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COISA JULGADA - Fadisp

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Faculdade Autônoma de Direito – FADISP<br />

Programa de Mestrado em Função Social do Direito<br />

“<strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>” E VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL:<br />

UMA HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA<br />

Viviane Maria da Silva Martins Peres<br />

São Paulo<br />

2008


Faculdade Autônoma de Direito – FADISP<br />

Programa de Mestrado em Função Social do Direito<br />

“<strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>” E VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL:<br />

UMA HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA<br />

Viviane Maria da Silva Martins Peres<br />

Dissertação de Mestrado apresentada à<br />

Banca Examinadora da Faculdade<br />

Autônoma de Direito - FADISP, como<br />

exigência parcial para obtenção do título<br />

de Mestre em Função Social do Direito,<br />

sob a orientação da Professora Doutora<br />

Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim.<br />

São Paulo<br />

2008


Faculdade Autônoma de Direito – FADISP<br />

Programa de Mestrado em Função Social do Direito<br />

“<strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>” E VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL:<br />

UMA HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA<br />

Banca Examinadora formada pelos seguintes examinadores:<br />

Viviane Maria da Silva Martins Peres<br />

___________________________________<br />

___________________________________<br />

___________________________________


Dedico este trabalho...<br />

Aos meus pais que, com amor, permitiram que eu atingisse este objetivo e que me<br />

ensinaram a arte de viver.<br />

Ao meu marido, por toda colaboração e incentivo na elaboração deste trabalho.<br />

À minha filha, Júlia, que amo pelo simples fato de amar.<br />

Os meus mais sinceros agradecimentos....


Agradeço<br />

A Deus, em primeiro lugar, razão da minha existência.<br />

Ao meu pai, Eurides, à minha mãe, Maria Daroz, e ao meu irmão e melhor amigo<br />

Carlos.<br />

Ao meu marido, Alessandro, pela dedicação e pelo amor incondicional.<br />

Às Professoras Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim, Marilene Cocozza Moreira<br />

Palma e Mônica Bonetti Couto, sem as quais não teria concluído o presente<br />

trabalho.<br />

À minha filha Júlia, que me incentivou pelo simples olhar. Hoje, ela tem apenas oito<br />

meses de idade.<br />

Aos meus amigos do escritório TozziniFreire Advogados, pelo convívio e pelo<br />

aprendizado diário.


RESUMO<br />

Verifica a possibilidade de afastar a “coisa julgada” em determinadas<br />

situações, tendo em vista as vozes levantadas contra um exagero na ‘consagração’<br />

do instituto da coisa julgada. Apresenta contornos gerais sobre tal instituto, como<br />

conceito, fundamento, função, incidência, formação e limites subjetivos e objetivos,<br />

além de explanar o valor constitucional da segurança jurídica e relatar as hipóteses<br />

legais para mitigar a coisa julgada, com o objetivo de desenvolver o tema central do<br />

presente trabalho: enfrentar o problema das sentenças que afrontam a Constituição<br />

Federal. Aborda a opinião daqueles que entendem pela mitigação da coisa julgada<br />

ante a violação à Carta Magna e dos que a criticam, mostrando os motivos que<br />

dividem o meio jurídico sobre o tema. O resultado perseguido com esse esforço<br />

consiste em elaborar um trabalho metódico, baseado em ampla bibliografia nacional<br />

e estrangeira, que pretende sistematizar idéias que ainda se encontram soltas nos<br />

poucos estudos sobre o assunto, especialmente devido a sua novidade. Conclui que<br />

as sentenças inconstitucionais são atos inexistentes e que os meios de correção<br />

estão no próprio ordenamento jurídico, não havendo necessidade de relativizar a<br />

coisa julgada porque ela não se forma.


ABSTRACT<br />

The possibility to exclude the “judged matter” is verified in certain situations, in<br />

view of the voices raised against exaggeration in the ‘renown’ of the institute of the<br />

judged matter. It shows the general contours on such institute, such as concept,<br />

foundation, function, incidence, formation, and subjective and objective limits, and<br />

further explains the constitutional value of the legal security and reports the legal<br />

means to mitigate the judged matter with the purpose of developing the core purpose<br />

of this work: facing the problem of judgments affronting the Federal Constitution. It<br />

approaches the opinion of those defending the mitigation of the judged matter in view<br />

of the breach of the Constitution and those who criticize it by showing the reasons<br />

that divide the legal environment on such issue. The result pursued with this effort<br />

consists in preparing a methodic work based on broad national and foreign<br />

bibliography, which intends to systematize ideas still loose in few studies on the<br />

subject, in particular due to its novelty. The conclusion is that unconstitutional<br />

judgments are non-existing acts, and correction means lie within the very legal<br />

provisions, and there is no need to relativize the judged matter because it does not<br />

form itself.


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO ............................................................................................................9<br />

CAPÍTULO 1 – <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>: CONTORNOS GERAIS ...................................12<br />

1.1. CONCEITO E FUNDAMENTO DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>.............................................................. 13<br />

1.2. A <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong> COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL .................................................... 18<br />

1.3. VALOR CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA........................................................ 21<br />

1.4. <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong> MATERIAL, <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong> FORMAL E PRECLUSÃO ................................ 23<br />

1.5. FUNÇÕES NEGATIVA E POSITIVA DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>....................................................... 26<br />

1.6. A INCIDÊNCIA DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>.................................................................................. 27<br />

1.7. TRÂNSITO EM JULGADO E <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>..................................................................... 28<br />

1.8. FORMAÇÃO DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong> .................................................................................... 28<br />

1.9. LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong> ................................................... 31<br />

CAPÍTULO 2 – AÇÃO RESCISÓRIA .......................................................................36<br />

2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS, NATUREZA, PRESSUPOSTOS E OBJETO................................... 36<br />

2.2. HIPÓTESES DE CABIMENTO E A TENDÊNCIA DE SUA EXTENSÃO ....................................... 40<br />

2.2.1. Prevaricação, concussão e corrupção do juiz ..................................................... 40<br />

2.2.2. “Violar literal disposição de lei” (artigo 485, inciso V, Código de Processo Civil). 41<br />

2.2.2.1. Princípios e normas...................................................................................... 42<br />

2.2.2.2. Teorias de aplicação do artigo 485, inciso V, Código de Processo Civil ....... 45<br />

CAPÍTULO 3 – MANIFESTAÇÕES DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS EM<br />

TORNO DA CHAMADA “RELATIVIZAÇÃO DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>” .....................48<br />

3.1. ALGUMAS TESES ESTRANGEIRAS.................................................................................. 49<br />

3.2. ALGUMAS TESES A FAVOR DA MITIGAÇÃO DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong> NO DIREITO BRASILEIRO..... 51<br />

3.3. ALGUMAS TESES CONTRÁRIAS À MITIGAÇÃO DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong> NO DIREITO BRASILEIRO 57<br />

CAPÍTULO 4 – DAS SENTENÇAS QUE NÃO TRANSITAM EM JULGADO ANTE A<br />

VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL..............................................................63<br />

4.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong> E VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL......... 63<br />

4.2. SENTENÇA JURIDICAMENTE INEXISTENTE ...................................................................... 65<br />

4.3. OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS DE EXISTÊNCIA E A FALTA DE CITAÇÃO....................... 68<br />

4.4. DA AUSÊNCIA DA CONDIÇÃO DA AÇÃO: POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO .................... 72


4.5. VÍCIOS INTERNOS DA SENTENÇA E AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO................................. 74<br />

4.6. SENTENÇA QUE AFRONTA DIRETAMENTE UMA NORMA OU UM PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL 76<br />

4.6.1. A importância dos Princípios e das normas Constitucionais ............................... 79<br />

4.7. SENTENÇA AMPARADA EM LEI E POSTERIOR DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE... 81<br />

4.8. SENTENÇA QUE NÃO APLICOU DETERMINADA NORMA POR CONSIDERAR INCONSTITUCIONAL<br />

INCIDENTER TANTUM E POSTERIOR DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL QUE JULGA<br />

PROCEDENTE O PEDIDO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TAL NORMA ....................................... 85<br />

4.9. DECISÃO JUSTA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL................................................................ 86<br />

CAPÍTULO 5 – A INEXISTÊNCIA COMO A SOLUÇÃO DO ‘FALSO PROBLEMA’<br />

DE SENTENÇA QUE AFRONTA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL............................90<br />

5.1. ARTIGO 741, PARÁGRAFO ÚNICO E ARTIGO 475-L DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL......... 93<br />

5.2. MECANISMOS PARA AFASTAR “SENTENÇAS INCONSTITUCIONAIS”.................................... 97<br />

CONCLUSÃO .........................................................................................................100<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................103<br />

8


INTRODUÇÃO<br />

A coisa julgada sempre foi vista como uma espécie de dogma incontestável<br />

tendo em vista a opção legislativa brasileira pela intangibilidade da sentença<br />

transitada em julgado. Esgotadas as possibilidades de impugnação da sentença,<br />

seu comando se tornará indiscutível, conferindo segurança aos litigantes.<br />

Trata-se, é bem verdade, de atributo político e jurídico inerente ao instituto da<br />

coisa julgada com o fito de proporcionar a pacificação social.<br />

Todavia, não foram poucas as vozes que se ergueram contra esse valor<br />

(quase supremo) atribuído à coisa julgada, em oposição à norma constitucional.<br />

Com a crescente valoração do sentido do ‘justo’, multiplicaram-se, no Direito<br />

Brasileiro, formulações doutrinárias e jurisprudenciais que sustentam pela<br />

“relativização da coisa julgada” na tentativa de impedir a eternização de sentenças<br />

ditas “injustas” e que subtraiam força da Constituição de um Estado Democrático de<br />

Direito.<br />

O tema, como se verifica, não poderia ser mais atual e polêmico, o que nos<br />

despertou o interesse em pesquisar, em refletir e em escrever sobre o assunto,<br />

especialmente, porque nos parece que, com a devida vênia, essas formulações<br />

pecam, em grande parte, por uma imprecisão conceitual: como se procurará<br />

demonstrar neste trabalho, se não, e, portanto, não há que se pensar em<br />

“rompimento” da coisa julgada, justamente porque ela não se forma, não havendo<br />

que cogitar de ação rescisória também. Esses pronunciamentos não transitam em<br />

julgado.<br />

O que nos parece, enfim, é que o próprio sistema jurídico, tal como posto,<br />

confere ao intérprete mecanismos para a solução do problema concernente às<br />

9


sentenças chamadas inconstitucionais: as sentenças que afrontam a Constituição<br />

Federal.<br />

Trata-se da teoria da inexistência jurídica dos atos processuais, do processo<br />

e da sentença, cerne do nosso estudo.<br />

Não por outra razão, aliás, no título deste trabalho, a expressão coisa julgada<br />

aparece em destaque (entre aspas), porque, como se adiantou e se abordará no<br />

desenvolvimento deste estudo, ela não se forma. O que é inexistente não transita<br />

em julgado.<br />

Sempre tivemos grande preocupação com a amplitude da abordagem dada<br />

ao tema, por vezes exagerada, já que o assunto não é tão simples quanto parece. O<br />

instituto aqui tratado (da coisa julgada) diz respeito, em última análise, à segurança<br />

jurídica e à estabilidade das relações sociais e o seu propagado rompimento pode<br />

gerar uma situação de caos social. Por isso, entendemos que o assunto deve ser<br />

analisado com extrema cautela.<br />

Tendo em vista os limites deste trabalho, que são os de enfrentamento das<br />

situações em que a sentença viola a Constituição Federal (sentença juridicamente<br />

inexistente) e os meios de correção dessa situação, ainda que exauridas as<br />

possibilidades recursais, não se poderá abordar, com a exaustão e a profundidade<br />

desejadas, os temas correlatos propostos pela doutrina em relação à possibilidade<br />

de mitigar-se a coisa julgada em outras situações, que não as de afronta à<br />

Constituição Federal.<br />

finais.<br />

O trabalho desenvolve-se em cinco capítulos, seguidos das considerações<br />

O primeiro capítulo é dedicado ao exame dos pontos que nos afiguram como<br />

os mais significativos da coisa julgada, de seus primados e de seus preceitos<br />

fundamentais.<br />

10


Em seguida, no capítulo segundo, debruçamos sobre os contornos gerais da<br />

ação rescisória, remédio processual concebido pelo Código de Processo Civil para<br />

contrastar as sentenças transitadas, desde que observados os requisitos legais,<br />

dentre eles o prazo decadencial bienal.<br />

A síntese das mais significativas manifestações doutrinárias e das<br />

construções jurisprudenciais sobre o tema ‘relativização’ da coisa julgada<br />

encontram-se no capítulo terceiro deste trabalho.<br />

No capítulo quarto, as sentenças que não transitam em julgado, justamente<br />

porque violam a Constituição Federal, são examinadas, uma a uma.<br />

A temática relativa às sentenças juridicamente inexistentes é assunto do<br />

último capítulo (Capítulo quinto), ocasião em que são examinados os artigos 741,<br />

parágrafo único, e 475-L do Código de Processo Civil, bem como a ação declaratória<br />

de inexistência (de relação jurídica).<br />

Finalmente, faz-se a apresentação das considerações finais.<br />

Na realização dessa investigação, adotou-se o método de abordagem<br />

dedutivo, partindo-se dos dispositivos legais constantes no Código de Processo<br />

Civil e dos conceitos obtidos, empregando-se, quanto ao procedimento, o método<br />

analítico. As técnicas de pesquisa utilizadas, por sua vez, foram a bibliográfica, em<br />

livros e em artigos extraídos de revistas especializadas e também a jurisprudencial,<br />

quando da investigação das decisões proferidas pelos Tribunais.<br />

11


CAPÍTULO 1 – <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>: CONTORNOS GERAIS<br />

Antes de adentrar no tema central do presente trabalho, faz-se imprescindível<br />

trazer noções gerais em torno do instituto da coisa julgada para, então, passar-se ao<br />

raciocínio a ser desenvolvido em relação à aventada possibilidade de mitigar-se a<br />

coisa julgada em atenção a valores como a justiça e a preservação da ordem<br />

constitucional. 1<br />

De fato, cada vez mais surge a necessidade de ponderar-se, ou buscar-se a<br />

estabilidade das relações jurídicas, mas sempre com vistas à produção de<br />

resultados justos. 2 A problemática de “eternizar” o injusto, sob o argumento de<br />

prevalecer a certeza, a segurança e a estabilidade das relações sociais está a<br />

merecer nova reflexão e, por isso, tem provocado uma nova análise do “dogma” da<br />

1 CALMON PASSOS, José Joaquim. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1984. v.X,<br />

t. I, p. 232-233. Destaca-se a lição: “O processo persegue dois objetivos que, no final das contas, são<br />

os objetivos também buscados pela própria ordem jurídica. Nem poderia ser diversamente, visto<br />

como o processo é ao lado do adimplemento (aplicação voluntária do direito) o outro modo pelo qual<br />

se efetiva ou se realiza o direito. São eles a justiça e a segurança, ou em outros termos, ajusta<br />

participação de todos nos bens da vida e a pacificação social. Esses objetivos deveriam se<br />

complementar, integrando-se em algo que bem poderíamos simbolizar com a palavra JUSTIÇA,<br />

assim maiúscula e proeminente. Na prática isso não ocorre. Antes eles se porfiam dialeticamente, ora<br />

um interferindo no outro, em seu prejuízo e detrimento. Porque, em verdade, como já frisamos, a<br />

ordem jurídica é a resultante da tensão dialética, nunca eliminada, entre a vocação do Poder para<br />

excluir, discriminar, privilegiar, estabilizar, e a vocação da sociedade civil de obter, de modo mais<br />

acentuado, melhor participação nos bens da vida, com satisfação do maior número possível das<br />

necessidades individuais e coletivas, que a vida social engendra e a formação de cada qual<br />

particulariza. Quando a sociedade civil é frágil em termos de participação e organização,<br />

prevalecemos valores relacionados com a pacificação social e a segurança, que beneficiam o poder,<br />

visto como privilegiam o status quo. Quando aquela sociedade logra maior participação e tem melhor<br />

organização, predominam os valores de justiça, que proporcionam mais eqüitativa fruição dos bens<br />

da vida por maior número”.<br />

2 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 12.ª ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: RT,<br />

2008. vol.I., p. 66. “O Processo Civil de nossos dias encontra-se num estágio de modificação<br />

profunda, na mesma esteira do que precedentemente se tem verificado no mundo ocidental,<br />

consistente em colocar ao lado do que se pode designar como processo civil clássico (em sua<br />

estrutura e funções) e outros instrumentos, destinados a fazer frente às necessidades, que não datam<br />

de hoje, mas que são cada vez mais agudas, nestes dias contemporâneos, conduzindo a uma<br />

espécie de convivência entre o processo civil clássico (já, em si mesmo, intrinsecamente alterado, em<br />

decorrência do descarte da inspiração individualista radical) e esse novo aparato hodierno”.<br />

12


coisa julgada, como se verá de forma mais minudente no desenvolvimento deste<br />

trabalho. 3<br />

A exposição das premissas centrais sobre a coisa julgada permitirá uma<br />

análise dos verdadeiros problemas concernentes à “relativização da coisa julgada”,<br />

objeto central deste estudo.<br />

É o que se passa a fazer.<br />

1.1. Conceito e fundamento da coisa julgada<br />

O Estado para cumprir sua missão pacificadora concebeu o instituto da coisa<br />

julgada 4 com propósito de não permitir a eternização dos conflitos e concretizar o<br />

valor constitucional da segurança das relações sociais, vetor esse previsto inclusive<br />

no Preâmbulo da Constituição Federal. O poder judiciário, quando soluciona<br />

determinada lide mediante a prestação jurisdicional, realiza as expectativas e afasta<br />

as incertezas dos litigantes. 5 A impossibilidade de revisão do comando judicial,<br />

enquanto a relação jurídica apresentar os mesmos contornos que a delineava<br />

quando anteriormente analisada, atribui estabilidade ao ato estatal e confere<br />

3 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Forense. V. 358. Novdez<br />

de 2001. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 11. Neste sentido, os ensinamentos Cândido Rangel<br />

Dinamarco: “Venho também pondo em destaque a necessidade de equilibrar adequadamente, no<br />

sistema do processo, as exigências conflitantes da celeridade, que favorece a certeza das relações<br />

jurídicas, e da ponderação, destinada à produção de resultados justos. O processo civil deve ser<br />

realizado no menor tempo possível, para definir logo as relações existentes entre os litigantes e assim<br />

cumprir sua missão pacificadora; mas em sua realização ele deve também oferecer às partes meios<br />

adequados e eficientes para a busca de resultados favoráveis, segundo o direito e a justiça, além de<br />

exigir do juiz o integral e empenhado conhecimento dos elementos da causa, sem o que não poderá<br />

fazer justiça nem julgará bem. A síntese desse indispensável equilíbrio entre exigências conflitantes<br />

é: o processo deve ser realizado e produzir resultados estáveis tão logo quanto possível, sem que<br />

com isso se impeça ou prejudique a justiça dos resultados que ele produzirá.”<br />

4 O trabalho referir-se-á sempre à coisa julgada material, salvo quando se fizer menção à coisa<br />

julgada formal.<br />

5 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 12.ª ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: RT,<br />

2008. vol. I., p. 509. Vale transcrever o entendimento: “Na verdade, o conflito de interesses é que é<br />

um mal, embora inevitável; o processo será um mal se eternizar, e não desempenhar a função de<br />

extinguir o conflito, porque naquela hipótese terá sido contaminado pelo conflito do mesmo,<br />

transmudando-se, em si, num conflito, perpetuador e alimentador de outro conflito.”<br />

13


segurança às relações jurídicas, levando paz ao convívio social. A autoridade da<br />

coisa julgada imuniza o comando da sentença 6 e impede que a lei retroaja para<br />

atingir decisões já proferidas pelo Poder Judiciário, conforme previsão na própria<br />

Constituição Federal, no artigo 5.º, inciso XXXVI. 7 Pode-se dizer que se trata de<br />

fenômeno ligado ao Estado Democrático de Direito, que se concretiza por meio da<br />

garantia constitucional da segurança jurídica, sendo inegável seu fundamento<br />

político 8 - 9 , tendo em vista que a partir de certo momento o pronunciamento judicial,<br />

justo ou não, é insuscetível de alterações posteriores.<br />

Do latim “res iudicata” deriva a expressão coisa julgada, que significa bem<br />

julgado. Autorizada doutrina identifica a coisa julgada como uma qualidade que se<br />

agrega aos efeitos da sentença, tornando-a incontestável, imutável, tendo como<br />

base o entendimento de Enrico Túlio Liebman 10 , para o qual, com fundamento em<br />

Giusepe Chiovenda, a coisa julgada não poderia ser vista como um efeito autônomo,<br />

mas, sim, como uma qualidade que, aos efeitos da sentença (declaratórios,<br />

6 A coisa julgada recai, a bem da verdade, em regra, sobre (apenas) a parte dispositiva. A essa<br />

questão retornaremos mais adiante.<br />

7 “XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (...).”<br />

8 “Certo é que na sistemática do direito a necessidade de certeza é imperiosa; toda a matéria do<br />

controle da sentença não é outra coisa, como procuramos demonstrar, senão uma luta entre as<br />

exigências da verdade e as exigências da certeza. Uma maneira de não existir do direito seria a de<br />

não se saber nunca em que consiste. Entretanto, a verdade é que, ainda assim, a necessidade de<br />

certeza deve ceder, em determinadas condições, ante a necessidade de triunfe a verdade. A coisa<br />

julgada não é de razão natural. Antes, a razão natural pareceria aconselhar o contrário: que o<br />

escrúpulo de verdade fosse mais forte que o escrúpulo de certeza; e que sempre, em face de uma<br />

nova prova, ou de um fato novo fundamental e antes desconhecido, se pudesse percorrer de novo o<br />

caminho já andado, a fim de restabelecer o império da justiça.” COUTURE, Eduardo Juan.<br />

Fundamentos do Direito Processual Civil. Trad. Benedicto Giaccobini. Campinas: Red. Livros, 1999,<br />

p. 329.<br />

9 A coisa julgada tem três fundamentações – política, social e jurídica. Em síntese, a política reside na<br />

estabilização das decisões judiciais, pois incumbe ao Estado solucionar definitivamente as lides. A<br />

fundamentação social está na pacificação obtida por meio do processo e da própria estabilidade das<br />

decisões. Por fim, a fundamentação jurídica consubstancia pela conotação dupla da coisa julgada:<br />

negativa em relação ao outro processo, no sentido de proibir o reexame da lide pelo Poder Judiciário;<br />

enquanto a positiva proporciona a extinção do processo com a prestação jurisdicional definitiva<br />

(aplicação do direito ao caso concreto). Para vários autores o fundamento político sobrepuja o<br />

jurídico. Nesse sentido: COUTURE, Eduardo J., em sua obra Fundamentos Do Direito Processual<br />

Civil. Trad. Benedicto Giaccobini. Campinas: Red. Livros, 1999.<br />

10 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 3ª ed.Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 10-30.<br />

14


constitutivos ou condenatórios, conforme classificação tradicional vigente à época),<br />

se somava para torná-los imutáveis. 11<br />

Para Liebman 12 , existiam dois planos distintos na sentença: o primeiro,<br />

denominado de “eficácia natural da sentença”, independeria de sua validade por ser<br />

a sentença ato soberano do Estado que se impõe imediatamente e tem efeitos<br />

próprios; o segundo, “autoridade da coisa julgada”, refere-se à estabilidade, à<br />

imutabilidade da sentença que vincula somente os litigantes.<br />

De forma contrária, Francesco Carnelutti 13 defendia que a autoridade da coisa<br />

julgada apenas alcança a declaração contida na sentença e não o comando<br />

propriamente dito, entretanto, o elemento declaratório se faz presente em todas as<br />

sentenças (declaratória, constitutiva, condenatória e mandamental). Nos termos do<br />

art. 468 do Código de Processo Civil brasileiro, “A sentença, que julgar total ou<br />

parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. O<br />

Direito Brasileiro não vincula a autoridade da coisa julgada apenas ao elemento<br />

declaratório da sentença, já que o artigo mencionado serve-se da expressão “A<br />

sentença” e não da “declaração contida na sentença”. 14<br />

11 PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil (Análise, Crítica e Atualização). 2ª ed. Rio de Janeiro:<br />

Aide, 1998. p. 41. “Indubitavelmente, a autoridade da coisa julgada não se impõe como efeito da<br />

sentença, mas, sim, no entender de Liebman, como uma qualidade, uma virtualidade, uma<br />

potencialidade que habita o próprio ato sentencial e nasce com ele, não se concebendo possa existir<br />

– em face de sua finalidade e natureza – sem que seja capaz de produzir tal resultado, pois este<br />

integra sua essência. A eficácia, que não se confunde com a autoridade, é a força que emana da<br />

sentença transitada em julgado voltada para um resultado e tem como suporte a estabilidade desse<br />

próprio ato”.<br />

12 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 2ª ed.Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 54-60.<br />

13 CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del nuevo derecho procesal civil italiano. trad. de Miguel<br />

Guasp. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1942. p. 97.<br />

14 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual. Primeira Série, 2.ª ed. São<br />

Paulo: Saraiva,1998. p. 85. “O direito brasileiro não tem regra que corresponda à do artigo 2.909 do<br />

Codice Civile. Nos termos do art. 468 do Código de Processo Civil, “a sentença, que julgar total ou<br />

parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decidas.” “A sentença”, reza o<br />

texto, não “a declaração contida na sentença”: a sentença, pois, na sua integridade enquanto ato<br />

decisório, com todos os elementos do decisum. Nenhum outro dispositivo legal, de modo explícito ou<br />

implícito, aponta em sentido contrário. Por que, então, importarmos um problema que não existe, e<br />

uma solução que não satisfaz?”<br />

15


A lição de José Carlos Barbosa Moreira também é contrária aos<br />

ensinamentos de Liebman, no sentido que a imutabilidade está relacionada à<br />

situação jurídica concreta sobre a qual versou o pronunciamento judicial, não<br />

concorda com a assertiva de que a imutabilidade se estende a todos os efeitos da<br />

sentença. 15 Vale lembrar que, se o direito posto em causa for disponível 16 , poderão<br />

ser modificados os efeitos da decisão judicial por meio de novo negócio jurídico.<br />

Exemplo: “A” foi condenado a pagar R$ 10.000,00; nada impede que “B”, credor de<br />

“A”, perdoe a totalidade ou a parcialidade da dívida. Nessa situação, é perfeitamente<br />

possível a modificação dos efeitos da sentença.<br />

Como bem adverte Ovídio Araújo Baptista da Silva 17 , todavia, a coisa julgada<br />

não é um efeito da sentença e sim uma qualidade que torna imutável apenas a<br />

declaração contida na sentença. Note-se que a lição está de acordo com os dizeres<br />

de Liebman (qualidade) e aparentemente aliou-se à tese de Carnelutti, ao passo que<br />

aceita como verdadeira a qualidade que aos efeitos se ajunta para torná-los<br />

imodificáveis no que se refere à eficácia declaratória. O autor discorda da idéia de<br />

que a coisa julgada consista na imutabilidade do conteúdo do comando jurisdicional.<br />

Apesar de o artigo 467 do Código de Processo Civil definir a coisa julgada<br />

como “a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a<br />

recurso ordinário ou extraordinário”, é indiscutível a aceitação da doutrina de<br />

Liebman pelo Direito Processual Brasileiro, nos termos acima delineados. Em que<br />

pese a redação defeituosa do Código, é indiscutível que no sistema brasileiro o que<br />

se torna imutável são os comandos (declaratório, constitutivo, etc) da sentença. A<br />

15 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual. Terceira Série. São Paulo:<br />

Saraiva, 1984. p. 113. “Não se expressa de modo feliz a natureza da coisa julgada, ao nosso ver,<br />

afirmando que ela é um efeito da sentença, ou um efeito da declaração nesta contida. Mas tampouco<br />

se amolda bem à realidade, tal como a enxergamos, a concepção da coisa julgada como uma<br />

qualidade dos efeitos sentenciais, ou mesmo da própria sentença. Mais exato parece dizer que a<br />

coisa julgada é uma situação jurídica: precisamente a situação que se forma no momento em que a<br />

sentença se converte de instável em estável. É a essa estabilidade, característica da nova situação<br />

jurídica, que a linguagem jurídica se refere, segundo pensamos, quando fala da ‘autoridade da coisa<br />

julgada’”.<br />

16 Em certos casos não há como modificar efeitos produzidos pela sentença, exemplo: na demanda<br />

de investigação de paternidade julgada procedente, um dos efeitos é a retificação do assento de<br />

nascimento do investigante, para que nele inclua o nome do pai. Não temos como impedir a produção<br />

de tal resultado, sendo imodificável o efeito.<br />

17 Ovídio Araújo Baptista da Silva. Sentença e Coisa Julgada. 2.ª ed. Porto Alegre: SAFe, 1988. p. 98.<br />

16


coisa julgada, por isso, não é outra coisa senão a “qualidade”, o “plus” que se<br />

agrega a essa sentença para tornar imutáveis os comandos.<br />

Acresça-se, ainda, que o artigo 469 e seus incisos excluem do âmbito da<br />

coisa julgada, in verbis: “Não fazem coisa julgada: “I – os motivos, ainda que<br />

importantes para determinar o alcance da parte dispositivo da sentença; II – a<br />

verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III – a apreciação da<br />

questão prejudicial, decidida incidentemente no processo”, restando somente o<br />

dispositivo da sentença. A qualidade que torna imutável a sentença recai sobre o<br />

comando da sentença quando não mais atacável por recurso. 18 É que a decisão<br />

judicial pode trazer um comando constitutivo, declaratório, condenatório ou<br />

mandamental e é exatamente sobre esse comando que recairá a autoridade da<br />

coisa julgada material, tornando-o imutável.<br />

Thereza Alvim 19 afirma, a esse propósito: “a coisa julgada material é a<br />

qualidade de imutabilidade que se agrega ao comando da decisão judicial (sentença<br />

não recorrida ou acórdão não mais sujeito a recurso) para determinada situação”.<br />

