercidas pelo <strong>notário</strong>, sem<br />

prejuízo de outras funções de natureza acessória, mas tão importantes para o<br />

cumprimento <strong>do</strong> serviço público delega<strong>do</strong>, tais como:<br />

testamento cerra<strong>do</strong>;<br />

forma pública;<br />

a) lavratura de testamento e <strong>sua</strong> revogação, e aprovação de<br />

b) lavratura de to<strong>do</strong>s os atos para os quais a lei exija ou faculta a<br />

c) reconhecimento de firma, letra ou chancela, bem como<br />

autenticação de cópia de <strong>do</strong>cumento;<br />

autoriza<strong>do</strong>s por lei;<br />

respectivas folhas;<br />

d) expedição de trasla<strong>do</strong>, certidão, fotocópia e outros instrumentos<br />

e) abertura e encerramento <strong>do</strong>s livros <strong>do</strong> seu ofício e rubrica das<br />

f) assessoramento das partes sobre o ato notarial a ser realiza<strong>do</strong>.<br />

Cumpre ressaltar, que a Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, com<br />

publicação e entrada em vigor no dia seguinte, modificou dispositivos <strong>do</strong> Código de<br />

32 Ibidem, p. 46.<br />

51


Processo Civil e ampliou o rol de competências <strong>do</strong> tabelião de notas permitin<strong>do</strong> a<br />

lavratura de escritura pública para inventários e partilhas, separações consen<strong>sua</strong>is e<br />

divórcios, desde que respeita<strong>do</strong>s os requisitos legais.<br />

Para o bom exercício das atividades supra relacionadas é<br />

necessário que o <strong>notário</strong> observe os princípios aplica<strong>do</strong>s à atividade e em especial o<br />

princípio da legalidade que irá traçar os limites de atuação desse profissional, sem<br />

prejuízo <strong>do</strong> respeito à dignidade humana.<br />

Compete, portanto, ao <strong>notário</strong> cuidar da segurança dinâmica das<br />

relações interpessoais, uma vez que atua na constituição <strong>do</strong>s atos e negócios<br />

jurídicos, na formalização <strong>do</strong> “dictum”, na conformação e pré-constituição de prova<br />

com a devida fé pública, além da prestação de um eficiente serviço de<br />

aconselhamento e assessoria àqueles que o elegeram para dar validade jurídica às<br />

<strong>sua</strong>s vontades, garantin<strong>do</strong> o equilíbrio entre as partes e atingin<strong>do</strong> o fim econômico<br />

ou <strong>social</strong> espera<strong>do</strong> pelos contratantes.<br />

Para expor a importância <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> <strong>notário</strong> na sociedade, valiosos<br />

os ensinamentos de Rufino Larraud:<br />

Por eso es posible afirmar que los derechos subjetivos de las<br />

personas constituyen la matéria viva sobre la qual ejerce el escribano<br />

su actividad. La función notarial tiende a asegurar el<br />

desenvolvimiento regular de La que ha si<strong>do</strong> llamada, alguna vez,<br />

biologia de los derechos em la normalidad; el nacimiento, desarrollo,<br />

transformación y caducidad de los derechos subjetivos em el plano<br />

de la normalidad jurídica. Ya hemos visto...que la función notarial<br />

considera las relaciones de los indivíduos em su dimensión jurídica.<br />

Vale a pena agregar que esta afirmación no excluye (...) las<br />

consecuencias econômicas que son resulta<strong>do</strong> directo e imediato de<br />

su régimen jurídico 33 .<br />

A intervenção <strong>do</strong> <strong>notário</strong> deve ser de forma ativa, observada a<br />

necessária imparcialidade e participan<strong>do</strong> <strong>do</strong> ato de mo<strong>do</strong> a evitar a confecção de<br />

instrumentos que não estejam aptos a produzirem os efeitos jurídicos descritos em<br />

33 LARRAUD, Rufino. Curso de derecho notaria., Buenos Aires: Depalma, 1966, p. 168-169.<br />

52


lei, exercen<strong>do</strong> uma <strong>função</strong> de prevenção de lides, sem, contu<strong>do</strong>, praticar qualquer<br />

ato de natureza jurisdicional.<br />

Esclarece<strong>do</strong>ra é a <strong>do</strong>utrina de Serpa Lopes:<br />

A <strong>função</strong> <strong>do</strong> Tabelião é comparável com a de um Juiz, de categoria<br />

administrativa. Na maioria das vezes consiste em receber a<br />

declaração de vontade das partes contratantes e fazê-la constar de<br />

<strong>sua</strong>s Notas. Por assim dizer, ele dá autenticidade ao ato pratica<strong>do</strong><br />

em <strong>sua</strong> presença. Trata-se de um dever legal. A responsabilidade <strong>do</strong><br />

Tabelião assume de valor maior, intensifican<strong>do</strong>-se a <strong>sua</strong> culpa, se se<br />

tratar de um ato no qual tenha intervin<strong>do</strong> virus, auditus, et sentibus,<br />

isto é, daquilo que resultou de <strong>sua</strong> atestação, baseada no que viu,<br />

ouviu e sentiu. Assim, portanto, a identidade <strong>do</strong> testa<strong>do</strong>r num<br />

testamento público, trata-se efetivamente da pessoa legitimamente<br />

interessada na realização <strong>do</strong> negócio jurídico, são circunstâncias<br />

sobre as quais mui grande é a responsabilidade no Notário, que deve<br />

empregar to<strong>do</strong>s os meios idôneos para a apuração exata dessa<br />

identidade 34 .<br />

Diante desse arcabouço de atribuições legais, fica patente que o<br />

serviço que o <strong>notário</strong> presta à <strong>sua</strong> comunidade é de inegável essencialidade e<br />

possui caráter eminentemente <strong>social</strong>, por isso tão importante a delimitação de <strong>sua</strong>s<br />

funções e de <strong>sua</strong> responsabilidade.<br />

34 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p.<br />

227-228.<br />

53


3. ASPECTOS JURÍDICOS DA FUNÇÃO NOTARIAL<br />

3.1 Poder delegante<br />

Para que seja exercida a atividade notarial e de registro é preciso<br />

haver a delegação que é o ato em que o Esta<strong>do</strong> transfere a responsabilidade pelo<br />

exercício de um determina<strong>do</strong> serviço público ao setor priva<strong>do</strong>, por este ter melhores<br />

condições para garantir a eficiência que a sociedade exige. É o caso específico das<br />

atividades notarial e de registro, cuja importância para a população, requer a <strong>sua</strong><br />

efetiva presença em to<strong>do</strong>s os lugares em que haja interação <strong>social</strong>, situação<br />

verificada durante toda a <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong>, como a seguir exposto:<br />

E, em cada Aldea, que tiver mais de vinte vizinhos, e estiver situada<br />

fora da Cidade, ou Villa huma legoa, haja huma pessoa apta para<br />

fazer os testamentos aos mora<strong>do</strong>res da dita Aldea, que estiverem<br />

<strong>do</strong>entes em cama. E sen<strong>do</strong> feitos segun<strong>do</strong> fórma de nossas<br />

Ordenações, ser-lhes-ha dada a fé e auctoridade, como se foram<br />

feitos per tabellião das Notas 35 .<br />

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 236, caput, reza que,<br />

"os serviços notariais e de registro serão exercidas em caráter priva<strong>do</strong>, por<br />

delegação <strong>do</strong> Poder Público". Nota-se um primeiro problema que decorre da<br />

redação <strong>do</strong> texto constitucional que é saber quem será a autoridade competente<br />

para a outorga da delegação, o chefe <strong>do</strong> Poder Executivo, com a natural atribuição<br />

administrativa, ou o chefe <strong>do</strong> Poder Judiciário, que recebeu da Constituição Federal<br />

expressa responsabilidade fiscalizatória sobre a execução desses serviços<br />

delega<strong>do</strong>s.<br />

No Brasil, tradicionalmente, os cartórios extrajudiciais, sempre<br />

estiveram vincula<strong>do</strong>s ao Poder Judiciário, em face da herança <strong>do</strong> direito português,<br />

mas com o advento da Constituição Federal de 1988, este panorama mu<strong>do</strong>u, pois a<br />

disciplina referente a estes serviços não está mais inserida no Capítulo III, referente<br />

35 Ordenações Filipinas, de 1143.<br />

54


ao Poder Judiciário, mas sim, no Título IX, que trata das disposições Constitucionais<br />

Gerais e, também, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Desta forma,<br />

os <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res deixaram de ser enquadra<strong>do</strong>s no âmbito <strong>do</strong>s<br />

serventuários ou <strong>do</strong>s auxiliares da Justiça.<br />

Com a nova constituição houve para a atividade notarial e de<br />

registro um importante rompimento com a sistemática <strong>do</strong> regime jurídico anterior,<br />

conforme expõe Cláudio Luiz Bueno de Go<strong>do</strong>y:<br />

No contexto da nova Constituição Federal, inegável a substancial<br />

alteração que atingiu o serviço extrajudicial e, em especial, aqueles a<br />

quem se delega o seu exercício. E a tanto deve se adequar qualquer<br />

atual enfrentamento de questão que lhe seja atinente,<br />

desprenden<strong>do</strong>-se de conceitos arraiga<strong>do</strong>s sob o manto de<br />

normatividade de to<strong>do</strong> ultrapassada 36 .<br />

Importante citar que o Projeto de Lei nº 16/1994, que originou a Lei<br />

nº 8.935/1994, que regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal, teve seu<br />

artigo 2° veta<strong>do</strong> pelo Presidente da República, veto este que não foi rejeita<strong>do</strong> pelo<br />

Congresso Nacional. Este artigo dispunha o seguinte, in verbis:<br />

Art. 2º - Os serviços notariais e de registro são exerci<strong>do</strong>s, em caráter<br />

priva<strong>do</strong>, por delegação <strong>do</strong> Poder Judiciário <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-Membro e <strong>do</strong><br />

Distrito Federal.<br />

Devi<strong>do</strong> a esse veto a discussão sobre a competência para outorga<br />

da delegação <strong>do</strong>s serviços registrais e notariais ficou ainda mais latente. Com a<br />

incerteza instaurada, esta competência vem sen<strong>do</strong> exercida pelo Poder Judiciário,<br />

apoiada no entendimento <strong>do</strong> Superior Tribunal de Justiça.<br />

A atividade notarial é uma atividade jurídica em que a independência<br />

é pressuposto da segurança jurídica que o serviço deve garantir. O <strong>notário</strong> deve<br />

proceder à análise <strong>do</strong> caso trazi<strong>do</strong> pelas partes e orientá-las com total<br />

imparcialidade, isenção e sem qualquer tipo de pressão, garantidas pela<br />

36 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Poder Judiciário e a Delegação <strong>do</strong>s Serviços Notariais e de<br />

Registros. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Correge<strong>do</strong>rias <strong>do</strong> poder judiciário. São Paulo:<br />

Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2003, p. 251-276.<br />

55


independência funcional. O tabelião de notas não pode sucumbir diante de posições<br />

ideológicas ou políticas <strong>do</strong>s governantes.<br />

Não se deve confundir a independência <strong>do</strong> <strong>notário</strong> com total<br />

discricionariedade, pois todas as <strong>sua</strong>s decisões devem ser motivadas, com base na<br />

lei, respeitan<strong>do</strong> o princípio da legalidade.<br />

Recentemente a problemática da competência para delegação <strong>do</strong>s<br />

serviços notariais e registrais veio à tona com o veto <strong>do</strong> Presidente da República ao<br />

Projeto de Lei n° 160/2003, que visava a acrescentar o artigo 2-A à Lei 8.935/1994.<br />

O referi<strong>do</strong> projeto dispunha que a outorga da delegação para o exercício <strong>do</strong>s<br />

serviços notariais e registrais é "ato privativo <strong>do</strong> Poder Executivo Estadual ou<br />

Distrital".<br />

Com esse veto ao pretenso artigo 2-A da Lei nº 8.935/94, que foi<br />

diametralmente inverso <strong>do</strong> veto ao artigo 2º original, a tese que sustentava que a<br />

competência para a outorga da delegação devia ser <strong>do</strong> Poder Judiciário, apesar das<br />

divergências <strong>do</strong>utrinárias, passou a ter mais força. Portanto, o Poder Judiciário<br />

Estadual continua sen<strong>do</strong> o órgão competente para esta <strong>função</strong> e, conforme<br />

mandamento constitucional, também para fiscalizar os atos das atividades<br />

desempenhadas pelos <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res.<br />

A <strong>função</strong> notarial e de registro é de natureza pública, pois está<br />

intrinsecamente ligada à soberania <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e é por imperativo constitucional<br />

exercida por meio de descentralização administrativa por colaboração, muito bem<br />

definida por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “...é feita por acor<strong>do</strong> de vontades ou por<br />

ato administrativo unilateral, pelo qual se atribui a uma pessoa de direito priva<strong>do</strong> a<br />

execução de serviço público, conservan<strong>do</strong> o poder concedente <strong>sua</strong> titularidade” 37 .<br />

A delegação é o ato inicial para o exercício da atividade notarial,<br />

nesse senti<strong>do</strong> as palavras de Luís Paulo Aliende Ribeiro:<br />

37 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2003, p.<br />

65-66.<br />

56


(...) o Poder Público conserva a titularidade <strong>do</strong> serviço e transfere<br />

<strong>sua</strong> execução a particulares (pessoas físicas com qualificação<br />

específica e que foram aprovadas em concurso público de provas e<br />

títulos) em unidades (ou feixes de competências) definidas, pela<br />

Administração, em <strong>função</strong> das necessidades <strong>do</strong>s usuários e da<br />

adequação <strong>do</strong> serviço, mediante critérios relativos ao número de atos<br />

pratica<strong>do</strong>s, receita, aspectos populacionais e conformidade com a<br />

organização judiciária de cada Esta<strong>do</strong> da Federação. Não há mais<br />

que se falar em cartórios como unidades da estrutura administrativa<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, nem cargos a serem provi<strong>do</strong>s, tampouco quadros,<br />

classes ou carreiras 38 .<br />

Importante nesta análise, compreender a necessidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> em<br />

substabelecer uma <strong>função</strong> pública ao exercício priva<strong>do</strong>, senão pelo fato, <strong>do</strong> setor<br />

priva<strong>do</strong> possuir as características de eficiência que o merca<strong>do</strong> exige, sen<strong>do</strong> este, o<br />

caso específico da atividade notarial e de registro brasileira.<br />

A delegação estabelece um vínculo muito estreito com o poder<br />

público, a ponto de muitas pessoas confundirem o titular <strong>do</strong> serviço notarial com um<br />

funcionário público e, assim, pode-se concluir que os serviços notariais são de suma<br />

importância para a manutenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e necessário entender a importância que<br />

o ato da delegação tem para essa atividade, já que ela somente se inicia após tal ato<br />

delegatório.<br />

3.2 Natureza jurídica <strong>do</strong> serviço notarial<br />

Para discorrer sobre a <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> é preciso entender o<br />

que é a instituição notarial e por isso, muito importante uma breve passagem pela<br />

natureza jurídica <strong>do</strong> serviço notarial, pois, entende-se de forma pacífica, que os<br />

serviços de notas não possuem personalidade jurídica, portanto não são empresas<br />

ou entidades, não possuem patrimônio, nem tem capacidade proces<strong>sua</strong>l.<br />

38 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da Função Pública Notarial e de Registro. São Paulo:<br />

Saraiva, 2009, p. 56-57.<br />

57


A outorga da delegação de notas e de registro é feita a uma pessoa<br />

natural, que exercerá a <strong>função</strong> em caráter priva<strong>do</strong>, corresponden<strong>do</strong> à atividade<br />

jurídica<br />

Apesar da inexistência da pessoa jurídica "cartório", este é, de certo<br />

mo<strong>do</strong>, considera<strong>do</strong> "empresa" (lato sensu) para alguns fins específicos, como para a<br />

gestão da unidade de serviço pelo particular aprova<strong>do</strong> em concurso, para<br />

contratação de funcionários, possuin<strong>do</strong> registro no Cadastro Nacional de Pessoas<br />

Jurídicas (CNPJ) <strong>do</strong> Ministério da Justiça para fins de recolhimento de tributos e<br />

fiscalização pelo Poder Público, mas isso não transforma a figura <strong>do</strong> "cartório" em<br />

uma pessoa jurídica, <strong>do</strong>tada de personalidade e capacidade para adquirir e<br />

transmitir direitos.<br />

A palavra “cartório” no âmbito popular nada mais é <strong>do</strong> que o<br />

estabelecimento onde é desempenhada a atividade notarial delegada pelo Esta<strong>do</strong> a<br />

uma pessoa natural.<br />

É freqüente a comparação <strong>do</strong> tabelionato de notas com uma firma<br />

individual e o objetivo da comparação tem como premissa definir melhor como a<br />

questão da responsabilidade <strong>do</strong> <strong>notário</strong> se instala, como ela se comporta diante de<br />

fatos ocorri<strong>do</strong>s no exercício de <strong>sua</strong>s atividades, pois a firma individual não possui,<br />

assim como o "cartório", natureza jurídica própria.<br />

Outro ponto em comum, é que o <strong>notário</strong> atua por <strong>sua</strong> conta e risco<br />

no exercício da atividade, como na firma individual, que tem o autor da atividade a<br />

frente de qualquer responsabilidade, assim sen<strong>do</strong>, pode-se considerar em muitos<br />

aspectos o oficial de notas e o titular da firma individual 39 como equivalentes na<br />

questão da responsabilidade, uma vez que a totalidade <strong>do</strong> patrimônio de ambos<br />

responde por eventuais danos causa<strong>do</strong>s a terceiros, pelas dívidas trabalhistas,<br />

previdenciárias e tributárias.<br />

Para finalizar esta análise e como forma de ilustrar o tema,<br />

transcreve-se o ensinamento de J. X. Carvalho de Men<strong>do</strong>nça:<br />