Esse conceito atende às diversas correntes doutrinárias, pois considera uma<br />

qualidade (de acordo com Liebman) e entende que os efeitos são suscetíveis de<br />

alteração e, portanto, não são imutáveis, podendo ocorrer, inclusive, renúncia em<br />

relação ao direito declarado na sentença. Assim, ainda que os efeitos da sentença<br />

sejam afastados não há modificação no conteúdo do pronunciamento judicial<br />

definitivo.<br />

Independentemente de ser uma qualidade ou um dos efeitos da sentença 20 , o<br />

instituto da coisa julgada imuniza o comando (rectius, parte dispositiva) da sentença,<br />

18 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 54. Ainda: “Nisso consiste, pois a autoridade da<br />

coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de<br />

uma sentença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que<br />

pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade mais intensa e mais profunda, que reveste o<br />

ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os<br />

efeitos quaisquer que sejam do próprio ato.”<br />

19 ALVIM, Thereza. O direito processual de estar em juízo. São Paulo: RT, 1996. p. 103.<br />

20 É importante ressaltar que há quem entenda ser algo temeroso conceituar o instituto da coisa<br />

julgada. BERMUDES, Sérgio. Iniciação ao Estudo do Direito Processual Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro:<br />

Liber Juris, 1973. p. 91-92.<br />

17


projetando-o para fora do processo e, em relação aos litigantes, impedindo nova<br />

discussão de questões já resolvidas na mesma sentença que não mais é sujeita a<br />

recurso, conferindo pacificação de conflitos e propiciando segurança às relações<br />

jurídicas.<br />

1.2. A coisa julgada como garantia constitucional<br />

Como já mencionado, a coisa julgada vincula-se ao princípio da segurança<br />

jurídica, encontrando-se consagrada no rol de direitos e de garantias fundamentais,<br />

artigo 5.º, XXXVI, CF [“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato perfeito e a<br />

coisa julgada”]. Contudo, é imprescindível delimitar-se o exato sentido de tal cláusula<br />

e questionar se o instituto da coisa julgada é, efetivamente, uma garantia<br />

constitucional ou em mero mecanismo de limitação da atividade legislativa.<br />

A respeito dessa questão, Paulo Roberto de Oliveira Lima 21 reconhece duas<br />

possíveis interpretações do artigo 5.º, inciso XXXVI da CF, acima mencionado: “a lei<br />

não pode atribuir ao instituto da coisa julgada estrutura e limites que lhe emprestem<br />

menor amplitude”; ou “a lei não pode alterar o conteúdo do julgado, após a formação<br />

da coisa julgada”. Para referido autor, a segunda exegese é aquela que<br />

efetivamente corresponde à mensagem legal já que, se fosse verdadeira a primeira<br />

leitura, a ação rescisória seria inconstitucional por se tratar de instituto que visa<br />

mitigar a coisa julgada. A lei constitucional protege a imutabilidade do julgado, sendo<br />

imune de alterações legislativas posteriores.<br />

Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina 22 também<br />

visualizam, na coisa julgada, uma garantia de irretroatividade das leis: a decisão<br />

proferida e transitada em julgado fica protegida da incidência de nova lei e a<br />

21 LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à teoria da coisa julgada. São Paulo: RT, 1997. p.<br />

84-86.<br />

22 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada,<br />

Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 170 - 171.<br />

18


atividade legislativa não fica impedida de alterar o regime da coisa julgada. Os<br />

autores citam como exemplos: na ação popular, na ação de alimentos ou no<br />

processo cautelar, a coisa julgada não ocorre. A proteção está em resguardar as<br />

sentenças transitadas em julgado da aplicabilidade de lei superveniente.<br />

Para outros autores, como Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery 23 ,<br />

apesar de caber ao legislador infraconstitucional definir o regime específico da coisa<br />

julgada, tal instituto é elemento fundamental à existência do Estado Democrático de<br />

Direito, sendo cláusula pétrea na Constituição Federal.<br />

Parece-nos que a proteção constitucional recai sobre a coisa julgada já que<br />

estabiliza as decisões que resolvem as lides e proporciona certeza às relações<br />

jurídicas. O referido instituto está restritivamente ligado ao princípio da segurança<br />

jurídica, servindo de meio para alcançar a pacificação social e o bem comum.<br />

Somos da opinião de que o respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito<br />

adquirido e à coisa julgada, proclamado no artigo 5.º, inciso XXXVI, do texto<br />

constitucional há de ser integral e é inatingível de modificação por via da emenda<br />

constitucional (art. 60, §4º, IV). O legislador infraconstitucional de acordo com o<br />

inciso XXXVI não pode suprimir o instituto da coisa julgada ou retroagir para atingir<br />

as imutabilidades já consagradas.<br />

Enfim, não é possível atribuir ao dispositivo legal estrito significado de<br />

mecanismo instrumental à garantia de irretroatividade das leis, ou de simples<br />

limitador da atividade legislativa. Embora o legislador infraconstitucional tenha como<br />

incumbência definir o regime específico da coisa julgada, tal instituto mantém o seu<br />

caráter constitucional 24 por ser uma garantia essencial do cidadão. O Supremo<br />

23 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e<br />

legislação processual civil extravagante em vigor atualizado até 22.02.2001. 5.ª ed. São Paulo: RT,<br />

2001. p. 904.<br />

24 RAMOS, Elival da Silva. A Proteção aos Direitos Adquiridos no Direito Constitucional Brasileiro. 1ª<br />

ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 143. Observa Elival da Silva Ramos que cabe à lei<br />

infraconstitucional regular os aspectos processuais do instituto, contudo, não pode interferir sobre a<br />

diretriz contida no inciso XXXVI do art. 5º, em sua palavras: “Quanto à coisa julgada, de outra parte,<br />

argumenta-se que se trata de um instituto tipicamente de Direito Processual, razão pela qual se<br />

imporia a regulação infraconstitucional sobre a matéria. Sem sombra de dúvida, nada há a objetar em<br />

relação à premissa do raciocínio, bastando lembrar que o artigo 467 do Código de Processo Civil<br />

19


Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que não há violação direta à<br />

constituição se a discussão versar apenas sobre os requisitos processuais da coisa<br />

julgada. 25 Resta claro que, afastadas as hipóteses de caráter infraconstitucional, a<br />

ofensa à coisa julgada atingirá diretamente a Carta Magna.<br />

De acordo com o pensamento de Eduardo Talamini 26 , a interpretação do<br />

inciso XXXVI deve ser realizada de forma extensiva, como se faz com o inciso XXXV<br />

do próprio artigo 5.º da CF que apenas prevê: a “lei não excluirá” o acesso à justiça.<br />

Os operadores do direito respeitam tal garantia, inclusive, suas derivações<br />

(inafastabilidade da tutela jurisdicional). Além do legislador, os julgadores e os<br />

administradores devem proteger a coisa julgada; não podem agir livremente sem<br />

observar a qualidade de imutabilidade do comando judicial. Nesse sentido, o<br />

Supremo Tribunal Federal já se manifestou. 27<br />

conceitua a coisa julgada material como sendo “a eficácia, que torna imutável e indiscutível a<br />

sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. Ao Direito Processual, entretanto,<br />

cabe estabelecer o que é coisa julgada para efeitos exclusivos processuais, o que significa que, no<br />

art. 467 do Código de Processo Civil, não se está regulando a matéria atinente à cláusula<br />

constitucional de proteção à coisa julgada em face da eficácia temporal das leis civis. Algo<br />

profundamente diverso é, na interpretação da cláusula constitucional, da meteria, fazendo-se aquilo<br />

que Canotilho denomina “interpretação da Constituição conforme as leis” (Direito Constitucional,<br />

Coimbra, Almedina, 1977, p. 246-7), que, com dose de cautela, pode ser aceita.”<br />

25 Segue ementa: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO - POSTULADO CONSTITUCIONAL DA <strong>COISA</strong><br />

<strong>JULGADA</strong> - ALEGAÇÃO DE OFENSA DIRETA - INOCORRÊNCIA - LIMITES OBJETIVOS - TEMA<br />

DE DIREITO PROCESSUAL - MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL - VIOLAÇÃO OBLÍQUA À<br />

CONSTITUIÇÃO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - Se a discussão em torno da integridade<br />

da coisa julgada reclamar análise prévia e necessária dos requisitos legais, que, em nosso sistema<br />

jurídico, conformam o fenômeno processual da “res judicata”, revelar-se-á incabível o recurso<br />

extraordinário, eis que, em tal hipótese, a indagação em torno do que dispõe o art. 5º, XXXVI, da<br />

Constituição - por supor o exame, in concreto, dos limites subjetivos (CPC, art. 472) e/ou objetivos<br />

(CPC, arts. 468, 469, 470 e 474) da coisa julgada - traduzirá matéria revestida de caráter<br />

infraconstitucional, podendo configurar, quando muito, situação de conflito indireto com o texto da<br />

Carta Política, circunstância essa que torna inviável o acesso à via recursal extraordinária.<br />

Precedentes.” (RE-AgR 220517 / SP - SÃO PAULO. Relator: Min. CELSO DE MELLO. Julgamento:<br />

10/04/2001. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação DJ 10-08-2001 PP-00015).<br />

26 TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2005. p. 50-51.<br />

27 RE 92.823 / AM – Relator: Min. Thompson Flores. Julgamento: 02/12/1980. Órgão Julgador:<br />

Primeira Turma. RE 112.405 / GO - ARAGUAÍNA. Relator: Min. Oscar Corrêa. Julgamento:<br />

24/03/1987. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: 15/04/1987.<br />

20


1.3. Valor constitucional da segurança jurídica<br />

Para resguardar o princípio da segurança jurídica, indissociável da concepção<br />

de Estado de Direito, diversos institutos o compõe 28 , estando entre eles o da coisa<br />

julgada. Atualmente, questiona-se a importância da segurança jurídica diante de<br />

outros valores, como o sentimento do justo e, consequentemente, “a qualidade de<br />

imutabilidade do comando judicial” torna-se alvo de reapreciação em determinadas<br />

hipóteses como se verá melhor mais adiante.<br />

Nessa senda, José Augusto Delgado não reconhece o caráter absoluto da<br />

coisa julgada e afirma que tal instituto está condicionado aos princípios da<br />

razoabilidade e da proporcionalidade. Para ele, a coisa julgada não pode prevalecer<br />

se ultrapassar os princípios maiores da Constituição, os limites da moralidade, da<br />

legalidade e da realidade imposta pela natureza. 29<br />

A “constitucionalização” dos princípios é característica da juridicidade pós-<br />

positiva. Pode-se dizer que, com o advento do pós-positivismo, os princípios são<br />

considerados fontes primárias da normatividade e valores maiores de uma<br />

sociedade democrática e constitucional.<br />

O reexame do modelo positivista proporcionou conceber a ordem jurídica<br />

como um sistema dinâmico e aberto aos fatos e aos valores sociais, o que<br />

ocasionou a ampliação principiológica dos direitos fundamentais: políticos, coletivos,<br />

econômicos e difusos. A doutrina 30 e a jurisprudência 31 vêm utilizando cada vez<br />

mais, na resolução das lides, o princípio da proporcionalidade que exerce influência<br />

inegável no campo processual de modo a tornar o processo mais efetivo. Note-se<br />

que o posicionamento do Ministro José Delgado, exposto logo acima, afasta a<br />

28 Outros institutos: irretroatividade das leis, direito adquirido.<br />

29 DELGADO, José Augusto. Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais<br />

protegidas. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 103, jul/set. 2001. p. 20.<br />

30 CAMARA, Alexandre Freitas. Coisa julgada inconstitucional. Organizadores Carlos Valter do<br />

Nascimento; José Augusto Delgado. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 285-286.<br />

31 ADI 1800 / DF. Relator: Min. Nelson Jobim. Julgamento: 11/06/2007. Órgão Julgador: Tribunal<br />

Pleno. Publicação: 28/09/2007.<br />

21


segurança jurídica representada pelo instituto da coisa julgada, diante da<br />

inobservância do julgador em relação aos outros princípios que ele considera<br />

superior (sopesamento de princípios).<br />

Para nós, não se deve, entretanto, superestimar o valor da segurança jurídica<br />

que mantém seu valor fundamental para o Estado de Direito, independente das<br />

alterações sociais e da constitucionalização dos princípios. Não há o que se falar em<br />

declínio do valor da segurança já que é algo essencial à vida política; precisamos<br />

saber quais as regras impostas pelo Estado. 32 O desejo de paz e de segurança “está<br />

profundamente enraizado na vida anímica do homem”, disse Helmut Coing. 33<br />

A segurança jurídica insere-se no rol de direitos e garantias individuais; não<br />

pode ser excluída nem mesmo por emenda constitucional; dela deduz o subprincípio<br />

da proteção na confiança nas leis, o qual, segundo José Joaquim Gomes<br />

Canotilho 34 , atenta para os aspectos subjetivos de segurança. Tanto a segurança<br />

como a confiança demandam as seguintes características: transparência dos atos<br />

do poder, racionalidade, clareza de idéias e fiabilidade.<br />

A proteção da confiança não é o único princípio-espécie da segurança<br />

jurídica; existem outros como a irretroatividade, a proteção dos direitos adquiridos, a<br />

legalidade ou a qualidade da lei. Todos eles fazem parte da área de incidência da<br />

segurança jurídica.<br />

32 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 6ª ed. Coimbra:<br />

Almedina, 2002. p. 257. Nesse sentido: “o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus<br />

actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas<br />

alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixados pelas<br />

autoridades com base nessas normas se ligam aos efeitos jurídicos previstos e prescritos no<br />

ordenamento jurídico”.<br />

33 COING, Helmut. Fundamentos de filosofia del derecho, tradução de Juan Manuel Mauri. Barcelona:<br />

Ariel, 1961. p. 67.<br />

34 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 6ª ed. Coimbra:<br />

Almedina, 2002. p. 257.<br />

22


José Carlos Barbosa Moreira 35 assegura que a coisa julgada tem relevância<br />

não apenas para as pessoas diretamente envolvidas na decisão, sendo a<br />

estabilidade do pronunciamento judicial condição essencial para que possam os<br />

jurisdicionados confiar na função desempenhada pelo Poder Judiciário.<br />

Para a sociedade, é essencial que os conflitos de interesses sejam resolvidos<br />

por meio dos procedimentos pré-ordenados para obtenção de um julgamento que<br />

aplicará a vontade da lei, dando forma jurídica aos fundamentos de fato e de direito<br />

do pedido. Ao exercer a atividade jurisdicional, aplicando corretamente a norma ao<br />

caso concreto, o juiz alcança a justiça, sendo inviável a proposta relativizadora da<br />

coisa julgada à verificação do valor da justiça como conceito subjetivo. No item 4.9,<br />

será exposto o que se entende por decisão justa.<br />

Pode-se afirmar com convicção a impossibilidade de separar a justiça da<br />

segurança jurídica já que seria contraditório alcançar a justiça efetiva sem o mínimo<br />

de segurança e, igualmente, não existe o valor da segurança sem primar pelos<br />

valores de eqüidade e de justiça.<br />

1.4. Coisa julgada material, coisa julgada formal e preclusão<br />

É necessário, ainda, distinguirem-se a coisa julgada material da coisa julgada<br />

formal e, ainda, da preclusão.<br />

Seguindo-se a doutrina preconizada por Enrico Túlio Liebman, pode-se dizer<br />

que não existem dois institutos independentes representados pela coisa julgada<br />

35 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a Chamada Relativização da Coisa<br />

Julgada Material. In: Temas de Direito Processual. Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 245/246.<br />

“O interesse na preservação da res iudicata ultrapassa, contudo, o círculo das pessoas diretamente<br />

envolvidas. A estabilidade das decisões é condição essencial para que possamos os jurisdicionados<br />

confiar na seriedade e na eficiência do funcionamento da máquina judicial. Todos precisam saber<br />

que, se um dia houverem de recorrer a ela, seu pronunciamento terá algo mais que o fugidio perfil<br />

nas nuvens. Sem essa confiança, crescerá fatalmente nos que se julguem lesados a tentação de<br />

reagir por seus próprios meios, à margem dos canais oficiais. Escusando sublinhar o dano que isso<br />

causará à tranqüilidade social.”<br />

23


formal e pela material 36 , mas apenas dois aspectos do mesmo fenômeno de<br />

imutabilidade, que consagram a garantia constitucional da segurança jurídica. O<br />

aspecto coisa julgada material significa a imutabilidade dos efeitos substanciais da<br />

sentença de mérito – declaratória, constitutiva, condenatória ou mandamental, ou<br />

ainda quando os pedidos são julgados improcedentes. A imutabilidade atinge os<br />

litigantes e projeta para fora os efeitos produzidos pela sentença. Enquanto o<br />

aspecto coisa julgada formal 37 representa a impossibilidade de cassar a sentença<br />

prolatada por não mais existir recurso cabível, não podendo ser substituída por<br />

outra, aplicável tanto nas sentenças de mérito ou terminativa. É justamente o<br />

encerramento da demanda.<br />

Parte da doutrina considera a res judicata formal como preclusão máxima. 38 - 39<br />

Há quem discorde. Segundo Ada Pellegrini Grinover 40 , sob a ótica da<br />

36 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 60-61. “Esfumam-se assim, quanto à formulação,<br />

embora permaneçam de fato, também as conseqüências da distinção. A unidade do conceito impede,<br />

sem mais, que os seus dois aspectos se possam cingir e manter-se separados conforme o objeto da<br />

sentença. Assim, uma sentença que julgar os pressupostos processuais (por exemplo, competência)<br />

ou a admissibilidade de um meio de prova, ou despache em geral sobre o processo, não se pode<br />

dizer que logre uma coisa julgada diversa da que acolha ou rejeite a demanda como fundada ou<br />

infundada. Verdade é que no primeiro caso tem efeito meramente interno no processo no qual foi<br />

prolatada, e poderá toda a importância com o término no mesmo processo; no segundo, porém,<br />

decidindo sobre a relação deduzida em juízo, destina-se a projetar a sua eficácia também e<br />

sobretudo fora do processo e a sobreviver a este. Mas a diferença esta toda no comando contido na<br />

sentença e nos seus efeitos, não na coisa julgada, que permanece sempre a mesma.”<br />

37 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil, 3.º vol. 3ª ed. São Paulo: Saraiva,<br />

1975. p. 234. “A coisa julgada formal resulta da impossibilidade de novo julgamento pelas vias<br />

recursais, ou porque este foi proferido por órgão do mais alto grau de jurisdição, ou porque<br />

transcorreu o prazo para recorrer sem que o vencido interpusesse recurso, ou finalmente porque se<br />

vencido interpusesse recurso, ou finalmente porque se registrou desistência do recurso ou a ele se<br />

renunciou”.<br />

38 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Forense. V. 358. Novdez<br />

de 2001. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 14. “a coisa julgada formal é manifestação de um<br />

fenômeno processual de maior amplitude e variada intensidade, que é a preclusão – e daí se ela<br />

tradicionalmente designada como praeclusio maxima. Toda preclusão é extinção de uma faculdade<br />

ou poder no processo; e a coisa julgada formal, como preclusão qualificada que é, caracteriza-se<br />

como extinção do poder de exigir novo julgamento quando a sentença já tiver passado em julgado.”<br />

39 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Eficácia Preclusiva da Coisa Julgada Material no Sistema do<br />

processo Civil brasileiro, In Temas de Direito Processual, Primeira Série. 2.ª ed. Saraiva: São Paulo,<br />

1988. p. 100 - 101. Há de se observar os ensinamentos in verbis: “A eficácia preclusiva da coisa<br />

julgada manifesta-se no impedimento que surge, com o trânsito em julgado, à discussão e apreciação<br />

das questões suscetíveis de incluir, por sua solução, no teor do pronunciamento judicial, ainda que<br />

não examinadas pelo juiz. Essas questões perdem, por assim dizer, toda relevância que pudessem<br />

ter em relação à matéria julgada. Posto que se conseguisse demonstrar que a conclusão seria<br />

diversa, caso elas houvessem sido tomadas em consideração, nem por isso o resultado ficaria menos<br />

24


irrecorribilidade da decisão, a coisa julgada formal e a preclusão são institutos<br />

diferentes. O primeiro instituto é a qualidade de imutabilidade dentro do processo,<br />

enquanto, o segundo é um ônus processual e um fato impeditivo.<br />

Concordamos com essa distinção entre a coisa julgada formal e a preclusão;<br />

tais fenômenos possuem natureza jurídica diversas.<br />

Vale salientar a diferenciação entre a coisa julgada formal da material<br />

realizada por Cândido Rangel Dinamarco. Para ele, a res judicata formal refere-se à<br />

impossibilidade de substituição de uma sentença por outra; é fenômeno interno ao<br />

processo, enquanto que a res judicata material imuniza os efeitos da sentença até<br />

mesmo após a extinção do processo. 41<br />

A coisa julgada material e a formal, portanto, conferem estabilidade às<br />

decisões judiciais. Tal divisão tem relevância prática, especialmente quanto ao<br />

problema da propositura da ação rescisória conforme se verá com mais vagar no<br />

próximo capítulo.<br />

firme; para evitar, pois, dispêndio inútil de atividade processual, simplesmente se exclui que possam<br />

ser suscitadas com o escopo de atacar a res iudicata. Se a decisão é das que só produzem coisa<br />

julgada formal, o efeito preclusivo restringe-se ao interior do processo em que foi proferida; se é das<br />

que geram coisa julgada material, como a sentença definitiva, o efeito preclusivo projeta-se ad extra,<br />

fazendo sentir-se nos eventuais processos subseqüentes. Daí qualificar-se de pan-processual a<br />

eficácia preclusiva da coisa julgada material.”<br />

40 GRINOVER, Ada Pellegrini, notas ao livro Eficácia e autoridade da sentença, de Enrico Tullio<br />

Liebman, p. 68. “Na verdade, porém, coisa julgada formal e preclusão são dois fenômenos diversos,<br />

na perspectiva da decisão irrecorrível. A preclusão é, subjetivamente, a perda de uma faculdade<br />

processual e, objetivamente, um fato impeditivo; a coisa julgada formal é a qualidade da decisão, ou<br />

seja, sua imutabilidade, dentro do processo. Trata-se, assim, de institutos diversos, embora ligados<br />

entre si por uma relação lógica antecedente-conseqüente.”<br />

41 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Forense. V. 358. Novdez<br />

de 2001. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 13/14.<br />

“A distinção entre coisa julgada material e formal consiste, portanto, em que (a) a primeira é a<br />

imunidade dos efeitos da sentença, que os acompanha na vida das pessoas ainda depois de extinto o<br />

processo, impedindo qualquer ato estatal, processual ou não, que venha a negá-los; enquanto que<br />

(b) a coisa julgada formal é fenômeno interno ao processo e refere-se à sentença como ato<br />

processual, imunizada contra qualquer substituição por outra.”<br />

25


1.5. Funções negativa e positiva da coisa julgada<br />

De forma bastante sucinta, pode-se afirmar que a doutrina reconhece a<br />

existência de duas funções da coisa julgada: a negativa e a positiva, nos termos do<br />

que melhor se elucidará a seguir. A primeira impede nova apreciação em relação ao<br />

mérito do objeto sobre o qual já recai a coisa julgada, enquanto, a segunda vincula a<br />

decisão pretendida a outra já proferida, ou melhor, o conteúdo sobre o qual recai a<br />

coisa julgada terá de ser obrigatoriamente acatado quando da solução de outro feito,<br />

entre as mesmas partes, cujo resultado dependa da decisão prolatada no processo<br />

em que já houve coisa julgada material.<br />

É nítida a diferença em relação aos limites objetivos elencados no art. 469 do<br />

Código de Processo Civil. Reza o inciso III do mencionado dispositivo: “Não fazem<br />

coisa julgada (“caput”): (...); III – a apreciação da questão prejudicial, estabelecida<br />

como fundamento da sentença”. Observe-se que não existe vinculação do julgador<br />

de um processo posterior no qual essa questão apareça novamente como prejudicial<br />

ou como principal. Segundo a função positiva da coisa julgada, uma vez julgada a<br />

questão em caráter principal e subseqüentemente vier uma prejudicial para decisão<br />

de outra demanda, o comando anterior deverá ser respeitado pelo juiz do novo<br />

processo.<br />

Para Liebman, essa eficácia positiva seria “simplesmente a eficácia natural da<br />

sentença”: a simples produção dos efeitos da sentença perante outro juiz 42 não se<br />

refere à coisa julgada. Conforme expressa o autor, o julgador estaria obrigado a<br />

respeitar tais efeitos se o comando de que eles advêm estiver sob o manto da coisa<br />

julgada. 43 A denominada “eficácia positiva da coisa julgada” não é expressão<br />

exclusiva do fenômeno da coisa julgada. Certamente, é sempre a autoridade da<br />

coisa julgada que vincula o julgador do segundo processo ao conteúdo do comando<br />

anterior.<br />

42 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 60.<br />

43 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 53-54 e 59.<br />

26


Celso Neves leciona que a coisa julgada tem dúplice função uma vez que<br />

estabelece a situação jurídica das partes e impede o restabelecimento da mesma<br />

controvérsia em outro feito. 44<br />

Tais funções elencadas evidenciam a aplicação da segurança jurídica como<br />

valor máximo, sem qualquer análise do justo.<br />

1.6. A incidência da coisa julgada<br />

A coisa julgada recai apenas sobre os atos jurisdicionais; ficam excluídos os<br />

administrativos e os normativos. Entretanto, nem todos os atos jurisdicionais são<br />

acobertados pela coisa julgada; apenas os expressamente previstos em lei, pois não<br />

se trata de qualidade inerente a todo ato jurisdicional. Como já mencionado, para<br />

atribuição da autoridade da coisa julgada, o fundamento principal é de natureza<br />

política. O legislador pondera dois valores: a segurança e o ideal de justiça.<br />

É o art. 485 do Código de Processo Civil que estabelece com mais precisão o<br />

âmbito de incidência da coisa julgada material, ao estabelecer a ação rescisória<br />

como via excepcional para desconstituí-la – “sentença de mérito transitada em<br />

julgado.” Vale ressaltar que a Lei de Introdução ao Código Civil vincula a coisa<br />

julgada a toda “decisão judicial de que já não caiba recurso” (art. 6, §3º), porém,<br />

essa definição não é adequada; serve apenas para estabelecer o momento da<br />

formação da coisa julgada. Até mesmo, acaba por confundi-la com a sentença e,<br />

imprecisamente, consignou que a coisa julgada recairia sobre qualquer “sentença”.<br />

Já o art. 467 45 do diploma processual traz o conceito de coisa julgada formal;<br />

refere-se apenas à extinção da relação jurídica processual.<br />

44 NEVES, Celso. Coisa Julgada Civil. São Paulo: RT, 1971. p. 489. “A função da coisa julgada é, pois<br />

dúplice: de um lado define, vinculativamente, a situação jurídica das partes; de outro lado, impede<br />

que se restabeleça, em outro processo, a mesma controvérsia. Em virtude da primeira função, não<br />

podem as partes, unilateralmente, escapar aos efeitos da declaração jurisdicional; por decorrência da<br />

segunda, cabe a qualquer dos litigantes a exceptio rei iudicatae, para excluir novo debate sobre a<br />

relação jurídica decidida.”<br />

27


Parece-nos correto afirmar que a coisa julgada material é atributo que recai<br />

apenas sobre a sentença que decide o mérito do processo. Assim, os atos judiciais<br />

não decisórios, as decisões interlocutórias, as sentenças que extinguem o processo<br />

sem julgamento do mérito, estão alheios à coisa julgada. 46<br />

1.7. Trânsito em julgado e coisa julgada<br />

Para que se atribua a qualidade de coisa julgada não é suficiente a sentença<br />

de mérito; faz-se necessário o trânsito em julgado. É preciso que todas as<br />

possibilidades de alteração da sentença/acórdão estejam esgotadas, não sendo,<br />

portanto, possível interposição de nenhum recurso, nem reexame de ofício. Não há<br />

coisa julgada sem a ocorrência do trânsito em julgado.<br />

1.8. Formação da coisa julgada<br />

Afirma Celso Neves 47 que a formação da coisa julgada tem início com a<br />

propositura da demanda em juízo, subordinada ao iter procedimental que termina<br />

45 “Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a<br />

sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”<br />

46 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Wambier e; MEDINA, José Miguel Garcia,. O Dogma da Coisa<br />

Julgada, Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 92.<br />

“(...) há diversas decisões que não produzem coisa julgada, e há outras que, embora protegidas pela<br />

coisa julgada, podem ser desconstituídas pelo mecanismo processual adequado.<br />

Além das sentenças inexistentes – em que há apenas a aparência de coisa julgada, pois a própria<br />

sentença não passa de uma aparência – há decisões judiciais que não ficam acobertadas pela coisa<br />

julgada, ou em que a coisa julgada se opera de modo diferente do que normalmente ocorre em<br />

relação às decisões fundadas em cognição plena e exauriente, em virtude da limitação horizontal ou<br />

vertical da cognição realizada.”<br />

47 NEVES, Celso. Coisa julgada civil. São Paulo: RT, 1971. p. 433/442.<br />

28


com a sentença definitiva de mérito e completa-se quando o pronunciamento judicial<br />

definitivo torna-se imutável.<br />

Para Giusepe Chiovenda 48 , a sentença submetida a recurso seria mera<br />

situação jurídica com pretensão de certo dia tornar-se sentença; apenas seria<br />

sentença quanto aos efeitos executivos antecipados. Nesse sentido, a sentença é<br />

definitiva com o decurso do prazo de recurso ou com outra sentença<br />

hierarquicamente superior e a ação rescisória representa um ataque a uma situação<br />

jurídica completa, enquanto o recurso refere-se a essa mesma situação jurídica,<br />

porém incompleta. 49<br />

48 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de Paolo Capitanio. v. I,<br />

1 ª ed. São Paulo: Bookseller, 1998. n. 117.<br />

49 Para José Carlos Barbosa Moreira, o juízo de admissibilidade do recurso tem natureza<br />

eminentemente declaratória. Assim, o recurso é, ou não, admissível, ao tempo de sua<br />

interposição.Tal juízo de admissão tem eficácia ex tunc, portanto, no caso de admissibilidade<br />

negativa, essa decisão retroage à data do fato em que é verificada a causa da negativa do<br />

conhecimento do recurso e não do momento em que ocorre a declaração do juízo de<br />

inadmissibilidade. Conseqüentemente, o prazo decadencial de dois anos para a propositura da ação<br />

rescisória seria contado a partir do momento em que se verificou a causa de inadmissibilidade do<br />

recurso. (BARBOSA MOREIRA. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 118 e 267). Parece-nos<br />

que, tecnicamente, a solução é correta, entretanto, para evitar injustiças, diante da dificuldade prática<br />

em saber se o recurso interposto será conhecido, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no<br />

sentido de que o dies aquo para o ajuizamento da ação rescisória é o da última decisão prolatada,<br />

salvo quando o recurso for intempestivo ou quando interposto de má-fé. “PROCESSO CIVIL –<br />

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO RESCISÓRIA – PRAZO DECADENCIAL – TERMO A QUO – 1. O<br />

termo inicial para o ajuizamento da ação rescisória é a data do trânsito em julgado da última decisão<br />

da causa, independentemente de o recurso ter sido interposto por apenas uma das partes ou a<br />

questão a ser rescindida não ter sido devolvida ao Tribunal. 2. O trânsito em julgado material somente<br />

ocorre quando esgotada a possibilidade de interposição de qualquer recurso. 3. Afasta-se tese em<br />

contrário, no sentido de que os capítulos da sentença podem transitar em julgado em momentos<br />

diversos. 4. Recurso Especial provido.” RE 415586 / DF. Relatora Min. Eliana Calmon. Julgamento:<br />

12/11/2002. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: 09/12/2002.<br />

29


Carnelutti 50 defendia que a sentença prolatada é dotada de imperatividade e<br />

imutabilidade, contudo, ocorreria condição suspensiva diante da interposição de<br />

recurso. De acordo com Liebman 51 , a sentença é sentença desde logo e pela sua<br />

imperatividade produz todos os efeitos que lhes são inerentes, sem levar em<br />

consideração o fenômeno do trânsito em julgado. Somente estaria sujeita a uma<br />

condição denominada de “constitutiva” por Carnelutti, em razão de eventual<br />

modificação do julgado em segunda instância.<br />

Para nós, a sentença, como ato jurídico perfeito, produz efeitos imediatos em<br />

relação ao julgador, perante outros órgãos (que não podem decidir a mesma<br />

matéria) e entre as partes. Com a decisão final do processo, que se dá com o<br />

trânsito em julgado, as qualidades de imutabilidade e de imperatividade estarão<br />

preenchidas.<br />

50 Aqui merecem ser transcritas as observações de Barbosa Moreira a respeito da singular concepção<br />

de Carnelutti sobre coisa julgada: “A primeira, para ser bem compreendida, exige que se tenha em<br />

mente a posição original assumida, na matéria, pelo ilustre autor [Carnelutti], que, distinguindo na<br />

sentença a “imperatividade” (ou eficácia) da imutabilidade, fazia corresponder àquela o conceito de<br />

coisa julgada material, e a esta o de coisa julgada formal. Daí surgiam duas importantes<br />

conseqüências que singularizam na literatura processual o pensamento carneluttiano: de um lado, a<br />

coisa julgada formal ampliava-se conceptualmente para abranger a impossibilidade de modificar-se a<br />

decisão não só no âmbito do mesmo processo, mas também nos processos futuros; de outro,<br />

invertiam-se os termos em que tradicionalmente se visualiza a relação entre a coisa julgada material<br />

e a coisa julgada formal, para ter-se aquela como antecedente desta, e não vice-versa, pois a<br />

sentença produziria efeitos (isto é, seria imperativa) desde a sua prolação, antes mesmo de preclusas<br />

as vias recursais (ou seja, antes de tornar-se imutável)” BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e<br />

sempre a coisa Julgada. In: Direito Processual Civil: ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Editor<br />

Borsoi,1971. p. 136-137.<br />

51 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 48-49. “A verdade é que nessa teoria se dilui e<br />

desaparece simplesmente a noção da autoridade da coisa julgada: ela não pode consistir realmente<br />

na imperatividade da sentença, que é a sua eficácia natural e constante, independente da sua<br />

definitividade e própria da decisão judicial, na sua qualidade de ato ditado pela autoridade do Estado,<br />

se bem que sujeito a ser reformado, mudado e contraditado por ato da mesma autoridade.”<br />

30


1.9. Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada<br />

A garantia da coisa julgada encontra limitações objetivas (em relação ao<br />

decidido) e subjetivas (quanto às pessoas sujeitas aos efeitos da sentença).<br />

Os limites objetivos são justamente a matéria acobertada pela coisa julgada, a<br />

parte da decisão que fará coisa julgada material. Com a delimitação do objeto,<br />

busca-se impedir reapreciação da mesma lide pelo Poder Judiciário, evitando-se,<br />

inclusive, contradições no plano prático.<br />

É cediço que a sentença compõe-se de três partes: o relatório, a motivação e<br />

a decisão ou o dispositivo, porém, a qualidade de imutabilidade apenas recai sobre o<br />

dispositivo da sentença ou do acórdão. Nessa parte, há apreciação do mérito; a lide<br />

é resolvida, ou melhor, o conflito de interesses é solucionado no processo.<br />

A nossa legislação processual civil dispõe expressamente no art. 468: “A<br />

sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e<br />

das questões decididas”. Com efeito, nem todas as questões discutidas e resolvidas<br />

constituem a coisa julgada, tais como as que não constituem objeto do processo e<br />

tiverem que ser decididas, como premissa lógica da questão principal; assim, podem<br />

ser julgadas livremente em outra demanda levada a juízo por outro motivo.<br />

Contudo, estende-se a coisa julgada ao que foi julgado e decidido, atingindo<br />

as questões que poderiam ter sido discutidas no processo e não foram, sendo<br />

proibido utilizar-se desse fundamento para refutar o resultado do processo. Teresa<br />

Arruda Alvim Wambier denomina o efeito preclusivo e o princípio do deduzido e<br />

dedutível (arts. 473 e 474 do CPC, respectivamente) de medidas de apoio à coisa<br />

julgada. 52<br />

52 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. 1ª ed. São Paulo:<br />

RT, 2005. p. 117-118. “...a eficácia preclusiva da coisa julgada material é a regra de que a decisão<br />

proferida sobre a questão principal (mérito), após o trânsito em julgado, fica imune a posteriores<br />

contestações, fundadas em questões suscetíveis de influir no teor do decisum, mesmo não tendo sido<br />

apreciadas no processo. Nos limites daquilo que consistiu objeto do julgamento, a coisa julgada<br />

cobriria o ‘dedutível e o deduzido’. O espectro de abrangência da coisa julgada cingi-se ao decisum,<br />

31


Segundo Liebman 53 , a expressão coisa julgada deve ser compreendida no<br />

sentido substancial e não no formal, de maneira que os motivos são fundamentais<br />

para determinar seu alcance, embora não façam parte do objeto da coisa julgada.<br />

Nessa mesma linha, o ensinamento de Chiovenda 54 , que entende ser necessário<br />

remontar aos motivos para estabelecer qual seja o “bem da vida” acolhido ou não<br />

pelo julgado.<br />

É o litígio que circunscreve os limites objetivos da coisa julgada por meio da<br />

causa de pedir e do pedido. Thereza Alvim define o objeto litigioso: “é a lide, ou seja,<br />

o conflito de interesses tal como trazido a juízo e delimitado pela pretensão do<br />

autor” 55 ; é o mérito da demanda sobre o qual recai a qualidade de imutabilidade.<br />

Os limites objetivos da coisa julgada estão concentrados na relação entre o<br />

pedido e o dispositivo, sendo a lide delimitada pelo pedido, uma vez que é vedado<br />

ao julgador modificá-lo, ou decidir além, aquém ou fora dele, conforme os<br />

dispositivos processuais 128 56 e 460 57 . Nesse sentido, também se posiciona José<br />

Carlos Barbosa Moreira; para ele, a coisa julgada não pode jamais exceder os<br />

contornos previstos pelo pedido; a lide é julgada e se submete ao órgão jurisdicional<br />

cujo sentido e alcance é delimitado pela causa de pedir. O thema decidendum é o pedido e sobre<br />

esta decisão recairá a autoridade da coisa julgada. Fica protegida da possibilidade de posterior<br />

rediscussão a causa de pedir (ratio decidendi) que serve de base à conclusão, ENQUANTO E NA<br />

MEDIDA EM QUE SERVE DE BASE à conclusão da sentença, pelo que, outros argumentos não<br />

podem ser usados em ação posterior para ressubmeter aquela mesma causa de pedir à apreciação<br />

judicial com o objetivo de alterar aquela decisão (aquele decisum). Só outra causa de pedir é que<br />

pode dar margem à reformulação do ‘mesmo’ pedido perante o Judiciário, pois que, na verdade não<br />

se estará diante do mesmo pedido, mas de outro, pois a causa de pedir qualifica o pedido, como se<br />

sabe.”<br />

53 Liebman, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001. p. 130.<br />

54 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de Paolo Capitanio. v. I,<br />

1 ª ed. São Paulo: Bookseller, 1998. p. 446.<br />

55 Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: RT, 1977. p. 8.<br />

56 “Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de<br />

questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.”<br />

57 “Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem<br />

como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.<br />

Parágrafo único. A sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional.”<br />

32


por meio do pedido, que somente pode solucionar o conflito de interesses nos limites<br />

em que foi proposta. 58<br />

Vale dizer que, embora o limite objetivo da coisa julgada encontre-se no<br />

dispositivo da sentença, relacionado com os pedidos formulados, associa-se<br />

também aos motivos 59 que levaram ao julgamento da demanda ainda que não façam<br />

parte da coisa julgada; tudo para aferição do julgado. A motivação se faz necessária<br />

para compreensão exata do julgado.<br />

Por outro lado, a coisa julgada opera inter partes; aqueles que integram a<br />

relação jurídica de direito processual – quem pede e contra quem é pedida a<br />

atividade jurisdicional. Apenas a eficácia natural da sentença alcançará terceiros.<br />

De acordo com o artigo 472 do diploma processual 60 , a sentença faz coisa<br />

julgada às partes entre as quais é proferida a decisão, não beneficiando, nem<br />

prejudicando terceiros. Tal norma é corolário das garantias constitucionais da<br />

inafastabilidade da tutela jurisdicional, do devido processo legal, do contraditório e<br />

da ampla defesa (art. 5.º, incisos XXXV, LIV e LV da Constituição Federal). A<br />

qualidade de imutabilidade do comando judicial não pode alcançar terceiros que não<br />

participaram do conflito de interesses, sob pena de vedar o acesso à justiça.<br />

58 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Coisa julgada e declaração. In: Temas de Direito Processual.<br />

Primeira Série, 2.ª ed. São Paulo: Saraiva,1998. p. 448.<br />

59 GUSMÃO, Aureliano de. Coisa Julgada. 2. ª ed. São Paulo: Saraiva, 1922. p. 69-70. Aureliano de<br />

Gusmão leciona antes da existência do art. 287 do Código de 1939: “que os motivos como puros<br />

motivos, não têm autoridade de coisa julgada, por isso esta não pode, indubitavelmente, estar nem<br />

onde se acha a decisão do juiz. O juiz, como juiz, decide só as questões ou relações de direito que as<br />

partes trouxeram a juízo e aí foram debatidas. Aos motivos, pois só deve ser atribuída a autoridade<br />

da coisa julgada quando eles como que fazem corpo com o dispositivo da sentença, como partes<br />

integrantes deste, de maneira que neles esteja a razão mesma de ser do dispositivo, de modo que,<br />

abstraindo-se deles, a contenda ou a relação jurídica disputada pelos litigantes não teria ficado<br />

dirimida só pelo dispositivo, e poder-se-ia dizer que não existe sentença, numa palavra, a coisa<br />

julgada deve-se procurar em qualquer parte da sentença onde esteja resolvida a relação de direito<br />

controvertida na demanda e, conseqüentemente, nos motivos, só quando neste estiver expressa tal<br />

relação como causa imediata do dispositivo da sentença.” Constate-se que o autor entendia por<br />

acobertar todas as questões decidas pelo instituto da coisa julgada.<br />

60 “Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem<br />

prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no<br />

processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em<br />

relação a terceiros.”<br />

33


Contudo, de acordo com o posicionamento de Liebman, em regra, o terceiro é<br />

atingido pelos efeitos da sentença, mas não pela coisa julgada. Como já exposto<br />

(v.n. 1.1), o autor sustenta existir distinção entre a eficácia natural da sentença (ato<br />

do Estado) e a autoridade da coisa julgada, que só alcança as partes. Como ato<br />

jurídico do poder estatal, a sentença tem igual eficácia e valor de preceito perante<br />

todos os sujeitos da ordem jurídica. 61 Como ato do Estado, reveste-se de presunção<br />

de legitimidade e, independentemente da coisa julgada, se põe também para<br />

terceiros. 62 O art. 472 do Código de Processo Civil consagra essa teoria.<br />

Chiovenda 63 sustenta a necessidade de todos reconhecerem o julgado entre<br />

as partes ainda que essa decisão não prejudicasse terceiro; tal entendimento tem<br />

como base a idéia de Wach. Carnelutti 64 defende que a eficácia reflexa da coisa<br />

julgada se estendia aos terceiros juridicamente interessados, independentemente da<br />

relação.<br />

Em suma, os efeitos da sentença não se limitam às partes; o terceiro atingido<br />

juridicamente pelo comando da sentença, desde que tenha interesse e legitimidade<br />

processual, pode buscar outro pronunciamento judicial, sem que se possa opor a<br />

coisa julgada, porém, há situações em que a relação jurídica atingida pela<br />

autoridade da coisa julgada e a posição jurídica do terceiro são coincidentes. Dessa<br />

forma, a extensão da coisa julgada será erga omnes e o comando judicial vinculará<br />

o terceiro. 65<br />

61 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 54.<br />

62 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 123. “A sentença, como ato autoritativo ditado por<br />

um órgão do Estado, reivindica naturalmente, perante todos, seu ofício de formular qual seja o<br />

comando concreto da lei ou, mais genericamente, a vontade do Estado, para um caso determinado.<br />

As partes, como sujeitos da relação a que se refere a decisão, são certamente as primeiras que<br />

sofrem a sua eficácia, mas não há motivo que exima os terceiros de sofrê-la igualmente.”<br />

63 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de Paolo Capitanio. v. I,<br />

1 ª ed. São Paulo: Bookseller, 1998. p. 571. “Todos somos obrigados a reconhecer o julgado entre as<br />

partes; não podemos, porém, ser por ela prejudicados”<br />

64 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa<br />

Julgada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 263.<br />

65 Neste contexto: “A coisa julgada que se constitua para qualquer dos litisconsortes [ainda que<br />

virtuais] vale igualmente para os outros, e esse resultado deverá ocorrer tanto na hipótese de<br />

34


As noções fundamentais trazidas de forma concisa, até o momento, são<br />

essenciais para análise adequada das situações que realmente comportam<br />

discussão quanto à aventada possibilidade de mitigar a coisa julgada sob o pretexto<br />

de tornar o processo mais “efetivo” e fazer valer o acesso à justiça.<br />

Hoje, o acesso à justiça pressupõe um alargamento e um aprofundamento<br />

dos métodos e dos objetos do Direito atual. De fato, o processo judicial desejável é<br />

aquele que consegue balancear os ideais de Justiça, de Acesso, de Estabilidade e<br />

de Celeridade para fins de pacificação social.<br />

Todavia, o que nos parece correto é que o próprio sistema jurídico brasileiro,<br />

bem interpretado e aplicado, oferece ao intérprete e ao aplicador mecanismos<br />

hábeis a contornar os problemas propostos que, em nosso sentir, em grande parte,<br />

são “falsos problemas”. Em um desses mecanismos, encarta-se a inexistência da<br />

sentença (e, por isso, a inexistência de formação da coisa julgada), diante de<br />

sentenças que violam ou que afrontam a Constituição Federal, objeto central deste<br />

trabalho e adiante melhor examinada.<br />

processos distintos e sucessivos, quanto na de um único processo em que vários deles, ou todos,<br />

atuem em conjunto. Ora, se se admitisse quebra de uniformidade na solução do litígio, de tal sorte<br />

que para um, ou para alguns, a decisão viesse a apresentar determinado teor contrário, haveria a<br />

conseqüência absurda de sobreviverem, para cada qual, duas coisas julgadas contraditórias.”<br />

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V: art. 476 a 565.<br />

Rio de Janeiro: Forense, 2008.<br />

35


CAPÍTULO 2 – AÇÃO RESCISÓRIA<br />

Cumpre-nos, em primeiro lugar, examinar o mecanismo tido como “clássico”<br />

ou “tradicional”, previsto em nosso ordenamento jurídico (CPC); hábil a desconstituir<br />

sentenças transitadas em julgado, a saber, a ação rescisória, prevista no art. 485,<br />

CPC.<br />

O regime típico geral de rescisão da coisa julgada é um instrumento<br />

excepcional para afastar a imutabilidade do comando judicial face à garantia<br />

constitucional da coisa julgada.<br />

Na definição de Othon Sidou: “Ação rescisória é o meio processual destinado<br />

a negar efeito a decisão judicial transitada em julgado, desde que ocorra vício grave<br />

expressamente mencionado em lei”. 66<br />

2.1. Considerações gerais, natureza, pressupostos e objeto<br />

Inicialmente, observe-se que a sentença, quando dotada de vícios<br />

relacionados à sua validade, poderá ser refutada por dois remédios processuais<br />

previstos expressamente na legislação (recursos 67 e ação rescisória). Enquanto não<br />

verificado o trânsito em julgado da sentença, é por meio do recurso que se rebate a<br />

invalidade do pronunciamento judicial definitivo. Operada a coisa julgada, apenas a<br />

66 SIDOU, J. M. Othon. Processo Civil Comparado. Histórico e Contemporâneo. Rio de Janeiro:<br />

Forense Universitária, 1997. p. 326.<br />

67 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações. São Paulo: RT, 1974. t. IV, p.<br />

527. O recurso, na lição de PONTES DE MIRANDA, caracteriza-se por uma “impugnativa dentro da<br />

mesma relação jurídica processual da resolução judicial que se impugna.” Quando não verificado o<br />

trânsito em julgado, só cabem recursos em face da sentença viciada pela invalidade.<br />

36


ação rescisória poderá afastar a nulidade da sentença. 68 Ressalte-se, contudo, que<br />

a lei de forma exaustiva enumera as hipóteses de nulidade. 69<br />

Será demonstrado, no capítulo 4, que a qualidade de imutabilidade do<br />

comando judicial não recai sobre sentenças contrárias à Constituição Federal; tais<br />

sentenças são ditas como inexistentes. Sobre elas não incidem a coisa julgada e, via<br />

de regra, não são suscetíveis de serem atacadas por meio da ação rescisória, diante<br />

da ausência dos pressupostos de cabimento da referida ação indicados no caput do<br />

art. 485: sentença de mérito e trânsito em julgado.<br />

A ação rescisória é, portanto, o mecanismo previsto no Direito Brasileiro,<br />

direcionado para anular (juízo rescindendo) ou desconstituir a sentença acobertada<br />

pela coisa julgada e, quando possível, emitir novo pronunciamento em substituição<br />

ao anterior (juízo rescisório). Tecnicamente, trata-se de ação de natureza<br />

constitutiva negativa; instaura-se outra relação jurídica processual com o objetivo de<br />

rever o julgamento anterior transitado em julgado, substituindo-o ou, apenas,<br />

invalidando-o. 70 Conforme ensina Coqueijo Costa 71 , o seu fundamento "é sempre<br />

processual: não envolve diretamente pretensão de direito material."<br />

68 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civi, 14ª. ed. Rio de<br />

Janeiro: Forense, 2008. 5.v. p. 108/109. Para BARBOSA MOREIRA, a sentença rescindível não é<br />

nula, mas sim anulável, já que "uma invalidade que só opera depois de judicialmente decretada<br />

classificar-se-á, com melhor técnica, como ‘anulabilidade´. Rescindir, como anular, é desconstituir.”<br />

69 MARTINS, Pedro Batista. Recursos e Processos de Competência Originária dos Tribunais.<br />

Atualizado por Alfredo Buzaid, Rio de Janeiro: Forense, 1957. n º 54, p. 78. “quando a sentença é<br />

nula, por uma das razões qualificadas em lei, concede-se ao interessado ação para pleitear a<br />

declaração de nulidade.”<br />

70 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civi, 14ª. ed. Rio de<br />

Janeiro: Forense, 2008. 5.v. p. 100. Vale conferir a definição de BARBOSA MOREIRA: "chama-se<br />

rescisória a ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com<br />

eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada".<br />

71 COQUEIJO COSTA, Carlos. Ação Rescisória, atualizada por Roberto Rosas. 6ª ed. São Paulo: LTr,<br />

1992. p. 23 - 24.<br />

37


Pela própria Constituição Federal 72 , a ação rescisória é protegida. Apenas<br />

cabe ao legislador infraconstitucional definir as hipóteses de seu cabimento,<br />

respeitando o princípio constitucional do devido processo legal. Nem toda sentença<br />

acobertada pela qualidade de imutabilidade é passível de ação rescisória (v. n. 1.6).<br />

No âmbito dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 59) e nas ações de controle<br />

direto de constitucionalidade (Lei 9.868/99, art. 26), são exemplos de regras que<br />

afastam a possibilidade de propositura da ação rescisória.<br />

O legislador, ao definir o regime específico da coisa julgada, considera os<br />

valores predominantes na sociedade para obtenção de um processo razoável, em<br />

atenção à garantia constitucional do devido processo legal (CF, art. 5.º, inc. LIV).<br />

Referida garantia traz, em sua essência, a idéia da proteção do cidadão contra<br />

eventuais arbítrios do Estado, quer em seu aspecto processual, como também em<br />

sua idéia substantiva (=material), conhecida entre os americanos como o substantive<br />

due process. A face substantiva do devido processo legal vincula-se à idéia de<br />

razoabilidade das leis 73 , desde o momento da criação da lei. Há necessidade de se<br />

constatar todas as garantias constitucionais, sob pena de ofensa ao próprio Estado<br />

Democrático de Direito.<br />

Segundo o caput do artigo 485 do Código de Processo Civil, a ação rescisória<br />

tem por objeto a sentença de mérito transitada em julgado. A expressão “sentença”,<br />

no referido dispositivo, deve ser compreendida no sentido amplo; abrange, também,<br />

os acórdãos.<br />

72<br />

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,<br />

cabendo-lhe:<br />

I - processar e julgar, originariamente:<br />

j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;”<br />

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:<br />

I - processar e julgar, originariamente:<br />

e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;”<br />

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:<br />

I - processar e julgar, originariamente:<br />

b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região;”<br />

73 Supremo Tribunal Federal quanto ao tema da razoabilidade e proporcionalidade das leis, julgou<br />

Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 855, que teve como relator o Ministro<br />

SEPÚLVEDA PERTENCE, realizado em 1º de julho de 1993.<br />

38


É imprescindível a qualificação “mérito” para formação da coisa julgada<br />

material. Destaca Barbosa Moreira 74 que não importa a forma, mas a essência da<br />

decisão. Sendo o conteúdo decisório de mérito, a decisão é suscetível de ser<br />

desafiada por meio da ação rescisória mesmo que formalmente tenha ocorrido erro<br />

de qualificação da decisão.<br />

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que, se a decisão<br />

prolatada em agravo de instrumento constitui autêntico exame de mérito, pondo fim<br />

ao processo, contra ela cabe ação rescisória. 75<br />

Exige-se, ainda, o requisito do trânsito em julgado da sentença 76 , porém, não<br />

há necessidade de que todos os recursos previstos na legislação tenham sido<br />

utilizados, conforme entendimento consolidado na Súmula do Supremo Tribunal<br />

Federal 514: "admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado,<br />

ainda que contra ela não se tenham esgotados todos os recursos".<br />

74 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V: art. 476 a<br />

565. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 111. “Para a aferição da rescindibilidade é irrelevante o<br />

eventual erro de qualificação cometido pelo órgão que decidiu. O que se tem de levar em conta é a<br />

verdadeira natureza da decisão. Assim, v.g., embora não sejam de mérito (art. 267, VI), nem pois<br />

rescindível as sentenças de ‘carência de ação’, como a que indefere a inicial por olegitimidade de<br />

parte, a situação muda de figura se o juiz, com impropriedade, dissera julgar o autor ‘carecedor de<br />

ação’ quando na realidade estava a declarar improcedente o pedido. Corretamente interpretada a<br />

sentença, evidencia-se o cabimento da ação rescisória, tal qual se evidenciaria, na hipótese inversa,<br />

o descabimento.”<br />

75 AR n º 1.154-6. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento: 15/03/84. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.<br />

Publicação: 31/03/84.<br />

76 Não há necessidade do prequestionamento para propositura da ação rescisória. É indispensável,<br />

todavia, que a violação da lei tenha sido relevante no resultado da lide e possa a sua correta<br />

aplicação alterar o julgamento.<br />

Segue decisão do STF: Ementa: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.<br />

CONSTITUCIONAL. RESCISÓRIA. CABIMENTO. EXIGÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.<br />

PRAZO DECADENCIAL. INOBSERVÂNCIA. VIOLAÇÃO EFETIVA À <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>. 1. Ação<br />

rescisória. Cabimento. Exigência de prequestionamento para a sua admissibilidade. Insubsistência. O<br />

Supremo Tribunal Federal, à época em que detinha competência para apreciar a negativa de vigência<br />

de legislação federal, assentou que as hipóteses enunciadas nos incisos do artigo 485 do Código de<br />

Processo Civil evidenciam a inaplicabilidade, à rescisória, do pressuposto concernente ao<br />

prequestionamento, dado que a rescisória não é recurso, mas ação contra a sentença transitada em<br />

julgado. Precedentes. 2. Ação rescisória. Julgamento sem observância do prazo bienal. Decadência.<br />

Há efetiva violação à coisa julgada, se conhecida e julgada procedente ação rescisória proposta<br />

quando já decorrido o prazo bienal, contado a partir do trânsito em julgado da decisão rescidenda.<br />

Agravo regimental não provido.” RE – AgR 444810 / DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento:<br />

29/03/2005. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: 22/04/2005.<br />

39


2.2. Hipóteses de cabimento e a tendência de sua extensão<br />

O artigo 485 do Código de Processo Civil enumera taxativamente as<br />

hipóteses de cabimento da ação rescisória, a saber: prevaricação, concussão e<br />

corrupção do julgador; impedimento ou incompetência absoluta do juiz; dolo do<br />

vencedor ou colusão entre as partes; ofensa à coisa julgada; ofensa à literal<br />

disposição de lei; fundamento da sentença em prova falsa; superveniência de<br />

documento novo; vício da confissão ou ato de vontade no qual se baseou a decisão<br />

e erro de fato. Contudo, é certo que há outras hipóteses complementares, nos<br />

artigos 352, inciso II e 1.030 também do diploma legal. Mas, é acerto afirmar ser<br />

vedado o emprego da analogia já que a ação rescisória afina-se à proteção<br />

constitucional da coisa julgada (CF, art. 5.º, inc. XXXVI). 77<br />

2.2.1. Prevaricação, concussão e corrupção do juiz<br />

Todas essas condutas se constituem em crimes, em condutas tipificadas pela<br />

lei penal como reprováveis, como inaceitáveis pela sociedade. Tais delitos<br />

comprometem todo o sistema jurisdicional; atingem toda a segurança e a<br />

confiabilidade do Poder Judiciário.<br />

A coisa julgada, logicamente, não pode ser concebida nessas circunstâncias<br />

dada a gravidade dos crimes de prevaricação, de concussão e de corrupção do juiz.<br />

Para fins rescisórios, a interpretação de tais condutas não deve ser tão restrita como<br />

a utilizada para constatação dos tipos penais. Pontes de Miranda, nesse sentido,<br />

leciona que os termos empregados no inciso I do artigo 485 abrangem todas as<br />

77 Entretanto, há quem propugne por uma interpretação extensiva do art. 485 (mais especificamente<br />

de alguns de seus incisos), a fim de conferir razoabilidade aos incisos do artigo em questão, com o<br />

escopo de atender ao adequado sentido e ao alcance da norma. Nesse sentido, V. Teresa Arruda<br />

Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina (O Dogma da Coisa Julgada, Hipóteses de<br />

Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 173 e ss).<br />

40


“fraudes em que pode incorrer o julgador”, enquadráveis nas noções gerais dos tipos<br />

penais. O legislador, ao fixar tal hipótese, pretendeu afastar a imparcialidade in<br />

concreto do juiz.<br />

De forma contrária, Sérgio G. Porto afirma que para embasar o pedido de<br />

rescisória, os conceitos de prevaricação, de concussão e de corrupção são os<br />

extraíveis exatamente dos tipos penais. 78 Não nos parece adequada essa afirmação,<br />

pois a imparcialidade do julgador protegida pelo legislador pode ser ofendida por<br />

outras condutas; além do mais, a procedência da ação rescisória não depende do<br />

julgamento na esfera criminal.<br />

2.2.2. “Violar literal disposição de lei” (artigo 485, inciso V, Código de<br />

Processo Civil)<br />

Para maioria da doutrina, a expressão “lei”, constante do inciso V, está em<br />

sentido amplo; compreende a norma geral e abstrata, qualquer que seja a espécie<br />

normativa. Assim, refere-se à norma de direito estrangeiro, constitucional, estadual e<br />

municipal. Conforme Barbosa Moreira, até mesmo os regulamentos administrativos<br />

fazem parte do vocábulo lei. 79<br />

78 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V: art. 476 a<br />

565. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 121. “Parece-nos que a interpretação de inciso ora comentado<br />

deve ater-se aos conceitos penalísticos de prevaricação, concussão e corrupção (passiva). É<br />

necessário, para que seja rescindível a sentença, que o comportamento do juiz corresponda a um<br />

desses tipos penais. Não exige, contudo, a prévia condenação criminal do prolator da sentença, nem<br />

sequer a preexistência de processo penal contra ele instaurado. Caberá ao órgão julgador da<br />

rescisória, para os fins a que visa a ação, verificar a ocorrência dos extremos da figura delituosa<br />

invocada.”<br />

79 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V: art. 476 a<br />

565. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 131. “ ‘Lei’, no dispositivo sob exame, há de entender-se em<br />

sentido amplo. Compreende, à evidencia, a Constituição, a lei complementar, ordinária ou delegada,<br />

a medida provisória, o decreto legislativo, a resolução (Carta da República, art. 59), o decreto<br />

emanado do Executivo, o ato normativo baixado por órgão do Poder Judiciário (v.g., regimento<br />

interno: Constituição Federal, art. 96, n.º I, letra a). Inexiste qualquer diferença, a este respeito, entre<br />

normas jurídicas editadas pela União, por Estado-membro ou por Município. Também a violação de<br />

norma jurídica estrangeira torna rescindível a sentença, na hipótese de ter-se aplicada à espécie o<br />

direito de outro país.<br />

41


Não há necessidade de prequestionamento das normas violadas na decisão<br />

rescindenda; o inciso é claro ao mencionar somente violação a literal dispositivo de<br />

lei. Dessa forma, caso a decisão violar a literalidade da lei, sem se referir a essa<br />

explicitamente, caberá a ação rescisória. 80 - 81<br />

2.2.2.1. Princípios e normas<br />

Para Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, também, os<br />

princípios jurídicos se enquadram na hipótese em questão (art. 485, V do CPC),<br />

sendo rescindível a sentença diante da incidência de princípio inadequado ou<br />

quando o Judiciário não aplicou o princípio necessário. 82 Os autores mencionam que<br />

nem sempre a lei trará soluções, diante da velocidade com que se sucedem os fatos<br />

na atualidade e do maior acesso à justiça. Salientam que o desrespeito a princípios<br />

é muito mais nocivo para o mundo jurídico que a violação a dispositivos legais.<br />

Asseguram inclusive, que a redação do art. 485, V do CPC é “reminiscência de<br />

épocas” que consagravam a lei como valor supremo.<br />

Podemos dizer que os princípios são premissas básicas que se compõem de<br />

forma lógica, harmônica e racional, para nortear o ordenamento jurídico como um<br />

todo, de forma capaz a garantir os preceitos sociais e jurídicos fundamentais.<br />

Possuem sua relevância no meio jurídico, independentemente da forma escrita; sua<br />

imposição é baseada na sedimentação de conceitos na sociedade como preceitos<br />

fundamentais que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico.<br />

Muitos princípios gerais do direito não estão declarados nas normas jurídicas,<br />

Não há que destinquir, por outro lado, entre normas atinentes ao direito internacional e ao direito<br />

interno, ou entre normas pertencentes a um ou a outro ramo deste. É irrelevante que se viole o direito<br />

material ou o direito processual: será rescindível, v.g., a sentença que, ao arrepio do preceito<br />

insculpido no art. 128, julgue ultra petita ou extra petita.”<br />

80 Vale argumentar que a ação rescisória não tem a função de uniformizar a aplicação do direito; tem<br />

como objetivo principal a proteção do direito da parte.<br />

81 Neste sentido: RTJ 97-669-Pleno, 116/451-Pleno, 116/870-Pleno.<br />

82 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada,<br />

Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 173.<br />

42


entretanto, nelas estão implícitos e extraídos por meio de um processo de indução e<br />

de abstração.<br />

Há, no mínimo, três funções dos princípios no direito geral: a) função<br />

fundamentadora; b) função orientadora da interpretação; c) função de fonte<br />

subsidiária. Atualmente, tanto a doutrina como a jurisprudência admitem a aplicação<br />

dos princípios independentemente da existência de lacuna na legislação, o que<br />

afasta a tese da supremacia absoluta da lei. 83<br />

A força dos princípios, diz Ricardo Luiz Lorenzetti, foi adquirida ao longo da<br />

história decorrente de duas virtudes. “A primeira é a simplicidade, ou menos a<br />

aspiração de ter um conjunto de idéias que orientem o cálculo jurídico. A segunda é<br />

sua hierarquia superior.” 84<br />

Luiz Antonio Rizzatto Nunes 85 ensina que o princípio jurídico corrobora para o<br />

entendimento e para a aplicação das normas jurídicas ligadas a ele, por ser um<br />

enunciado implícito ou explícito de grande generalidade.<br />

Com uma visão pós-positivista sobre a principiologia jurídica, observando a<br />

inserção dos diversos preceitos principiológicos no contexto normativo é importante<br />

destacar os ensinamentos de Robert Alexy 86 que relata que a formulação de<br />

83 VELOSO, Zeno. Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil: artigos 1.º a 6º. 2. ed. Belém:<br />

Unama, 2006. p. 105. “Os princípios gerais – e muitos deles já foram incorporados à Carta Magna,<br />

sendo dotados, portanto, de estatura máxima no ordenamento – não se prestam, somente, para<br />

colmatar lacunas, preencher vazios; não vão ser aplicados subsidiariamente, apenas, assumindo o<br />

papel de fontes secundárias. Mas, em qualquer caso, devem ser seguidos, orientar a atuação do<br />

magistrado em todas as fases da formação de sua convicção de seu juízo deliberativo, indicando-lhe<br />

o rumo, a direção até chegar à sentença. Mesmo que a ação diga respeito a uma situação<br />

expressamente prevista na lei, o que vai aplicar o direito precisa buscar inspiração e observar os<br />

princípios gerais de direito – notadamente os valores e normas constitucionais -, para bem e melhor<br />

fazer justiça, sem deslembrar o pressuposto ético, o conteúdo moral das regras.”<br />

84 LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. Trad. Vera Maria Jacob de Fradera.<br />

São Paulo: RT, 1998. p. 315.<br />

85 RIZZATO NUNES, Luiz Antonio. Manual de Introdução ao Estudo de Direito: com exercícios para<br />

sala de aula e lições de casa. 3 ed. ver., atual. e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 165. “o<br />

princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade,<br />

ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico e, por isso mesmo, vincula, de<br />

modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.”<br />

86 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução espanhola de Ernesto Garzón<br />

Valdés. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid, 2002. p. 248.<br />

43


princípios enseja uma classe superior de normas jurídicas, tratando-se de<br />

proposições normativas de alto nível de generalidade.<br />

Alexy destaca que a forma característica das regras é a subsunção, portanto,<br />

ou são cumpridas, ou não são cumpridas. Por outro lado, a característica da<br />

aplicação dos princípios é a ponderação, figurando como mandados de otimização,<br />

que podem ser postos em prática segundo uma extensão variável, dependendo das<br />

condições de fato e de direito. Observe-se que a norma jurídica tem generalidade<br />

menor que os princípios uma vez que descreve condutas sociais que são dirigidas a<br />

todos que se enquadram naquela situação fática.<br />

Sérgio Sérvulo da Cunha 87 diz que “normas não existem sem os respectivos<br />

enunciados. É a partir de determinado enunciado que podemos dizer: isso é uma<br />

norma. O princípio, porém, existe antes do respectivo enunciado; e só passamos a<br />

buscar seu enunciado a partir da revelação, identificação e nominação do princípio.”<br />

De fato, até pouco tempo, era comum interpretar e aplicar o direito levando-se<br />

em conta apenas a lei ordinária principal. Anteriormente, os princípios gerais<br />

habitavam uma esfera abstrata e quase zero era a normatividade; tinham como base<br />

a escola jusnaturalista. O Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr., sustenta que a<br />

positivação do direito trouxe maior segurança e compreensão de seu entendimento,<br />

além provocar a conscientização de seus limites. 88<br />

Há julgado do Superior Tribunal de Justiça decidindo pela interpretação ampla<br />

do art. 485, V do Código de Processo Civil, incluindo, inclusive, os princípios gerais<br />

de Direito. 89<br />

87 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios Constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 54.<br />

88 FERRAZ Jr, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4.ª ed.<br />

São Paulo: Atlas, 2003. p. 72. “O fato de o direito tornar-se escrito contribuiu para importantes<br />

transformações na concepção de direito e de seu conhecimento. A fixação do direito na forma escrita,<br />

ao mesmo tempo em que aumenta a segurança e a precisão de seu entendimento, aguça também a<br />

consciência dos limites.”<br />

89 Segue ementa: “PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA - FALTA DE PEÇAS ESSENCIAIS -<br />

ARTIGO 485, V, DO CPC. - VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO - POSSIBILIDADE -<br />

IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.<br />

44


Civil<br />

2.2.2.2. Teorias de aplicação do artigo 485, inciso V, Código de Processo<br />

O sentido de “literal disposição...” é pura aplicação incorreta das normas<br />

jurídicas (negativa de vigência da lei ou aplicação de lei inapta), sem constatação do<br />

reexame dos fatos da causa. Porém, vale lembrar que o ordenamento jurídico pode<br />

ser ofendido pela inexatidão quanto à avaliação da prova. O julgador pode aplicar ou<br />

não certa regra com base em premissas erradas relacionadas aos fatos do<br />

processo, e, como se sabe, o meio adequado para rebater esse equívoco é a<br />

interposição de recurso. A Rescisória não é supedâneo de recurso, não se<br />

prestando a tal mister.<br />

Não pensamos que o sentido da expressão “literal” dirija-se ao teor literal do<br />

dispositivo normativo, pois ocorre violação inclusive quando a sentença contém<br />

orientação incompatível com a interpretação correta, porém, não é viável exigir que,<br />

na jurisprudência, não exista controvérsia em relação ao sentido da lei.<br />

Uma das teorias de interpretação do inciso V, artigo 485 do CPC, é reforçada<br />

pelo enunciado da Súmula 343 do STF, que defende ser a decisão rescindenda<br />

baseada em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais, não suficiente<br />

para caber a rescisória pelo artigo 485, inciso V. 90 Parece que todas as correntes<br />

jurisprudenciais seriam adequadas e o juiz poderia escolher sem ressalvas qualquer<br />

uma das alternativas existentes; estaríamos diante de um juízo discricionário. No<br />

entanto, a tarefa do julgador é aplicar a lei em concreto; os fatos constantes dos<br />

autos deverão ser identificados e enquadrados na hipótese de incidência da norma.<br />

Quando o autor não apresenta os documentos essenciais à compreensão da causa, mas o réu os<br />

apresenta, fica suprida a deficiência. A interpretação do artigo 485, inciso V, do CPC, deve ser ampla<br />

e abarca a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito (art. 4º da LICC).<br />

A interpretação divergente de princípios ou de posicionamento jurisprudencial não autoriza a rescisão<br />

do acórdão (Súmulas 343 do STF e 143 do TFR). Pedido rescisório improcedente. Decisão unânime.”<br />

STJ. AR 822. Relator: Min. Franciulli Netto. Julgamento: 26/04/2000. Órgão Julgador: Primeira Seção.<br />

Publicação: 28/08/2000.<br />

90 Súmula 343 – “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão<br />

rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais.”<br />

45


Outra teoria defende o enunciado da Súmula 343 do STF, mas com restrições<br />

quanto à matéria constitucional. É entendimento pacificado no Supremo de que é<br />

inaplicável a Súmula em questão se a matéria for constitucional. 91 A aplicação de tal<br />

Súmula em matéria constitucional pode ser considerada uma afronta não só à força<br />

normativa da Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da<br />

norma constitucional, pois conceber a aplicação da orientação contida no aludido<br />

verbete em matéria de interpretação constitucional fortalece as decisões das<br />

instâncias ordinárias em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal, o<br />

que é inviável. Ademais, vale salientar que a jurisprudência admite a propositura da<br />

ação rescisória, sem observância da Súmula 343 não apenas em caso de violação<br />

direta da Constituição, mas também, quando uma questão constitucional esteja<br />

envolvida.<br />

Ressalte-se que a Súmula suscitada é objeto de diversas críticas; parte da<br />

doutrina a equipara com a Súmula 400 92 , também do Supremo e a considera<br />

inconstitucional, por ferir alguns princípios da Carta Magna: princípio da legalidade<br />

(art. 5.º, inc. II da CF) e princípio da isonomia (caput do art. 5.º) e é esse nosso<br />

entendimento. Os Tribunais não podem aplicar a norma de forma diferente a casos<br />

idênticos tendo como base as mesmas circunstâncias e o mesmo período de<br />

incidência.<br />

Há hipóteses em que a jurisprudência ou até mesmo as súmulas podem ser<br />

contra legem e ferir literal dispositivo da lei. José Carlos Barbosa Moreira diz que a<br />

Súmula 512 do E. STF, que exclui o cabimento de honorários advocatícios em<br />

mandado de segurança, é contra legem. 93<br />

91 Neste sentido: RE nº 101.114 / SP. Relator: Min. Rafael Mayer. Julgamento: 10/02/84. Órgão<br />

Julgador: Primeira Turma. RE nº 103.880 / SP. Relator: Min. Sydney Sanches. Julgamento: 22/02/85.<br />

Órgão Julgador: Primeira Turma.<br />

92 "Decisão que deu razoável interpretação a lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso<br />

extraordinário pela letra a do art. 101, III, da Constituição Federal".<br />

93 Outra hipótese de jurisprudência contra legem, segue ementa do E. Superior Tribunal de Justiça:<br />

“AÇÃO RESCISÓRIA. - CONDIÇÃO DA AÇÃO. A JURISPRUDENCIA CONSAGROU NÃO CABER<br />

AÇÃO RESCISORIA QUANDO, A DATA DA DECISÃO RESCINDENDA, A INTERPRETAÇÃO ERA<br />

DIVERGENTE NOS TRIBUNAIS. URGE, POREM, REGISTRAR UMA EXCEÇÃO, OU SEJA, SE AS<br />

46


O cabimento da ação rescisória é restritivo; o legislador infraconstitucional<br />

fixou exaustivamente as hipóteses que permitem a quebra da coisa julgada<br />

protegida constitucionalmente, por existir, na sentença de mérito, vícios de validade.<br />

Ademais, admite-se uma interpretação extensiva em relação aos incisos do<br />

artigo 485 do Código de Processo Civil, sem gerar resultados prejudiciais ao<br />

ordenamento jurídico. Considere-se especialmente o inciso V.<br />

Acompanhando a evolução social, cada vez mais ocorrem questionamentos<br />

quanto ao sopesamento dos valores justiça e segurança para “quebra” da coisa<br />

julgada, sem, entretanto, analisar sua real necessidade e os mecanismos já<br />

existentes no ordenamento jurídico para tal fim.<br />

Com essa explanação, é possível caminhar para análise das propostas de<br />

relativização da coisa julgada, principalmente, quando ela venha a ferir<br />

flagrantemente os valores primordiais do Estado Democrático de Direito, como a<br />

igualdade, a justiça, a dignidade e a moralidade. Ressalte-se que essa nova postura<br />

não se coaduna com a visão clássica da coisa julgada, segundo a qual ela seria<br />

inatingível.<br />

ORIENTAÇÕES AFRONTAM LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. (AR 46 / SP. Relator: Min. Luiz Vicente<br />

Cernicchiaro. Órgão Julgador: Primeira Seção. Publicação: 18/12/1989<br />

47


CAPÍTULO 3 – MANIFESTAÇÕES DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS EM<br />

TORNO DA CHAMADA “RELATIVIZAÇÃO DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>”<br />

A coisa julgada era vista como uma espécie de dogma incontestável.<br />

Esgotadas as hipóteses de impugnação da sentença, seu comando se tornaria<br />

indiscutível, conferindo segurança aos litigantes. Diz-se correntemente que, com o<br />

trânsito em julgado, se dá a convalidação de certos vícios que pudessem acometer<br />

a sentença. Não rescindidas as sentenças, com fulcro no art. 485 do CPC, no prazo<br />

máximo de dois anos a partir do trânsito em julgado (art. 495 do CPC), elas jamais<br />

serão retiradas do mundo jurídico. Trata-se, como exposto no item 1.1, de atributo<br />

político inerente ao instituto da coisa julgada para proporcionar a pacificação social.<br />

Sabe-se que, com a crescente valoração do sentido do ‘justo’ (subjetivo),<br />

multiplicaram, no Direito Brasileiro, formulações doutrinárias e jurisprudenciais as<br />

quais sustentam pela “relativização da coisa julgada” para impedir a eternização de<br />

sentenças ditas injustas e que provoquem descrença na força da Constituição de um<br />

Estado Democrático de Direito. 94<br />

Ocorre que temos teses flexíveis com o escopo de equilibrar a garantia<br />

constitucional da coisa julgada com as demais garantias constitucionais e outras<br />

mais ponderáveis. Não podemos deixar de mencionar os entendimentos que<br />

94 Sérgio Gilberto Porto assegura que a tese de relativização da coisa julgada vem como uma terceira<br />

onda na seqüência de outras duas que opinavam pela flexibilização de institutos e de princípios<br />

jurídicos, sendo que a primeira onda incidiu sobre os “direitos fundamentais e por que não dizer das<br />

garantias constitucionais”, com a “mitigação de certo direito frente a outro ainda mais relevante, sob<br />

pena de, em se mantendo a inflexibilidade, gera um resultado desproporcional, haja vista que se<br />

estaria prestigiando um direito de menor hierarquia, embora também de assento constitucional”.<br />

Ademais, lembra o autor, dentre outros, os casos de “prazos processuais beneficiados da Fazenda<br />

Pública, frente à garantia da isonomia: a decisão arbitrai com força de coisa julgada material, frente à<br />

garantia da inafastabilidade”. A segunda onda permite a flexibilização da coisa julgada por<br />

determinação infraconstitucional “primeiro porque Legislativo edita leis de tal índole e segundo porque<br />

o Judiciário dá guarida a tais leis. Evidentemente, a garantia constitucional da autoridade da coisa<br />

julgada, frente a esta tendência, não poderia resultar indene e, por certo, o vírus da relativização lhe<br />

alcançaria, como efetivamente, alcançou”. Já a terceira onda “que admite a relativização da coisa<br />

julgada para além das hipóteses nominadas e, igualmente, para além da forma consagrada pela<br />

ordem jurídica processual, ou seja, a proposta através de catálogo expresso e técnica determinada,<br />

usada para invalidar o pronunciamento judicial transitado em julgado, é superada, nascendo nova e<br />

informalizada espagiri processual. PORTO, Sérgio Gilberto. Cidadania processual e relativização da<br />

coisa julgada. In: Revista de Processo, n.º 304. Porto Alegre: Notadez, 2003. p. 25-26.<br />

48


epudiam qualquer possibilidade de atacar sentenças passadas em julgado, a não<br />

ser pelos meios já consagrados pelo ordenamento jurídico: ação rescisória/ revisão<br />

criminal.<br />

3.1. Algumas teses estrangeiras<br />

Não pretendemos analisar ordenamentos jurídicos estrangeiros em tema de<br />

mitigação da coisa julgada, contudo, vale salientar alguns textos da doutrina<br />

estrangeira que visualizam a coisa julgada de forma menos inatingível; o valor da<br />

justiça predomina em relação ao valor da certeza.<br />

A lição de Juan Carlos Hitters 95 preconiza a revisão de sentenças<br />

substancialmente injustas e o afastamento da autoridade da coisa julgada se isso for<br />

essencial para fazer justiça, ainda quando o direito positivo não a tenha disciplinado.<br />

Entretanto, preserva a coisa julgada em relação às sentenças portadoras de vícios<br />

formais.<br />

Eduardo Juan Couture 96 também visualizou a admissibilidade e os meios para<br />

revisão judicial das sentenças acobertadas pela coisa julgada, especialmente, sobre<br />

decisões que consagram condutas fraudulentas. O autor considerava a fraude um<br />

desprestígio máximo e uma negação ao próprio direito.<br />

95 HITTERS, Juan Carlos. Revisión de la cosa juzgada. La Plata: Platense, 1977. cap. VII e IX, p. 254<br />

ss., esp. p. 325. Em suas palavras: “...la coza julgada no es un instituto absolutamente rígido, aunque<br />

tampouco amorfo ni inconsistente...Qué sucede entonces cuando se observa que entre lãs redes de<br />

la coza juzgada ha quedado atrapada la justicia, y que el resultado disvalioso de la sentencia no se<br />

debe a la culpa ni al dolo, ni a la desídia del prejudicado sino que, por el contrario, el rédito de quien<br />

ha actuado antifuncionalmente se convierte en um fallo intolerablemente injusto, que viene a ser el<br />

cómplice involuntario de la maquinación fraudulenta…Consideramos que en estos casos la<br />

immutabilidad de la sentencia debe ceder a la razón de justicia. Sin dejar de reconocer a la par que la<br />

revision de la res judicata tiene que concebirse con criterio restrictivo y para supuestos<br />

excepcionalísimos.”<br />

96 COUTURE, Eduardo Juan. Revocación de los actos procesales fraudulentos, in Estudios de<br />

derecho procesal civil, III. B.Aires: Depalma, 1978. esp. n. 1, p. 388.<br />

49


Pauto Otero sustenta que o Poder Judiciário dispõe do que se chamou de<br />

“poder constituído”, que lhe permite proferir decisões contrárias ao ordenamento<br />

jurídico desde que compatíveis com a Constituição Federal. O objetivo do autor era<br />

identificar um mecanismo semelhante com o contido no artigo 485, V do Código de<br />

Processo Civil, já que a Constituição portuguesa 97 apenas protege a coisa julgada<br />

civil baseada em norma posterior declarada inconstitucional.<br />

O autor preconiza que os Tribunais não podem proferir decisões<br />

inconstitucionais, sob pena de não conferir validade a esses atos “inconstitucionais”,<br />

in verbis: “os tribunais são titulares de um poder constituído e não constituinte; o<br />

poder judicial detém uma soberania exercível nos quadros da Constituição, não<br />

podendo criar decisões sem fundamento directo ou em oposição ao preceituado na<br />

Lei Fundamental.” 98 Ele procura tecnicamente verificar a compatibilidade hierárquica<br />

entre a Constituição e as sentenças no Direito Português, definindo critérios prévios<br />

e abstratos para admissão ou supressão das sentenças inconstitucionais. Não<br />

realiza diretamente a ponderação de valores conflitantes, com uma exceção: para<br />

manter vigente uma “sentença inconstitucional”, tendo em vista um longo decurso de<br />

prazo, fundamentando a não remoção da decisão em critérios objetivos indicados<br />

por ele.<br />

O estudo realizado por Paulo Otero procura justificar um mecanismo de<br />

revisão do julgado, diferentemente do nosso sistema, já que esse prevê a<br />

possibilidade de rescisão quando ocorre ofensa à literal disposição de lei. Embora<br />

haja grandes diferenças entre os dois sistemas: o português e o brasileiro, Humberto<br />

Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria consideraram as diretrizes defendias<br />

por Paulo Otero para enfrentar a “coisa julgada inconstitucional” conforme será<br />

exposto no item posterior.<br />

A cultura jurídica anglo-americana aceita a mitigação da res judicata quando<br />

ocorre conflito de interesses sociais ou particulares ditos de maior relevância.<br />

97 Reza o art. 282, 3, da Constituição portuguesa: (Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou<br />

de ilegalidade). 3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal<br />

Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação<br />

social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.<br />

98 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, Lisboa: Lex, 1993. p. 61.<br />

50


Pondera outros valores além da segurança jurídica; não há uma consagração rígida<br />

e absoluta sobre a qualidade de imutabilidade do comando judicial.<br />

Segundo Dinamarco 99 , a posição dos tribunais e dos autores americanos é<br />

consciente e equilibrada em relação à relativização da coisa julgada, condicionando<br />

a imutabilidade à adequação com outros valores tão importantes quanto o da<br />

definitividade das decisões.<br />

Em matéria de direito estrangeiro, apenas para identificar posições contrárias<br />

à relativização, podemos aludir a doutrina de Enrico Allorio, que defende que mesmo<br />

a sentença “injusta” tanto permite que o processo alcance seu escopo, que para ele<br />

é a definição da lide, quando substitui a norma abstrata, desligando-se dela. 100<br />

Brasileiro<br />

3.2. Algumas teses a favor da mitigação da coisa julgada no Direito<br />

No campo do Direito Brasileiro, há muito tempo, Pontes de Miranda afirma<br />

que a noção de coisa julgada foi longe demais e que as sentenças ininteligíveis e<br />

aquelas que pusessem alguém sob o regime da escravidão poderiam ser refutadas<br />

por meio de nova demanda, mediante resistência à execução ou por alegação<br />

incidenter tantum em outro processo. Sustenta que haveria impossibilidades<br />

(cognoscitiva, lógica ou jurídica) capazes de gerarem a insubsistência da autoridade<br />

da coisa julgada, reconhecendo as sentenças nulas de pleno direito. Entretanto, não<br />

nos parece acertado tal entendimento já que as sentenças inexistem nas condições<br />

99 DINAMARCO, Cândido Rangel. Coisa Julgada Inconstitucional. Coord.: Carlos Valder do<br />

Nascimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 48-51.<br />

100 ALLORIO, Enrico. Sulla Doctrina della Giurisdizione e del Giudicoto. Milão: Giuffrè, 1957. p. 175.<br />

Nas palavras do autor: “il nuovo regolamento concreto, che in ogni caso si sostituisce a quello che<br />

davano in precendenza le norme astratte di legge, sarà (in quanto divergente das precedente) nuovo<br />

non solo quanto alla forma e alla fonte, ma anche (anormalmente) quanto al contenuto. Qui<br />

veramente, la sentenza (ingiusta) há efficacia costitutiva: ma tale efficacia costitutiva non è la cosa<br />

giudicata, la quale ultima è, invece, da identificarsi con l´efficacia regolatrice di rapporti, spetante a<br />

tutte le sentenze”.<br />

51


ventiladas acima, por lhes faltarem uma das condições da ação: impossibilidade<br />

jurídica do pedido e não apenas seus efeitos são impossíveis como pretende o<br />

autor.<br />

A doutrina de Dinamarco, com resquícios no entendimento de Pontes de<br />

Miranda, defende a existência de sentenças que só produzem efeitos aparentes,<br />

pois estão repelidos por razões superiores, de ordem constitucional. 101 Considera a<br />

coisa julgada como uma qualidade dos efeitos da sentença, na mesma orientação<br />

de Liebman (v.n. 1.1). Para o autor, não merecem imunidade as sentenças que, em<br />

seu decisório, enunciem resultados materialmente impossíveis ou aquelas<br />

portadoras de uma impossibilidade jurídico-constitucional, por colidirem com valores<br />

de relevância política, ética, humana ou social. 102 Ventila que, a partir dessa<br />

premissa, surge a “coisa julgada inconstitucional” tanto na doutrina como na<br />

jurisprudência. No estudo desenvolvido pelo autor em relação à relativização da<br />

garantia constitucional da coisa julgada 103 , ele afirma que essa garantia apenas<br />

pode atingir os efeitos a serem imunizados e que deve estar em equilíbrio com as<br />

demais garantias constitucionais e com os institutos jurídicos para produção de<br />

resultados ditos como justos, por meio das atividades praticadas no processo civil.<br />

Argumenta, inclusive, que uma decisão contrária a valores, a princípios, a garantias<br />

ou a normas superiores, produz efeitos juridicamente impossíveis, não recaindo,<br />

portanto, a autoridade da coisa julgada material, já que concebe a imunização de<br />

101 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Forense. V. 358. Novdez<br />

de 2001. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 25. Nas palavras do autor: “é inconstitucional a leitura<br />

clássica da garantia da coisa julgada, ou seja, sua leitura com a crença de que ela fosse algo<br />

absoluto e, como era hábito dizer, capaz de fazer do preto branco e do quadrado, redondo. A<br />

irrecorribilidade de uma sentença não apaga a inconstitucionalidade daqueles resultados substanciais<br />

política ou socialmente ilegítimos, que a Constituição repudia. Daí a propriedade e a legitimidade<br />

sistemática da locução, aparentemente paradoxal, coisa julgada inconstitucional.”<br />

102 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros,<br />

2001. Vol. III, p. 306-307. Em relação às impossibilidades materiais, o autor afirma que “seria até<br />

insensato sustentar a perenidade de um efeito que jamais algum ser humano conseguirá produzir,<br />

como o tirar coelhos de uma cartola sem que jamais qualquer embarcação e sem ajuda de qualquer<br />

instrumento ou apoio; sentenças assim trariam em si mesmas o germe de sua ineficácia, chegando<br />

ao ponto de serem juridicamente inexistentes porque jamais produziriam o efeito que nominalmente<br />

enunciassem”. Quanto às impossibilidades jurídico-constitucionais, o autor definiu: “são o resultado<br />

de um equilibrado juízo comparativo entre a relevância ético-política da coisa julgada material como<br />

fator de segurança jurídica e a grandeza de outros valores humanos, éticos sociais e políticos,<br />

alçados à dignidade de garantia constitucional quanto a ela.”<br />

103 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Forense. V. 358. Nov-<br />

dez de 2001. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 12.<br />

52


efeitos contrários à ordem jurídico constitucional. Para Dinamarco, a sentença existe<br />

e contém uma impossibilidade, resultante da ponderação de valores, cuja aferição<br />

se dá “segundo um critério cultural evolutivo”. 104 Cabe, aqui, a mesma crítica<br />

mencionada na teoria de Pontes de Miranda.<br />

O princípio constitucional da proporcionalidade ou da razoabilidade atua como<br />

condição da imunização das decisões pela autoridade da coisa julgada.<br />

Apenas os casos de grave ofensa a valores constitucionais sensíveis,<br />

segundo o autor, serão objeto de mitigação da coisa julgada, sendo viáveis a<br />

propositura de simples ação declaratória, os embargos à execução, a objeção no<br />

próprio processo executivo ou a alegação incidental em outro processo.<br />

Para José Delgado, o valor da segurança contido na garantia da coisa julgada<br />

deverá, sempre, ceder diante dos valores da legalidade, da moralidade e da justiça,<br />

os quais, sob seu ponto de vista, seriam absolutos. 105 Também examina o tema da<br />

relativização da coisa julgada em atenção à Constituição Federal. Entende que há<br />

sentenças que nunca terão força de coisa julgada e poderão ser desconstituídas a<br />

qualquer tempo quando ofenderem o regime democrático, em especial, a garantia<br />

da moralidade, da legalidade, do respeito à Constituição e da entrega da justiça. 106<br />