39 À rigor, firma individual e o seu titular são a mesma pessoa, pois to<strong>do</strong> o patrimônio da pessoa<br />

natural responde pelas dívidas contraídas em nome da firma individual.<br />

58


Usan<strong>do</strong> uma firma para exercer o comércio o seu nome civil para<br />

atos civis, o comerciante, pessoa natural, não se investe de dupla<br />

personalidade; por outra, não há duas personalidades, uma civil e<br />

outra comercial. As obrigações contraídas sob a firma comercial<br />

ligam a pessoa civil <strong>do</strong> comerciante e vice-versa. A firma <strong>do</strong><br />

comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil,<br />

pois designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão<br />

mercantil. Existe essa separação abstrata, embora os <strong>do</strong>is nomes se<br />

apliquem à mesma individualidade. Se, em senti<strong>do</strong> particular, uma é<br />

o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo homem que vive ao<br />

mesmo tempo a vida civil e a vida comercial. 40<br />

Os atos inexatos ocorri<strong>do</strong>s no serviço de notas têm, na figura física<br />

<strong>do</strong> titular, o centro de toda a responsabilidade civil. Pelo fato de o oficial estar na<br />

qualidade de agente delega<strong>do</strong> pelo poder público, ele responde por qualquer dano<br />

causa<strong>do</strong> a terceiros. Ressalta-se, porém, que a <strong>sua</strong> responsabilidade está afeta<br />

somente aos atos pratica<strong>do</strong>s no perío<strong>do</strong> de <strong>sua</strong> delegação e desde que sejam atos<br />

típicos de gestão (de livre escolha <strong>do</strong> <strong>notário</strong>) e não referentes aos atos de império<br />

(aqueles executa<strong>do</strong>s pelo <strong>notário</strong> em estrita obediência à lei).<br />

A responsabilidade civil é uma forma de o <strong>notário</strong> responder pelos<br />

prejuízos causa<strong>do</strong>s aos usuários <strong>do</strong> serviço público presta<strong>do</strong>, na prática <strong>do</strong>s atos de<br />

gestão, restabelecen<strong>do</strong> o status quo ante. Contu<strong>do</strong>, muitos <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res agregam à<br />

responsabilidade civil o caráter punitivo <strong>do</strong> autor da ação ou omissão antijurídica e<br />

pedagógico, pois com a punição <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> dano fica demonstra<strong>do</strong> a toda<br />

sociedade que o causa<strong>do</strong>r de um dano não fica impune, geran<strong>do</strong> na sociedade uma<br />

sensação de que seus direitos estão garanti<strong>do</strong>s por mecanismos cria<strong>do</strong>s pela lei.<br />

Cumpre esclarecer que, no tocante à questão da reparação de<br />

danos, não é raro a propositura de demandas visan<strong>do</strong> à responsabilização civil em<br />

face da figura <strong>do</strong> cartório. Tais demandas são extintas por ausência de legitimidade<br />

passiva, pois o serviço notarial não possui personalidade jurídica.<br />

40 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Trata<strong>do</strong> de Direito Comercial Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas<br />

Bastos, 1957, p. 166-167.<br />

59


Uma das razões para tal procedimento ainda persistir é que, no<br />

passa<strong>do</strong>, consideravam-se os cartórios figuras jurídicas, equivalentes a imóveis,<br />

objeto de herança ou adquiri<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>ação, porém, com o passar <strong>do</strong>s anos eles<br />

deixaram de compor o patrimônio de seu titular.<br />

Nos dias atuais eles têm a condição de ente fictício, constituem<br />

unidades de serviços notariais e seu titular deve ter si<strong>do</strong> aprova<strong>do</strong> por concurso<br />

público de provas e títulos, receben<strong>do</strong> assim, a delegação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para o<br />

exercício de <strong>sua</strong> atividade em caráter priva<strong>do</strong>, conforme art. 236 da Constituição<br />

Federal.<br />

Desta forma, os <strong>notário</strong>s são habilita<strong>do</strong>s por concurso público, sen<strong>do</strong><br />

os candidatos bacharéis ou aqueles que estejam no exercício da <strong>função</strong> notarial e<br />

de registro por mais de dez anos, investin<strong>do</strong>-se nesta <strong>função</strong> por delegação <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> de acor<strong>do</strong> com o artigo in verbis.<br />

Lei nº 8.935/94<br />

Art. 15 - Os concursos serão realiza<strong>do</strong>s pelo Poder Judiciário, com a<br />

participação, em todas as <strong>sua</strong>s fases, da Ordem <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

Brasil, <strong>do</strong> Ministério Público, de um <strong>notário</strong> e de um registra<strong>do</strong>r.<br />

§1º - O concurso será aberto com a publicação de edital, dele<br />

constan<strong>do</strong> os critérios de desempate.<br />

§2º - Ao concurso público poderão concorrer candidatos não<br />

bacharéis em direito que tenham completa<strong>do</strong>, até a data da primeira<br />

publicação <strong>do</strong> edital <strong>do</strong> concurso de provas e títulos, 10 (dez) anos<br />

de exercício em serviço notarial ou de registro.<br />

Apenas será aprova<strong>do</strong> por concurso o titular da unidade de serviço<br />

notarial que tem por <strong>sua</strong> conta a administração <strong>do</strong> serviço notarial, arcan<strong>do</strong> com<br />

todas as despesas e toman<strong>do</strong> as decisões acerca da escolha <strong>do</strong>s seus funcionários,<br />

estes, atuan<strong>do</strong> sob <strong>sua</strong> responsabilidade e regi<strong>do</strong>s pelas normas da CLT.<br />

O tabelião de notas detém sob <strong>sua</strong> orientação to<strong>do</strong>s os atos<br />

pratica<strong>do</strong>s em seu cartório, poden<strong>do</strong> seus funcionários praticar somente os atos que<br />

60


ele autorizar e deste mo<strong>do</strong>, a pessoa física, titular <strong>do</strong> serviço notarial, deve<br />

responder de forma solitária a todas as questões relativas à responsabilidade civil.<br />

O <strong>notário</strong> responderá por to<strong>do</strong>s os atos inexatos próprios da <strong>função</strong><br />

pública que ocorram na serventia, mas não de forma objetiva como sustentam<br />

autores como Luís Carlos Fagundes Vianna e Yussef Said Cahali, pois o artigo 22 da<br />

Lei <strong>do</strong>s Notários e Registra<strong>do</strong>res apenas dispõe que os <strong>notário</strong>s responderão<br />

mesmo agin<strong>do</strong> sem <strong>do</strong>lo ou culpa pelos atos inexatos próprios <strong>do</strong> serviço notarial<br />

pratica<strong>do</strong>s pelos seus prepostos, desde que tenham agi<strong>do</strong> com <strong>do</strong>lo ou culpa,<br />

caben<strong>do</strong> ao titular da serventia o direito de regresso em face <strong>do</strong>s prepostos.<br />

A única hipótese apresentada pelo artigo 22 que independe da<br />

comprovação de culpa refere-se tão somente à substituição <strong>do</strong> preposto pelo titular<br />

<strong>do</strong> serviço na responsabilização civil, não poden<strong>do</strong> o <strong>notário</strong> alegar ausência de<br />

culpa in eligen<strong>do</strong> ou in vigilan<strong>do</strong>, para se eximir da responsabilização.<br />

Importante destacar, que o preposto tem que ter agi<strong>do</strong> com <strong>do</strong>lo ou<br />

culpa na prática de atos próprios <strong>do</strong> serviço público, para que o titular <strong>do</strong> serviço<br />

responda em seu lugar. Caso não haja <strong>do</strong>lo ou culpa por parte <strong>do</strong> preposto o titular<br />

da serventia não irá responder pelo ato inexato, pois não haverá responsabilidade<br />

objetiva <strong>do</strong> <strong>notário</strong>. Nestes casos o Esta<strong>do</strong> responderá pelo ato inexato de forma<br />

objetiva, já que o dano teve origem em um ato de império no exercício da <strong>função</strong><br />

pública.<br />

Assim, como o titular <strong>do</strong> serviço notarial responde pessoalmente<br />

pelos atos pratica<strong>do</strong>s em seu ofício, por não ter o cartório personalidade jurídica,<br />

conclui-se que não se aplica, em regra, a esse serviço o instituto da sucessão, pois<br />

a responsabilidade é pessoal <strong>do</strong> titular e não <strong>do</strong> serviço notarial.<br />

Neste senti<strong>do</strong>, para ilustrar o tema, o julga<strong>do</strong> abaixo:<br />

PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL.<br />

AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA<br />

FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato não detém<br />

personalidade jurídica ou judiciária, sen<strong>do</strong> a responsabilidade<br />

pessoal <strong>do</strong> titular da serventia. No caso de dano decorrente de má<br />

61


prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época <strong>do</strong>s<br />

fatos e o Esta<strong>do</strong> possui legitimidade passiva. Recurso conheci<strong>do</strong> e<br />

provi<strong>do</strong> 41 .<br />

Apesar <strong>do</strong> exposto anteriormente definir de forma precisa a posição<br />

a respeito da inexistência da personalidade jurídica <strong>do</strong> serviço notarial, e por esse<br />

fato não poder estar no pólo passivo da demanda, existem divergências em torno<br />

<strong>do</strong>s julgamentos sobre o tema, conforme o julga<strong>do</strong> transcrito:<br />

Nesta Quarta Turma já assim foi decidi<strong>do</strong> sobre a legitimidade das<br />

pessoas formais: Desta forma, o réu estaria legitima<strong>do</strong> para<br />

demandar e ser demanda<strong>do</strong>, por defender um interesse próprio,<br />

sen<strong>do</strong> ele equipara<strong>do</strong> a uma das várias figuras denominadas<br />

“pessoas formais”, contempladas pela lei como titulares de<br />

personalidade judiciária, conquanto não-detentoras de personalidade<br />

jurídica, tais como a massa falida, o espólio, as heranças jacente e<br />

vacante e o con<strong>do</strong>mínio, sen<strong>do</strong> pertinente a lição de Thereza Alvim,<br />

em O Direito Proces<strong>sua</strong>l de Estar em Juízo (RT, 1996, n.º 1.7, pág.<br />

71), no senti<strong>do</strong> de não ser taxativo o rol elenca<strong>do</strong> no art. 12 <strong>do</strong><br />

Código de Processo Civil. (…) Assim, tenho que o cartório de notas<br />

pode figurar na relação proces<strong>sua</strong>l instaurada para a indenização<br />

pelo dano decorrente da alegada má prestação <strong>do</strong>s serviços<br />

notariais. Tanto ele está legitima<strong>do</strong>, como o tabelião, como o Esta<strong>do</strong>:<br />

“Nada impedia, ademais, que o lesa<strong>do</strong>, para a recomposição <strong>do</strong><br />

dano patrimonial causa<strong>do</strong> por quem atuava investi<strong>do</strong> de <strong>função</strong> de<br />

natureza pública, acionasse exclusivamente o Esta<strong>do</strong>, como, da<br />

mesma forma, poderia fazê-lo em relação ao responsável direto, ou a<br />

ambos, conjuntamente. Afinal, a norma constitucional que estabelece<br />

a responsabilidade objetiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, nitidamente posta para<br />

proteger os administra<strong>do</strong>s, não cria quaisquer restrições nesse<br />

campo da legitimação passiva (Celso Antônio Bandeira de Mello,<br />

Responsabilidade <strong>do</strong> Funcionário por Ação Direta <strong>do</strong> Lesa<strong>do</strong>, in RDP<br />

77/39)” (RE 175739-6/SP, 2ª Turma, rel. em. Ministro Marco Aurélio,<br />

DJ 26.02.99). Posto isso, conheço <strong>do</strong> recurso, pela divergência, e<br />

<strong>do</strong>u-lhe provimento, para afastar a preliminar de ilegitimidade<br />

acolhida pela egrégia Câmara. 42<br />

41 RE 545 613/MG (2003/0066629-2). Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julga<strong>do</strong> em 29/06/07.<br />

42 RE 476.532-RJ (2002/0079415-2). Min. Rel. Ruy Rosa<strong>do</strong> de Aguiar, julga<strong>do</strong> em 04/08/2003.<br />

62


Demonstra-se, pelo julga<strong>do</strong> acima, existir divergência sobre o tema,<br />

porém, pelo número expressivo de jurisprudências que corroboram o entendimento<br />

de inexistência de personalidade jurídica da serventia e de ser controverso o<br />

previsto no Código de Processo Civil, entende-se que o serviço de notas é<br />

desprovi<strong>do</strong> de personalidade jurídica e que o seu titular, a pessoa natural, responde<br />

por inexatidões ocorridas no exercício da atividade.<br />

Cumpre ressaltar que, ao abrir o precedente de admitir a<br />

personalidade jurídica para o cartório, modifica em <strong>sua</strong> essência a responsabilidade<br />

<strong>do</strong> titular no caso de sucessão <strong>do</strong> serviço, poden<strong>do</strong>, neste formato, o sucessor ser<br />

responsabiliza<strong>do</strong> por atos pratica<strong>do</strong>s antes de <strong>sua</strong> assunção. Ao se admitir a<br />

personalidade jurídica <strong>do</strong> serviço notarial, se inviabiliza o atual sistema de ingresso e<br />

remoção, pois desta forma, o novo titular assume a responsabilidade por um ato<br />

inexato que foi pratica<strong>do</strong> pelo antigo titular. Contu<strong>do</strong>, importante salientar, que há um<br />

número expressivo de julga<strong>do</strong>s reconhecen<strong>do</strong> a sucessão trabalhista nas Unidades<br />

de Serviço Notarial e Registral.<br />

3.3 Regime jurídico da atividade notarial<br />

Excetua<strong>do</strong>s dessa análise o regime jurídico <strong>do</strong>s serviços já<br />

oficializa<strong>do</strong>s até 5 de outubro de 1988, ressalva<strong>do</strong>s pelo disposto no art. 32 <strong>do</strong> ato<br />

das Disposições Transitórias.<br />

Dentro da realidade da Constituição Federal de 1988, há de se<br />

considerar, como é difícil delinear qual é a configuração orgânica e funcional <strong>do</strong><br />

<strong>notário</strong> e <strong>do</strong> oficial de registro, assim como o seu estatuto disciplinar.<br />

O texto constitucional dispõe em seu artigo 236, que os serviços<br />

notariais e registrais serão exerci<strong>do</strong>s em caráter priva<strong>do</strong>, nos estritos limites da lei,<br />

por delegação <strong>do</strong> Poder Público. A dúvida, porém ocorre, pois o texto ao abdicar de<br />

uma definição clara das atividades notarial e de registro, não trouxe luz às questões<br />

básicas, como, por exemplo, não talhar as <strong>sua</strong>s características, tanto as<br />

institucionais quanto as funcionais e não estabelecer qual o regime jurídico aplica<strong>do</strong>.<br />

63


O texto cria diversas correntes de interpretação das atribuições da<br />

atividade e carece desta forma, o exercício da <strong>função</strong>, de fundamentos básicos,<br />

estes tão necessários para a configuração da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, como a<br />

interpretação da expressão “caráter priva<strong>do</strong> por delegação <strong>do</strong> poder público”,<br />

constante no referi<strong>do</strong> artigo 236, da Constituição Federal, pois necessário saber até<br />

onde vai o serviço público e onde começa a gestão privada.<br />

Os serviços, notarial e de registro, pelo texto constitucional, se<br />

caracterizam como funções de soberania nacional, portanto, não por mera ficção,<br />

afirma-se que, no Brasil da Constituição de 1988, são verdadeiros serviços públicos<br />

e somente é delega<strong>do</strong> o seu exercício, manten<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> <strong>sua</strong> titularidade.<br />

Sempre que o serviço notarial ficar vago por morte, aposenta<strong>do</strong>ria<br />

ou perda da delegação haverá uma delegação originária <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para o novo<br />

particular habilita<strong>do</strong> em concurso público.<br />

Os fundamentos para se considerar a atividade notarial um serviço<br />

público são as seguintes: caso não fosse considera<strong>do</strong> um serviço público a<br />

Constituição Federal não faria menção em seu texto da necessidade de delegação,<br />

já que só há delegação de serviços públicos; trata-se de uma atividade jurídica e não<br />

meramente material, não poden<strong>do</strong> ser concedida à pessoas jurídicas como ocorre<br />

nas permissões e concessões e ainda não é atribuída ao particular por meio de<br />

contrato, mas por meio de delegação prevista na Magna Carta; o serviço notarial<br />

presta<strong>do</strong> não é remunera<strong>do</strong> por tarifa ou preço público, mas sim, por emolumentos,<br />

que tem natureza tributária de taxa e segun<strong>do</strong> disposição legal, somente pode ser<br />

cobrada pela prestação de um serviço público; a delegação é feita a habilita<strong>do</strong> em<br />

concurso público de provas e títulos e não em processo licitatório; e por fim a<br />

fiscalização <strong>do</strong> serviço notarial é feito pelo Poder Judiciário e não pelo Poder<br />

Executivo, como ocorre com os serviços que são concedi<strong>do</strong>s ou autoriza<strong>do</strong>s,<br />

restan<strong>do</strong> clara a natureza jurídica da atividade e a importância deste serviço<br />

presta<strong>do</strong> à sociedade.<br />

Importante destacar que existem diversos regimes jurídicos públicos<br />

estabeleci<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com as especificidades <strong>do</strong> serviço presta<strong>do</strong>.<br />

64


O primeiro regime jurídico é aquele aplica<strong>do</strong> aos serviços públicos<br />

que apenas o Poder Público, como exclusividade, poderá prestar como os de<br />

prestação da jurisdição, segurança pública, diplomacia, atividade legislativa, entre<br />

outros.<br />

Outro regime jurídico é aquele aplica<strong>do</strong> aos serviços públicos<br />

previstos no art. 175 da Constituição Federal e por esse regime os serviços podem<br />

ser presta<strong>do</strong>s diretamente pelo Poder Público ou podem ser objeto de delegação por<br />

meio de concessão, permissão ou autorização, sempre precedi<strong>do</strong> de licitação.<br />

Ainda há a possibilidade <strong>do</strong> serviço público ser presta<strong>do</strong> pelo Poder<br />

Público e pelo particular conjuntamente, necessitan<strong>do</strong> o particular de uma licença.<br />

Os exemplos mais comuns são os serviços de saúde e educação constante nos arts.<br />

199 e 209 da Constituição Federal.<br />

Por fim, o último regime jurídico é o <strong>do</strong>s serviços notariais, em que a<br />

Constituição Federal atribui a prestação da <strong>função</strong> pública diretamente pelo<br />

particular habilita<strong>do</strong> por meio de concurso público, não poden<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong><br />

desempenhar direta ou indiretamente essa atividade, nos termos <strong>do</strong> art. 236 da<br />

Constituição Federal.<br />

No entanto, não se pode fechar os olhos para situações<br />

excepcionais onde ocorre descumprimento <strong>do</strong> dispositivo constitucional para garantir<br />

o exercício <strong>do</strong> serviço notarial e de registro.<br />

Em algumas regiões <strong>do</strong> país onde não há condições econômicas e<br />

sociais para a instalação da serventia e não há meios de manter as atividades, seja<br />

por problemas logísticos ou de viabilidade econômica, o Poder Público nomeia<br />

funcionários públicos estaduais, como técnicos e analistas <strong>do</strong> Poder Judiciário para<br />

assumir as atividades, já que nenhum particular aprova<strong>do</strong> em concurso se<br />

interessaria em assumir uma serventia deficitária.<br />

Por ser a atividade notarial e de registro uma atividade de caráter<br />

<strong>social</strong>, há a necessidade da existência desses serviços, principalmente o registro<br />

civil das pessoas naturais e por essas razões existem casos até hoje, em que o<br />

65


<strong>notário</strong> e o oficial de registro são funcionários públicos estaduais e recebem<br />

vencimentos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e, também, os emolumentos devi<strong>do</strong>s pelo serviço<br />

extrajudicial presta<strong>do</strong>.<br />

Esta anomalia ocorre, por exemplo, no Esta<strong>do</strong> de Sergipe e<br />

atualmente ganhou um contorno mais grave, pois os funcionários públicos<br />

nomea<strong>do</strong>s para assumir os serviços extrajudiciais de cidades sem viabilidade<br />

econômica <strong>do</strong> serviço, depois de completa<strong>do</strong> o prazo para remoção se removem<br />

para cidades maiores, inclusive para a capital Aracaju, e continuam a ser titulares de<br />

cargos públicos, receben<strong>do</strong> os vencimentos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e os emolumentos <strong>do</strong>s<br />

particulares.<br />

A delegação à gestão privada de serviços intrínsecos à soberania<br />

política e à segurança jurídica é a forma mais eficiente <strong>do</strong> exercício da atividade<br />

notarial para o Esta<strong>do</strong>, pois possui um particular altamente qualifica<strong>do</strong> que gerencia<br />

a Unidade de Serviço e ainda responde pelos atos inexatos, de acor<strong>do</strong> com o artigo<br />

in verbis:<br />

Lei nº 8.935/94<br />

Art. 21 - O gerenciamento, administrativo e financeiro <strong>do</strong>s serviços<br />

notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva <strong>do</strong> respectivo<br />

titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio,<br />

investimento e pessoal, caben<strong>do</strong>-lhe estabelecer normas, condições<br />

e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de<br />

seus prepostos de mo<strong>do</strong> a obter a melhor qualidade na prestação<br />

<strong>do</strong>s serviços.<br />

O fato de que a atividade de notas e de registro é uma das vigas<br />

mestras da soberania nacional fez com que o modelo adequa<strong>do</strong> fosse a delegação<br />

<strong>do</strong> serviço público para um particular, pois o exercício da atividade é complexo, já<br />

que possui contornos de serviço público, contu<strong>do</strong>, deven<strong>do</strong> ser a serventia<br />

gerenciada como se fosse uma verdadeira empresa.<br />

66


O <strong>notário</strong> além de exercer diversas funções de caráter público,<br />

como a de fiscal de tributos, ainda precisa ter conhecimentos de administração de<br />

empresas para viabilizar economicamente a atividade, suportan<strong>do</strong> os prejuízos que<br />

eventualmente sofrer e responden<strong>do</strong> civilmente pelos atos inexatos próprios e de<br />

seus prepostos.<br />

Os <strong>notário</strong>s são representantes <strong>do</strong> poder público na categoria de<br />

agentes delega<strong>do</strong>s, isto é, pessoas incumbidas, definitivamente ou transitoriamente,<br />

<strong>do</strong> exercício de alguma <strong>função</strong> estatal, pois a competência ou atribuição <strong>do</strong> agente<br />

constitui a natureza da <strong>função</strong> estatal, uma vez, que não são funcionários públicos,<br />

não exercem cargos públicos e não recebem <strong>do</strong> poder público qualquer provento.<br />

Meirelles:<br />

Para reforçar o exposto, recorre-se aos ensinamentos de Hely Lopes<br />

São particulares que recebem a incumbência da execução de<br />

determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome<br />

próprio, por <strong>sua</strong> conta e risco, mas segun<strong>do</strong> as normas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e<br />

sob a permanente fiscalização <strong>do</strong> delegante. Esses agentes não são<br />

servi<strong>do</strong>res públicos, nem honoríficos, nem representantes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>;<br />

todavia, constituem uma categoria à parte de colabora<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

Poder Público. Nessa categoria encontram-se os concessionários e<br />

permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de<br />

ofícios ou cartórios não estatiza<strong>do</strong>s, os leiloeiros, os tradutores e<br />

intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação<br />

para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse<br />

coletivo 43 .<br />

Até pouco tempo atrás, o Supremo Tribunal Federal considerava os<br />

oficiais de registro e tabeliães funcionários públicos, porém este entendimento<br />

mu<strong>do</strong>u completamente com o julgamento da ADIn 2.602/MG, em que se firmou o<br />

entendimento de que aos tabeliães e aos oficiais de registro não se aplica a<br />

aposenta<strong>do</strong>ria compulsória, já que pela EC/1998 a regra <strong>do</strong> artigo 40 da<br />

Constituição Federal, que se referia apenas a servi<strong>do</strong>res públicos, passou a tratar de<br />

43 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 75.<br />

67


servi<strong>do</strong>res "titulares de cargos efetivos", não se enquadran<strong>do</strong> os oficiais de registro e<br />

tabeliães nesta nova exigência.<br />

A verdade é que se aplica à atividade notarial um regime jurídico<br />

misto, em face da existência de atos de império e atos de gestão e a aplicação <strong>do</strong><br />

regime jurídico de direito público aos atos que envolvam a fé pública e <strong>do</strong> regime<br />

jurídico de direito priva<strong>do</strong> a outros atos não encontra qualquer óbice, conviven<strong>do</strong><br />

pacificamente, pois são diversos os campos de atuação.<br />

Para confirmar a plena convivência <strong>do</strong> regime jurídico de direito<br />

priva<strong>do</strong> com a natureza de <strong>função</strong> pública, Luís Paulo Aliende Ribeiro afirma: “A<br />

gestão privada, isoladamente considerada, não permite, por este motivo, a<br />

caracterização da atividade notarial de registros como atividade econômica em<br />

senti<strong>do</strong> estrito, permanecen<strong>do</strong>, em face <strong>do</strong> parcial regime jurídico de direito público,<br />

<strong>sua</strong> natureza de serviço público” 44 .<br />

exercício da atividade de notas.<br />

Necessário fazer uma breve explanação sobre os atos pratica<strong>do</strong>s no<br />

Atos de gestão são aqueles em que o Esta<strong>do</strong> age como particular,<br />

em igualdade de forças com este. Na atividade notarial são os atos de<br />

gerenciamento administrativo, financeiro e de pessoal que estão elenca<strong>do</strong>s no art.<br />

21 da Lei Federal 8.935/94. É aplica<strong>do</strong> o regime jurídico de direito priva<strong>do</strong> a<br />

referi<strong>do</strong>s atos. Não haven<strong>do</strong> qualquer diferença de tratamento aos <strong>notário</strong>s. Como<br />

atos de gestão podemos citar a contratação de seus prepostos que será sob a égide<br />

da CLT e a contratação de serviços terceiriza<strong>do</strong>s, como limpeza, informática e<br />

telefonia.<br />

Atos de império são aqueles que possuem submissão obrigatória<br />

<strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>s, que a administração pratica usan<strong>do</strong> de <strong>sua</strong> supremacia. Assim,<br />

no tabelionato de notas, serão atos de império aqueles que o oficial é obriga<strong>do</strong> a<br />

praticar da forma determinada pela lei, sem qualquer possibilidade de<br />

discricionariedade, que estão intrinsecamente liga<strong>do</strong>s à busca <strong>do</strong> fim <strong>social</strong> pelo<br />

44 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da Função Pública Notarial e de Registro. São Paulo:<br />

Saraiva, 2009, p. 53-54.<br />

68


<strong>notário</strong>. Entre outros podemos destacar a atribuição da fé pública aos <strong>do</strong>cumentos, a<br />

publicidade oficial, a qualidade de autenticidade <strong>do</strong>s instrumentos e segurança<br />

jurídica das relações.<br />

Para o Esta<strong>do</strong> essa forma de exercício da atividade notarial por meio<br />

de delegação é vantajosa, pois possui um profissional prepara<strong>do</strong>, devidamente<br />

seleciona<strong>do</strong> em concurso público, que garante uma série de direitos para toda a<br />

sociedade, que responde civil, penal e administrativamente pelos seus atos de<br />

gestão e é remunera<strong>do</strong> pelas próprias partes mediante os emolumentos, não ten<strong>do</strong><br />

o Esta<strong>do</strong> que utilizar verbas públicas para garantir a prestação desse serviço<br />

essencial para toda a sociedade.<br />

4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ATIVIDADE NOTARIAL<br />

4.1 Fé Pública<br />

Atestar <strong>do</strong>cumentos ou elaborar atos jurídicos com fé pública teve a<br />

<strong>sua</strong> concepção no Império Romano. A fides pública, matéria de direito priva<strong>do</strong>,<br />

estava reservada, às autoridades que possuíam o ius actorum conficien<strong>do</strong>rum,<br />

considerada a faculdade de formar e autorizar expedientes, e os autos eram a acta<br />

ou gesta. Ao proceder desta forma estas pessoas podiam transferir ao Esta<strong>do</strong> a<br />

legalidade que a sociedade necessitava, poden<strong>do</strong> ser em julgamentos de posse ou<br />

69


outros atos em tribunais, pois somente quem tinha fé pública poderia produzir<br />

expediente a ser julga<strong>do</strong>, dito à época, pública monumenta.<br />

Segun<strong>do</strong> os dizeres de João Mendes de Almeida Júnior: “A idéia de<br />

fé tem como notas características a sinceridade de quem afirma e a adesão<br />

confiante <strong>do</strong> espírito de quem recebe a afirmação” 45 .<br />

Desde os primórdios da humanidade, condiciona-se a formação de<br />

uma sociedade à existência da fé, no início uma fé intimamente ligada à crença<br />

religiosa. Ocorre que oriunda dessa força religiosa, se estabelece o <strong>do</strong>gma, de que a<br />

fé e a crença religiosa vêm de uma mesma origem, tem um mesmo senti<strong>do</strong>, da<br />

necessidade intrínseca ao homem de crer. Como essa crença religiosa, ficou sujeita<br />

ao extremismo da verdade absoluta, se estabelece nos primórdios o mesmo<br />

princípio básico para a fé, a verdade absoluta.<br />

Quan<strong>do</strong> um ato de fé se reveste de verdade jurídica, protegida pelos<br />

ditames legais, denomina-se ato de fé pública e quan<strong>do</strong> se exerce essa verdade por<br />

indivíduos devidamente prepara<strong>do</strong>s para tal atividade, são denomina<strong>do</strong>s, atos<br />

elabora<strong>do</strong>s por indivíduos investi<strong>do</strong>s de fé pública, no presente trabalho, atos<br />

notariais e registrais.<br />

Para a sociedade foi sempre complexa a relação da verdade<br />

absoluta com o indivíduo encarrega<strong>do</strong> de exercê-la, sen<strong>do</strong> que esta atribuição vinha<br />

de um substabelecimento de poder, <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r, Rei, Igreja, Esta<strong>do</strong> moderno,<br />

enfim ela sempre foi fruto da necessidade de se elaborar as regras para convivência<br />

<strong>do</strong> homem, no que concerne aos seus direitos e obrigações.<br />

a <strong>do</strong>utrina de João Mendes:<br />

Desta forma foram cria<strong>do</strong>s órgãos revesti<strong>do</strong>s de fé pública, conforme<br />

Constituí<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> para assegurar e transmitir a verdade da<br />

existência de certos fatos e atos jurídicos, os órgãos da fé pública<br />

têm por <strong>função</strong> a “afirmativa geral”, e são incumbi<strong>do</strong>s de lavrar atos e<br />

contratos, de atestar a identidade das pessoas das letras e das<br />

45 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. V.<br />

70


assinaturas e firmas, de registrar títulos de direito, de conservar os<br />

respectivos formais, de autenticar atos proces<strong>sua</strong>is 46 .<br />

Para atender aos anseios da sociedade de estabilidade, certeza,<br />

autenticidade e indiscutibilidade das diversas formas de relações jurídicas a fé<br />

pública foi desmembrada em fé pública geral, especial, judicial, administrativa e<br />

extrajudicial, que é a inerente aos <strong>notário</strong>s e também aos cônsules, militares e<br />

outras autoridades.<br />

Nos tempos atuais, para o exercício da fé pública, o Esta<strong>do</strong> delega a<br />

<strong>função</strong> a um indivíduo devidamente credencia<strong>do</strong> por concurso público, o <strong>notário</strong> ou o<br />

oficial de registro, estes, porém, devem ser isentos de qualquer suspeição. Para<br />

compreender a linha de poder que esta designação contém, vale fazer breve<br />

parâmetro, de que esse poder da delegação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ao <strong>notário</strong> e ao oficial de<br />

registro advém <strong>do</strong> substabelecimento <strong>do</strong> poder que o povo investe o Esta<strong>do</strong> pelo<br />

voto, ressalva-se, porém, que o poder investi<strong>do</strong> ao Esta<strong>do</strong>, é oriun<strong>do</strong> de ato de<br />

confiança particular de cada indivíduo ao votar e o poder que Esta<strong>do</strong> reveste o<br />

<strong>notário</strong> e o oficial de registro é delega<strong>do</strong> após a avaliação de méritos.<br />

A fé pública garante a representação exata e correta da realidade e<br />

certeza ideológica e fornece evidência e força probante atribuída pelo ordenamento<br />

jurídico, que constitui subsídio aos juízes em casos de possíveis disputas, para um<br />

julgamento justo e assim transfere à sociedade a segurança necessária para<br />

promover o desenvolvimento de <strong>sua</strong>s atividades. Nesse senti<strong>do</strong> os dizeres de João<br />

Mendes de Almeida Júnior: “Os fins da <strong>sua</strong> organização são a segurança <strong>do</strong>s<br />

direitos individuais e a conservação <strong>do</strong>s interêsses da vida <strong>social</strong>, fins êsses que lhe<br />

dão, pela identificação com certos fins <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, o caráter público” 47 .<br />