Havendo conflito entre os princípios da segurança jurídica e outros postos na<br />

Constituição, o super-princípio da proporcionalidade e da razoabilidade deve<br />

prevalecer para condução de uma solução justa e ética.<br />

104 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros,<br />

2001. Vol. III, p. 680.<br />

105 Julgamento do Ministro do Superior Tribunal de Justiça José Delgado divulgado em 29.3.99, p.<br />

111, REsp 194.276 – RS: “...Não é concebível se admitir um sistema tributário que obrigue um<br />

determinado contribuinte a pagar tributo cuja lei que o criou foi julgada definitivamente<br />

inconstitucional, quando os demais contribuintes a tanto não são exigidos, unicamente por força da<br />

coisa julgada”. Veja-se outro voto do Ministro Delgado, proferido no Recurso Especial n. 240.712/SP:<br />

[...] à determinada corrente que entende ser impossível à coisa julgada, só pelo fundamento de impor<br />

segurança jurídica, sobrepor-se aos princípios da moralidade pública e da razoabilidade nas<br />

obrigações indenizatórias assumidas pelo Estado. (BRASIL, 2000). Delgado (2003, p. 10) chega<br />

inclusive a indagar sobre a verdadeira proteção constitucional à coisa julgada. Para o autor, tal<br />

proteção refere-se apenas como garantia à irretroatividade de leis posteriores incidindo sobre<br />

soluções dadas nos conflitos. Entende ainda que, se assim não fosse entendido, a própria ação<br />

rescisória seria inconstitucional.<br />

106 DELGADO, José Augusto. Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais<br />

protegidas. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 103, jul/set. 2001, n. 2, p. 21.<br />

53


Com base no art. 125, III, do Código de Processo Civil, Delgado sustenta que<br />

o juiz tem o dever de prevenir e de reprimir qualquer ato contrário à dignidade da<br />

justiça, inclusive, os efeitos da coisa julgada.<br />

Ademais, elenca trinta e quatro hipóteses que representam “ofensa aos<br />

princípios da legalidade e da moralidade”, suscetíveis de desconstituição da coisa<br />

julgada pela via da “relativização” 107 , dentre elas está a decisão “expedida sem que<br />

o demandado tenha sido citado com as garantias exigidas pela lei processual”.<br />

Data maxima venia, a falta de citação, como será argumentado no item 4.3,<br />

leva à inexistência da decisão que não a considerou. O nosso ordenamento jurídico<br />

é dinâmico, assim, parece-nos inviável relacionar todas as hipóteses suscetíveis de<br />

mitigação da coisa julgada, como fez o Ministro Delgado. 108<br />

Vale exemplificar as situações consideradas injustas para Delgado: a<br />

sentença “ofensiva à soberania estatal”, “a que obrigue alguém a fazer alguma coisa<br />

107 DELGADO, José Augusto. Pontos polêmicos das ações de indenização de áreas naturais<br />

protegidas. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 103, jul/set. 2001, n. 4, p. 24-25.<br />

108 DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In:<br />

NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de Janeiro: América<br />

Jurídica, 2004. p. 29-67. Note-se que José Augusto Delgado sintetiza seu posicionamento com base<br />

nas seguintes considerações: a) O princípio força da coisa julgada é de natureza relativa. b) A coisa<br />

julgada não pode sobrepor-se aos princípios da moralidade e da legalidade. c) O Poder Judiciário, ao<br />

decidir a lide pelos juízes que o integram, cumpre função estatal de natureza absoluta, com função<br />

destinada a aplicar, de modo imperativo, as estruturas que sustentam o regime democrático. d) A<br />

sentença judicial, mesmo coberta com o manto da coisa julgada, não pode ser veículo de injustiças.<br />

e) O decisum judicial não pode produzir resultados que materializem situações além ou aquém das<br />

garantidas pela Constituição Federal. f) A carga imperativa da coisa julgada pode ser revista, em<br />

qualquer tempo, quando eivada de vícios graves e produza conseqüências que alterem o estado<br />

natural das coisas, que estipulem obrigações para o Estado ou para o cidadão ou para pessoas<br />

jurídicas que não estejam amparadas pelo Direito. g) A regra do respeito à coisa julgada é impositiva<br />

da segurança jurídica, porém esta não sobrepõe a outros valores que dignificam a cidadania e o<br />

Estado Democrático. h) A garantia da coisa julgada não pode ser alterada pela lei para prejudicar, em<br />

homenagem ao princípio da não-retroatividade. i) Os fatos apurados pela sentença nunca transitam<br />

em julgado, por a decisão referir-se a eles com as características de tempo, modo e lugar como foram<br />

apurados. j) A coisa julgada não deve ser via para o cometimento de injustiças, de apropriações<br />

indébitas de valores contra o particular ou contra o Estado, de provocação da desigualdade nas<br />

relações do contribuinte com o Fisco, nas dos servidores com os órgãos que os acolhe, porque a<br />

Constituição Federal não permite que a tanto ela alcance. k) Em tema de desapropriação o princípio<br />

da justa indenização reina acima de garantidor da coisa julgada. l) A sentença transitada em julgado<br />

pode ser revista, além do prazo para rescisória, quando a injustiça nela contida for de alcance que<br />

afronte a estrutura do regime democrático, por conter apologia da quebra da moralidade, da<br />

legalidade, do respeito à Constituição Federal e às regras da Natureza. m) A segurança jurídica<br />

imposta pela coisa julgada está vinculada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que<br />

devem seguir todo ato judicial.<br />

54


ou deixar de fazer, de modo contrário à lei”, “a que atende contra os bons costumes,<br />

os valores morais da sociedade”, “a que não garanta o direito de herança”, “a que<br />

permite brasileiros naturalizados exercerem os cargos de Presidente da República,<br />

Presidente da Câmara de Deputados, Presidente do Senado Federal, ser Ministro do<br />

STF, ser oficial das Forças Armadas e outros cargos”, etc.<br />

Donaldo Armelin 109 posiciona-se na mesma linha das lições de Dinamarco, ao<br />

opinar pela aplicação do princípio da proporcionalidade e seus subprincípios diante<br />

dos conflitos entre princípios constitucionais, sem a utilização dos meios que o<br />

ordenamento jurídico tipifica para tal fim.<br />

De acordo com o autor, seria hipótese excepcional para resguardar a<br />

observância de princípios e normas relevantes. 110 Compartilha, também, desse<br />

entendimento, Eduardo Cambi, para quem o valor da segurança jurídica,<br />

consubstanciado pelo instituto da coisa julgada, não deve ser absoluto, mas sim<br />

sopesado com outros valores primordiais para garantia do Estado Democrático de<br />

Direito; cita como exemplo os valores: justiça das decisões, cidadania, república e<br />

dignidade da pessoa humana. 111<br />

Note-se, mais uma vez, que os doutrinadores não reconhecem sentenças<br />

inexistentes por afrontarem a Constituição Federal. Ademais, desde já ponderamos<br />

que “justiça das decisões” é um conceito vago, conforme verificaremos adiante.<br />

Eduardo Talamini 112 critica a sistematização defendida por Dinamarco ao<br />

argumentar que nem toda afronta à ordem jurídica justificará a “desconstituição” da<br />

109 ARMELIN, Donaldo. Flexibilização da coisa julgada. In: Linhas mestras do processo civil:<br />

comemoração dos 30 anos de vigência do CPC. Coord.: Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa, José<br />

Horácio Halfeld Rezende Ribeiro e Pedro da Silva Dinamarco. São Paulo: Atlas, 2004. p. 171-173.<br />

110 ARMELIN, Donaldo. Flexibilização da coisa julgada. In: Linhas mestras do processo civil:<br />

comemoração dos 30 anos de vigência do CPC. Coord.: Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa, José<br />

Horácio Halfeld Rezende Ribeiro e Pedro da Silva Dinamarco. São Paulo: Atlas, 2004. p. 143-<br />

149/171-173.<br />

111 CAMBI, Eduardo. Coisa julgada e cognição secundum eventum probationis. In: Revista de<br />

Processo. São Paulo: RT, 2003. vol. 109, p. 74. “o valor da segurança jurídica, consubstanciado no<br />

instituto da coisa julgada material, não pode ser visto como absoluto, devendo ser compatibilizado<br />

com os outros valores, tão ou mais importantes para a sobrevivência do Estado Democrático de<br />

Direito, como a justiça das decisões, a cidadania, a república e a dignidade da pessoa humana.”<br />

112 TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e Constituição: Limites da “Relativização” da Coisa Julgada.<br />

Dissertação Doutorado em Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo: 2004. p. 319.<br />

55


coisa julgada, apenas casos de grave ofensa a valores constitucionais sensíveis.<br />

Além disso, afirma ser possível uma sentença lógica e juridicamente capaz de conter<br />

ofensa insanável a certo valor constitucional, como ocorre com a violação da vida<br />

privada de quem teve sua ação de investigação de paternidade julgada de acordo<br />

com o devido processo legal, porém o resultado “adequado” não foi alcançado já<br />

que a instrução probatória deu-se antes do exame de DNA. Sugere, ainda, aplicação<br />

dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para determinar quais valores<br />

devem prevalecer e se a decisão judicial deverá ser desconstituída. De igual<br />

posicionamento, Flávio Yarshell: “o apelo à aplicação da teoria da proporcionalidade<br />

parece ser mais coerente com o sistema, evidenciando, com mais intensidade, o<br />

caráter excepcional da situação em que se procede à desconsideração da coisa<br />

julgada”. 113 Entretanto, para nós, a sentença que deixar de observar a Lei<br />

Fundamental inexiste no mundo jurídico; assim, não há o que relativizar, como será<br />

exposto no presente trabalho. O ato desconforme com a Constituição é incompatível<br />

com o Estado Constitucional.<br />

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro Faria são outros defensores da<br />

mitigação da coisa julgada. Com base na teoria de Paulo Otero, redigiram o artigo:<br />

“A coisa julgada inconstitucional e seus instrumentos de controle”. 114 Sustentam a<br />

necessidade de “desmistificar” a “impermeabilidade das decisões judiciais” e<br />

afirmam que a coisa julgada não pode suplantar a lei, quando verificada a<br />

inconstitucionalidade e afirmam que o vício de inconstitucionalidade gera a<br />

invalidade do ato público (nulidade absoluta); o seu reconhecimento pode se dar a<br />

qualquer tempo e não depende de forma alguma (=procedimento). Para os autores,<br />

tal inconstitucionalidade alcança as sentenças que aplicam norma inconstitucional e<br />

as sentenças que ofendem diretamente a Carta Magna. Com isso, ficam afastadas<br />

113 YARSHELL, Flávio. Ação Rescisória – juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Saraiva, 1997.<br />

p. 251.<br />

114 THEODORO JÚNIOR, Humberto e FARIA, Juliana Cordeiro. A Coisa Julgada Inconstitucional e os<br />

Instrumentos Processuais para seu Controle. In: Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro:<br />

América Jurídica, 2002.<br />

56


as sentenças que deixam de aplicar uma lei por ser considerada, equivocadamente,<br />

inconstitucional. 115<br />

Portanto, reconhecem a nulidade da sentença inconstitucional, o que permite<br />

que tal decisão produza efeitos até que seja retirada do mundo jurídico.<br />

Brasileiro<br />

3.3. Algumas teses contrárias à mitigação da coisa julgada no Direito<br />

Também, faz-se necessário, no presente momento, mencionar teses<br />

contrárias à relativização da coisa julgada.<br />

Na tese realizada pela processualista Tereza Arruda Alvim Wambier, em<br />

coordenação com José Miguel Garcia Medina 116 , há o reconhecimento de sentenças<br />

115 THEODORO JÚNIOR, Humberto e FARIA, Juliana Cordeiro. A Coisa Julgada Inconstitucional e os<br />

Instrumentos Processuais para seu Controle. In: Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro:<br />

América Jurídica, 2002. p. 133-150-160.<br />

“Em suma, a respeito da coisa julgada inconstitucional podem ser extraídas as conclusões:<br />

1. O vício de inconstitucionalidade gera a invalidade do ato público, seja legislativo, executivo e<br />

judiciário; 2. A coisa julgada não pode servir de empecilho ao reconhecimento da invalidade da<br />

sentença proferida em contrariedade à Constituição Federal; 3. Em se tratando de sentença nula de<br />

pleno direito, o reconhecimento do vício de inconstitucionalidade pode se dar a qualquer tempo e em<br />

qualquer procedimento, por ser insanável. O vício torna, assim, o título inexigível, nos exatos termos<br />

do parágrafo único do art. 741 do CPC, introduzido pela Medida Provisória 2.180-35/01; 4. Não se há<br />

de objetar que a dispensa dos prazos decadenciais e prescricionais na espécie poderia comprometer<br />

o princípio da segurança das relações jurídicas. Para relevante interesse na preservação da<br />

segurança, bastará recorrer-se ao salutar princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Ou seja, o<br />

Tribunal, ao declarar a inconstitucionalidade do ato judicial, poderá fazê-lo com eficácia ex nunc,<br />

preservando os efeitos já produzidos como, aliás, é comum no direito europeu em relação às<br />

declarações de inconstitucionalidade. É o que se acha atualmente previsto, também no direito<br />

brasileiro, para a declaração de inconstitucionalidade, seja no processo de ‘argüição de<br />

descumprimento de preceito fundamental’ (Lei 9.882/99, art. 11), seja na ação direita de<br />

inconstitucionalidade (Lei 9.868/99, art. 27).”<br />

116 Para os autores, existem dois caminhos que evitam a “estabilização de situações indesejáveis”. O<br />

primeiro desses caminhos “diz respeito ao reconhecimento de situações em que a coisa julgada não<br />

se teria nem mesmo formado, seja porque a decisão judicial esteja inquinada de um vício capaz de<br />

torná-la juridicamente inexistente, seja porque não se terá realizado aquele grau de cognição exigido<br />

para que a decisão possa ser acobertada pela coisa julgada.” O outro caminho trata-se de “uma nova<br />

forma de interpretação do art. 485, V, do CPC, para que se lhe estabeleça, de uma vez por todas, um<br />

alcance compatível com o estágio em que se encontra a doutrina jurídica em geral”. Então, “com isso,<br />

quer-se dizer, por exemplo, que carece de sentido, dizer-se que a expressão ‘violação a literal<br />

disposição de lei’ se refere exclusivamente à violação do texto de lei, num contexto em que prevalece<br />

57


inexistentes decorrentes de algum defeito verificado no próprio ato decisório ou na<br />

relação jurídica processual. Entre tais sentenças, mencionam: (i) prolatadas sem<br />

observar a ausência dos pressupostos de existência da relação processual e das<br />

condições da ação; (ii) prolatadas em afronta à coisa julgada 117 ; (iii) prolatadas<br />

acolhendo pedido não feito ou não julgando pedido formulado 118 ; ou (iv)<br />

o entendimento no sentido de que uma violação a princípio é muito mais nociva e prejudicial ao<br />

direito, porque potencialmente mais danosa, do que uma ofensa à letra de um dispositivo legal.<br />

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada:<br />

Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 13-14.<br />

117 O legislador processual considera a ofensa à coisa julgada uma das possibilidades de rescisão da<br />

sentença de mérito, de acordo com o artigo 485, IV do Código de Processo Civil. Assim, há<br />

autorização para apresentação da ação rescisória, no prazo decadencial de dois anos, quando sobre<br />

o pedido da sentença anterior já pesa autoridade de coisa julgada e nova decisão é prolatada a<br />

respeito do mesmo pedido. Assim, caberá a rescisória, independentemente de alegação de objeção<br />

de coisa julgada durante o segundo processo ou mesmo quando o julgador do segundo processo<br />

tenha a rejeitado. Não se faz necessária a alegação da parte interessada no processo em que se<br />

prolatou a sentença rescindenda ou decisão do juiz em relação à existência da primeira coisa julgada.<br />

Note-se, uma demasiada proteção à primeira coisa julgada. Por outro lado, pode-se afirmar que é<br />

prescindível a utilização da ação rescisória.<br />

Quando o autor da segunda demanda pleiteia pedido já acobertado pela qualidade de imutabilidade,<br />

falta lhe interesse de agir, estamos diante de uma verdadeira carência de ação. Caso não sejam<br />

suscitadas pela parte as condições da ação na segunda lide e não sejam reconhecidas pelo juiz de<br />

ofício, acreditamos que eventual sentença prolatada não terá aptidão para transitar em julgado, pois<br />

se enquadra nas hipóteses de sentenças juridicamente inexistentes. Para nós, a primeira demanda<br />

transitada em julgado prevalece e a segunda pode ser atacada por meio de ação declaratória, não<br />

sujeita a prazo decadencial.<br />

Entretanto, vale esclarecer que parte da doutrina afirma prevalecer a segunda coisa julgada. Cândido<br />

Rangel Dinamarco (Fundamentos do processo civil moderno. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.<br />

1379-1381), sob argumento de aspecto sistemático e político-institucional, sustenta que o ato estatal<br />

posterior revoga os anteriores; a sentença posterior não rescindida no prazo de dois anos revoga a<br />

anterior.<br />

118 O juiz ao decidir uma lide deve emitir um comando relacionado com o objeto do processo. Para o<br />

exercício da atividade jurisdicional de forma correta e adequada, o pronunciamento judicial deve<br />

abranger a integralidade das pretensões veiculadas na petição inicial. Consagra-se o princípio da<br />

congruência ou da correlação entre a demanda e a sentença. Contudo, pode o magistrado deixar de<br />

apreciar alguma pretensão posta ou acolher pedido não formulado. No primeiro caso, estamos diante<br />

de uma sentença infra petita; no segundo, diante de uma sentença ultra petita.<br />

Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, (O Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses<br />

de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 78-85) lecionam que o julgador, ao conceder dois pedidos<br />

almejados pelo autor e outro não lançado na peça inicial, profere substancialmente três<br />

pronunciamentos judiciais definitivos: dois isentos de vícios e um juridicamente inexistente.<br />

Compartilhamos desse entendimento e sustentamos ser tal decisão ultra petita suscetível de<br />

impugnação por simples ação declaratória de inexistência. No caso em questão, inexiste sentença a<br />

respeito do pedido que não foi formulado, nem mesmo trânsito em julgado porque não há<br />

pressuposto processual de existência: pedido. Então, não podemos defender a via da rescisória, com<br />

base no inciso V, do artigo 485 do Código de Processo Civil, para afastar tal decisão inexistente.<br />

Em relação à sentença infra petita, é sempre indispensável que, no dispositivo da sentença, haja o<br />

pronunciamento sobre cada pedido formulado. Sentença sem dispositivo não existe no ordenamento<br />

jurídico; trata-se de aparente pronunciamento judicial definitivo. Não há óbice algum para a<br />

propositura de nova ação contendo o pedido não solucionado pelo magistrado. Endossamos,<br />

58


fundamentadas em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo<br />

Tribunal Federal. Não se trata de uma das teorias sobre a relativização da coisa<br />

julgada já que não existe sentença e sobre essa decisão não recai a qualidade de<br />

imutabilidade.<br />

Parece-nos que devemos chamar de “relativização ou mitigação” da<br />

autoridade do julgado quando estamos diante de uma verdadeira sentença de mérito<br />

transitada em julgado. Vale lembrar que a ação rescisória é um instrumento típico de<br />

“quebra” da coisa julgada. Conforme Barbosa Moreira, sentença rescindível não<br />

quer dizer nula, nem inexistente. 119 No caso de eventual possibilidade de mitigação<br />

da coisa julgada atípica, também relativizar-se-á sentença existente sobre a qual<br />

recai a coisa julgada, da mesma forma quando da revisão do pronunciamento<br />

judicial definitivo por meio da ação rescisória.<br />

Thereza Alvim, repensando a coisa julgada 120 , assegura que “quebrar”<br />

decisões já passadas em julgado seria “assistemático” e até injurídico. Reconhece a<br />

desnecessidade de relativizar a coisa julgada contra a Constituição, contra a<br />

legalidade, contra a moralidade e contra a realidade imposta pela natureza já que,<br />

nesses casos, faltaria uma das condições da ação – possibilidade jurídica do pedido.<br />

Argumenta, inclusive, a desnecessidade da propositura da ação rescisória para<br />

retirar, do mundo jurídico, decisões contrárias à Carta Magna e menciona eliminá-las<br />

“incidenter tantum” ou por meio da ação declaratória de inexistência. Por oportuno,<br />

ressaltem-se, os casos exemplificados pela autora: uma condenação que obriga a<br />

esposa carregar seu marido diariamente para o serviço, no colo; concessão de<br />

elevados danos morais por ofensa irrisória, tão elevados que poderiam vir a reduzir<br />

o condenado à insolvência ou à falência. No primeiro caso, defende-se que há<br />

ausência de possibilidade jurídica do pedido por falta de amparo legal ao pedido e,<br />

portanto, a conclusão no sentido de não caber ação rescisória, por faltar, respectivamente, sentença<br />

e instituto da coisa julgada.<br />

119 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V: art. 476 a<br />

565. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 106. “Sentença rescindível não se confunde com sentença<br />

nula nem, a fortiori, com sentença inexistente.No particular, a redação do dispositivo sob exame<br />

assinala sensível progresso técnico em relação à do art. 798 do Código anterior, onde era<br />

manifestamente impróprio o uso do adjetivo “nula” aplicado a decisão já transita em julgado.”<br />

120 ALVIM, Thereza. Repensando a Coisa Julgada. In: Revista Autônoma de Processo. Coord.: Arruda<br />

Alvim e Eduardo Arruda Alvim. Curitiba: Juruá, n. 2, jan./mar. 2007. p. 315-320.<br />

59


no segundo, a desproporcionalidade entre o dano e a indenização, obsta a<br />

possibilidade jurídica do pedido.<br />

Segundo os doutrinadores Nelson Nery Jr e Rosa Nery 121 , Sérgio Gilberto<br />

Porto 122 e Araken de Assis 123 , apenas a lei poderia relativizar a coisa julgada, não<br />

sendo possível ponderar valores conflitantes sem previsão legal; em outras palavras,<br />

a coisa julgada não pode ser desconsiderada, mitigada, de forma atípica. É preciso<br />

que exista expressa previsão legal que permita tal relativização sob a justificativa de<br />

evitar riscos para o próprio Estado de Direito.<br />

Nelson Nery Júnior ensina que qualquer interpretação de coisa julgada, no<br />

sentido de desconsiderá-la, ofende o princípio fundamental do Estado Democrático<br />

de Direito, consagrado na Constituição Federal. 124<br />

Segundo os autores, não é possível o julgador laborar aplicando princípios da<br />

proporcionalidade e da razoabilidade sem expresso texto de lei. Passada em julgada<br />

a sentença de mérito, a autoridade da coisa julgada apenas poderá ser afastada<br />

pelos instrumentos previstos em lei e dentro de seus critérios de cabimento.<br />

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar um Recurso Especial interposto com<br />

a finalidade de reformar a decisão transitada em julgado que afastou a paternidade,<br />

em razão da existência de um exame de DNA posterior ao mencionado julgamento,<br />

não admitiu a mitigação do instituto da coisa julgada. Com o provimento de tal<br />

Recurso, prevaleceu a primeira sentença que declarou a paternidade,<br />

121 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e<br />

legislação processual civil extravagante em vigor atualizado até 22.02.2001. 5.ª ed. São Paulo: RT,<br />

2001. p. 904.<br />

122 PORTO, Sérgio Gilberto. Cidadania Processual e Relativização da Coisa Julgada. Revista<br />

Jurídica, n.º 304, fev/2003. p. 23-31.<br />

123 ASSIS, Araken de. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. Revista Jurídica, n.º 301, nov. 2002.<br />

p. 12-13.<br />

124 NERY JR., Nelson. Coisa Julgada e o Estado Democrático de Direito. In: Estudos em homenagem<br />

à professora Ada Pellegrini Grinover. Coord.: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zonoide<br />

de. São Paulo: DPJ, 2005. p. 716. “(...) interpretar a coisa julgada, se justa ou injusta, se ocorreu ou<br />

não, é instrumento do totalitarismo, de esquerda ou de direita, sem qualquer ligação com a<br />

democracia, com o Estado Democrático de Direito. Desconsiderar-se a coisa julgada é ofender a<br />

Carta Magna, deixando de aplicar o princípio fundamental do Estado Democrático de Direito (art. 1º,<br />

caput, da CF).”<br />

60


independentemente da prova técnica realizada posteriormente. O STJ salientou que<br />

apenas a lei afasta a força da coisa julgada, pois, caso contrário, o caos social<br />

estaria instalado. 125<br />

Com efeito, o próprio STJ, ao julgar outro caso 126 , entendeu pela teoria da<br />

relativização da coisa julgada, diante da presença de vícios insanáveis constantes<br />

125<br />

EMENTA: “Ação de negativa de paternidade. Exame de DNA posterior ao processo de<br />

investigação de paternidade. Coisa Julgada.<br />

1. Seria terrificante para o exercício da jurisdição que fosse abandonada a regra absoluta da coisa<br />

julgada que confere ao processo judicial força para garantir a convivência social, dirimindo os<br />

conflitos existentes. Se, fora dos casos nos quais a própria lei retira a força da coisa julgada, pudesse<br />

o Magistrado abrir as comportas dos feitos já julgados para rever as decisões não haveria como<br />

vencer o caos social que se instalaria. A regra do art. 468 do Código de Processo Civil é libertadora.<br />

Ela assegura que o exercício da jurisdição completa-se com o último julgado, que se torna inatingível,<br />

insuscetível de modificação. E a sabedoria do Código é revelada pelas amplas possibilidades<br />

recursais e, até mesmo, pela abertura da via rescisória naqueles casos precisos que estão elencados<br />

no artigo 485.<br />

2. Assim, a existência de um exame de DNA posterior ao feito já julgado, com decisão transitada em<br />

julgado, reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória<br />

para negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica conferida pela<br />

coisa julgada.<br />

3. Recurso especial conhecido e provido.”<br />

REsp 107.248 / GO. Relator: Min. Carlos Alberto de Menezes Direito. Julgamento: 07/05/1998. Órgão<br />

Julgador: Terceira Turma. Publicação: 29/06/1998.<br />

126<br />

EMENTA: “Processual Civil. Recurso Especial. Impossibilidade de análise das questões<br />

relativas à titularidade do imóvel. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. Violação<br />

do art. 535 do CPC. Não-ocorrência. Titularidade de bem imóvel indenizado em ação de<br />

desapropriação indireta com sentença transitada em julgado. Relativização da coisa julgada.<br />

Ação declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com repetição de indébito. Querela<br />

nullitatis. Condições da ação. Interesse de agir. Adequação.<br />

1. A ausência de prequestionamento da matéria deduzida no recurso especial, a despeito da<br />

oposição de embargos declaratórios, atrai o óbice da Súmula 211/STJ.<br />

2. Não viola o art. 535 do CPC, nem nega prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter<br />

examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto,<br />

fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia.<br />

3. Ainda que por fundamentos diversos, o aresto atacado abordou todas as questões necessárias à<br />

integral solução da lide, concluindo, no entanto, pela presença das condições da ação, em especial<br />

do interesse de agir.<br />

4. Ação declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com repetição de indébito, em que a<br />

Fazenda do Estado de São Paulo, invocando o instituto da querela nullitatis , requer seja declarada a<br />

nulidade de decisão proferida em ação de indenização por desapropriação indireta, já transitada em<br />

julgado, escorando a sua pretensão no argumento de que a área indenizada já lhe pertencia, de<br />

modo que a sentença não poderia criar direitos reais inexistentes para os autores daquela ação.<br />

5. Segundo a teoria da relativização da coisa julgada, haverá situações em que a própria sentença,<br />

por conter vícios insanáveis, será considerada inexistente juridicamente. Se a sentença sequer existe<br />

no mundo jurídico, não poderá ser reconhecida como tal, e, por esse motivo, nunca transitará em<br />

julgado. A nulidade da sentença, em tais hipóteses, deve ser buscada por intermédio da actio<br />

nullitatis .<br />

6. O interesse processual, ou interesse de agir, como preferem alguns, nas palavras de Alexandre<br />

Freitas Câmara ("Lições de Direito Processual Civil", vol. I, 12ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumem<br />

Juris, 2005, págs. 128-129) "é verificado pela presença de dois elementos, que fazem com que esse<br />

requisito de provimento final seja verdadeiro binômio: 'necessidade da tutela jurisdicional' e<br />