A atividade notarial compreende uma gama imensa de atribuições,<br />

das quais se destaca a fé pública, crença da sociedade na verdade <strong>do</strong>s seus atos,<br />

desta forma, esta sociedade acredita no que se elabora no cartório, no que o<br />

tabelião de notas diz, que ganha valor jurídico e acarreta em severo regime de<br />

46 Ibidem, p. V.<br />

47 Ibidem, p. V.<br />

71


esponsabilização civil, administrativa e criminal, caso ocorra incorreção no exercício<br />

de <strong>sua</strong> <strong>função</strong>.<br />

Entretanto, entende-se que os efeitos da fé pública não são<br />

absolutos, são impostos limites, sen<strong>do</strong> assim, ela vem associada a uma série de<br />

cuida<strong>do</strong>s, proporcionais a importância que este efeito de fé pública pode gerar<br />

dentro da sociedade.<br />

A pessoa investida de fé pública está sujeita a controles<br />

devidamente estabeleci<strong>do</strong>s por lei específica, por órgãos específicos, que colocam a<br />

atividade dentro da rigidez jurídica necessária ao desenvolvimento harmônico da<br />

sociedade, sen<strong>do</strong>, porém, previstos erros que geram a responsabilidade civil, com<br />

punições definidas em lei.<br />

Assim, o <strong>notário</strong> é detentor da fé pública, sen<strong>do</strong> esta definida<br />

quan<strong>do</strong>, ele coloca seu sinal público em algum instrumento ou declara ser<br />

determina<strong>do</strong> ato pratica<strong>do</strong> absolutamente isento de inverdade, dúvida ou suspeita.<br />

Ao atribuir a uma pessoa, fé pública, figura como pressuposto que<br />

<strong>sua</strong>s ações contenham a certeza jurídica, contu<strong>do</strong> relativa, a fim de revestir de<br />

legalidade, autenticidade e estabilidade, to<strong>do</strong>s os seus atos, portanto e para tanto,<br />

condiciona-se que além de elaborar <strong>do</strong>cumentos que contenham a verdade, o<br />

tabelião deve observar a realidade jurídica, pois somente assim, tutela<strong>do</strong> pelo<br />

direito, é que serão fixa<strong>do</strong>s os parâmetros para produção <strong>do</strong>s efeitos da fé pública, o<br />

oficial atestan<strong>do</strong> a verdade protegida pelo direito.<br />

Neste senti<strong>do</strong> a <strong>do</strong>utrina de Afonso Celso F. Rezende:<br />

O valor jurídico e a certeza implicam que a fé pública pressupõe a<br />

correspondência da realidade, cuja firmeza é tutelada pelo Direito. A<br />

consistência desse efeito traduz-se na própria importância da <strong>função</strong><br />

exercida, esta, por <strong>sua</strong> vez, submetida a to<strong>do</strong>s os tipos de garantias<br />

e exigências, que necessariamente, derivam de normas jurídicas,<br />

incluin<strong>do</strong> severo regime de responsabilidades civis, penais e<br />

72


administrativas, caso ocorressem desvios, deslizes ou incorreções<br />

no seu exercício 48 .<br />

A <strong>função</strong> da fé pública é garantir que as relações patrimoniais e<br />

sociais da sociedade estejam revestidas da presunção de veracidade, ainda que<br />

relativa, de autenticidade e legitimidade necessárias para proteção <strong>do</strong>s direitos e<br />

prevenção de litígios.<br />

Corroboran<strong>do</strong> esse entendimento, Afonso Celso F. Rezende ensina:<br />

“O fundamento da existência da fé pública encontra-se na vida <strong>social</strong>, que requer<br />

estabilidade em <strong>sua</strong>s relações, para que venham alcançar a evidência e<br />

permanência legal” 49 .<br />

Este mecanismo de prevenção de litígios tem o poder de inibir<br />

demandas e retira <strong>do</strong> judiciário uma parcela considerável <strong>do</strong> trabalho de julgar estes<br />

possíveis litígios. Neste senti<strong>do</strong>, a atividade notarial exercida revestida <strong>do</strong>s efeitos<br />

da fé pública, pode ser classificada como uma espécie de justiça preventiva e com<br />

certeza constitui importante peça na construção de uma sociedade mais justa.<br />

A atividade de notas tem um papel importante na sociedade e no<br />

mun<strong>do</strong> jurídico, pois possibilita ao judiciário tomar decisões com base em<br />

instrumentos confecciona<strong>do</strong>s sob uma forma juridicamente correta, elabora<strong>do</strong>s por<br />

pessoas devidamente qualificadas e detentoras de fé pública.<br />

A <strong>função</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> está intimamente ligada com os efeitos da fé<br />

pública, pois não se concebe uma sem a outra, intrínsecos, o tabelião ao mesmo<br />

tempo em que elabora um <strong>do</strong>cumento, comprova o fato perante a sociedade,<br />

ampara<strong>do</strong> pelos efeitos da fé pública, reveste o <strong>do</strong>cumento com legalidade jurídica,<br />

dá proteção às transações, isto, dentro <strong>do</strong>s parâmetros que o merca<strong>do</strong> exige se<br />

expressa, portanto, a vontade das partes de forma válida, verdadeira e juridicamente<br />

correta, como dispõe o artigo in verbis:<br />

Lei nº 8.935/94<br />

48 REZENDE, Afonso Celso F.Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. Campinas, SP: Millennium,<br />

2006, p. 31.<br />

49 Ibidem, p. 30.<br />

73


Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registra<strong>do</strong>r, são<br />

profissionais <strong>do</strong> direito, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé pública, a quem é delega<strong>do</strong> o<br />

exercício da atividade notarial e de registro.<br />

Importante destacar que, para estabelecer e compreender na <strong>sua</strong><br />

forma mais precisa tão importante instrumento para certificar a titularidade da<br />

propriedade e para propiciar um tráfego imobiliário seguro, é necessário explicar<br />

que, quan<strong>do</strong> se refere à certificação da titularidade de propriedade é questão de fé<br />

pública de registro e quan<strong>do</strong> se refere à certificação das transações é questão de fé<br />

pública notarial.<br />

A quebra da fé pública, a prova de que um <strong>do</strong>cumento produzi<strong>do</strong> em<br />

cartório perdeu o efeito por erro ou má fé, tem um efeito devasta<strong>do</strong>r na crença da<br />

sociedade no sistema instaura<strong>do</strong> e é por este motivo que existem órgãos<br />

fiscaliza<strong>do</strong>res que atuam com extremo rigor em casos de deslize ou mesmo erros,<br />

como as correições ordinárias e extraordinárias feitas pelas Correge<strong>do</strong>rias<br />

Estaduais.<br />

A fé pública notarial é essencial para atestar a legalidade,<br />

autenticidade e legitimidade das transações, garantin<strong>do</strong> um tráfego imobiliário<br />

seguro e tem por princípio básico a confiança, pois, proporciona o grau de confiança<br />

necessário ao andamento <strong>do</strong> negócio, o seu amparo jurídico, a <strong>sua</strong> segurança<br />

jurídica, enfim, a situação de imutabilidade <strong>do</strong> fato quan<strong>do</strong> observadas todas as<br />

prescrições legais.<br />

Em primeira análise a fé notarial, fundamento basilar da atividade,<br />

segun<strong>do</strong> as leis e normas em vigor, tem por objetivo validar os atos pratica<strong>do</strong>s<br />

dentro das serventias de notas, buscan<strong>do</strong> a segurança jurídica esperada pela<br />

sociedade.<br />

O interessa<strong>do</strong> expõe ao <strong>notário</strong> a <strong>sua</strong> vontade e, mediante a<br />

orientação jurídica desse profissional, tem a convicção de que ela será preservada e<br />

terá o formato jurídico adequa<strong>do</strong>. Desta forma se produz os efeitos deseja<strong>do</strong>s<br />

perante a sociedade, que é obter a eficácia jurídica <strong>do</strong> ato. Conforme explica<br />

Leonar<strong>do</strong> Brandelli, “Por buscar a realização <strong>do</strong> melhor resulta<strong>do</strong> jurídico de acor<strong>do</strong><br />

74


com a vontade de ambas as partes envolvidas, constituin<strong>do</strong>-se numa espécie de<br />

magistra<strong>do</strong> extrajudicial” 50 .<br />

Ao consumar este grau de confiança, entre o <strong>notário</strong> e o<br />

interessa<strong>do</strong>, fica satisfeito na <strong>sua</strong> forma plena o exercício da fé pública notarial,<br />

desígnio próprio <strong>do</strong> <strong>notário</strong> latino, uma tradição <strong>do</strong> exercício da atividade notarial<br />

através <strong>do</strong>s tempos.<br />

4.2 Segurança Jurídica<br />

A segurança jurídica é um princípio supranormativo da <strong>função</strong><br />

notarial e registral imobiliária, sen<strong>do</strong> irrevogável pela lei, sob pena de desnaturar por<br />

completo o sistema.<br />

No tabelionato de notas a segurança jurídica é a garantia <strong>do</strong> cidadão<br />

de que <strong>sua</strong> declaração de vontade terá a forma jurídica adequada e gozará de<br />

certeza e estabilidade <strong>social</strong>, produzin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os efeitos espera<strong>do</strong>s. Cabe ao<br />

<strong>notário</strong> impedir a realização de qualquer ato que não esteja de acor<strong>do</strong> com as regras<br />

rígidas e formais <strong>do</strong> sistema notarial.<br />

A atividade notarial é uma das bases da soberania nacional e isto<br />

ocorre pelo fato de que tal atividade é, por <strong>sua</strong> essência e excelência, parte<br />

intrínseca da estabilidade <strong>social</strong>. A atividade exercida pelo tabelião de notas está<br />

ligada à garantia <strong>do</strong> direito à propriedade e o exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong>, por isso<br />

tem a clara missão de manter a ordem <strong>social</strong>, conferin<strong>do</strong> à atividade um vínculo<br />

sóli<strong>do</strong> com a segurança jurídica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e de seus cidadãos.<br />

Para um desenvolvimento sustentável, o sistema <strong>social</strong> insere como<br />

insumo básico a segurança jurídica, a qual gera a soberania política, por meio da<br />

qual se estabelecem regras claras para as relações econômicas. Pressuposto para<br />

tanto é a existência de instituições que garantem de forma eficiente a segurança das<br />

transações, pois é consagra<strong>do</strong>, de forma absoluta, que quanto maior for a segurança<br />

jurídica preventiva, maior será a possibilidade de crescimento econômico. Deste<br />

50 BRANDELLI, Leonar<strong>do</strong>. Teoria geral <strong>do</strong> direito notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, passim.<br />

75


mo<strong>do</strong>, conclui-se, que a atividade notarial está no centro desta relação, <strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />

com a segurança jurídica e estes estão diretamente liga<strong>do</strong>s ao crescimento<br />

econômico.<br />

O estu<strong>do</strong> da origem <strong>do</strong> desenvolvimento sustentável define um<br />

parâmetro de fundamental importância, ao compreender como a atividade <strong>do</strong>s<br />

tabeliães de notas está diretamente relacionada com nosso cotidiano. Realiza-se<br />

este estu<strong>do</strong> de forma básica, para se entender a precisa equação, mais capital no<br />

setor produtivo mais trabalho, a partir <strong>do</strong> que se elabora a seguinte relação, quanto<br />

maior for a segurança jurídica das transações, maior será o crescimento econômico,<br />

este, fundamento básico para o desenvolvimento sustentável.<br />

A definição básica das razões pelas quais o desenvolvimento<br />

acontece tem em <strong>sua</strong> concepção diversas origens, no entanto, pode-se afirmar, com<br />

certeza, que a qualidade das transações jurídicas e a <strong>sua</strong> adequada<br />

instrumentalização é um <strong>do</strong>s pilares de um desenvolvimento sustentável de grande<br />

confiabilidade.<br />

A atividade <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, investi<strong>do</strong> da fé pública, desenvolve-se dentro<br />

<strong>do</strong>s padrões técnicos e éticos estabeleci<strong>do</strong>s, contribui de forma significativa para dar<br />

segurança ao merca<strong>do</strong> e colabora sobremaneira para a circulação de riquezas,<br />

favorecen<strong>do</strong> o setor produtivo.<br />

O sistema notarial define as condições para garantir as transações<br />

comerciais, mediante os princípios que regem o exercício da atividade. O merca<strong>do</strong><br />

solicita uma assistência jurídica de qualidade e precisa obter as informações com a<br />

devida precisão e segurança.<br />

Com o objetivo de atenuar a inevitável desinformação, são<br />

necessários os esclarecimentos que atendam a essa exigência, que diminuam os<br />

custos que a incerteza jurídica coloca sobre a negociação, de forma a fomentar<br />

novos negócios, novas transações, mais circulação de riquezas.<br />

O <strong>notário</strong> tem a <strong>função</strong> de produzir segurança e certeza jurídica por<br />

meio de <strong>sua</strong> intervenção nas transações jurídicas produzin<strong>do</strong> nos dizeres de<br />

76


Leonar<strong>do</strong> Brandelli, “uma <strong>do</strong>cumentação especial, pública, privilegiada, aos atos e<br />

contratos, aos negócios jurídicos, dan<strong>do</strong>-lhes mais qualidade e tornan<strong>do</strong>-os mais<br />

críveis, o que traz forçosamente, vantagens e soluções óbvias” 51 .<br />

4.3 Dignidade da pessoa humana<br />

4.3.1Surgimento <strong>do</strong> Direito<br />

Para entender o conceito da dignidade da pessoa humana e<br />

estabelecer o seu fundamento, é necessária uma análise da origem das normas<br />

protetoras até <strong>sua</strong> consolidação no ordenamento jurídico da atualidade.<br />

O homem é indiscutivelmente um ser <strong>social</strong>, viven<strong>do</strong> em sociedade<br />

em constante interação com seus semelhantes por necessidade de sobrevivência.<br />

Inexiste o homem independente, pois ele precisa relacionar-se com outros homens<br />

para satisfazer seus interesses e necessidades.<br />

Somente viven<strong>do</strong> em sociedade, com o apoio de seus semelhantes,<br />

conseguiu o homem suprir <strong>sua</strong>s necessidades básicas. A caça em grupo era bem<br />

mais proveitosa <strong>do</strong> que a executada de forma individual; os animais carnívoros<br />

somente poderiam ser afugenta<strong>do</strong>s pela força e coordenação <strong>do</strong> grupo; e a<br />

perpetuação da espécie dependia <strong>do</strong> convívio <strong>social</strong> entre famílias diversas e da<br />

ocorrência de interesses comuns.<br />

A vida em sociedade, apesar de motivada por objetivos comuns <strong>do</strong><br />

grupo, é também caracterizada pela existência de conflitos de interesses individuais.<br />

Para que tais conflitos não resultassem na quebra da estrutura <strong>social</strong>, que levaria à<br />

extinção da sociedade e da própria espécie humana foi necessário disciplinar tais<br />

conflitos, com a criação de regras (direitos e deveres) impostas a to<strong>do</strong>s. É a origem<br />

<strong>do</strong> Direito.<br />

Em um primeiro momento, esses direitos eram garanti<strong>do</strong>s por um<br />

modelo vertical, fundamenta<strong>do</strong> na hierarquia, em que to<strong>do</strong>s respeitavam as regras<br />

51 Ibidem, p. 123.<br />

77


que eram ditadas pelo indivíduo mais forte, ou mais esperto, haven<strong>do</strong> uma relação<br />

entre <strong>do</strong>minantes e <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s.<br />

Esse modelo vertical perdurou durante muito tempo, somente<br />

perden<strong>do</strong> espaço para o modelo horizontal nos tempos modernos, em que as regras<br />

passaram a ser respeitadas em face da legitimação <strong>do</strong> governante.<br />

4.3.2Origem e dimensões <strong>do</strong>s direitos fundamentais<br />

No perío<strong>do</strong> em que estavam em curso as monarquias absolutas, o<br />

soberano ditava as regras, sem qualquer interferência, e cabia ao povo apenas se<br />

submeter às <strong>sua</strong>s vontades. Esse tipo de governo se sustentava em face da<br />

sistemática <strong>do</strong> modelo vertical de organização <strong>social</strong>, que dispõe que as regras são<br />

respeitadas por to<strong>do</strong>s devi<strong>do</strong> apenas ao poder de coação que o soberano exerce<br />

sobre seu povo e não pela legitimidade de <strong>sua</strong> <strong>função</strong>, fican<strong>do</strong> clara a hierarquia e a<br />

submissão <strong>do</strong>s mais fracos.<br />

Entretanto, em face das insatisfações <strong>do</strong> povo e até da nobreza<br />

latifundiária, que não tinham garanti<strong>do</strong>s os direitos essenciais à <strong>sua</strong> sobrevivência,<br />

teve início a falência da monarquia absoluta, ten<strong>do</strong> como ponto de partida o Reino<br />

Uni<strong>do</strong>.<br />

Depois de muita luta entre a monarquia absoluta e a nobreza<br />

latifundiária foi inaugura<strong>do</strong> um novo modelo de Esta<strong>do</strong>, que atendia aos anseios de<br />

liberdade da sociedade, o Esta<strong>do</strong> Liberal. A transição para o Esta<strong>do</strong> Liberal tem<br />

como marco histórico a Magna Carta de 1215, <strong>do</strong> Rei João, conheci<strong>do</strong> como “João<br />

Sem Terra”.<br />

Com o novo modelo de Esta<strong>do</strong> em curso, paulatinamente foram<br />

confecciona<strong>do</strong>s instrumentos que limitavam o poder <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, garantin<strong>do</strong> direitos<br />

fundamentais em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> em resposta a uma necessidade de toda sociedade<br />

de ver assegura<strong>do</strong>s os direitos necessários à <strong>sua</strong> sobrevivência. Dentre os principais<br />

instrumentos, podem ser cita<strong>do</strong>s o Petition of Rights, Habeas Corpus Act, Bill of<br />

78


Rights, 52 a primeira Constituição escrita limitativa <strong>do</strong> poder, Instrument of<br />

Government, a R<strong>evolução</strong> norte-americana e a R<strong>evolução</strong> Francesa.<br />

Os direitos fundamentais, que são aqueles essenciais para garantir<br />

a dignidade da pessoa humana, costumam ser classifica<strong>do</strong>s em gerações ou<br />

dimensões. A R<strong>evolução</strong> Francesa é vista como o mais importante acontecimento<br />

histórico contemporâneo e é, talvez, o marco histórico mais apropria<strong>do</strong> para ilustrar<br />

essa classificação. Inspirada pelos ideais iluministas de liberdade, igualdade e<br />

fraternidade, lemas da R<strong>evolução</strong> (Liberté, Egalité, Fraternité - frase de Jean-<br />

Jacques Rousseau) a R<strong>evolução</strong> Francesa inaugurou um novo paradigma <strong>do</strong>s<br />

direitos fundamentais, poden<strong>do</strong> ser considerada o marco que consoli<strong>do</strong>u a<br />

necessidade de se positivar to<strong>do</strong>s esses direitos e, a partir <strong>do</strong> qual, passou-se a falar<br />

em gerações ou dimensões de direitos humanos.<br />

A primeira dimensão <strong>do</strong>s direitos, que remonta à Antigüidade, está<br />

representada pelo primeiro ideal da R<strong>evolução</strong> Francesa, o da liberdade. Trata-se <strong>do</strong><br />

início da conscientização da importância <strong>do</strong> povo, em que o Esta<strong>do</strong> passou a<br />

garantir diversos direitos essenciais às necessidades primárias <strong>do</strong> homem, como<br />

<strong>sua</strong> própria vida, <strong>sua</strong> liberdade, <strong>sua</strong> integridade física e o direito à propriedade<br />

privada. Esta dimensão inicial abarcava os direitos civis e políticos, também<br />

denomina<strong>do</strong>s liberdades públicas e tem como característica marcante o<br />

individualismo <strong>do</strong>s direitos, que não são garanti<strong>do</strong>s por uma prestação positiva<br />

estatal, mas sim pela <strong>sua</strong> omissão, ou seja, os direitos de primeira dimensão eram<br />

<strong>do</strong>s indivíduos em face <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, que teria que se abster de praticar qualquer ato<br />

que ferisse esses direitos individuais. Era a proteção da pessoa humana em face<br />

das ingerências <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> contra a esfera jurídico-individual. 53<br />

Os ideais da R<strong>evolução</strong> Francesa se espalharam por muitos países,<br />

que positivaram em <strong>sua</strong>s Constituições os direitos fundamentais de primeira<br />

dimensão, inauguran<strong>do</strong> uma nova realidade política e <strong>social</strong>, surgin<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong><br />

Liberal.<br />

52 FERREIRA, Luís Paulo Pinto. Princípios gerais de direito constitucional moderno. São Paulo:<br />

Saraiva, 1983, p. 57.<br />

53 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1995, p. 517.<br />

79


Importante um breve relato sobre o significa<strong>do</strong> das expressões<br />

“direitos fundamentais” e “direitos humanos”, nas palavras de Ingo W. Sarlet:<br />

“Direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos <strong>do</strong> ser<br />

humano reconheci<strong>do</strong>s e positiva<strong>do</strong>s na esfera <strong>do</strong> direito<br />

constitucional positivo de determina<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, ao passo que a<br />

expressão “direitos humanos” guardaria relação com os <strong>do</strong>cumentos<br />

de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que<br />

se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de <strong>sua</strong><br />

vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto,<br />

aspiram à validade universal, para to<strong>do</strong>s os povos e tempos, de tal<br />

sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional<br />

(internacional) 54 .<br />

No Brasil, os direitos fundamentais de primeira dimensão foram<br />

incluí<strong>do</strong>s no artigo 127 da “Constituição Política <strong>do</strong> Império <strong>do</strong> Brazil”, de 25/3/1824,<br />

a primeira Carta Política <strong>do</strong> Brasil independente. In verbis:<br />

Art. 179. A inviolabilidade <strong>do</strong>s Direitos Civis, e Políticos <strong>do</strong>s Cidadãos<br />

Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a<br />

propriedade, é garantida pela Constituição <strong>do</strong> Império, pela maneira<br />

seguinte: (…)<br />

Com a previsão <strong>do</strong>s direitos fundamentais na Carta Magna o Brasil<br />

adere ao novo modelo de Esta<strong>do</strong>, defendi<strong>do</strong> em muitos países e considera<strong>do</strong> a<br />

solução para as mazelas da sociedade.<br />

O Esta<strong>do</strong> Liberal pregava o individualismo e, em um primeiro<br />

instante, isso foi fundamental para o desenvolvimento da economia e das<br />

sociedades. No entanto, esse liberalismo somente se sustentou <strong>do</strong> século XVII até<br />

início <strong>do</strong> século XX, quan<strong>do</strong> a omissão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, tão defendida outrora, foi<br />

identificada como a principal causa de diversos problemas sociais irreversíveis, que<br />

levariam a queda desse liberalismo desenfrea<strong>do</strong>.<br />

54 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia <strong>do</strong>s Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>,<br />

1998, p. 22.<br />

80


O liberalismo causou conflitos sociais, pois já não atendia às<br />

necessidades da sociedade que está sempre em constante <strong>evolução</strong>. As aspirações<br />

<strong>do</strong> povo não se restringiam apenas aos direitos individuais, precisan<strong>do</strong> ver<br />

garanti<strong>do</strong>s direitos outros que lhe garantissem melhores condições de vida.<br />

Surgem, então, os direitos de segunda dimensão ten<strong>do</strong> como<br />

fundamento a igualdade, o segun<strong>do</strong> ideal declara<strong>do</strong> pela R<strong>evolução</strong> Francesa.<br />

Nesta fase, surgem os direitos que necessitam de uma ação positiva <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. São<br />

os direitos sociais, que dão início ao Esta<strong>do</strong> Democrático e Social de Direito, que<br />

tem que agir de forma ativa para garantir que to<strong>do</strong> o povo tenha plenas condições de<br />

acessar esses direitos.<br />

As palavras de Cunha Jr. retratam o momento de transição <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> Liberal para o Esta<strong>do</strong> Democrático e Social de Direito:<br />

Toda essa transformação, portanto, ocorreu em virtude <strong>do</strong> fracasso<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> liberal, que não logrou concretizar materialmente as<br />

conquistas formais e abstratas da liberdade e, sobretu<strong>do</strong>, da<br />

igualdade. Com a ascensão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>social</strong>, surgem os direitos de<br />

segunda dimensão, caracteriza<strong>do</strong>s por outorgarem ao indivíduo<br />

direitos a prestações sociais estatais, como saúde, educação,<br />

trabalho, assistência <strong>social</strong>, entre outras, revelan<strong>do</strong> uma transição<br />

das liberdades formais abstratas, conquistadas pelo liberalismo, para<br />

as liberdades materiais concretas 55 .<br />

Diante das insatisfações sociais agravada por uma grande crise<br />

econômica em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, tem início a 2ª Grande Guerra Mundial, e nesse<br />

momento histórico surge a terceira dimensão de direitos fundamentais, que pode ser<br />

representada pelo terceiro ideal da R<strong>evolução</strong> Francesa, a fraternidade. Nessa<br />

dimensão enfatizam-se os direitos de fraternidade, solidariedade e desponta a<br />

importância <strong>do</strong>s direitos difusos. Essa idéia de solidarismo transcende o conceito de<br />

coletividade e os limites <strong>do</strong>s territórios <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s soberanos, pois está<br />

intimamente ligada à noção de cosmopolitismo, de sustentabilidade das<br />

55 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle judicial das omissões <strong>do</strong> poder público: em busca de uma<br />

<strong>do</strong>gmática constitucional transforma<strong>do</strong>ra à luz <strong>do</strong> direito fundamental à efetivação da Constituição.<br />

São Paulo: Saraiva, 2004, p. 204.<br />

81


comunidades internacionais independentemente de fronteiras físicas, políticas ou<br />

ideológicas.<br />

Nesse processo de internacionalização <strong>do</strong>s direitos humanos, houve<br />

a criação da ONU - Organização das Nações Unidas, em 1945, e, a partir de então,<br />

diversos assuntos receberam tratamento especial mediante a criação de organismos<br />

específicos, como o direito <strong>do</strong> trabalho com a criação da Organização Internacional<br />

<strong>do</strong> Trabalho (OIT), o direito à saúde com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o<br />

direito à educação com a Organização Educacional Científica e Cultural das Nações<br />

Unidas (Unesco), o direito à alimentação com a Organização de Comida e<br />

Agricultura (FAO), dentre vários outros.<br />

CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS<br />

PREÂMBULO<br />

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a<br />

preservar as gerações vin<strong>do</strong>uras <strong>do</strong> flagelo da guerra,que por duas<br />

vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à<br />

humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais <strong>do</strong> homem,<br />

na dignidade e no valor <strong>do</strong> ser humano, na igualdade de direito <strong>do</strong>s<br />

homens e das mulheres, assim como das nações grandes e<br />

pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o<br />

respeito às obrigações decorrentes de trata<strong>do</strong>s e de outras fontes <strong>do</strong><br />

direito internacional possam ser manti<strong>do</strong>s, e a promover o progresso<br />

<strong>social</strong> e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.<br />

E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os<br />

outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a<br />

paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de<br />

princípios e a instituição <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s, que a força armada não será<br />

usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo<br />

internacional para promover o progresso econômico e <strong>social</strong> de<br />

to<strong>do</strong>s os povos. 56<br />

56 Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26/6/1945, após o<br />

término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entran<strong>do</strong> em vigor a<br />

24 de outubro daquele mesmo ano.<br />

82


Assinada em 1948, a Declaração Universal <strong>do</strong>s Direitos Humanos é<br />

um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos básicos das Nações Unidas que enumera os direitos<br />

fundamentais a serem segui<strong>do</strong>s por todas as Nações <strong>do</strong> planeta.<br />

Vários <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res defendem a existência de outras dimensões,<br />

como Paulo Otero e Ricar<strong>do</strong> Dip, que sustentam que os direitos fundamentais<br />

podem ser classifica<strong>do</strong>s até a sétima dimensão.<br />

Ricar<strong>do</strong> Dip enfatiza que a utilização <strong>do</strong> termo “geração” em vez de<br />

“dimensão” é equivocada, pois traz a idéia de sucessão de uma geração pela outra,<br />

o que não é verdadeiro. Cada uma dessas fases representa uma nova forma de<br />

interpretar e valorar a dignidade da pessoa humana, positivan<strong>do</strong> novos direitos para<br />

garanti-la de forma plena nos termos em que ela é compreendida numa determinada<br />

época.<br />

W. Sarlet:<br />

Para complementar esse entendimento, valiosas as palavras de Ingo<br />

A teoria dimensional <strong>do</strong>s direitos fundamentais não aponta, tão<br />

somente, para o caráter cumulativo <strong>do</strong> processo evolutivo e para a<br />

natureza complementar de to<strong>do</strong>s os direitos fundamentais, mas<br />

afirma, para além disso, <strong>sua</strong> unidade e indivisibilidade no contexto <strong>do</strong><br />

direito constitucional interno e, de mo<strong>do</strong> especial, na esfera <strong>do</strong><br />

moderno “Direito Internacional <strong>do</strong>s Direitos Humanos” 57 .<br />

Não se pode falar em sobreposição de direitos humanos de<br />

diferentes épocas. Não há substituição de direitos, há apenas complementação com<br />

uma convivência harmônica entre to<strong>do</strong>s os direitos fundamentais para a existência<br />

humana.<br />

Os direitos fundamentais nada mais são <strong>do</strong> que resulta<strong>do</strong> da<br />

<strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong> da humanidade. Possuem um início e estão em constante<br />

<strong>evolução</strong>. Eles nasceram com a r<strong>evolução</strong> burguesa e com o passar <strong>do</strong> tempo vem<br />

57 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:<br />

Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2001, p. 199.<br />

83


agregan<strong>do</strong> valores e cada vez mais o rol <strong>do</strong>s direitos fundamentais vem amplian<strong>do</strong><br />

para suprir as necessidades sociais.<br />

Júnior:<br />

Corroboran<strong>do</strong> esse entendimento, as palavras de Dirley da Cunha<br />

Que eles não são apenas resulta<strong>do</strong> de “um” acontecimento histórico<br />

determina<strong>do</strong>, mas sim, de to<strong>do</strong> um processo de afirmação que<br />

envolve antecedentes, <strong>evolução</strong>, reconhecimento,<br />

constitucionalização e até universalização. Os direitos fundamentais<br />

são históricos na medida em que emergem progressivamente das<br />

lutas que o homem trava por <strong>sua</strong> própria emancipação 58 .<br />

Com fatos históricos como revoluções e guerras há quebra de<br />

paradigmas e a instalação de uma nova realidade política, econômica e <strong>social</strong>,<br />

deven<strong>do</strong> nesse contexto ser compatibiliza<strong>do</strong> os primeiros direitos fundamentais que<br />

surgiram com os novos direitos que irão surgir, frutos da <strong>evolução</strong> <strong>social</strong>.<br />

4.3.3Conceito e positivação da dignidade da pessoa humana<br />

Em que pese a dignidade da pessoa humana ser fundamento para<br />

inúmeras construções jurídicas, justifican<strong>do</strong> a aplicação da lei a casos concretos, ela<br />

não é uma ficção jurídica e tem <strong>sua</strong>s raízes na própria criação <strong>do</strong> homem.<br />

A existência da dignidade está ligada à própria existência <strong>do</strong> ser<br />

humano. Sempre existiu a dignidade humana, porém vista sob diversos prismas<br />

dita<strong>do</strong>s pelo momento histórico.<br />

Na antiguidade clássica a dignidade <strong>do</strong> homem estava ligada à<br />

posição <strong>social</strong> que ele ocupava na sociedade. Com a propagação <strong>do</strong> pensamento<br />

judaico-cristão o conceito de dignidade da pessoa humana ganhou novo contorno e<br />

58 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle judicial das omissões <strong>do</strong> poder público: em busca de uma<br />

<strong>do</strong>gmática constitucional transforma<strong>do</strong>ra à luz <strong>do</strong> direito fundamental à efetivação da Constituição.<br />

São Paulo: Saraiva, 2004, p. 142.<br />

84


passou a ser entendi<strong>do</strong> como um atributo intrínseco a to<strong>do</strong> ser humano<br />

independente de <strong>sua</strong> condição <strong>social</strong>.<br />

Na Idade Média filósofos como São Tomás de Aquino lançaram as<br />

sementes <strong>do</strong> conceito moderno de dignidade da pessoa humana, liga<strong>do</strong> à<br />

valorização <strong>do</strong> indivíduo. Com a Renascença o homem foi coloca<strong>do</strong> no centro <strong>do</strong><br />

universo e esse perío<strong>do</strong> foi campo fértil para a <strong>evolução</strong> <strong>do</strong> conceito de dignidade da<br />

pessoa humana, independente de raça, religião ou civilização.<br />

O jusnaturalismo contribuiu sobremaneira para a formação <strong>do</strong><br />

conceito moderno de dignidade da pessoa humana, pois essa escola jurídica<br />

defendia a idéia de que os direitos <strong>do</strong>s indivíduos são naturais, isto é, inerentes a<br />

eles somente em virtude de <strong>sua</strong> condição humana.<br />

Nessa esteira, contribuição importante foi dada por Immanuel Kant<br />

que construiu a fundamentação filosófica a respeito da dignidade da pessoa humana<br />

transportan<strong>do</strong> a moral popular para o campo da metafísica <strong>do</strong>s costumes,<br />

estabelecen<strong>do</strong> um princípio a ser segui<strong>do</strong>, uma lei moral que se traduz na afirmação<br />

<strong>do</strong> referi<strong>do</strong> autor “Age como se a máxima da tua ação se devesse tomar, pela tua<br />

vontade, em lei universal da natureza 59”.<br />

Kant defendia que o ser humano seria uma existência em si mesma,<br />

que possui um fim em si mesmo, estan<strong>do</strong> acima de qualquer circunstância e desta<br />

forma, é porta<strong>do</strong>r de dignidade, um tributo inerente a to<strong>do</strong> ser humano.<br />