'adequação do provimento pleiteado' ".<br />

61


de uma sentença, além de considerá-la inexistente. Entretanto, parece-nos que tal<br />

posicionamento é equivocado quando admite a flexibilização de algo que não existe<br />

e, por outro lado, é acertado já que reconhece sentenças inexistentes.<br />

Com máxima certeza, as teorias que aceitam a desconstituição da coisa<br />

julgada, a recomendam em casos excepcionais, entretanto, não constatam se sobre<br />

a sentença padece vício de inexistência, principalmente, quando afronta a<br />

Constituição.<br />

Parece-nos que o exame do tema à luz da Carta Magna carece de extrema<br />

cautela, pois o princípio da segurança jurídica “é a razão da própria existência do<br />

direito positivo”. 127 Eventuais erros cometidos pelo Poder Judiciário podem ser<br />

solucionados nos limites do próprio sistema jurídico-positivo sob pena de<br />

institucionalizá-los.<br />

Nossa legislação prevê de forma satisfatória a possibilidade de mitigar a coisa<br />

julgada ao enumerar as hipóteses que autorizam a propositura da ação rescisória<br />

uma vez que preservar a imutabilidade do comando judicial até as últimas<br />

conseqüências é desprestigiar a “efetividade” do processo. Não basta a resolução<br />

de um conflito de interesses de forma célere, sem observar as regras constantes do<br />

ordenamento jurídico, em especial, as normas constitucionais.<br />

Faz-se necessário rever os conceitos dos institutos estabelecidos no<br />

ordenamento jurídico para afastar a falsa idéia da necessidade de relativizar a coisa<br />

julgada, que pode implicar riscos para o próprio Estado de Direito.<br />

7. As condições da ação devem estar presentes considerando-se, em tese, o pedido formulado pela<br />

parte autora, sem qualquer vínculo com o eventual acolhimento ou a rejeição da pretensão meritória.<br />

8. Não resta dúvida, portanto, que o ajuizamento da presente ação declaratória de nulidade de ato<br />

jurídico é um dos meios adequados à eventual desconstituição da coisa julgada.<br />

9. No que diz respeito à eventual procedência da ação, sua apreciação caberá ao juiz de primeiro<br />

grau de jurisdição. A manutenção do acórdão recorrido tem o efeito, tão-somente, de afastar a<br />

carência da ação, dentro dos limites da questão submetida a julgamento nesta Superior Corte de<br />

Justiça.<br />

10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.”<br />

STJ – REsp 710.599 / SP. Relatora: Min. Denise Arruda. Julgamento: 21/06/2007. Órgão Julgador:<br />

Primeira Turma. Publicação: 14/02/2008.<br />

127 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Colisão de Princípios e Coisa Julgada em Matéria Tributária,<br />

nos Casos de Alteração de Texto sem Mudança de Norma. In: Rocha, Valdir de Oliveira. Problemas<br />

de processo Judicial Tributário. São Paulo: Dialética, 2002. p. 85-106.<br />

62


CAPÍTULO 4 – DAS SENTENÇAS QUE NÃO TRANSITAM EM JULGADO ANTE A<br />

Federal<br />

VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL<br />

4.1. Considerações iniciais: coisa julgada e violação à Constituição<br />

Inicialmente, cabe ressaltar a nossa crítica em relação à corrente adoção da<br />

expressão “coisa julgada inconstitucional”. O atributo de inconstitucionalidade é da<br />

sentença e não da res judicata e, pode-se até mesmo dizer, sequer há nesses<br />

casos, pelo que se verá a seguir, formação da coisa julgada.<br />

Eduardo Talamini 128 conceitua “a sentença inconstitucional” como “(...) aquela<br />

cujo comando pressupõe, veicula ou gera uma afronta à Constituição.<br />

‘Inconstitucionalidade’ assume aqui o sentido amplo de situação inconciliável entre<br />

um ato e normas (regras ou princípios) constitucionais”. Para o autor, ressalvados os<br />

casos em que a inconstitucionalidade atinge diretamente os próprios pressupostos<br />

de existência da relação processual, tal sentença existe juridicamente, sendo<br />

possível, portanto, transitar em julgado uma decisão contrária à ordem<br />

constitucional.<br />

Parece-nos, num primeiro momento, que a ação rescisória seria o caminho<br />

previsto para afastar a sentença que ofenderia à Constituição Federal, com fulcro no<br />

art. 485, V, do Código de Processo Civil, após esgotados os meios de impugnação<br />

recursal.<br />

Porém, sustentamos que “sentença inconstitucional” não pode ser revestida<br />

128 TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: RT, 2005. p. 406.<br />

63


de autoridade da coisa julgada já que veicula ou gera uma afronta à Constituição.<br />

Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina 129 , nesse sentido,<br />

sustentam que sentenças que acolhem pedidos inconstitucionais não transitam em<br />

julgado uma vez que foram proferidas em processos instaurados sem o exercício do<br />

direito de ação, não estando presente a possibilidade jurídica do pedido, requisito<br />

essencial para formação da ação. Além disso, e pelo que se melhor desenvolverá a<br />

seguir, a falta de citação e a ausência de fundamentação dão origem a sentenças<br />

juridicamente inexistentes, porque colidentes com o regime constitucional brasileiro.<br />

Há outras situações, abordadas neste capítulo, que, justamente porque<br />

também ofendem a Constituição Federal, revestem-se de vício de extrema<br />

gravidade (o da inexistência jurídica). São elas: as sentenças que afrontam uma<br />

norma ou um princípio constitucional; as sentenças amparadas em lei tendo havido<br />

posterior declaração de inconstitucionalidade e as sentenças que não aplicaram<br />

determinada norma (por considerá-la inconstitucional incidenter tantum), tendo<br />

havido posterior decisão reconhecendo a sua constitucionalidade. Oportunamente,<br />

em cada um desses itens, buscar-se-á justificar o porquê da nossa conclusão por<br />

alinhar essas situações como configuradoras de inexistências jurídicas<br />

(processuais).<br />

Interessa-nos, no presente trabalho, demonstrar que as “sentenças contrárias<br />

à Constituição”, após esgotados todos os recursos previstos no ordenamento<br />

jurídico, não são acobertadas pela coisa julgada. Assim, não há que se falar em<br />

relativização da autoridade da res judicata. O próprio sistema jurídico brasileiro,<br />

interpretado e aplicado adequadamente, oferece ao intérprete e ao aplicador<br />

mecanismos hábeis a contornar os problemas propostos, que, às vezes, são<br />

“falsos”.<br />

Outrossim, defender que as sentenças ofensivas à Constituição Federal não<br />

existem no mundo jurídico não invalida a afirmação de que, em última instância,<br />

desde que o conflito de interesses ainda esteja pendente de solução definitiva, deva<br />

129 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Wambier e; MEDINA, José Miguel Garcia,. O Dogma da Coisa<br />

Julgada, Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 39.<br />

64


ser interposto Recurso Extraordinário, com base no art. 102, III, “a” – “c”, da Carta<br />

Magna.<br />

4.2. Sentença juridicamente inexistente<br />

Parte da doutrina, com absoluto acerto, reconhece uma categoria de<br />

sentenças que não transitam em julgado; são as denominadas sentenças<br />

juridicamente inexistentes. 130<br />

Inicialmente, é preciso entender os atos inexistentes. A própria expressão ato<br />

inexistente pressupõe, sempre, a existência de algo, sendo a inexistência a sua<br />

negação. Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina relacionam os<br />

atos inexistentes com ausência de tipicidade: “Um ato é inexistente, para o direito,<br />

quando carrega em si um defeito de tal monta, que é capaz de desfigurá-lo, e<br />

impedir que se encaixe no tipo. É um defeito de essência.” 131<br />

Falta ao ato inexistente um ou mais elementos que compõem o tipo 132 , razão<br />

pela qual o mesmo não é capaz de produzir efeitos em relação ao ato processual<br />

130 Segundo Paulo Otero, o poder judiciário pode criar situações patológicas ao prolatar decisões<br />

contrárias à lei, aos direitos individuais, podendo, até mesmo, violar a Constituição. In Ensaio sobre a<br />

coisa julgada inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993. p. 9.<br />

131 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada,<br />

Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 25/27.<br />

132 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. São Paulo: Atlas, 2003. v. 1, p. 32-33. Silvio de Sálvio<br />

Venosa, sobre a tipicidade, leciona que o Direito, para atingir seus objetivos, deve ter “certeza de que<br />

existe e que deva ser cumprido, joga com predeterminações formais de conduta, isto é, descrições<br />

legais na norma que obrigam a determinado comportamento, quer sob a forma positiva, quer sob a<br />

forma negativa. A isso se dá o nome de tipicidade. Os fatos típicos existem em todas as categorias<br />

jurídicas, notando-se com mais veemência no campo do Direito Penal, direito punitivo por excelência,<br />

em que condutas criminosas, reprimidas pela lei, são por ela descritas. Só há crime se houver lei<br />

anterior que o defina. Contudo, o fenômeno da tipicidade é universal no Direito. No Direito Privado,<br />

seus vários institutos são delineados com uma descrição legal. Daí por que a lei define o que é<br />

obrigação, o que é propriedade, como se extingue a obrigação etc.<br />

(...)<br />

Esse fato típico que dá origem às relações jurídicas também é denominado fato jurígeno ou fato<br />

gerador (embora esta última expressão seja consagrada no direito Tributário, seu sentido é idêntico).<br />

65


que aparentava ser; entretanto, os efeitos do ato sobrevivente não podem ser<br />

renegados. Substanciosa doutrina, no âmbito do processo civil, admite o ato<br />

inexistente. 133<br />

Exemplo de reconhecimento de ato inexistente no âmbito do Código de<br />

Processo Civil é o que consta do parágrafo único do artigo 37, no qual se lê:<br />

Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será<br />

admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar<br />

ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no<br />

processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes casos, o advogado<br />

se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de<br />

mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze),<br />

por despacho do juiz.<br />

Parágrafo único. Os atos, não ratificados no prazo, serão havidos<br />

por inexistentes, respondendo o advogado por despesas e perdas e danos.<br />

O ato inexistente recebe tratamento diferenciado daquele “nulo”, ao qual o<br />

Código de Processo Civil atribui a qualidade de “rescindível”, após transitar em<br />

julgado. 134 O ato nulo produz efeitos até que formalmente se declare sua nulidade<br />

por meio do instrumento processual adequado e no momento previsto na legislação.<br />

Já o ato inexistente não gera efeitos quanto ao ato processual que aparentava ser.<br />

Pode o julgador reconhecê-lo a qualquer tempo; independe da via eleita pela<br />

legislação – ação rescisória.<br />

A relação jurídica processual inicia-se entre o autor e o juiz; completa-se após<br />

o ato citatório e tem seu término com a emissão do provimento jurisdicional. A<br />

inércia do Estado é retirada pelo autor, que se utiliza da garantia constitucional do<br />

Acesso à Justiça (art. 5.º, inc. XXXV) ao elaborar seu pedido diante de um juiz em<br />

face do réu. Antes do fim do litígio, com a prolação da sentença, há uma série de<br />

Na maioria das vezes, o fato típico, ou seja, a descrição legal de uma conduta predetermina uma<br />

ação do indivíduo, quer para permitir que ele aja de uma forma, quer para proibir determinada ação.”<br />

133 Neste sentido: ALVIM, Thereza. Repensando a Coisa Julgada. In: Revista Autônoma de Processo.<br />

Coord.: Arruda Alvim e Eduardo Arruda Alvim. Curitiba: Juruá, n. 2, jan./mar. 2007. WAMBIER,<br />

Tereza Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses de<br />

Relativização. São Paulo: RT, 2003.<br />

134 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V: art. 476 a<br />

565. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 106. Barbosa Moreira esclarece que o ato processual nulo<br />

converte-se em ato rescindível após o trânsito em julgado ainda que não se pudesse equiparar um ao<br />

outro. Nas palavras do autor: “Sentença rescindível não se confunde com sentença nula nem, a<br />

fortiori, com sentença inexistente.”<br />

66


equisitos positivos ou negativos, sem os quais não ocorre a formação do processo.<br />

Tratam-se dos pressupostos processuais e das condições da ação.<br />

Com efeito, a qualidade de imutabilidade do comando judicial não recai sobre<br />

sentenças que não observam certos requisitos essenciais para formação do<br />

processo; tais pronunciamentos judiciais são ditos como inexistentes. Diante de<br />

uma sentença inexistente, não ocorre o fenômeno da coisa julgada, logo, não se faz<br />

necessário o mecanismo típico de “quebra” – ação rescisória, para refutá-la do<br />

mundo jurídico. O Código de Processo Civil indica os pressupostos de cabimento da<br />

ação rescisória - art. 485 do CPC, caput: sentença de mérito transitada em julgado.<br />

Nesse sentido, o posicionamento de Vicente Greco Filho 135 , Teresa Arruda Alvim<br />

Wambier 136 .<br />

O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que não podem transitar em<br />

julgado sentenças que contenham vícios insanáveis uma vez que essas sentenças<br />

viciadas não existem no mundo jurídico. 137<br />

135 GRECO FILHO, Vicente. “Direito Processual Civil Brasileiro”. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000.<br />

p. 40/46. De acordo com esse pensamento, assevera: “As nulidades processuais só se decretam no<br />

momento e pelo instrumento processual adequado; se não houver momento e instrumento, o ato,<br />

ainda que defeituoso, permanece produzindo efeitos até que formalmente se declare sua<br />

invalidade...Somente os casos de inexistência é que, a qualquer tempo e por qualquer juiz, podem<br />

ser reconhecidos, independente de ação rescisória.”<br />

136 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. 4.ª edição. São Paulo:<br />

RT,1997. p. 167. “a necessidade de que se faça uma distinção entre atos nulos e inexistentes nasce,<br />

fundamentalmente, dos prazos que a lei cria para que, dentro deles, se tome alguma providência<br />

quanto ao seu ataque. Assim, se o ato nulo é viciado de alguma forma, o inexistente não chega nem<br />

a ser, juridicamente. Ainda que para ambos os casos deva haver pronunciamento judicial, segundo<br />

passamos, aquele estará submetido a um prazo qualquer, que tenha sido estabelecido em lei.<br />

Todavia, o mesmo não ocorre com os atos inexistentes, cuja possibilidade de vulneração não se<br />

submete a prazo algum...não havendo nada a destruir, não haverá limite temporal para constatar-se a<br />

inexistência.”<br />

137 Veja-se ementa do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.<br />

DÚVIDAS SOBRE A TITULARIDADE DE BEM IMÓVEL INDENIZADO EM AÇÃO DE<br />

DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA COM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. PRINCÍPIO DA<br />

JUSTA INDENIZAÇÃO. RELATIVIZAÇÃO DA <strong>COISA</strong> <strong>JULGADA</strong>.<br />

1. Hipótese em que foi determinada a suspensão do levantamento da última parcela do precatório<br />

(art. 33 do ADCT), para a realização de uma nova perícia na execução de sentença proferida em<br />

ação de desapropriação indireta já transitada em julgado, com vistas à apuração de divergências<br />

quanto à localização da área indiretamente expropriada, à possível existência de nove superposições<br />

de áreas de terceiros naquela, algumas delas objeto de outras ações de desapropriação, e à<br />

existência de terras devolutas dentro da área em questão.<br />

67


4.3. Os pressupostos processuais de existência e a falta de citação<br />

Em breve síntese, pode-se dizer que os pressupostos processuais de<br />

existência são requisitos necessários à existência e à validade da relação<br />

processual. Para Chiovenda 138 , os pressupostos processuais são as condições para<br />

obtenção de um pronunciamento qualquer, favorável ou desfavorável, sobre a<br />

demanda. Segundo Teresa Arruda Alvim 139 , “são elementos cuja presença é<br />

imprescindível para a existência e para a validade da relação processual e, de outra<br />

parte, cuja inexistência é imperativa para que a relação processual exista<br />

validamente, nos casos dos pressupostos processuais negativos.”<br />

2. Segundo a teoria da relativização da coisa julgada, haverá situações em que a própria sentença,<br />

por conter vícios insanáveis, será considerada inexistente juridicamente. Se a sentença sequer existe<br />

no mundo jurídico, não poderá ser reconhecida como tal, e, por esse motivo, nunca transitará em<br />

julgado.<br />

3. "A coisa julgada, enquanto fenômeno decorrente de princípio ligado ao Estado Democrático de<br />

Direito, convive com outros princípios fundamentais igualmente pertinentes. Ademais, como todos os<br />

atos oriundos do Estado, também a coisa julgada se formará se presentes pressupostos legalmente<br />

estabelecidos. Ausentes estes, de duas, uma: (a) ou a decisão não ficará acobertada pela coisa<br />

julgada, ou (b) embora suscetível de ser atingida pela coisa julgada, a decisão poderá, ainda assim,<br />

ser revista pelo próprio Estado, desde que presentes motivos preestabelecidos na norma jurídica,<br />

adequadamente interpretada." WAMBIER, Tereza Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. O<br />

Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 25.<br />

4. "A escolha dos caminhos adequados à infringência da coisa julgada em cada caso concreto é um<br />

problema bem menor e de solução não muito difícil, a partir de quando se aceite a tese da<br />

relativização dessa autoridade - esse, sim, o problema central, polêmico e de extraordinária<br />

magnitude sistemática, como procurei demonstrar. Tomo a liberdade de tomar à lição de Pontes de<br />

Miranda e do leque de possibilidades que sugere, como: a) a propositura de nova demanda igual à<br />

primeira, desconsiderada a coisa julgada; b) a resistência à execução, por meio de embargos a ela ou<br />

mediante alegações incidentes ao próprio processo executivo; e c) a alegação incidenter tantum em<br />

algum outro processo, inclusive em peças defensivas." DINAMARCO, Cândido Rangel. Coisa Julgada<br />

Inconstitucional. Coord.: Carlos Valder do Nascimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.<br />

p. 63-65.<br />

5. Verifica-se, portanto, que a desconstituição da coisa julgada pode ser perseguida até mesmo por<br />

intermédio de alegações incidentes ao próprio processo executivo, tal como ocorreu na hipótese dos<br />

autos.<br />

6. Não se está afirmando aqui que não tenha havido coisa julgada em relação à titularidade do imóvel<br />

e ao valor da indenização fixada no processo de conhecimento, mas que determinadas decisões<br />

judiciais, por conter vícios insanáveis, nunca transitam em julgado. Caberá à perícia técnica, cuja<br />

realização foi determinada pelas instâncias ordinárias, demonstrar se tais vícios estão ou não<br />

presentes no caso dos autos.<br />

7. Recurso especial desprovido.”<br />

Resp. 622405 / SP, T1 – Relator: Min. Denise Arruda. Julgamento: 14/08/2007. Órgão Julgador:<br />

Primeira Turma. Publicação 20/09/2007.<br />

138 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de Paolo Capitanio. v. I,<br />

1 ª ed. São Paulo: Bookseller, 1998. p. 90.<br />

139 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades da sentença. São Paulo: RT, 1990. p. 22.<br />

68


Aqui nos interessarão apenas os pressupostos de existência, pois o único de<br />

tipo insanável é a inexistência. Com o presente trabalho, demonstra-se que o<br />

pronunciamento judicial que afronta à Constituição é apenas um simulacro, não<br />

existindo no mundo jurídico.<br />

Há três requisitos para que uma relação jurídica processual exista, de acordo<br />

com a teoria clássica: i) petição inicial; ii) órgão julgador investido de jurisdição; iii)<br />

citação da parte contrária. São elementos indispensáveis para que exista processo<br />

como relação jurídica trilateral.<br />

Para alguns doutrinadores, o despacho do juiz na petição inicial ou a<br />

distribuição onde houver mais de uma vara (art. 263, CPC) é o ato inicial que faz<br />

existir o processo, certo que a jurisdição é inerte (artigos 2.º, 128 e 262 do CPC).<br />

É cediço que tal posicionamento não é isento de críticas.<br />

Podemos afirmar ser esse o início do processo que nasce da relação entre<br />

julgador e autor, pois a existência do processo como relação jurídica trilateral<br />

apenas ocorre com o ato citatório. 140<br />

O pedido do interessado deve ser formulado, via de regra, por meio de uma<br />

petição escrita e por quem tenha capacidade postulatória. 141 Arruda Alvim classifica<br />

tal capacidade como requisito da existência da relação jurídica processual e não<br />

propriamente um pressuposto processual, exclusivo para o autor, já que a existência<br />

da relação jurídica processual se dá com a citação ou com o comparecimento do<br />

140 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 12.ª ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: RT,<br />

2008. vol. I. p. 535. Nesse sentido, leciona: “c) Não podemos dizer que já há processo íntegro, como<br />

relação trilateral, e no sentido prático e real, se não houver citação da parte contrária; afirmação<br />

diversa seria baseada em conceito estritamente técnico (desligado do Direito positivo brasileiro), e<br />

seria válida apenas considerado o processo como relação bilateral entre o autor e juiz. O que se<br />

poderia dizer é que há, com a só propositura da ação, apenas um início do processo, pois há relação<br />

jurídica entre o juiz e o autor.”<br />

141 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada:<br />

Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 30-31. Teresa Arruda Alvim Wambier e José<br />

Miguel Garcia Medina criticam a situação criada pelo sistema positivo, já que o parágrafo único do<br />

artigo 37 do CPC alude a que seriam inexistentes os atos praticados no processo pelo demandante,<br />

sem que o advogado tenha juntado o documento de procuração, enquanto, o artigo 4º da Lei 8.906,<br />

de 04.07.1994, apenas reconhece a nulidade dos atos exercidos por advogado suspenso, licenciado<br />

ou que exerce atividade incompatível com a advocacia. Os autores entendem ser mais grave a última<br />

situação.<br />

69


éu. 142 Ao autor, é exigido demandar representado por advogado, salvo exceções<br />

legais; já ao réu, a capacidade postulatória consiste em requisito de validade; o réu<br />

apresenta defesa por advogado.<br />

Diante do exposto no item 4.2., podemos afirmar que as sentenças proferidas<br />

sem que haja citação devem ser consideradas inexistentes, pois, no processo em<br />

que proferidas, não há a necessária integração do réu.<br />

O ato citatório é protegido pela própria Constituição Federal. Segundo Arruda<br />

Alvim 143 , o Código de Processo Civil consagra a regra de que para a existência do<br />

processo, é essencial a citação, sob pena de violar direito individual – art. 5.º, inc.<br />

XXXV, c/c o inc. LIV da Carta Magna.<br />

Botelho de Mesquita sustenta que o processo é um ato do autor, do réu e do<br />

juiz, sendo a citação essencial para tanto. A ausência de qualquer das partes<br />

desnatura o processo e não dá origem à sentença, pois não se pode por fim a um<br />

processo (sentença) sem que esse exista. 144<br />

Por oportuno, ressalte-se a posição contrária, da qual não compartilhamos.<br />

Parte da doutrina menciona a citação não como um pressuposto de existência, mas,<br />

sim, de validade do processo 145 , sob a justificativa do contido nos artigos 214 e 247<br />

do Código de Processo Civil. 146<br />

142 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. vol. 1. Parte Geral. 9.ª ed. revista, atualizada e<br />

ampliada. São Paulo: RT, 2005. vol. 1, p. 437.<br />

143 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 9.ª ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: RT,<br />

2008. vol.I., p. 168-169.<br />

144 MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Coisa Julgada. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 106. “... a<br />

falta de citação do réu desnatura o processo Judicium est actum trium personarum, o julgamento é<br />

um ato de três pessoas. É como um tripé. Tripé com dois pés tripé não é. Um não-processo não pode<br />

dar origem a uma sentença que o extinga, pois não chegou ele, o processo, a constituir-se.”<br />

145 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Litisconsórcio Unitário. Rio de Janeiro: Forense, 1972. p. 147.<br />

146 “Art. 214: Para a validade do processo, é indispensável a citação inicial do réu.<br />

§ 1º O comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação.<br />

§ 2º Comparecendo o réu apenas para argüir a nulidade e sendo esta declarada, considerar-se-á feita<br />

a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão.”<br />

“Art. 247 – As citações e as intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições<br />

legais.”<br />

70


As definições legais nem sempre alçam a pretensão real do legislador; o uso<br />

lingüístico utilizado pode não expressar o significado adequado. Ressalte-se que a<br />

falta de citação pode ser levantada a qualquer tempo pelo réu; não há que falar em<br />

prazo legal de dois anos para desconstituir sentença que não observou a ausência<br />

do ato citatório, portanto, estamos diante de uma verdadeira sentença inexistente.<br />

A jurisprudência 147 - 148 reconhece que a falta ou a nulidade de citação para o<br />

processo de conhecimento contamina todos os seus atos, inclusive o<br />

pronunciamento judicial definitivo. Ao impedir a regular formação da relação jurídica<br />

processual, tal nulidade ou falta, afasta a formação da coisa julgada, que pode ser<br />

alegada em embargos à execução ou em ação autônoma direta da querela nullitatis<br />

insanabilis 149 , de caráter perpétuo, não prejudicada pelo biênio da ação rescisória,<br />

pois o que nunca existiu não passa, com o tempo, a existir.<br />

Conforme ensina Giuseppe Chiovenda 150 , sem a citação, o processo existe<br />

apenas entre o autor e o Estado, mas não existe em relação ao réu.<br />

Em síntese, a falta de citação não gera uma sentença inválida, suscetível de<br />

ser rescindida, mas sim uma sentença inexistente que nunca produziu efeitos em<br />

relação ao réu e não observou os princípios constitucionais do devido processo<br />

legal, da ampla defesa e do contraditório.<br />

147 TRF – 1.ª Reg - ApCiv 980110067. Relator Des. Leão Aparecido Alves. Julgamento: 03/10/2001.<br />

Publicação: 23/01/2002.<br />

148<br />

Ementa: PROCESSUAL CIVIL - NULIDADE DA CITAÇÃO (INEXISTENCIA) – QUERELA<br />

NULLITATIS.<br />

I - A tese da querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a<br />

nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o<br />

processo, vale falar, a relação jurídica processual não se constituiu nem validamente se desenvolve.<br />

Nem, por outro lado, a sentença transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula,<br />

em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução, se for o caso.<br />

II – Recurso não conhecido. STJ – REsp 12586 / SP. Relator: Min. WALDEMAR ZVEITER.<br />

Julgamento: 08/10/1991. Órgão Julgador: Terceira Turma. Publicação: 04/11/1991.<br />

149 Verifica-se que a querela nullitatis, embora seja denominada por muitos de ação declaratória de<br />

nulidade, refere-se à inexistência. Fato que ocorre corriqueiramente entre os doutrinadores e os<br />

próprios Tribunais é o emprego das expressões nulidade e inexistência jurídica como se fossem<br />

iguais .<br />

150 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3.ª ed. Napoli: Jovene, 1920. p. 654.<br />

71


4.4. Da ausência da condição da ação: possibilidade jurídica do pedido<br />

As sentenças proferidas em processos iniciados por ações sem que tenham<br />

preenchidas as condições da ação integram, igualmente, o grupo de sentenças que<br />

não têm aptidão para transitar em julgado, são juridicamente inexistentes. O<br />

exercício da ação está sujeito à existência de três condições: legitimidade, interesse<br />

e possibilidade jurídica do pedido, sob pena de ser decretada carência de ação. Dá-<br />

se a carência de ação quando o autor pleitear pedido que seja, jurídica ou<br />

faticamente, impossível; quando for parte ilegítima, ou quando não houver, por sua<br />

parte, interesse processual.<br />

Caso na sentença prolatada se ignorem as condições elucidadas acima,<br />

podemos afirmar que estamos diante de uma sentença que não produzirá efeitos<br />

jurídicos, sendo ato juridicamente inexistente.<br />

Entretanto, se o pronunciamento judicial definitivo declarar a ausência de uma<br />

ou mais condições da ação, ocorrerá “fenômeno assimilável à coisa julgada” 151 já<br />

que, apenas depois de corrigido o vício, a ação poderá ser reproposta. Uma vez<br />

sanados os vícios e, portanto, presentes os requisitos necessários para o exercício<br />

do direito de ação, o julgador enfrentará o mérito, pois estará diante de uma nova<br />

ação. 152<br />

151 Expressão mencionada por Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina. O Dogma<br />

da Coisa Julgada, Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 32.<br />

152 Segundo a corrente majoritária na doutrina processual brasileira, a sentença proferida com fulcro<br />

no artigo 267, VI do CPC formaria coisa julgada formal, não atingindo o plano de direito material. Não<br />

haveria, pois, vinculação alguma entre a sentença proferida e a propositura da mesma demanda. Tal<br />

corrente de pensamento tem como fundamento o art. 268 do Código de Processo Civil. Contudo,<br />

existe entendimento que sobre a decisão que reconhece a carência de ação prevalece o instituto da<br />

coisa julgada material. Diante da interpretação sistemática, deve-se levar em consideração o art. 468<br />

do diploma processual. O Colendo Superior Tribunal de Justiça assim decidiu: “EXTINÇÃO DO<br />

PROCESSO. FALTA DE INTERESSE. Se o Juiz extinguiu o processo sem julgamento do mérito – o<br />

que não resulta coisa julgada material -, apontando a falta de interesse processual do autor em face<br />

da inadequação da ação civil pública ao caso, não é permitida a renovação da mesma causa ipsis<br />

litteris.” (STJ - Resp 191.934 / SP. Relator: Min. Barros Monteiro. Julgamento: 21/09/2000. Órgão<br />

Julgador: Quarta Turma – In Informativo 71 do STJ, de 18 a 22.09.2000). Note-se que no acórdão,<br />

não reconhece o instituto da coisa julgada material, apenas há o reconhecimento dos seus efeitos.<br />

Posteriormente, decidiu o mesmo STJ: ILEGITIMIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO. A Turma<br />