A dignidade humana é um direito fundamental intangível que<br />

antecede a criação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. É um princípio supranormativo que tem caráter<br />

absoluto, pois não pode ser restringi<strong>do</strong> pelo legisla<strong>do</strong>r e, diante da colisão com<br />

outros princípios, “seu peso ou importância”, segun<strong>do</strong> Ronald Dworkin 60 , tende a ser<br />

maior, deven<strong>do</strong> o caso concreto ser analisa<strong>do</strong> com a devida cautela.<br />

59 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica <strong>do</strong>s costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1990, p.<br />

130.<br />

60 O termo é de DWORKIN, Apud SANTOS, Fernan<strong>do</strong> Ferreira <strong>do</strong>s. Princípio constitucional da<br />

dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 44.<br />

85


Ingo Wolfgang Sarlet conceituou juridicamente a dignidade da<br />

pessoa humana da seguinte forma:<br />

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e<br />

distintiva de cada ser humano que o faz merece<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mesmo<br />

respeito e consideração por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da comunidade,<br />

implican<strong>do</strong>, neste senti<strong>do</strong>, um complexo de direitos e deveres<br />

fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra to<strong>do</strong> e qualquer<br />

ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir<br />

as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de<br />

propiciar e promover <strong>sua</strong> participação ativa co-responsável nos<br />

destinos da própria existência e da vida em comunhão <strong>do</strong>s demais<br />

seres humanos 61.<br />

Com a <strong>evolução</strong> da sociedade, surgem novas aspirações, interesses<br />

e necessidades, que vão sen<strong>do</strong> valora<strong>do</strong>s pela própria sociedade (<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>s, que<br />

sentem a necessidade) e pelos governantes (<strong>do</strong>minantes, que decidem pelo sim ou<br />

pelo não). Dessa valoração, despontam alguns interesses que, paulatinamente, são<br />

inseri<strong>do</strong>s no ordenamento jurídico como direitos fundamentais. Trata-se <strong>do</strong><br />

fenômeno da dinamogênese, que reflete diretamente no conceito de dignidade da<br />

pessoa humana, que passa a ser dinâmico, evolutivo, adapta<strong>do</strong> aos usos e<br />

costumes de uma determinada época e de um determina<strong>do</strong> povo.<br />

Portanto, para assegurar o respeito à dignidade humana na Idade<br />

Média, bastava o Esta<strong>do</strong> não matar, não aprisionar e não molestar o seu povo, além<br />

de não lhe confiscar os bens de <strong>sua</strong> propriedade. Tais direitos eram dirigi<strong>do</strong>s apenas<br />

aos cidadãos de seu território ou a apenas uma determinada classe de cidadãos,<br />

além de estarem subordina<strong>do</strong>s ao exato cumprimento das rígidas regras de<br />

submissão ao soberano.<br />

Após o iluminismo, o liberalismo e a r<strong>evolução</strong> industrial, surgem os<br />

direitos sociais como necessários para garantir um mínimo de dignidade ao ser<br />

humano. Trata-se de uma nova dimensão <strong>do</strong> conceito de dignidade da pessoa<br />

humana, pois abarca tanto os direitos de liberdade (civis e políticos, da 1ª<br />

61 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:<br />

Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2001, p. 60.<br />

86


dimensão), como também os direitos de igualdade, que carecem de ações efetivas<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para gerar empregos, moradia, alimentação, saúde, lazer.<br />

O dinamismo dessa <strong>evolução</strong> <strong>social</strong> é constante, não ocorre apenas<br />

em um determina<strong>do</strong> momento histórico, mas a <strong>evolução</strong> jurídico-legislativa<br />

normalmente ocorre apenas diante de um acontecimento de grande vulto. As<br />

aspirações, os ideais, as vontades e necessidades vão surgin<strong>do</strong> dia-a-dia. Algumas<br />

são ignoradas pelo Esta<strong>do</strong> e aban<strong>do</strong>nadas pela sociedade (devi<strong>do</strong> à <strong>sua</strong> pouca<br />

importância), enquanto outras são fortemente enraizadas no anseio popular e<br />

passam a ser objeto de constantes reivindicações em face <strong>do</strong> poder <strong>do</strong>minante.<br />

Esse confronto de aspirações entre <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> e <strong>do</strong>minante pode<br />

gerar diferentes situações, dependen<strong>do</strong> de vários fatores, como o grau de<br />

submissão <strong>do</strong> povo, a qualidade <strong>do</strong>s governantes, o teor das reivindicações, o<br />

sistema democrático (ou ditatorial) existente e o cenário político interno e externo.<br />

Devi<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s esses complica<strong>do</strong>res, as evoluções legislativas no<br />

tocante ao respeito da dignidade da pessoa humana têm ocorri<strong>do</strong> de forma pontual,<br />

geran<strong>do</strong> reflexos em to<strong>do</strong> o planeta após acontecimentos históricos de valores<br />

incontestáveis, como a R<strong>evolução</strong> Francesa e as duas Grandes Guerras Mundiais.<br />

Foi diante <strong>do</strong> grande impacto causa<strong>do</strong> pela 2ª Grande Guerra<br />

Mundial nos campos econômico e <strong>social</strong> de to<strong>do</strong> o Mun<strong>do</strong>, que as constituições de<br />

vários Esta<strong>do</strong>s passaram a positivar outro lote de aspirações <strong>do</strong> ser humano,<br />

aspirações agora voltadas para a solidariedade, ao mun<strong>do</strong> sem fronteiras, à paz <strong>do</strong><br />

ser humano independentemente de <strong>sua</strong> origem, raça, religião, sexo, cor, grau de<br />

instrução ou idade. Assim, a dignidade da pessoa humana continua dependente <strong>do</strong><br />

respeito de <strong>sua</strong> liberdade (direitos civis e políticos - 1ª dimensão) e da garantia de<br />

igualdade (direitos sociais - 2ª dimensão), mas, de acor<strong>do</strong> com as atuais aspirações<br />

já positivadas, a dignidade da pessoa humana somente é plenamente garantida pela<br />

inclusão, aos demais direitos já consagra<strong>do</strong>s, da garantia da fraternidade (direitos de<br />

solidariedade - 3ª dimensão), que engloba o respeito aos direitos difusos, à<br />

exploração <strong>do</strong> meio ambiente de forma sustentável e uma incessante busca da paz<br />

mundial.<br />

87


Portanto, o termo “dimensão” mostra-se mais apropria<strong>do</strong> <strong>do</strong> que<br />

“geração” para denominar cada uma dessas fases <strong>histórica</strong>s <strong>do</strong>s direitos<br />

fundamentais, pois todas elas, desde o início mais remoto, tiveram por objetivo tão-<br />

somente estabelecer um mínimo de garantias para preservar a dignidade da pessoa<br />

indispensável para a existência humana, como sustenta Rousseau:<br />

Renunciar à própria liberdade é o mesmo que renunciar à qualidade<br />

de homem, aos direitos da Humanidade, inclusive aos seus deveres.<br />

Não há nenhuma compensação possível para quem quer que<br />

renuncie a tu<strong>do</strong>. Tal renúncia é incompatível com a natureza humana,<br />

e é arrebatar toda moralidade a <strong>sua</strong>s ações, bem como subtrair toda<br />

liberdade à <strong>sua</strong> vontade. Enfim, não passa de vã e contraditória<br />

convenção estipular, de um la<strong>do</strong>, uma autoridade absoluta, e, de<br />

outro, uma obediência sem limites. 62<br />

Hodiernamente, as declarações de direitos internacionais e as<br />

constituições de diversos países com conteú<strong>do</strong> substancial sobre os direitos e<br />

garantias fundamentais, asseguram a dignidade da pessoa humana e a manutenção<br />

da vida em sociedade, sen<strong>do</strong> esta conquista um importante avanço da civilização,<br />

conforme os dizeres de Norberto Bobbio: “Todas as declarações recentes <strong>do</strong>s<br />

direitos <strong>do</strong> homem compreendem, além <strong>do</strong>s direitos individuais tradicionais, que<br />

consistem em liberdades, também os chama<strong>do</strong>s direitos sociais, que consistem em<br />

poderes” 63 .<br />

A Constituição de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana ao<br />

mais alto patamar <strong>do</strong>s direitos fundamentais, pois traz tal princípio de forma<br />

expressa no artigo 1º, in verbis:<br />

Art. 1º - A República Federativa <strong>do</strong> Brasil, formada pela união<br />

indissolúvel <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s e Municípios e <strong>do</strong> Distrito Federal, constitui-<br />

se em Esta<strong>do</strong> Democrático de Direito e tem como fundamentos:<br />

I - a soberania;<br />

II - a cidadania;<br />

62 ROSSEAU, Jean-Jacques. O contrato <strong>social</strong>. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 132.<br />

63 BOBBIO, Norberto. A era <strong>do</strong>s direitos. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1992, p. 21.<br />

88


III - a dignidade da pessoa humana;<br />

IV - os valores sociais <strong>do</strong> trabalho e da livre iniciativa;<br />

V - o pluralismo político.<br />

Parágrafo único. To<strong>do</strong> o poder emana <strong>do</strong> povo, que o exerce por<br />

meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta<br />

Constituição.<br />

Os direitos fundamentais que dão suporte a esse princípio<br />

supranormativo estão relaciona<strong>do</strong>s em várias passagens da Constituição Federal,<br />

destacan<strong>do</strong>-se o artigo 3º (objetivos fundamentais), o artigo 5º (direitos e garantias<br />

fundamentais), os artigos 6º e 7º (direitos sociais) e o artigo 14 (direitos políticos).<br />

Além <strong>do</strong>s direitos e garantias expressos na Lei Maior, outros direitos<br />

serão eleva<strong>do</strong>s a “status” constitucional, nos termos <strong>do</strong> §2º <strong>do</strong> artigo 5º, reconhecida<br />

como “cláusula de abertura”, in verbis:<br />

Artigo 5º<br />

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não<br />

excluem outros decorrentes <strong>do</strong> regime e <strong>do</strong>s princípios por ela<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, ou <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s internacionais em que a República<br />

Federativa <strong>do</strong> Brasil seja parte.<br />

To<strong>do</strong>s os direitos individuais dessa espécie, que compõem o<br />

conceito de dignidade da pessoa humana, não podem ser expurga<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

ordenamento jurídico, por se tratar de cláusula pétrea, conforme desejo expresso <strong>do</strong><br />

constituinte originário, in verbis:<br />

Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta<br />

(…)<br />

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda<br />

tendente a abolir:<br />

I - a forma federativa de Esta<strong>do</strong>;<br />

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;<br />

III - a separação <strong>do</strong>s Poderes;<br />

89


IV - os direitos e garantias individuais.<br />

A formalização escrita <strong>do</strong>s direitos fundamentais não garante a<br />

concretização da dignidade humana, contu<strong>do</strong>, essa formalização demonstra a<br />

finalidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de garantir esse direito fundamental e fornece à sociedade a<br />

segurança de que a pessoa humana não poderá ter <strong>sua</strong> dignidade violada de forma<br />

lícita.<br />

Apesar das abalizadas críticas quanto à extensão e quanto ao<br />

conteú<strong>do</strong> da Constituição Brasileira, ela se apresenta como uma das mais completas<br />

cartas políticas <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> no tocante à positivação <strong>do</strong>s direitos e garantias inerentes<br />

à dignidade da pessoa humana. Cabe, agora, torná-los uma realidade no cotidiano<br />

<strong>do</strong> povo brasileiro.<br />

90


5. FUNÇÃO SOCIAL<br />

5.1 Significa<strong>do</strong> da expressão “<strong>função</strong> <strong>social</strong>”<br />

Para melhor compreensão <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da expressão “<strong>função</strong> <strong>social</strong>”<br />

necessária uma breve passagem pela etimologia das palavras <strong>função</strong> e <strong>social</strong>.<br />

O vocábulo <strong>função</strong> tem <strong>sua</strong> origem no latim. A palavra functio é<br />

derivada <strong>do</strong> verbo fungor o qual significa exercer uma <strong>função</strong>, cumprir uma missão,<br />

desempenhar um dever ou tarefa, tornar algo funcional. Estabeleci<strong>do</strong> um primeiro<br />

conceito de <strong>função</strong>, segue-se na análise, e a definição mais adequada para a<br />

atividade notarial é de natureza sociojurídica dada por Sílvio de Mace<strong>do</strong>, “conjunto<br />

de atividades e papéis exerci<strong>do</strong>s por indivíduos ou grupos sociais, no senti<strong>do</strong> de<br />

atender necessidades específicas” 64 .<br />

Função não é atuar para alcançar os objetivos próprios, não é<br />

desempenhar uma atividade apenas em seu benefício, é atuar a serviço de algo que<br />

transcende a própria pessoa, para fazer funcionar um sistema que depende da<br />

atuação de cada um visan<strong>do</strong> o interesse coletivo.<br />

64 MACEDO, Sílvio de. Função, in Enciclopédia Saraiva <strong>do</strong> Direito. São Paulo: Saraiva, 1979, p.<br />

480-483.<br />

91


Já a palavra <strong>social</strong>, está ligada à idéia de sociável, de sociedade.<br />

Tu<strong>do</strong> que está liga<strong>do</strong> à palavra <strong>social</strong> tem caráter coletivo, sen<strong>do</strong> que o coletivo nada<br />

mais é <strong>do</strong> que o conjunto de interesses individuais. Social é aquilo que transcende a<br />

esfera individual, é tu<strong>do</strong> que atende às necessidades de várias pessoas, é a<br />

harmonização <strong>do</strong> interesse individual com o interesse coletivo.<br />

Josserand:<br />

Nos dizeres de Cláudio Luiz Bueno de Go<strong>do</strong>y, citan<strong>do</strong> Louis<br />

As prerrogativas, mesmo as mais individuais e as mais egoísticas,<br />

são ainda produtos sociais, seja na forma, seja no fun<strong>do</strong>: seria<br />

inconcebível que elas pudessem, ao gra<strong>do</strong> de seus titulares, se livrar<br />

da marca característica original e ser empregada para todas as<br />

necessidades, mesmo fossem elas inconciliáveis com <strong>sua</strong> filiação e<br />

com os interesses os mais urgentes, os mais certos, da comunidade<br />

que as concedeu 65 .<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a expressão “<strong>função</strong> <strong>social</strong>” poderia ser traduzida no<br />

exercício <strong>do</strong> dever de tornar algo funcional para satisfazer o interesse <strong>social</strong>. O<br />

exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> não é uma faculdade, mas sim, um dever imposto a to<strong>do</strong>s,<br />

de forma a garantir uma convivência harmônica em sociedade para que ela seja<br />

sustentável ao longo <strong>do</strong>s anos.<br />

5.2 Natureza jurídica da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />

Questão controvertida na <strong>do</strong>utrina é a natureza jurídica da<br />

expressão “<strong>função</strong> <strong>social</strong>”. Alguns autores entendem ser um princípio, outros<br />

acreditam ter natureza jurídica de diretriz, ou cláusula geral e há ainda quem<br />

defenda ser uma idéia-princípio.<br />

65 JOSSERAND, Louis. (apud GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social <strong>do</strong> Contrato. São<br />

Paulo: Saraiva, 2007, p. 115). De l’ espirit dês droits et de leur relativité, Paris: Dalloz, 1939, p. 320.<br />

Versão original <strong>do</strong> texto: “(...) lês prérrogatives, même lês plus individuelles et les plus égoistes,<br />

sont encore dês produits sociaux, soit dans la forme, soit dans le fond: Il serait inconcevable<br />

qu’elles pussent, au gré de leurs titulaires, s’affranchir de l’empreinte originalle et être employées à<br />

toutes besognes, fussent-elles inconciliables avec leur filiation et avec lês intérêts lês plus<br />

pressents, lês plus certains, de La communauté qui lês a concedées”<br />

92


Aprofundan<strong>do</strong> na análise da natureza jurídica da expressão “<strong>função</strong><br />

<strong>social</strong>” cabe fazer uma breve passagem no campo <strong>do</strong>s princípios.<br />

Princípios jurídicos são diretrizes dispostas em lei, positivadas, com<br />

forma normativa e com <strong>função</strong> interpretativa, integrativa e nortea<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> sistema<br />

jurídico. Já os princípios gerais <strong>do</strong> direito não são normas, não estão positiva<strong>do</strong>s,<br />

são proposições descritivas e atuam de forma a apontar a tendência <strong>do</strong> Direito, que<br />

é uma ciência em constante <strong>evolução</strong>. Os princípios gerais <strong>do</strong> direito são fixa<strong>do</strong>s<br />

pela <strong>do</strong>utrina de mo<strong>do</strong> a adequar o sistema às necessidades sociais.<br />

Porém, os princípios gerais <strong>do</strong> direito podem vir positiva<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong><br />

formula<strong>do</strong>s pela jurisprudência e o fato de um princípio estar ou não positiva<strong>do</strong> não<br />

interfere na <strong>sua</strong> eficácia. Um princípio expresso não é mais importante que um<br />

princípio implícito.<br />

To<strong>do</strong>s os princípios, implícitos ou explícitos, têm a <strong>função</strong> de<br />

enunciar valores fundamentais para o ordenamento jurídico, pois são o início, a base<br />

<strong>do</strong> sistema, o fundamento para confecção de outras normas. Eles têm uma mesma<br />

<strong>função</strong> que é de dar unidade ao sistema. Desta forma, as normas <strong>do</strong> sistema jurídico<br />

serão ordenadas de acor<strong>do</strong> com as diretrizes ditadas pelos princípios.<br />

A <strong>função</strong> <strong>social</strong> que sempre esteve implicitamente presente em<br />

nosso ordenamento jurídico, atualmente, além de continuar gozan<strong>do</strong> da posição de<br />

um princípio geral <strong>do</strong> direito, está prevista expressamente em nosso Código Civil,<br />

influencia<strong>do</strong> pela Constituição Federal.<br />

Na seara da <strong>função</strong> <strong>social</strong> uma importante definição de princípio foi<br />

dada por Luís Roberto Barroso 66 ao afirmar que os princípios são “coman<strong>do</strong>s de<br />

otimização” ao contrário das regras jurídicas positivadas que são “coman<strong>do</strong>s de<br />

definição”.<br />

Desta forma, pode-se concluir que o princípio da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />

determina uma nova leitura das normas dispostas em nossa legislação, que foram<br />

<strong>do</strong>tadas de otimização por esse princípio, mas não mais no âmbito individual, e sim,<br />

66 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 358.<br />

93


no âmbito coletivo, em prol <strong>do</strong> interesse <strong>social</strong> acarretan<strong>do</strong> uma relativização <strong>do</strong><br />

individualismo.<br />

Leon Duguit entende que o caráter individualista <strong>do</strong>s direitos deve<br />

ser substituí<strong>do</strong> pela idéia de <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s direitos. Ele sustenta que o sistema<br />

individualista é precário, pois o direito subjetivo nada mais é, <strong>do</strong> que um poder de<br />

querer algo, de impor aos outros indivíduos <strong>sua</strong> vontade, contu<strong>do</strong>, no momento em<br />

que to<strong>do</strong>s exercem esse poder de querer é difícil identificar qual vontade deve<br />

prevalecer, geran<strong>do</strong> conflitos. Consideran<strong>do</strong> que os indivíduos exercem uma <strong>função</strong><br />

<strong>social</strong>, não há mais um poder, mas sim, um dever de exercício de <strong>sua</strong><br />

individualidade física, intelectual e moral da maneira mais vantajosa para toda a<br />

sociedade, assim, evitan<strong>do</strong> conflitos sociais. 67.<br />

5.3 Evolução <strong>histórica</strong> da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />

A origem da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s institutos <strong>do</strong> direito não pode ser<br />

estabelecida com precisão. Muitos sustentam que o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />

estaria inicialmente liga<strong>do</strong> ao conceito filosófico de felicidade que seria alcançada<br />

pela convivência <strong>do</strong>s indivíduos em uma sociedade harmônica, com atuação direta<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> garantin<strong>do</strong> os direitos fundamentais <strong>do</strong> homem, prevenin<strong>do</strong> e dirimin<strong>do</strong><br />

conflitos com o fim de alcançar justiça e paz <strong>social</strong>. Este sentimento de felicidade,<br />

que justificaria o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> é denomina<strong>do</strong> sentimento eudaimonista<br />

teleológico.<br />

Partin<strong>do</strong> para um plano mais concreto pode-se afirmar que a <strong>função</strong><br />

<strong>social</strong> foi traçada no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> jusnaturalismo e <strong>do</strong> cristianismo.<br />

O cristianismo teve grande influência na delimitação <strong>do</strong> conceito de<br />

<strong>função</strong> <strong>social</strong>, inicialmente ligada ao conceito de produtividade da propriedade<br />

privada, pautada na <strong>do</strong>utrina de São Tomás de Aquino que sustentava que a<br />

propriedade pertencia a to<strong>do</strong>s e somente provisoriamente poderia haver apreensão<br />

individual. A propriedade era vista pelo catolicismo como um bem de produção, que<br />

67 DUGUIT, Leon. Las transformaciones del derecho (público y priva<strong>do</strong>). Trad. De A<strong>do</strong>lfo G. Posada e<br />

Carlos G. Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975, p. 175.<br />

94


tinha como <strong>função</strong> proporcionar o bem-estar comum. Estava clara a idéia de<br />

relativização <strong>do</strong> interesse individual em prol <strong>do</strong> interesse coletivo, vislumbran<strong>do</strong> a<br />

<strong>função</strong> <strong>social</strong> desse instituto.<br />

Com o jusnaturalismo foi trazida a idéia de equidade, de justiça<br />

supranormativa. Entendia-se que a propriedade era um instrumento de justiça divina,<br />

deven<strong>do</strong> ser utilizada para a realização da justiça <strong>social</strong>.<br />

Essas concepções filosófico-cristãs foram vencidas com a<br />

R<strong>evolução</strong> Francesa que pregava a liberdade <strong>social</strong> e política e considerava a<br />

propriedade um direito absoluto, irrestrito e incondicional aniquilan<strong>do</strong> desta forma, o<br />

modelo feudal de propriedade existente.<br />

Contu<strong>do</strong>, o modelo de Esta<strong>do</strong> Liberal introduzi<strong>do</strong> pela R<strong>evolução</strong><br />

Francesa teve <strong>sua</strong> decadência com o advento das duas Guerras Mundiais e com a<br />

criação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático e Social de Direito.<br />

O novo modelo de Esta<strong>do</strong> mais intervencionista nas relações<br />

privadas, prove<strong>do</strong>r <strong>do</strong> equilíbrio entre a esfera particular e coletiva e garanti<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />

direitos fundamentais, reavivou o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s institutos de direito.<br />

Atualmente no Brasil pode-se identificar a presença da <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />

em toda legislação, e em especial, nas normas constitucionais que tratam <strong>do</strong>s<br />

direitos fundamentais, assim como nos mecanismos cria<strong>do</strong>s para alcançar e<br />

assegurar esses direitos que são peças essenciais para a consolidação de um<br />

Esta<strong>do</strong> Democrático e Social de Direito.<br />

A <strong>função</strong> <strong>social</strong>, como já se viu, não é criação <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r<br />

moderno, entretanto está mais presente em nosso ordenamento jurídico, devi<strong>do</strong> às<br />

necessidades decorrentes da <strong>evolução</strong> <strong>social</strong>. Fatores sociais determinaram a<br />

necessidade da aplicação da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s institutos, para preservar os direitos<br />

fundamentais que estavam sen<strong>do</strong> viola<strong>do</strong>s, principalmente pela política de<br />

liberalismo econômico e de não-intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nas relações particulares.<br />

Com o aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> modelo de Esta<strong>do</strong> Liberal e a a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong><br />

modelo de Esta<strong>do</strong> Social a “Constituição Cidadã” de 1988, confirmou a quebra de<br />

95


paradigmas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e traçou um novo rumo a ser segui<strong>do</strong> e descreveu um novo<br />

modelo de Esta<strong>do</strong>, mais condizente com a realidade <strong>social</strong> vivida.<br />

Com a atual disposição constitucional foi estabelecida uma política<br />

de “despatrimonialização” <strong>do</strong>s direitos e cria<strong>do</strong>s mecanismos de solidarismo e<br />

valorização da pessoa. Foram previstos inúmeros deveres extrapatrimonias nas<br />

relações privadas de forma a assegurar os direitos fundamentais.<br />

Na moderna visão <strong>do</strong> Direito, a <strong>função</strong> <strong>social</strong> é um instituto de<br />

inestimável importância. Diversos direitos ganharam nova roupagem com a<br />

aplicação da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong>s institutos e pode-se dizer que ela é uma espécie de<br />

lente, através da qual, pode-se verificar uma nova dimensão <strong>do</strong>s direitos.<br />

5.4 Função <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong><br />

A <strong>função</strong> <strong>social</strong> é um fim a ser busca<strong>do</strong> nos institutos jurídicos para<br />

satisfazer os anseios de toda sociedade. Esses institutos não são mais vistos sob a<br />

ótica <strong>do</strong> interesse individual, mas sob a ótica <strong>do</strong> interesse coletivo, para atender a<br />

necessidade de sociabilidade imposta pela <strong>função</strong> ordena<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> direito.<br />

O atual exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> está vincula<strong>do</strong> à funcionalização<br />

<strong>do</strong>s direitos subjetivos, garantin<strong>do</strong> real efetividade e concretizan<strong>do</strong> os fins busca<strong>do</strong>s<br />

pelo legisla<strong>do</strong>r.<br />

O exercício <strong>do</strong>s direitos não pode ser efetua<strong>do</strong> de forma egoísta,<br />

atenden<strong>do</strong> apenas o desejo de seu titular. Segun<strong>do</strong> a sistemática da <strong>função</strong> <strong>social</strong>,<br />

to<strong>do</strong> exercício de um direito tem que ter um motivo justifica<strong>do</strong> e não ferir o interesse<br />

coletivo, pois caso contrário, estaria haven<strong>do</strong> abuso de direito, que é considera<strong>do</strong><br />

ato ilícito e está sujeito a indenização.<br />

Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da<br />

pessoa humana foi eleva<strong>do</strong> a fundamento da República Federativa <strong>do</strong> Brasil e deste<br />

mo<strong>do</strong>, to<strong>do</strong> exercício de um direito tem que cumprir <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> e garantir a<br />

96


dignidade humana, que é alcançada no momento em que os direitos têm efetividade<br />

e contribuem para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.<br />

O antigo entendimento de que apenas o Esta<strong>do</strong> deveria assegurar<br />

os direitos fundamentais, cedeu lugar a essa nova visão, cujo caráter mais volta<strong>do</strong><br />

ao solidarismo, influencia<strong>do</strong> pelos direitos fundamentais de terceira dimensão, leva à<br />

conclusão de que toda e qualquer pessoa deve respeitar e privilegiar a <strong>função</strong> <strong>social</strong><br />

de cada atividade, de cada instituto, de cada direito. Além disso, muitas atividades<br />

delegadas à iniciativa privada têm por escopo prestações positivas de cunho <strong>social</strong>,<br />

que remetem principalmente aos direitos fundamentais de segunda dimensão.<br />

A atividade notarial, devi<strong>do</strong> à peculiaridade de <strong>sua</strong>s funções<br />

específicas, encontra-se entre as atividades que têm grande responsabilidade na<br />

manutenção da paz <strong>social</strong>, contribuin<strong>do</strong> sobremaneira para que os direitos<br />

fundamentais sejam respeita<strong>do</strong>s.<br />

Desde o surgimento da atividade notarial os <strong>notário</strong>s sempre<br />

exerceram uma <strong>função</strong> <strong>social</strong>, já que tutelam administrativamente os interesses<br />

priva<strong>do</strong>s, formalizan<strong>do</strong> juridicamente a vontade das partes e garantin<strong>do</strong> a<br />

autenticidade, eficácia, publicidade e segurança jurídica <strong>do</strong>s atos pratica<strong>do</strong>s.<br />

Para que a atividade notarial possa ser exercida com eficiência, o<br />

legisla<strong>do</strong>r previu características técnicas, das quais se destaca a fé pública que é a<br />

qualidade de presunção legal de verdade, autenticidade ou legitimidade <strong>do</strong> que é<br />

produzi<strong>do</strong> no serviço notarial. Desta forma, o <strong>notário</strong> é depositário da fé pública “juris<br />

tantum”, que é inerente à <strong>função</strong> exercida, sen<strong>do</strong> exteriorizada quan<strong>do</strong> coloca seu<br />

sinal ou declara que determina<strong>do</strong> ato jurídico foi pratica<strong>do</strong> pelas partes com isenção<br />

de fraude, dúvida ou suspeita.<br />

A <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> brasileiro é uma característica<br />

identifica<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> <strong>notário</strong> <strong>do</strong> tipo latino.<br />

De acor<strong>do</strong> com os ensinamentos de João Teo<strong>do</strong>ro da Silva:<br />

O notaria<strong>do</strong> genuíno, identifica<strong>do</strong> como notaria<strong>do</strong> de tipo latino,<br />

firmou prestígio como instituição que se destina a garantir<br />

97


publicidade, autenticidade, segurança e eficácia <strong>do</strong>s atos jurídicos,<br />

que congrega profissionais <strong>do</strong> direito <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de fé pública para o<br />

exercício de <strong>função</strong> pública concernente à tutela administrativa de<br />

interesses priva<strong>do</strong>s, quais sejam os estabelecíveis ou declaráveis<br />

sem controvérsia judicial 68 .<br />

Cumpre ressaltar, que a atividade notarial nem sempre foi exercida<br />

com a efetividade, imparcialidade e transparência que se observa nos dias atuais.<br />

Na Idade Média, época <strong>do</strong> feudalismo, prevaleceu a nomeação de <strong>notário</strong>s por<br />

critérios políticos, o que levou à nomeação de pessoas despreparadas para o<br />

cumprimento das funções, dan<strong>do</strong> início à degradação da atividade, cuja<br />

recomposição ocorreu apenas no Século XIII, na Universidade de Bolonha, na Itália.<br />

O atual <strong>notário</strong> brasileiro é um profissional <strong>do</strong> Direito, muito mais<br />

prepara<strong>do</strong> para o desempenho de <strong>sua</strong> importante missão. A exigência de concurso<br />

público, realiza<strong>do</strong> pelo Poder Judiciário e atualmente, principalmente após o início<br />

da fiscalização externa pelo Conselho Nacional de Justiça, tem seleciona<strong>do</strong><br />

excelentes profissionais, com vasto conhecimento jurídico para o bom desempenho<br />

da <strong>função</strong>. Outro fator essencial é o reconhecimento de uma maior autonomia <strong>do</strong>s<br />

<strong>notário</strong>s para o exercício da atividade, fato este, que proporciona melhores<br />

condições para fiscalizar e intervir nos atos em que se verifica a existência de<br />

tentativa de fraude ou qualquer outro vício que possa macular a qualidade <strong>do</strong><br />

negócio jurídico para o qual é chama<strong>do</strong> a instrumentalizar.<br />

Desta forma, o <strong>notário</strong> possui o respal<strong>do</strong> legal para o exercício da<br />

atividade notarial asseguran<strong>do</strong> os direitos fundamentais <strong>do</strong> homem, em especial a<br />

dignidade da pessoa humana e com a nova roupagem <strong>do</strong>s direitos imposta pela<br />

nova ordem constitucional a <strong>função</strong> <strong>social</strong> inerente à atividade notarial foi<br />

potencializada e deverá ser observada por to<strong>do</strong>s os profissionais dessa área.<br />

Para o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> o <strong>notário</strong> deve além de cumprir o<br />

que está descrito em lei, dan<strong>do</strong> efetividade ao princípio da legalidade, enxergar o<br />

68 SILVA, João Teo<strong>do</strong>ro da. Função notarial da atualidade: importância e forma de atuação <strong>do</strong> <strong>notário</strong>.<br />

Instituto de Educação Continuada da Pontificia Universidade Católica <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais.<br />

Belo Horizonte: 2004, p. 2.<br />

98


aspecto teleológico da norma e atender aos fins econômicos e sociais das relações<br />

jurídicas, buscan<strong>do</strong> sempre garantir os direitos fundamentais.<br />

Ao receber os interessa<strong>do</strong>s para formalização de um negócio<br />

jurídico, compete ao <strong>notário</strong>, inicialmente, as seguintes atribuições:<br />

pelos particulares;<br />

g) ouvir das partes qual negócio jurídico pretendem realizar;<br />

h) analisar to<strong>do</strong>s os elementos intrínsecos e extrínsecos leva<strong>do</strong>s<br />

i) identificar a real vontade das partes;<br />

j) atentar se algum deles não está consciente das conseqüências<br />

<strong>do</strong> ato que pretende realizar;<br />

k) dar seu parecer jurídico sobre o ato que se pretende concretizar.<br />

Sen<strong>do</strong> o negócio jurídico lícito, não haven<strong>do</strong> vício aparente e<br />

cumpridas todas as exigências legais, compete ao tabelião instrumentalizar o ato<br />

pela forma mais condizente com o sistema jurídico-normativo. No entanto,<br />

identifican<strong>do</strong> qualquer vício, seja <strong>do</strong> consentimento de uma das partes ou quanto à<br />

ilicitude <strong>do</strong> que se pretende obter, compete ao tabelião intervir, de forma imparcial e<br />

em nome da lei, para indicar às partes a maneira correta de se proceder ou, diante<br />

da recusa das partes ou de <strong>sua</strong> impossibilidade, negan<strong>do</strong>-se a utilizar o seu sinal<br />

<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de fé pública estatal para acobertar negócios irregulares.<br />

Essa <strong>função</strong> interventora <strong>do</strong> <strong>notário</strong> se justifica e não pode ser<br />

confundida como “atividade policial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”, pois isso é feito no exclusivo<br />

interesse das partes, com base na justiça contratual. Em face da nova teoria<br />

contratual, os negócios jurídicos ganharam uma nova dimensão, deven<strong>do</strong> ser<br />

assegurada na relação contratual a autonomia da vontade, que precisa ser exercida<br />

de forma racional, para garantir que o hipossuficiente possa expressar <strong>sua</strong> vontade.<br />