72


No caso específico da ausência da possibilidade jurídica do pedido, deve-se<br />

fazer a distinção entre pedido juridicamente impossível e impossibilidade constante<br />

da sentença; essa se refere apenas ao não acolhimento do pedido pelo magistrado<br />

que tem livre convencimento motivado.<br />

Em relação ao pedido impossível, temos o exemplo clássico citado por<br />

Cândido Rangel Dinamarco 153 , o qual diz respeito aos países em que não existe<br />

uma legislação referente à separação dos Estados, e que, em certa ocasião, depara-<br />

se o magistrado com um pedido de separação.<br />

Em casos como esse, o pedido deverá ser caracterizado como impossível,<br />

logo de plano. Entretanto, caso o magistrado acolha tal pedido, podemos afirmar que<br />

a decisão inexiste; estamos diante de um aparente pronunciamento judicial. Para o<br />

autor citado, sentença com “efeitos juridicamente impossíveis” não se qualifica pela<br />

autoridade de imutabilidade, pois não tem efeitos capazes de serem imunizados por<br />

essa autoridade; assim, apenas atribui impossibilidade aos efeitos da decisão.<br />

Segundo Liebman, por ser o direito processual de ação o direito de provocar a<br />

jurisdição, sempre que houver ação, deve haver uma reação - a tutela jurisdicional.<br />

Dessa forma, só haverá verdadeira tutela jurisdicional quando se chegar ao<br />

julgamento de mérito, caso contrário, inexistirá ação. 154<br />

Uma vez não observadas as condições da ação, a decisão prolatada será<br />

apenas aparência de ato - sentença, sendo atacável por ação declaratória, sem<br />

prazo decadencial.<br />

entendeu, por maioria, que, indeferida a inicial, com a extinção do processo sem julgamento do mérito<br />

por falta de legitimidade passiva para a causa, sem que a parte recorra, dá-se o trânsito em julgado<br />

material, impossibilitando novo ajuizamento de idêntica ação (art. 301, § 2º, do CPC). Precedente<br />

citado: REsp 191.934-SP. REsp 160.850-SP. Relator: Min. Cesar Asfor Rocha Julgamento:<br />

17/10/2000. Em suma, a sentença de carência de ação gera um efeito vinculante negativo no plano<br />

material, o que garante a certeza nas relações jurídicas.<br />

153 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel.<br />

Teoria geral do processo. 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 37.<br />

154 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Trad. Cândido Rangel Dinamarco. Rio<br />

Janeiro: Forense, 1984. vol. 1, p. 143.<br />

73


4.5. Vícios internos da sentença e ausência de fundamentação<br />

Além dos defeitos mencionados nos itens anteriores, que provocam a<br />

inexistência jurídica da sentença, poderá ocorrer a ausência de requisito específico,<br />

o qual também impede a realização do ato jurídico (=sentença) e,<br />

conseqüentemente, sobre a decisão não recairá a qualidade de imutabilidade.<br />

Os requisitos essenciais da sentença estão prescritos no art. 458 do Código<br />

de Processo Civil 155 : relatório, fundamentos e dispositivo. Além desses requisitos,<br />

deve ser observado o contido no artigo 164 156 do mesmo diploma legal. Todos os<br />

despachos, as decisões, as sentenças e os acórdãos proferidos devem ser<br />

redigidos, datados e assinados pelos julgadores, ou, caso sejam proferidos<br />

verbalmente, caberá aos juízes a revisão e a assinatura do registrado pelo<br />

serventuário da justiça.<br />

No relatório da sentença (inciso I), o julgador individualiza as partes; resume a<br />

pretensão do autor e a defesa do réu e elabora um breve resumo das principais<br />

ocorrências havidas no procedimento e de relevância para a convicção do julgador.<br />

Assim, inicia-se a preparação para decisão. 157 A ausência absoluta de relatório leva<br />

à inexistência da sentença, pois sua função é garantir que o magistrado conheça o<br />

conflito de interesses e o ocorrido nos autos. 158 Contudo, não há que se falar em<br />

155 Art. 468. São requisitos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a<br />

suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no<br />

andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de<br />

direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.<br />

156 Art. 164. Os despachos, decisões, sentenças e acórdãos serão redigidos, datados e assinados<br />

pelos juízes. Quando forem proferidos, verbalmente, o taquígrafo ou o datilógrafo os registrará,<br />

submetendo-os aos juízes para revisão e assinatura.<br />

157 A parte do relatório é dispensável nos processos em curso perante os juizados especiais, Lei<br />

9.099/95 – artigos 38 e 81, § 3º, em atenção ao princípio da simplicidade que rege tais processos.<br />

158 Nesse sentido, decisão recente proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Segue ementa:<br />

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS RECEBIDOS COMO AGRAVO<br />

REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACÓRDÃO INCOMPLETO. SENTENÇA<br />

ADOTADA COMO PARTE DO RELATÓRIO. AUSÊNCIA. NÃO-CONHECIMENTO. ANÁLISE DE<br />

MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. I. Quando a sentença é<br />

adotada como parte do relatório integrante do acórdão recorrido, obrigatório é o seu traslado, na<br />

medida em que a falta de tal documento torna impossível a exata compreensão da controvérsia. II.<br />

74


inexistência da sentença, se tal deficiência for suprida pela fundamentação -<br />

segunda parte do pronunciamento judicial definitivo.<br />

Quanto à parte da fundamentação (inciso II), o juiz expõe os motivos de fato<br />

e/ou de direito que o levaram, em atenção ao contido nos autos, a decidir a lide pela<br />

procedência, pela improcedência ou pela procedência em parte do pedido. O<br />

julgador é livre para julgar, desde que motive sua decisão, mencionando os meios<br />

de prova (direito objetivo e subjetivo) que levaram à solução da controvérsia. A<br />

ausência absoluta de fundamentação leva à inexistência da sentença.<br />

A regra da publicidade é princípio de suma importância para legitimar os atos<br />

do Estado no que se refere aos atos administrativos ou jurisdicionais. A Constituição<br />

Federal de 1988 optou por reiterar a exigência de fundamentação das decisões<br />

judiciais (art. 93, IX), asseverando a preocupação em conferir segurança jurídica às<br />

relações processuais. O Poder Jurisdicional e toda a sociedade devem ter ciência do<br />

exercício da atividade jurisdicional em relação ao caso concreto solucionado para<br />

fazer prevalecer a garantia de Estado Democrático de Direito.<br />

Por fim, o último requisito da sentença é o dispositivo (inciso III), que deverá<br />

manter relação com o pedido ou com a acusação e conter a prestação da tutela<br />

jurisdicional. É o momento em que o juiz decide (=subsume o direito abstrato ao<br />

caso concreto) em compasso com a fundamentação e indica os efeitos que a<br />

sentença ocasionará dali por diante. A decisão deverá incluir todos os pedidos<br />

formulados e os acessórios conseqüentes. Vale lembrar que sobre o dispositivo da<br />

sentença, recai a qualidade de imutabilidade, depois de esgotados os recursos.<br />

A falta absoluta de dispositivo não leva à nulidade da sentença, mas, sim, à<br />

sua inexistência e à não formação da coisa julgada. Ora, tal decisão poderá ser<br />

objeto de ação declaratória. Não há os requisitos necessários para propositura da<br />

Em sede de embargos declaratórios, ou agravo regimental, em agravo de instrumento, sob pena de<br />

usurpação de competência, é vedado ao STJ manifestar-se a respeito de violação a dispositivos<br />

constitucionais. III. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental a que se nega<br />

provimento. (grifos nossos).” (AgRg no Ag 910511 / MG. Relator: Min. ALDIR PASSARINHO<br />

JUNIOR. Julgamento: 18/12/2007. Órgão Julgador: Quarta Turma. Publicação: 03/03/2008).<br />

75


ação rescisória: sentença de mérito e trânsito em julgado. Nesse sentido, Arruda<br />

Alvim: “Pare-nos, entretanto, que a falta absoluta de “decisório” faz com que a<br />

sentença seja juridicamente inexistente, e não nula, o que implica não estar sujeita a<br />

possibilidade de sua vulneração ao prazo de dois anos da ação rescisória”. 159<br />

Além dos requisitos essenciais ventilados até o momento, podemos destacar<br />

que a sentença é considerada inexistente quando não assinada pelo juiz, ainda que<br />

se admita sua correção posterior. Note-se que estamos diante de um ato inexistente<br />

suscetível de ser sanado.<br />

A ausência de um ou mais requisitos essenciais da sentença (relatório,<br />

fundamentação e dispositivo) assim como a falta de assinatura do juiz ocasionarão,<br />

apenas uma aparência de ato judicial (=sentença), que poderá ser desconstituído a<br />

qualquer tempo por meio de uma ação declaratória.<br />

4.6. Sentença que afronta diretamente uma norma ou um princípio<br />

constitucional<br />

A sentença dita inconstitucional, aquela que ofende diretamente uma norma ou<br />

um princípio constitucional, jamais pode ser protegida pelo sistema jurídico; o<br />

problema está em contrariar a Supremacia da Constituição. Nas palavras de<br />

Canotilho, a Constituição é “o fundamento da coerência intrínseca do ordenamento<br />

jurídico, tanto pelo estabelecimento de regras de hierarquia e de ordenação entre as<br />

diversas fontes como pelo estabelecimento dos princípios jurídicos fundamentais a<br />

que hão de obedecer todas as demais fontes”. 160<br />

159 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. vol. 1. Parte Geral. 9.ª ed. revista, atualizada e<br />

ampliada. São Paulo: RT, 2005. vol. 2, p. 585.<br />

160 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991. p.<br />

62.<br />

76


Jorge Miranda, também considera a Carta Magna como Lei Fundamental da<br />

qual são extraíveis os fundamentos de validade dos atos, entretanto, para ele “não<br />

basta que a Constituição outorgue garantias; tem, por seu turno, de ser garantida.” 161<br />

Tanto o poder legislativo, como o executivo e o judiciário devem respeito às<br />

normas e aos princípios constitucionais para terem seus atos reconhecidos como<br />

existentes. Essa obrigatória submissão à Constituição Federal é identificada como<br />

princípio da constitucionalização.<br />

Ensina Pontes de Miranda que a observância ao princípio da<br />

constitucionalização funciona “como a ratio legis da garantia jurisdicional da<br />

Constituição”. 162 Para nós, o desrespeito a esse princípio acarreta a inexistência. Se<br />

o julgador proferir decisão contra norma ou princípio constitucional, não há o que se<br />

falar em autoridade da coisa julgada. Portanto, não compartilhamos da doutrina 163<br />

que sustenta ser a sentença diferente da lei, sob a justificativa de que, uma vez<br />

prolatada a decisão, surge a norma jurídica para o caso concreto, desprendendo-se<br />

do texto legal.<br />

Salientamos que decisão contrária à Constituição Federal não pode ser<br />

protegida pelo sistema jurídico e não há necessidade de mitigá-la, como pretendem<br />

alguns autores. Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria 164 iniciam a<br />

defesa sobre a relativização da coisa julgada sob o enfoque de que a Carta Magna é<br />

garantida juridicamente pelo princípio da constitucionalidade e, sob pena de<br />

inconstitucionalidade, nenhum ato pode contrariar princípio ou preceito constitucional.<br />

Cândido Rangel Dinamarco também visualiza a pertinência de mitigar a coisa<br />

julgada diante da violação à Constituição. Para Dinamarco, a coisa julgada,<br />

assegurada pela ordem jurídica, pode ser afastada em casos excepcionais, como as<br />

161 MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra, 1996. p.<br />

77.<br />

162 MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra, 1996. p.<br />

77.<br />

163 MARINONI, Luis Guilherme. O Princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da<br />

relativização da coisa julgada material). Revista Gênesis, v 31, jan./mar. 2004. p. 147.<br />

164 THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. O Tormentoso Problema da<br />

Inconstitucionalidade da Sentença Passada em Julgado. In: Câmara, Alexandre Freitas. Relativização<br />

da Coisa Julgada. 2.ª ed. Salvador: Podivm, 2006. p. 157-197.<br />

77


transgressões constitucionais. O autor não tem a pretensão de flexibilizar a<br />

autoridade da coisa julgada como regra geral. 165<br />

De fato, na defesa pela flexibilização da coisa julgada, o princípio da<br />

proporcionalidade e o da razoabilidade são ventilados para afastar a segurança<br />

jurídica consagrada no instituto da coisa julgada e para fazer prevalecer outros<br />

valores constitucionais, entre eles o valor da justiça. 166<br />

Entretanto, o problema não está em ponderar princípios ou normas<br />

constitucionais, mas sim apenas em reconhecer a inexistência dos pronunciamentos<br />

judiciais incompatíveis com a Lei Fundamental para retirá-los do mundo jurídico. A<br />

partir dessa premissa, a estabilidade das relações sociais fica preservada, não<br />

sendo um verdadeiro problema concernente à “relativização da coisa julgada”.<br />

165 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista Forense. V. 358. Novdez<br />

de 2001. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 28-31/32. “Além disso, não estou a postular a<br />

sistemática desvalorização da auctoritas rei judicae mas apenas o cuidado para situações<br />

extraordinárias e raras, a serem tratadas mediante critérios extraordinários. Cabe aos juízes de todos<br />

os graus jurisdicionais a tarefa da descoberta das extraordinariedades que devam conduzir a<br />

flexibilizar a garantia da coisa julgada, recusando-se a flexibilizá-la sempre que o caso não seja<br />

portador de absurdos, injustiças graves, transgressões constitucionais etc. (...)”<br />

“A linha proposta não vai ao ponto insensato de minar imprudentemente a auctoritas rei judicatoe ou<br />

transgredir sistematicamente o que a seu respeito assegura a Constituição Federal e dispõe a lei.<br />

Propõe-se apenas um trato extraordinário destinado a situações extraordinárias com objetivo de<br />

afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição – com a consciência de que<br />

providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência desses<br />

graves inconvenientes. Não me move o intuito de propor uma insensata inversão, para que a garantia<br />

da coisa julgada passasse a operar em casos raros e sua infringência se tornasse regra geral.”<br />

166 SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, v. 798, 2002. p.<br />

31. Virgílio Afonso da Silva faz criticas dirigidas à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em<br />

relação à aplicação do princípio da proporcionalidade. “O recurso à regra da proporcionalidade na<br />

jurisprudência do STF pouco ou nada acrescenta à discussão e apenas solidifica a idéia de que o<br />

chamado princípio da proporcionalidade é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter<br />

meramente retórico, e não sistemático. Em inúmeras decisões, sempre que se queira afastar alguma<br />

conduta considerada abusiva recorre-se à fórmula ‘à luz do princípio da proporcionalidade ou da<br />

razoabilidade’, o ato deve ser considerado inconstitucional. (...) Apesar de salientar a importância da<br />

proporcionalidade ‘para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais’, o Tribunal não<br />

parece disposto a aplicá-la de forma estruturada, limitando-se a citá-la (...). Não é feita nenhuma<br />

referência a algum processo racional e estruturado de controle da constitucionalidade do ato<br />

questionado, nem mesmo um real cotejo entre os fins almejados e os meios utilizados”.<br />

78


4.6.1. A importância dos Princípios e das normas Constitucionais<br />

Todo e qualquer ordenamento constitucional revela, implícita e explicitamente,<br />

a existência de determinados princípios fundamentais, e que, em virtude desse fato,<br />

devem ser compreendidos como fatores modelantes de uma concepção valorativa<br />

de constitucionalismo. Os princípios gerais passaram a ser normatizados e,<br />

conseqüentemente, resultou na constitucionalização, surgindo a denominação<br />

princípios constitucionais. Como ensina Paulo Bonavides, “os princípios uma vez<br />

constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo”. 167<br />

Anteriormente, os princípios gerais habitavam uma esfera abstrata e quase<br />

zero era a normatividade. Além do mais, os princípios gerais eram formadores de um<br />

direito ideal e fundamentavam a instituição da norma para proporcionar segurança<br />

ao ordenamento jurídico.<br />

Por meio dos princípios constitucionais, constituições escritas são<br />

reconhecidas como uma espécie de moralidade jurídica. Como valores, exercem a<br />

importante função de fundamentar a ordem jurídica em que se inserem, fazendo<br />

com que todas as relações jurídicas que adentram ao sistema busquem, na<br />

principiologia constitucional, o “berço das estruturas e instituições jurídicas.”<br />

Também, a cada dia, a função interpretativa dos princípios constitucionais vem<br />

ganhando a sua importância devida. Tais princípios podem ser observados como<br />

regulatórios da criação de normas legislativas e, em sentido amplo, do processo<br />

geral de criação do direito positivo. 168<br />

Vale ressaltar que esses princípios não precisariam estar expressamente<br />

relacionados ao texto constitucional, mas devem se apresentar como ponderação<br />

moral do ordenamento jurídico, em termos de se configurarem em requisitos de<br />

eticidade básica relacionados à legitimação sócio-política da Constituição. Os<br />

princípios constitucionais distinguem-se dos princípios meramente legais, pois são<br />

voltados a questões fundamentais do Estado.<br />

167 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 258.<br />

168 KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. Trad: Luis Carlos Borges. Teoria Geral do<br />

Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 124.<br />

79


Com base em Gomes Canotilho 169 , princípios constitucionais são<br />

basicamente de duas categorias: os princípios político-constitucionais e os princípios<br />

jurídico-constitucionais. Os primeiros constituem-se daquelas decisões políticas<br />

fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional<br />

positivo e, são, segundo Crisafulli, normas-princípio. 170<br />

Já os princípios jurídico-constitucionais são princípios gerais informadores da<br />

ordem jurídica nacional. Segundo os ensinamentos de José Afonso da Silva 171 , são<br />

princípios decorrentes de certas normas constitucionais e, geralmente, são<br />

desdobramentos dos princípios fundamentais. Cita como exemplos de princípios<br />

derivados: o princípio da legalidade, o da isonomia, o da constitucionalidade, etc.<br />

Destaca-se que axiologicamente não se faz distinção entre normas e<br />

princípios constitucionais. Uma vez violados, não há o que se falar em existência do<br />

ato, que apenas terá “aparência” do ato que deveria ter sido produzido. Parece-nos<br />

que conferir-lhe validade, nas condições mencionadas, afrontaria diretamente a<br />

Supremacia da Constituição. Sob esse aspecto, a aparente sentença não transita<br />

em julgado; trata-se de hipótese de inexistência, porém não em prol do valor do justo<br />

em sentido subjetivo.<br />

169 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 6ª ed.<br />

Coimbra: Almedina, 2002. p. 177 e ss.<br />

170 A respeito, conferir o afirmado por JOSÉ AFONSO DA SILVA, em sua obra Curso Constitucional<br />

Positivo. 10.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. p. 96-97: "A partir daí, podemos resumir, com<br />

base em GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional, p. 177 e ss.), que os princípios constitucionais<br />

são basicamente de duas categorias: os princípios político-constitucionais e os princípios jurídicoconstitucionais".<br />

(...) "Princípios político-constitucionais - Constituem-se daquelas decisões políticas<br />

fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo, e são,<br />

segundo CRISAFULLI, normas-princípio, isto é, 'normas fundamentais de que derivam logicamente (e<br />

em que, portanto, já se manifestam implicitamente) as normas particulares regulando imediatamente<br />

relações específicas da vida social' (CRISAFULLI, Vezio. La coslituzione e Is sue disposidont di<br />

principio, Milano; Giuffrè, 1952, p. 38).<br />

171 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10.ª ed. São Paulo: Malheiros<br />

Editores, 1995. p. 95. “...decorrem de certas normas constitucionais e, não raro, constituem<br />

desdobramentos (ou princípios derivados) dos fundamentais, como o princípio da supremacia da<br />

constituição e o conseqüente princípio da constitucionalidade, o princípio da legalidade, o princípio da<br />

isonomia, o princípio da autonomia individual, decorrente da declaração dos direitos, o da proteção<br />

social dos trabalhadores, fluente de declaração dos direitos sociais, o da proteção da família, do<br />

ensino e da cultura, o da independência da magistratura, o da autonomia municipal, os da<br />

organização e representação partidária, e os chamados princípios-garantias (o do nullum crimem sine<br />

lege e da nulla poena sine lege, o do devido processo legal, o do juiz natural, o do contraditório entre<br />

outros, que figuram nos incisos. XXXVIII a LX do art. 5.º).”<br />

80


4.7. Sentença amparada em lei e posterior declaração de<br />

inconstitucionalidade<br />

A maior parte da doutrina brasileira assegura que a declaração de<br />

inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta tem<br />

efeito retroativo e afirma apenas serem rescindíveis sentenças proferidas com base<br />

em lei que, posteriormente, declarou-se inconstitucional. 172 Portanto, é considerado<br />

nulo o normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. 173<br />

A regra geral é de que a decisão de inconstitucionalidade tem efeitos ex tunc,<br />

portanto, não produz efeito, nem gera direito, desde o seu início. 174 A parte<br />

interessada, então, deveria ingressar com a ação rescisória, com fulcro nos artigos<br />

485, V e 458 do CPC, combinados, no prazo decadencial de dois anos, para afastar<br />

a sentença baseada em lei inconstitucional. 175 - 176 - 177<br />

172 Neste sentido: Accioly Filho, Lucio Bittencourt.<br />

173 Ação direta de inconstitucionalidade - Controle normativo abstrato - Natureza do ato<br />

inconstitucional - Declaração de inconstitucionalidade - Eficácia retroativa - O Supremo Tribunal<br />

Federal como "legislador negativo" - Revogação superveniente do ato normativo impugnado -<br />

Perrogativa institucional do poder público - Ausência de efeitos residuais concretos - Prejudicialidade.<br />

– O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade<br />

de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da constituição. Esse<br />

postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos revestidos de "menor"<br />

grau de positividade jurídica guardem, "necessariamente", relação de conformidade vertical com as<br />

regras inscritas na carta política, sob pena de ineficácia e de conseqüente inaplicabilidade. Atos<br />

inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em consequência, de qualquer carga de<br />

eficácia jurídica. - A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos<br />

pretéritos com base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que<br />

inquina de total nulidade os atos emanados do poder público, desampara as situações constituídas<br />

sob sua égide e inibe - ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos validos - a possibilidade de<br />

invocação de qualquer direito. - A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de<br />

exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal,<br />

consiste em remover do ordenamento positivo a manifestação estatal invalida e desconforme ao<br />

modelo plasmado na carta política, com todas as consequências daí decorrentes, inclusive a plena<br />

restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional. Esse<br />

poder excepcional - que extrai a sua autoridade da própria carta política - converte o Supremo<br />

Tribunal Federal em verdadeiro legislador negativo. (...)(ADI 652 MA – Relator: Min. Celso de<br />

Mello.Julgamento: 02/04/1992 órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação 02/04/1993).<br />

174 RE 89.108 GO – Relator: Min. Cunha Peixoto. Julgamento 23/08/1980, órgão Julgador Tribunal<br />

Pleno. Publicação: 19/12/1980.<br />

175 Nesse sentido, a doutrina de Flávio Yarshell. Breve “revista” ao tema da ação rescisória. Revista<br />

de Processo n.º 79. São Paulo: RT, jun/set 1995. p. 241- 248.<br />

81


Declarada inconstitucional a norma jurídica, ela desaparece como se nunca<br />

tivesse ingressado no mundo jurídico. A decisão proferida com fundamento em<br />

norma contrária à Constituição carece de elemento constitutivo já que o judiciário<br />

declarou a lei inexistente. Não se pode imaginar um ato processual contrário a uma<br />

176<br />

O Superior Tribunal de Justiça admite ação rescisória para desconstituir coisa julgada<br />

inconstitucional.<br />

Ementa: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. Art. 485, V, CPC. DECLARAÇÃO DE<br />

INCONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE PRECEITO LEGAL DO<br />

QUAL SE LOUVARA O ACORDÃO RESCINDENDO.<br />

Cabível a desconstituição, pela via rescisória, de decisão com trânsito em julgado que “deixa de<br />

aplicar uma lei por considerá-la inconstitucional ou a aplica por tê-la como de acordo com a Carta<br />

Magna”. Ação Procedente.” AR 870 / PE. Relator: Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA. Julgamento:<br />

13/12/1999. Órgão Julgador: Terceira Seção. Publicação: 13/03/2000.<br />

177 PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA (CPC, ART. 485, V). MATÉRIA CONSTITUCIONAL.<br />

INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343/STF. EXISTÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO DO STF, EM<br />

CONTROLE DIFUSO, EM SENTIDO CONTRÁRIO AO DA SENTENÇA RESCINDENDA.<br />

1. Na interpretação do art. 485, V, do Código de Processo Civil, que prevê a rescisão de sentença<br />

que "violar literal disposição de lei", a jurisprudência do STJ e do STF sempre foi no sentido de que<br />

não é toda e qualquer violação à lei que pode comprometer a coisa julgada, dando ensejo à ação<br />

rescisória, mas apenas aquela especialmente qualificada.<br />

2. Na esteira desse entendimento, editou-se a Súmula 343/STF, segundo a qual "Não cabe ação<br />

rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em<br />

texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".<br />

3. Ocorre, porém, que a lei constitucional não é uma lei qualquer, mas a lei fundamental do sistema,<br />

na qual todas as demais assentam suas bases de validade e de legitimidade, e cuja guarda é a<br />

missão primeira do órgão máximo do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102).<br />

4. Por essa razão, a jurisprudência do STF emprega tratamento diferenciado à violação da lei comum<br />

em relação à da norma constitucional, deixando de aplicar, relativamente a esta, o enunciado de sua<br />

Súmula 343, à consideração de que, em matéria constitucional, não há que se cogitar de<br />

interpretação apenas razoável, mas sim de interpretação juridicamente correta.<br />

5. Essa, portanto, a orientação a ser seguida nos casos de ação rescisória fundada no art. 485, V, do<br />

CPC: em se tratando de norma infraconstitucional, não se considera existente "violação a literal<br />

disposição de lei", e, portanto, não se admite ação rescisória, quando "a decisão rescindenda se tiver<br />

baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais" (Súmula 343). Todavia, esse<br />

enunciado não se aplica quando se trata de "texto" constitucional.<br />

6. A orientação revela duas preocupações fundamentais da Corte Suprema: a primeira, a de<br />

preservar, em qualquer circunstância, a supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a<br />

todos os destinatários; a segunda, a de preservar a sua autoridade de guardião da Constituição.<br />

Esses os valores dos quais deve se lançar mão para solucionar os problemas atinentes à rescisão de<br />

julgados em matéria constitucional.<br />

7. Assim sendo, concorre decisivamente para um tratamento diferenciado do que seja "literal<br />

violação" a existência de precedente do STF, guardião da Constituição. Ele é que justifica, nas ações<br />

rescisórias, a substituição do parâmetro negativo da Súmula 343 por um parâmetro positivo, segundo<br />

o qual há violação à Constituição na sentença que, em matéria constitucional é contrária a<br />

pronunciamento do STF. Precedente da 1ª Seção: EREsp 391594/DF, Min. José Delgado, DJ de<br />

30.05.2005.<br />

8. No caso dos autos, a existência de precedente do STF, ainda que em controle difuso (RE 150.755-<br />

1-PE, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence), reconhecendo a constitucionalidade do art. 28 da<br />

Lei 7.738, de 09.03.89, relativamente às empresas 'exclusivamente prestadoras de serviços', que<br />

anteriormente não foi aplicado sob alegação de inconstitucionalidade, enseja o cabimento da ação<br />

rescisória. 9. Embargos de divergência providos. EREsp 608122 / RJ. Relator: Min. TEORI ALBINO<br />

ZAVASCKI. Julgamento: 09/05/2007. Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO. Publicação: 28.05.2007.<br />

82


norma constitucional e que seja imodificável em razão do tempo. Podemos afirmar<br />

que a sentença baseada em lei declarada inconstitucional é apenas um ato<br />

aparente, não acobertado pela autoridade da coisa julgada. Note-se que a questão<br />

não está em verificar a possibilidade de flexibilizar a coisa julgada, mas sim em<br />

constatar se estamos diante de uma sentença qualificada pela imutabilidade.<br />

Segundo Thereza Alvim 178 , os pronunciamentos judiciais, calcados em lei<br />

declarada inconstitucional, não podem subsistir já que a declaração produz efeitos<br />

desde sempre. Além do mais, assegura a inexistência da ação processual civil e a<br />

não formação da coisa julgada, pois elaborou-se o pedido com base em lei<br />

inconstitucional.<br />

Paulo Otero sustenta que a norma declarada inconstitucional desaparece<br />

desde o momento em que entra em vigor a norma constitucional posterior. 179<br />

Para nós, também, a sentença prolatada com base em norma declarada<br />

inconstitucional por Ação Declaratória de Inconstitucionalidade não existe no mundo<br />

jurídico. A aparente sentença não pode ser acobertada pela coisa julgada; carece de<br />

possibilidade jurídica do pedido e, se a sentença acolhe tal pretensão baseada em<br />

lei contrária à Carta Magna, podemos também afirmar que a decisão carece de<br />

fundamentação e, por fim, o dispositivo da sentença também é apenas aparente.<br />

Sendo assim, não se há de falar em flexibilização de algo inexistente.<br />

Ressalte-se, o art. 27 da Lei 9.868/99, com o escopo de proteger a boa-fé e a<br />

segurança jurídica, assegura os efeitos para o futuro da sentença que declara a<br />

inconstitucionalidade de determinada lei. Tal dispositivo prevê permissão<br />

excepcional, em razão do interesse social, para produção dos efeitos da decisão<br />