A <strong>função</strong> notarial também é uma atividade acautelatória de litígios,<br />

pois o <strong>notário</strong> atua preventivamente na busca da tutela <strong>do</strong>s direitos subjetivos <strong>do</strong>s<br />

particulares, evitan<strong>do</strong> futuros conflitos que acabam em longas contendas judiciais.<br />

99


A <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> transcende o âmbito das partes<br />

envolvidas na relação jurídica e ele tem como atividade precípua garantir a<br />

funcionalização <strong>do</strong>s institutos <strong>do</strong> direito.<br />

5.4.1Responsabilidade <strong>social</strong><br />

Com as transformações sócio-econômicas e culturais ocorridas nos<br />

últimos 20 anos, nasceu um novo conceito de atuação <strong>do</strong>s profissionais de todas as<br />

áreas, e não podia ser diferente com os profissionais da área notarial e registral.<br />

Trata-se da responsabilidade <strong>social</strong>, que pode ser colocada em<br />

prática na comunidade em que o <strong>notário</strong> exerce seu mister.<br />

Os <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res por terem uma participação expressiva<br />

na vida da sociedade também possuem uma grande responsabilidade <strong>social</strong>, tanto<br />

em cidades grandes como nas pequenas cidades.<br />

Em que pese o conceito mais antigo de responsabilidade <strong>social</strong><br />

estar liga<strong>do</strong> à transparência <strong>do</strong>s atos pratica<strong>do</strong>s em uma empresa ou na serventia<br />

notarial e de registro, atualmente o conceito de responsabilidade <strong>social</strong> está bem<br />

mais amplia<strong>do</strong>.<br />

Contu<strong>do</strong>, não se deve confundir responsabilidade <strong>social</strong> com<br />

filantropia, já que na primeira não se busca apenas um bem estar desinteressa<strong>do</strong>,<br />

pois, procura-se conciliar a realização de medidas para garantir o bem estar da<br />

sociedade com a otimização da atividade exercida. É o exercício <strong>do</strong> bem geran<strong>do</strong><br />

frutos para a própria atividade.<br />

A responsabilidade <strong>social</strong> é o exercício de uma atividade da maneira<br />

mais transparente possível, garantin<strong>do</strong> o amplo acesso das pessoas ao conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

acervo da serventia, sempre atuan<strong>do</strong> em conjunto com outras instituições, firman<strong>do</strong><br />

parcerias para beneficiar toda a população e também para otimizar o serviço,<br />

tornan<strong>do</strong>-o acessível à to<strong>do</strong>s, como é o caso das parcerias firmadas para<br />

implantação da Infraestrutura de Chaves Públicas nos cartórios.<br />

100


O exercício da atividade com responsabilidade <strong>social</strong> tem caráter<br />

distributivo, pois seus efeitos serão propaga<strong>do</strong>s por toda sociedade e não ficam<br />

restritos apenas a quem foi beneficia<strong>do</strong> com o exercício dessa responsabilidade<br />

<strong>social</strong>.<br />

A finalidade da responsabilidade <strong>social</strong> é o desenvolvimento<br />

sustentável de toda a sociedade, seja no setor <strong>social</strong>, econômico e ambiental,<br />

garantin<strong>do</strong> que não ocorra a escassez <strong>do</strong>s recursos.<br />

O exercício na prática da responsabilidade <strong>social</strong> pelo <strong>notário</strong> ou<br />

registra<strong>do</strong>r deverá ser feito de maneira a não desrespeitar as previsões legais sobre<br />

a atividade e também não poden<strong>do</strong> modificar a natureza jurídica de serviço público<br />

presta<strong>do</strong> por particular.<br />

O primeiro ponto a ser analisa<strong>do</strong> é a instrução e a profissionalização<br />

<strong>do</strong>s funcionários da serventia. Por serem contrata<strong>do</strong>s pelo regime da CLT, o <strong>notário</strong><br />

e o registra<strong>do</strong>r tem grande mobilidade para criar mecanismos de incentivo ao estu<strong>do</strong><br />

e à profissionalização, como a concessão de bolsas escolares, realização de<br />

convênios com instituições de ensino para obtenção de descontos para os<br />

funcionários das Unidades de Serviço Notarial e Registral.<br />

O <strong>notário</strong> ou registra<strong>do</strong>r pode ainda, para fomentar o estu<strong>do</strong>, fazer<br />

em <strong>sua</strong> serventia uma biblioteca para que to<strong>do</strong>s os funcionários possam ter acesso<br />

a livros, inclusive os mais carentes, que provavelmente não teriam condições de<br />

comprar livros sem prejuízo de seu próprio sustento.<br />

Comprometimento <strong>do</strong> titular da serventia em discorrer sobre<br />

assuntos controverti<strong>do</strong>s ou complexos com seus funcionários e também com os<br />

usuários <strong>do</strong> serviço para aclarar essas questões.<br />

Com essas medidas o <strong>notário</strong> e o registra<strong>do</strong>r, além de contribuir para<br />

o crescimento pessoal e profissional de seus funcionários, proporcionan<strong>do</strong> uma<br />

inclusão <strong>social</strong>, também torna o trabalho realiza<strong>do</strong> na serventia mais eficiente.<br />

Outra conduta que o <strong>notário</strong> e o registra<strong>do</strong>r podem ter é a<br />

organização de mutirões com os funcionários da serventia para a realização de<br />

101


ações sociais ou ainda ambientais, da prefeitura ou outro órgão, promoven<strong>do</strong> além<br />

<strong>do</strong> bem para a sociedade, uma maior interação entre os funcionários.<br />

Sempre que o <strong>notário</strong> ou registra<strong>do</strong>r no exercício de <strong>sua</strong> <strong>função</strong><br />

vislumbrar violação de direitos, ainda que alheia ao seu campo de atuação deverá<br />

ter uma postura ativa e informar as autoridades competentes para serem tomadas<br />

as medidas cabíveis. Em especial deverá levar informações para o membro <strong>do</strong><br />

Ministério Público que é o fiscal da lei, para que ingresse com Ação Civil Pública,<br />

quan<strong>do</strong> necessário.<br />

Para ajudar na preservação <strong>do</strong> meio ambiente o <strong>notário</strong> ou<br />

registra<strong>do</strong>r poderá prestar orientação para toda a sociedade sobre a legislação<br />

ambiental, por meio de palestras ou até mesmo individualmente para quem tenha<br />

alguma dúvida. Poderá contribuir ainda, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> uma política de economia de<br />

papel e também um sistema de reciclagem <strong>do</strong> papel utiliza<strong>do</strong> nos ofícios.<br />

O incentivo ao estu<strong>do</strong>, profissionalização e realização de projetos<br />

sociais e ambientais contribui sobremaneira para o crescimento pessoal e com uma<br />

satisfação interior to<strong>do</strong>s exercem seu mister de forma mais prazerosa, melhoran<strong>do</strong> a<br />

qualidade de vida de to<strong>do</strong>s.<br />

Os <strong>notário</strong>s e registra<strong>do</strong>res são profissionais que atuam de forma<br />

decisiva na vida das pessoas, deste mo<strong>do</strong>, uma atuação ética em todas as<br />

atividades praticadas na serventia viabiliza uma boa interação <strong>do</strong>s titulares <strong>do</strong>s<br />

ofícios notariais e registrais com os seus funcionários, com o Esta<strong>do</strong>, com o meio<br />

ambiente, com os usuários <strong>do</strong> serviço e de uma forma geral, com toda a<br />

comunidade. A responsabilidade <strong>social</strong> exercida em prol da sociedade é<br />

recompensada pela confiança depositada nesses profissionais.<br />

Não há uma limitação fixa para a responsabilidade <strong>social</strong>, já que as<br />

necessidades sociais são ditadas pela <strong>evolução</strong> humana. A responsabilidade <strong>social</strong><br />

transcende o conceito de postura legal da serventia, que cumpre corretamente os<br />

dispositivos legais, que paga corretamente to<strong>do</strong>s os impostos, transcende o conceito<br />

de filantropia ou apoio à comunidade.<br />

102


Muito se discute acerca da amplitude da responsabilidade <strong>social</strong> das<br />

serventias notariais e de registro, mas atualmente ela deve ser exercida por to<strong>do</strong>s,<br />

pessoas físicas ou jurídicas, presta<strong>do</strong>ras de serviços públicos ou priva<strong>do</strong>s, desde<br />

que respeita<strong>do</strong>s as disposições legais sobre a atividade, pois vai além <strong>do</strong> âmbito<br />

econômico, ultrapassa fronteiras e atualmente é uma necessidade de sobrevivência<br />

da população.<br />

Com o novo modelo de Esta<strong>do</strong> surgiu um processo de <strong>evolução</strong><br />

<strong>social</strong> fundada no solidarismo, na fraternidade, de forma que to<strong>do</strong>s garantem o<br />

desenvolvimento sustentável da sociedade. Esse processo está em fase avançada<br />

em muitos países e em outros está apenas começan<strong>do</strong>, mas aos poucos está<br />

propagan<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.<br />

O que se espera <strong>do</strong>s registra<strong>do</strong>res e <strong>notário</strong>s é uma nova postura,<br />

fundada em valores éticos contribuin<strong>do</strong> para a construção de uma sociedade justa,<br />

onde to<strong>do</strong>s tenham seus direitos garanti<strong>do</strong>s e não apenas teoricamente. A postura<br />

esperada deve ser ativa de verdadeiro compromisso <strong>social</strong>, buscan<strong>do</strong> solucionar<br />

necessidades públicas que já não são mais um problema apenas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

103


CONCLUSÃO<br />

Com o presente trabalho procurou-se demonstrar de forma clara os<br />

verdadeiros contornos da atividade notarial, mostran<strong>do</strong> seus principais aspectos<br />

através de uma análise detalhada e seguin<strong>do</strong> a cronologia da <strong>evolução</strong> <strong>histórica</strong><br />

desta atividade.<br />

Inicialmente, foi identifica<strong>do</strong> seu surgimento nas sociedades da<br />

antiguidade, em face das necessidades sociais. Foram destacadas <strong>sua</strong>s principais<br />

características, tão diferentes da atual realidade e de forma cronológica foram<br />

estudadas as mudanças ocorridas na atividade notarial, que moldaram o <strong>notário</strong> <strong>do</strong>s<br />

dias atuais.<br />

Em que pese às profundas mudanças ocorridas na atividade notarial<br />

e na figura <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, importante destacar <strong>sua</strong> imensurável contribuição para toda a<br />

humanidade. No início <strong>do</strong>s tempos uma contribuição de cunho histórico, em face de<br />

<strong>sua</strong> <strong>função</strong> de historia<strong>do</strong>r, relatan<strong>do</strong> importantes fatos e perpetuan<strong>do</strong>-os, permitin<strong>do</strong><br />

dessa forma, que se pudesse entender melhor a história de um povo. Por algum<br />

tempo essa classe foi desprestigiada por funcionar como um instrumento de<br />

satisfação de interesses políticos e pessoais, atuan<strong>do</strong> de forma parcial, atenden<strong>do</strong> a<br />

interesses escusos, maculan<strong>do</strong> a <strong>sua</strong> imagem. E atualmente está ganhan<strong>do</strong><br />

prestígio novamente, com a implantação da seleção <strong>do</strong>s <strong>notário</strong>s por concurso,<br />

conforme reza nossa Constituição Federal.<br />

Os <strong>notário</strong>s atuais são profissionais muito bem prepara<strong>do</strong>s<br />

juridicamente e conscientes de seu papel diante da comunidade. Seu ofício não<br />

deve ater-se mais à letra da lei, deve se moldar à sociedade que atua e cumpre ao<br />

<strong>notário</strong> fazer um trabalho que vai além <strong>do</strong>s limites legais.<br />

104


O <strong>notário</strong> atual deve ir além <strong>do</strong> cumprimento da lei. Deve conseguir<br />

fazer um trabalho além <strong>do</strong>s limites legais, sem, contu<strong>do</strong> descumprir os princípios da<br />

legalidade, segurança jurídica e dignidade da pessoa humana, fundamentos básicos<br />

de to<strong>do</strong> ordenamento jurídico.<br />

Os princípios nortea<strong>do</strong>res da atividade notarial são as diretrizes <strong>do</strong><br />

<strong>notário</strong> e o seu cumprimento viabiliza o bom exercício da <strong>função</strong> notarial. Por isso,<br />

tão importante o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> alicerce <strong>do</strong> direito notarial, para a boa compreensão de<br />

to<strong>do</strong> o sistema informa<strong>do</strong>r da atividade.<br />

O princípio da fé pública foi estuda<strong>do</strong> desde a <strong>sua</strong> origem, no início<br />

uma fé de cunho religioso passan<strong>do</strong> por <strong>sua</strong>s modificações até a formatação da fé<br />

pública atual e neste momento analisada <strong>sua</strong> ligação umbilical com o direito notarial,<br />

na verdade, o principal instrumento <strong>do</strong> <strong>notário</strong>.<br />

O estu<strong>do</strong> da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana<br />

possibilitou o entendimento da importância da atividade no cenário sócio-econômico.<br />

Com o novo modelo de Esta<strong>do</strong> Social e com toda a disposição<br />

jurídica de nossa Constituição Federal a atividade notarial deve estar voltada para a<br />

garantia da dignidade da pessoa humana, considera<strong>do</strong> um princípio supranormativo,<br />

que se amolda de acor<strong>do</strong> com as evoluções sociais.<br />

Para garantir a dignidade da pessoa humana o <strong>notário</strong> deve<br />

assegurar o cumprimento de to<strong>do</strong>s os princípios informa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> sistema jurídico e<br />

em especial os princípios da <strong>função</strong> notarial.<br />

Um <strong>do</strong>s principais instrumentos para assegurar a dignidade da<br />

pessoa humana é o exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong>, considera<strong>do</strong> um princípio<br />

nortea<strong>do</strong>r não só da atividade notarial, mas de to<strong>do</strong> ordenamento jurídico. O objetivo<br />

<strong>do</strong> exercício da <strong>função</strong> <strong>social</strong> é plena realização da cidadania e da dignidade da<br />

pessoa humana.<br />

O <strong>notário</strong> que já era importante peça na consecução da justiça<br />

<strong>social</strong>, com a “Constituição Cidadã” ganhou mais insumo para o desempenho de<br />

uma atividade de inestimável importância para toda sociedade.<br />

105


Cumprin<strong>do</strong> <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> o <strong>notário</strong> garante a <strong>função</strong> <strong>social</strong> de<br />

outros institutos de direito, como a <strong>função</strong> <strong>social</strong> <strong>do</strong> contrato, peça chave para a<br />

circulação de riquezas e desenvolvimento econômico <strong>do</strong> país. Por isso, pode-se<br />

dizer que a atividade notarial está intimamente ligada à soberania de um Esta<strong>do</strong>.<br />

Porém, a atividade que deve ser desempenhada pelo <strong>notário</strong><br />

ultrapassa os limites jurídicos e avança no campo <strong>social</strong>. O <strong>notário</strong> atual além de<br />

cumprir <strong>sua</strong> <strong>função</strong> <strong>social</strong> de aconselhamento, de prevenção de litígios, de<br />

garanti<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s direitos das partes, em especial <strong>do</strong>s hipossuficientes, de equilíbrio<br />

<strong>do</strong>s contratos, deve desempenhar um novo papel na sociedade, de cunho mais<br />

humanitário.<br />

Trata-se da responsabilidade <strong>social</strong>, instrumento necessário para o<br />

desenvolvimento sustentável de toda a sociedade.<br />

A responsabilidade <strong>social</strong> <strong>do</strong> <strong>notário</strong> é a atuação deste profissional<br />

visan<strong>do</strong> ao interesse público, <strong>social</strong>, ambiental e econômico.<br />

Os <strong>notário</strong>s podem ser considera<strong>do</strong>s co-responsáveis pelo<br />

desenvolvimento da sociedade, com o fomento <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s, com a formação<br />

acadêmica e a profissionalização de seus funcionários, realização de projetos<br />

sociais, que também tem o condão de otimizar até a própria gestão da serventia.<br />

Em suma, o presente trabalho teve como objetivo traçar as<br />

características da atividade notarial e os contornos <strong>do</strong> próprio <strong>notário</strong> para fomentar<br />

o estu<strong>do</strong> dessa atividade tão nobre e desta forma, fazer com que toda sociedade<br />

entenda e enxergue esses profissionais como peças essenciais no cenário jurídico e<br />

não meros profissionais de atividades administrativas burocráticas, que tem como<br />

único fim dificultar a vida das pessoas, fomentan<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> dessa atividade tão<br />

nobre. Entretanto, o objetivo dessa dissertação ultrapassa os limites legais da<br />

atividade notarial e procura demonstrar que o <strong>notário</strong>, além de ser importante<br />

instrumento na área jurídica, também tem um importante papel na sociedade,<br />

enaltecen<strong>do</strong> ainda mais esses profissionais.<br />

106


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