178 ALVIM, Thereza. Repensando a Coisa Julgada. In: Revista Autônoma de Processo. Coord.: Arruda<br />

Alvim e Eduardo Arruda Alvim. Curitiba: Juruá, n. 2, jan./mar. 2007. p. 315. “declarada a<br />

inconstitucionalidade de uma lei, decisões judiciais anteriores, concessivas dos pedidos,<br />

fundamentados nessa lei, à época entendida como constitucional, não podem subsistir, mas não por<br />

que a declaração de inconstitucionalidade seja retroativa, mas porque a declaração opera seus<br />

efeitos desde sempre. Por ter sido o pedido feito com base em lei inconstitucional, esta contaminou a<br />

condição de ação, possibilidade jurídica do pedido, tornando inexistente a ação processual civil, não<br />

se tendo, portanto, formado a coisa julgada material.”<br />

179 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex-Jurídicas, 1993. cap. 8,<br />

item 8.1, p. 48.<br />

83


declarada de inconstitucional a partir do trânsito em julgado ou de outro momento a<br />

fixar. O dispositivo consagra a exceção; a regra é a produção de efeitos “ex tunc” em<br />

atenção ao sistema criado pela Lei 9.868/99. 180<br />

Há quem defenda pela inconstitucionalidade da sobrevivência de decisões<br />

anteriores, sob a justificativa de afrontar o princípio da isonomia. 181 Contudo, não<br />

compartilhamos de tal posicionamento; não podemos argumentar ofensa ao<br />

princípio da isonomia quando a legislação permite a produção de efeitos originários<br />

de uma decisão inconstitucional já que a lei tem seu campo de incidência em<br />

momentos históricos diferentes, embora os casos sejam idênticos. A defesa principal<br />

para fazer valer a produção dos efeitos “ex nunc” é evitar decisões absurdas.<br />

Assim, caso a declaração de inconstitucionalidade surta efeitos apenas ex<br />

nunc; pro futuro, os efeitos da “aparente sentença” deverão ser mantidos tendo<br />

como base outros valores, princípios ou normas. Ocorre a preservação dos efeitos<br />

do pronunciamento inconstitucional quanto aos fatos ocorridos anteriormente à<br />

sobredita declaração, razão pela qual não se pode rediscutir, nesse período, tal<br />

decisão.<br />

A norma declarada inconstitucional, pelo controle concentrado, não deve ser<br />

considerada nula ou anulável, mas, sim, inexistente já que apenas aparentemente<br />

fez parte do ordenamento jurídico. A sentença que aplica tal norma deve ser<br />

considerada inexistente e poderá ser declarada ineficaz por qualquer juiz, desde que<br />

haja provocação, a qualquer tempo. Não se pode admitir ser inatacável uma decisão<br />

inconstitucional após dois anos do trânsito em julgado.<br />

180 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Sistema Constitucional Brasileiro e as recentes<br />

inovações no controle de constitucionalidade (Leis nº 9.868, de 10 de novembro e nº 9.982, de 3 de<br />

dezembro de 1999). Revista de Direito Administrativo. São Paulo: Renovar/FGV, n.220, abril/jun.<br />

2000. p. 11. A Lei 9868/99 não ficou isenta de críticas. Manoel Gonçalves Ferreira Filho relata: “É<br />

contra a índole do direito admitir que um ato nulo somente possa deixar de produzir efeitos ‘a partir do<br />

trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado’. Conclusão óbvia, a violação da<br />

Constituição pode ser ‘direito’ positivo, mesmo depois de reconhecida, no processo competente, pelo<br />

Supremo Tribunal Federal, ‘guarda da Constituição’. E mais. A decisão pode ‘restringir’ seus<br />

efeitos...Isso significa, por exemplo, que ela poderá considerar válidos atos inconstitucionais ou<br />

dispensar o Estado de devolver o que percebeu em razão de tributo inconstitucionalmente<br />

estabelecido e cobrado...Donde resultará a imutabilidade do controle. Não é mais rígida a<br />

Constituição Brasileira”.<br />

181 ALVIM, Thereza. Repensando a Coisa Julgada. In: Revista Autônoma de Processo. Coord.: Arruda<br />

Alvim e Eduardo Arruda Alvim. Curitiba: Juruá, n. 2, jan./mar. 2007. p. 313.<br />

84


Por fim, também entendemos pela possibilidade de se refutarem sentenças<br />

baseadas em norma declarada inconstitucional em sede controle difuso 182 - 183 , pois o<br />

que se deseja é a consolidação da supremacia da Constituição Federal.<br />

4.8. Sentença que não aplicou determinada norma por considerar<br />

inconstitucional incidenter tantum e posterior decisão do Superior Tribunal<br />

Federal que julga procedente o pedido de constitucionalidade de tal norma<br />

Há hipóteses de que o Poder Judiciário, ao decidir uma lide, deixa de aplicar<br />

uma lei por considerá-la inconstitucional, contudo, posteriormente, o Supremo<br />

Tribunal Federal, órgão competente para, em última instância, decidir questões a<br />

respeito da Constituição Federal, declara a constitucionalidade dessa lei, com efeito<br />

erga omnes.<br />

Observe-se que a norma jurídica não aplicada ao caso concreto é<br />

constitucional e válida, diante da declaração posterior de constitucionalidade<br />

proferida pelo Supremo. Assim, parece-nos que a decisão que deixou de aplicar a<br />

lei, por considerá-la inconstitucional, pode ser revista, já que o sistema jurídico deve<br />

ser interpretado como um todo.<br />

O direito positivo deve ser cumprido para evitar arbitrariedades e para<br />

preservar o Estado de Direito. No caso, não se avalia a natureza da norma que<br />

182 A modalidade de controle difuso (incidental) de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal<br />

não gera “direito”; o julgamento incidental não alcança as questões prejudiciais e condiciona apenas<br />

as partes, podendo servir inclusive de fundamento em outros julgamentos, enquanto não suspensa<br />

sua execução, por resolução do Senado Federal.<br />

183 Teori Albino Zavascki sustenta que “A norma inconstitucional é nula desde a origem e, como tal,<br />

nunca teve aptidão para operar o fenômeno da incidência. É norma que nunca incidiu. Assim, a<br />

declaração de sua inconstitucionalidade pelo Supremo, na via de controle difuso, importa<br />

reconhecimento judicial para as partes, de que, no caso examinado, não ocorreu a incidência. A<br />

resolução do Senado examinado, não ocorreu a incidência. A resolução do Senado que ‘suspende a<br />

execução’ opera a universalização desta conseqüência: importa reconhecimento estatal de que a<br />

norma em questão jamais teve aptidão para incidir, e, portanto, jamais incidiu em qualquer situação.”<br />

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional. São Paulo: RT, 2001.<br />

p. 32-33.<br />

85


deixou de ser aplicada, se constitucional ou se infraconstitucional; o Poder Judiciário<br />

tem o dever de observar as regras do ordenamento jurídico, independentemente, da<br />

natureza de tais mandamentos legais.<br />

Dessa forma, as decisões judiciais baseadas na inconstitucionalidade da<br />

norma que o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional também perdem o<br />

seu fundamento jurídico, pois a lei sempre foi constitucional, logo o dispositivo da<br />

sentença não tem como existir.<br />

A propósito, se consideramos pela existência da fundamentação e do<br />

dispositivo da decisão, podemos falar em cabimento de ação rescisória, com base<br />

no artigo 485, V da CF.<br />

4.9. Decisão justa e a Constituição Federal<br />

O judiciário direciona o rumo da história da sociedade, como fim e como<br />

fundamento das expectativas sociais que giram em torno do direito. A justiça é um<br />

valor essencialmente humano e profundamente necessário ao convívio social, que<br />

carrega em si o fundamento da sociedade caracterizado pela igualdade.<br />

Alf Ross 184 ensina que anseio de igualdade não exclui o tratamento<br />

diferenciado a pessoas que se encontram em circunstâncias distintas, desde que<br />

essas diferenças estejam protegidas sob regras de caráter geral, aplicáveis a todos<br />

que se encontrem nessas circunstâncias.<br />

Descreve o autor que a justiça se expressa no momento em que o tratamento<br />

a uma pessoa é pré-determinado por critérios objetivos materializados por regras<br />

postas, garantindo a aplicação concreta independente do sujeito que decide.<br />

Para o direito não há como empregar à justiça o real entendimento de seu<br />

184 ROSS, Alf. Direito e Justiça. Trad. Edson Bini – revisão técnica Alysson Leandro Mascaro. São<br />

Paulo: EDIPRO, 2000. p. 318.<br />

86


significado em toda sua expressão subjetiva, sob pena de ser invocada tantas vezes<br />

quanto fossem necessárias para desestabilizar as situações jurídicas, pois o que<br />

aparentemente seria justo para um, para outro seria injusto.<br />

Entendemos ser extremamente perigoso valer-se do valor da justiça em<br />

sentido subjetivo para desconstituir a decisão reputada “injusta”. Ovídio Araújo<br />

Baptista da Silva 185 não se posiciona a favor da relativização da coisa julgada em<br />

razão do inconformismo com a decisão que contenha “injustiça”.<br />

Portanto, afirma Alf Ross 186 que justa é a decisão elaborada de maneira<br />

regular, em conformidade com as regras e com os sistemas vigentes no<br />

ordenamento jurídico, desde que estejam pré-determinados e de aplicação em<br />

caráter geral.<br />

Thereza Alvim 187 enfrenta o tema e relata que o julgador decidirá com justiça<br />

ao dar forma jurídica aos fundamentos de fato e direito do pedido, valendo-se do<br />

amplo poder que lhe é conferido para conhecer o “todo” de que depende para a<br />

solução do litígio, inclusive determinando a produção de provas até mesmo na<br />

hipótese de revelia, sempre na busca da verdade como forma de habilitar-se a<br />

julgar. Conclui a autora que, com essa definição que adota diretrizes pré-fixada para<br />

interpretar a decisão justa, afasta qualquer desestabilização por eventual busca pelo<br />

justo na expressão subjetiva.<br />

Para nós, a decisão justa representa aplicação dos ditames consagrados no<br />

ordenamento jurídico. A Constituição é a lei fundamental do Estado. Decisões<br />

185 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Coisa Julgada relativa? In: Revista Dialética de Direito<br />

Processual, n. 13. São Paulo: Dialética, 2004. p. 108. “(...) outro equívoco consiste na ilusão de que a<br />

sentença, ao destruir a favor da relativização da coisa julgada ‘abusivamente’ formada, ou a sentença<br />

que seja, aos olhos do litigante inconformado com o seu resultado, ‘ilegal’, ou enfim que contenha<br />

‘injustiça’, possam tornar-se – em virtude uma milagrosa intangibilidade renascida – protegida pela<br />

coisa julgada que a segunda sentença acabara de destruir, de modo que elas próprias se tornassem<br />

inimpugnáveis a novos ataques. A coisa julgada cederia à injustiça na primeira sentença, porém a<br />

segunda que a reconhecesse seria, ipso iure, justa e não abusiva! Porém qual haveria ser o<br />

fundamento para a intangibilidade desta ‘segunda coisa julgada’?”<br />

186 ROSS, Alf. Direito e Justiça. Trad. Edson Bini – revisão técnica Alysson Leandro Mascaro. São<br />

Paulo: EDIPRO, 2000. p. 319-320.<br />

187 ALVIM, Thereza. Repensando a Coisa Julgada. In: Revista Autônoma de Processo. Coord.: Arruda<br />

Alvim e Eduardo Arruda Alvim. Curitiba: Juruá, n. 2, jan./mar. 2007. p. 316.<br />

87


judiciais contrárias à Carta Suprema violam o Estado Democrático de Direito e,<br />

consequentemente, são tidas como inexistentes.<br />

A alegação de “justiça da decisão” em sentido subjetivo, por carecer de<br />

definição e por não possuir nenhum significado descritivo 188 , confere aos atos<br />

instabilidade e afronta a segurança jurídica das relações sociais, caso seja<br />

argumentada para afastar o instituto da coisa julgada.<br />

Em síntese, a tese da mitigação que consagra a “justiça” ou a “injustiça” da<br />

decisão como parâmetro de flexibilização da coisa julgada conduz à perpetuação<br />

dos conflitos judiciais e aniquila o valor da segurança jurídica. A busca pela decisão<br />

“justa” poderia causar inúmeros processos com o mesmo objeto, o que inviabilizaria<br />

certamente a missão pacificadora do Estado. Nesse sentido, ensina José Carlos<br />

Barbosa Moreira. 189<br />

Posicionamos pela necessidade de observância do princípio da segurança<br />

jurídica e refutamos as correntes doutrinárias e as jurisprudenciais que defendem a<br />

“quebra” da coisa julgada, sob a justificativa na suposta prevalência do valor do justo<br />

no sentido subjetivo. Além do mais, defendemos pela inexistência das sentenças<br />

que afrontam à Constituição Federal, já que foram proferidas em processos<br />

instaurados por meio de mero exercício de direito de petição e não de direito de<br />

ação diante da ausência de possibilidade jurídica do pedido.<br />

Sobre sentença prolatada em desacordo com a Constituição Federal não<br />

recai a autoridade da coisa julgada, sendo, um ato inexistente. Portanto, a tese de<br />

188 ROSS, Alf. Direito e Justiça. Trad. Edson Bini – revisão técnica Alysson Leandro Mascaro. São<br />

Paulo: EDIPRO, 2000. p. 320.<br />

189 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa<br />

julgada material. In: Temas de Direito Processual. Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 249.<br />

“Condicionar a prevalência da coisa julgada, pura e simplesmente, à verificação da justiça da<br />

sentença redunda em golpear de morte o próprio instituto. Poucas vezes a parte vencida se convence<br />

que sua derrota foi justa. Se quisermos abrir-lhe sempre a possibilidade de obter novo julgamento da<br />

causa, com o exclusivo fundamento de que o anterior foi injusto, teremos de suportar uma séria<br />

indefinida de processos com idêntico objeto: mal comparando, algo como uma sinfonia não apenas<br />

inacabada, como a de Schubert, mas inacabável – e bem menos bela.”<br />

88


elativização ou de flexibilização da “coisa julgada inconstitucional” trata-se de um<br />

falso problema.<br />

89


CAPÍTULO 5 – A INEXISTÊNCIA COMO A SOLUÇÃO DO ‘FALSO PROBLEMA’<br />

DE SENTENÇA QUE AFRONTA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL<br />

Faz-se necessário definir o sentido e o alcance exato dos conceitos e dos<br />

requisitos em relação à coisa julgada e a seus limites para analisar realmente se<br />

estamos diante de uma sentença qualificada pela imutabilidade, conforme exposto<br />

nos capítulos anteriores.<br />

Donaldo Armelin 190 , na IV Jornada Brasileira de Direito Processual Civil em<br />

2001, Fortaleza, relatou que uma parcela significativa dos casos até então<br />

examinados pela doutrina e pela jurisprudência sob a análise da “relativização da<br />

coisa julgada” soluciona-se pela aplicação das regras que regulamentam o próprio<br />

instituto.<br />

Compartilhamos de tal entendimento e acrescentamos que a coisa julgada<br />

(v.n.1.2) tem proteção constitucional, relacionada, segundo Giuseppe Chiovenda,<br />

com a “exigência social da segurança no gozo dos bens”. 191 O referido instituto<br />

serve como veículo de pacificação social, ligado ao princípio da segurança jurídica,<br />

portanto, não há como descaracterizá-lo como valor fundamental para o Estado de<br />

Direito.<br />

Thereza Alvim esclarece que o conceito de coisa julgada passaria por uma<br />

mudança radical, “tornando-se um conceito vago”, se aceitássemos a relativização<br />

da coisa julgada. Toda decisão judicial de mérito transitada em julgado seria<br />

190 ARMELIN, Donaldo. Flexibilização da coisa julgada. In: Linhas mestras do processo civil:<br />

comemoração dos 30 anos de vigência do CPC. Coord.: Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa, José<br />

Horácio Halfeld Rezende Ribeiro e Pedro da Silva Dinamarco. São Paulo: Atlas, 2004. p. 173.<br />

191 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. v. I, 1 ª ed. São Paulo: Bookseller,<br />

1998. p. 447.<br />

90


suscetível de nova prestação jurisdicional para verificar a presença da qualidade de<br />

imutabilidade. 192<br />

Parece-nos que a solução adequada para refutar do ordenamento jurídico<br />

sentenças contrárias à constituição é reconhecer que não existe a decisão e,<br />

conseqüentemente, a coisa julgada.<br />

Em boa parte das abordagens do presente trabalho, defendemos que as<br />

decisões judiciais devem respeito absoluto à Constituição para fins de segurança<br />

jurídica.<br />

A Constituição Federal, por expressar a vontade soberana da nação, ocupa<br />

posição superior nos quadros de organização do Estado e na sistematização dos<br />

direitos e das garantias fundamentais. Qualquer ato ou norma que vá de encontro<br />

com os ditames da Carta Suprema é considerado pela doutrina como inválido. 193 - 194<br />

Sabe-se que o julgador deve resolver os conflitos de interesses com base nos<br />

elementos constantes do sistema jurídico, sempre em consonância com a Lei<br />

Fundamental. Conforme ensina Alexandre Câmara 195 , a sentença que possui ofensa<br />

à Constituição Federal está entre os erros de sentença de maior gravidade.<br />

192 ALVIM, Thereza. Repensando a Coisa Julgada. In: Revista Autônoma de Processo. Coord.: Arruda<br />

Alvim e Eduardo Arruda Alvim. Curitiba: Juruá, n. 2, jan./mar. 2007. p. 311. “A coisa julgada ou recai<br />

sobre o comando do decidido ou não. Se admitíssemos a denominada relativização passaria, o<br />

conceito de coisa julgada, por uma transformação radical, tornando-se um conceito vago. Assim, em<br />

face de uma decisão judicial de mérito, não mais sujeita a recurso, viria a caber outro julgamento para<br />

verificar se, ao comando, estaria agregada a qualidade de imutabilidade, ou não.”<br />

193 MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra, 1996. p.<br />

11. “A concordância, a relação positiva da norma ou do acto com a Constituição envolve validade, o<br />

contraste, a relação negativa implica invalidade. Se a norma vigente ou acto é conforme a<br />

Constituição reveste-se de eficácia; se não é, torna-se ineficaz”.<br />

194 MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 168. “Sob pena<br />

de inconstitucionalidade – e logo, de invalidade – cada acto há de ser praticado apenas por quem<br />

possui competência constitucional para isso, há de observar a forma e seguir o processo<br />

constitucional prescrito e não pode contrariar, pelo seu conteúdo, nenhum princípio ou preceitro<br />

constitucional”.<br />

195 CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da Coisa Julgada Material. In: Relativização da Coisa<br />

Julgada. Coord. Fredie Didier Jr. 2ª ed. Bahia: JusPodivm, 2008. p. 21.<br />

91


Segundo o jurista Jorge Miranda, “não basta que a Constituição outorgue<br />

garantias; tem, por seu turno, de ser garantida”. 196<br />

A garantia da Constituição assegura a aplicação dos direitos nela<br />

consagrados e outorga, de forma cogente, a submissão de todos os Poderes<br />

Públicos, inclusive, o Poder Judiciário, aos seus princípios e normas – princípio da<br />

constitucionalidade.<br />

Nas lições de Jorge Miranda, o princípio da constitucionalidade se traduz<br />

“como a ratio legis da garantia jurisdicional da Constituição”. 197<br />

É inconcebível que o ato judicial tenha valor superior à Carta Suprema,<br />

principalmente porque todos os Poderes Públicos possuem suas atribuições<br />

delimitadas pela ordem Constitucional.<br />

Consideramos ser inexistente a sentença proferida em processo no qual o<br />

pedido é juridicamente impossível, pois afronta à Constituição. Para Teresa Arruda<br />

Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, sob alegação de que o ordenamento<br />

jurídico positivo não admite normas incompatíveis com a Constituição Federal, a<br />

parte interessada deveria ingressar com ação de natureza declaratória, com o intuito<br />

de obter uma decisão que tornaria indiscutível o assunto e sobre o qual recairia a<br />

autoridade da coisa julgada. O fundamento da ação declaratória de inexistência<br />

seria a falta de um dos requisitos essenciais da ação – possibilidade jurídica do<br />

pedido. 198<br />

Frise-se, a sentença ou acórdão contrário aos ditames da Constituição<br />

Federal inexiste juridicamente, assim, não há o que se falar em qualidade de<br />

imutabilidade agregada a tal decisão.<br />

196<br />

MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra, 1996. p.<br />

77.<br />

197<br />

MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra, 1996. p.<br />

77.<br />

198 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Wambier e; MEDINA, José Miguel Garcia,. O Dogma da Coisa<br />

Julgada, Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 43.<br />

92


Portanto, o raciocínio para desconstituir a coisa julgada marcada pela<br />

inconstitucionalidade, citado por doutrinadores como Cândido Rangel Dinamarco, no<br />

sentido de conciliar a certeza e a segurança com justiça e legitimidade das decisões,<br />

perde seu sentido.<br />

Civil<br />

5.1. Artigo 741, parágrafo único e artigo 475-L do Código de Processo<br />

O artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, assim como o art.<br />

475-L, §1º, de forma clara, reconhecem que o pronunciamento judicial não pode<br />

prevalecer no mundo jurídico quando fundamentado em lei ou em ato normativo<br />

declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou em interpretação tida<br />

por incompatível com a Constituição Federal. Os dispositivos legais referem-se,<br />

respectivamente, aos embargos à execução de sentença contra a Fazenda Pública<br />

e à impugnação à execução de sentença.<br />

Podemos afirmar que são mecanismos previstos na legislação<br />

infraconstitucional a fim de declarar a inexistência da sentença uma vez que a<br />

inconstitucionalidade declarada pelo STF implica o desaparecimento de todos os<br />

atos praticados sob o império da lei viciada.<br />

Correta a posição de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia<br />

Medina ao não atribuírem função “rescindente” aos embargos à execução já que não<br />

há nada a rescindir, pois o julgamento desconforme com a Constituição Federal não<br />

93


transita em julgado por ausência da possibilidade jurídica do pedido. 199 Nesse<br />

sentido, o pensamento de José Alexandre Monzano Oliani. 200<br />

Aqui, não se trata de forma típica de relativização da coisa julgada, como<br />

decorrem as hipóteses que autorizam a propositura da ação rescisória. Não estamos<br />

diante de uma sentença sobre a qual recai a qualidade de imutabilidade.<br />

Pode-se afirmar pela inexistência da sentença baseada em lei tida como<br />

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal com eficácia erga omnes no controle<br />

concentrado ou no controle difuso independentemente da Resolução do Senado<br />

Federal, conforme entendimento já proferido pelo Superior Tribunal de Justiça. 201<br />

199 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Wambier e; MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa<br />

Julgada, Hipóteses de Relativização. São Paulo: RT, 2003. p. 73. “Não se trata, segundo o que nos<br />

parece, de atribuir aos embargos à execução função ‘rescindente’, já que, rigorosamente, em casos<br />

assim, nada haverá a rescindir-se, pois que decisão que se baseia em ‘lei que não era lei’ (porque<br />

incompatível com a Constituição Federal) não terá transitado em julgado porque, em princípio, terá<br />

faltado à ação uma de suas condições: a possibilidade jurídica do pedido”.<br />

200 OLIANI, José Alexandre Monzano. Impugnação da sentença transitada materialmente em julgado,<br />

baseada em lei posterior declarada inconstitucional em controle concentrado pelo STF: ação<br />

rescisória ou declaratória de inexistência. São Paulo: RT, 2003. n. 112, p. 231<br />

201 EMENTA: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.<br />

SÚMULAS 282 E 356 DO STF. CORREÇÃO MONETÁRIA. DIFERENÇAS. MULTA. LITIGÂNCIA DE<br />

MÁ-FÉ. ABUSO NÃO CONFIGURADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXEGESE E ALCANCE DO<br />

PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE<br />

CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS. HONORÁRIOS. ART. 29-C DA LEI 8.036/90, COM REDAÇÃO<br />

DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA 2.164-40/01. AÇÕES AJUIZADAS APÓS 27.07.2001.<br />

APLICABILIDADE.<br />

1. A falta de prequestionamento da questão federal impede o conhecimento do recurso especial<br />

(Súmulas 282 e 356 do STF). 2. A condenação por litigância de má-fé pressupõe a ocorrência de<br />

alguma das hipóteses previstas em lei e configuradoras do dano processual, devendo ser aplicada<br />

apenas em caso de abuso. Precedentes: REsp 465.585/PA, 5ª T., Min. Félix Fischer, DJ de<br />

25.11.2002; REsp 433.447/SP, 1ª T., Min. Garcia Vieira, DJ de 28.10.2002. 3. O parágrafo único do<br />

art. 741 do CPC, buscando solucionar específico conflito entre os princípios da coisa julgada e da<br />

supremacia da Constituição, agregou ao sistema de processo um mecanismo com eficácia rescisória<br />

de sentenças inconstitucionais. Sua utilização, contudo, não tem caráter universal, sendo restrita às<br />

sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideraras as que (a) aplicaram norma<br />

inconstitucional (1ª parte do dispositivo), ou (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional<br />

ou, ainda, (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo). 4.<br />

Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente<br />

do STF, em controle concentrado ou difuso (independentemente de resolução do Senado), mediante<br />

(a) declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo), ou (b)<br />

mediante declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou, ainda, (c) mediante<br />

interpretação conforme a Constituição (2a parte). 5. Estão fora do âmbito material dos referidos<br />

embargos, portanto, todas as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham<br />

decidido em sentido diverso da orientação do STF, como, v.g, as que a) deixaram de aplicar norma<br />

declarada constitucional (ainda que em controle concentrado), b) aplicaram dispositivo da<br />

Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade, c) deixaram de aplicar dispositivo da<br />

Constituição que o STF considerou auto-aplicável, d) aplicaram preceito normativo que o STF<br />

94


Discordamos do posicionamento de que as decisões incidenter tantum de<br />

inconstitucionalidade emitidas pelo Supremo não respaldariam a aplicação do art.<br />

741, parágrafo único e do art. 475-L do Código de Processo Civil. 202 Há quem<br />

entenda que a declaração emanada do caso concreto tem valor somente como<br />

precedente jurisprudencial.<br />

Registre-se, os dispositivos inseridos no ordenamento jurídico possuem a<br />

finalidade apenas de declarar inexistente as sentenças “inconstitucionais”, bastando<br />

o reconhecimento da invalidade de determinada norma ou ato. Nessa perspectiva,<br />

não se faz necessário aguardar a retirada da norma qualificada de inconstitucional<br />

incidentemente pelo Senado Federal.<br />

Como é cediço, o Senado não é obrigado a suspender os efeitos da norma<br />

reconhecida como contrária à Constituição incidenter tantum pelo Supremo Tribunal<br />

Federal. 203 O poder de suspensão do Senado é eminentemente político e a<br />

considerou revogado ou não recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora. 6.<br />

Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças, ainda que<br />

eivadas da inconstitucionalidade nele referida, cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data<br />

anterior à da sua vigência. 7. O dispositivo, todavia, pode ser invocado para inibir o cumprimento de<br />

sentenças executivas lato sensu, às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 744 do CPC. 8.<br />

À luz dessas premissas, não se comportam no âmbito normativo do art. 741, parágrafo único, do<br />

CPC, as sentenças que tenham reconhecido o direito a diferenças de correção monetária das contas<br />

do FGTS, contrariando o precedente do STF a respeito (RE 226.855-7, Min. Moreira Alves, RTJ<br />

174:916-1006). É que, para reconhecer legítima, nos meses que indicou, a incidência da correção<br />

monetária pelos índices aplicados pela gestora do Fundo (a Caixa Econômica Federal), o STF não<br />

declarou a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem mesmo mediante as técnicas de<br />

interpretação conforme a Constituição ou sem redução de texto. Resolveu, isto sim, uma questão de<br />

direito intertemporal (a de saber qual das normas infraconstitucionais - a antiga ou a nova - deveria<br />

ser aplicada para calcular a correção monetária das contas do FGTS nos citados meses) e a<br />

deliberação tomada se fez com base na aplicação direta de normas constitucionais, nomeadamente a<br />

que trata da irretroatividade da lei, em garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI). 9. Precedentes da<br />

1ª Turma (REsp 720.953/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 22.08.2005; REsp<br />

721.808/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 19.09.2005). 10. Recurso especial<br />

parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. (RESP 826.494 / SP. Relator Teori<br />

Albino Zavaski. Julgamento: 26/06/2006. órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: 30/06/2006).”<br />

202 TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: RT, 2005. p. 457-458. “Acima se<br />

viu que a decisão do Supremo que reconhece incidentalmente a inconstitucionalidade de uma norma<br />

não tem por si só eficácia erga omnes e força vinculante – o que ficará na dependência de o Senado<br />

exercer sua competência política de retirar a norma do ordenamento. Portanto, uma declaração<br />

incidenter tantum de inconstitucionalidade emitida pelo Supremo não tem como, por si só, repercutir<br />

sobre as coisas julgadas anteriormente estabelecidas, de moda a prestar a derrubá-las. Não dá<br />

ensejo a aplicação da regra em estudo.”<br />

203 Veja parte da decisão proferida pelo STJ que abrange o controle difuso, porém, dispensa a<br />

resolução do Senado. “1. O parágrafo único do art. 741 do CPC, buscando solucionar específico<br />

conflito entre os princípios da coisa julgada e da supremacia da Constituição, agregou ao sistema de<br />

processo um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Sua utilização,<br />

95


conseqüência da Resolução do Senado é apenas possibilitar o beneficio da<br />

inconstitucionalidade, sem a interferência do Poder Judiciário. 204<br />

Em relação à segunda parte do parágrafo único do art. 741 do CPC e do<br />

parágrafo primeiro do art. 475-L, “aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis<br />

com a Constituição Federal”, devemos entender que o órgão que emanou tal juízo é<br />

o Supremo Tribunal Federal, assim, apresentam-se os embargos à execução ou à<br />

contudo, não tem caráter universal, sendo restrita às sentenças fundadas em norma constitucional,<br />

assim consideradas as que (a) aplicaram norma inconstitucional (1ª parte do dispositivo) ou (b)<br />

aplicaram norma em situação tida por inconstitucional ou, ainda, (c) aplicaram norma com um sentido<br />

tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo). 2. Indispensável, em qualquer caso, que a<br />

inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente do STF, em controle concentrado ou<br />

difuso independentemente de resolução do Senado), mediante (a) declaração de<br />

inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo), ou (b) mediante declaração de<br />

inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou, ainda, (c) mediante interpretação conforme a<br />

Constituição (2ª parte)....” (RESP 720.953 / SC. Relator Teori Albino Zavaski. Julgamento:<br />

28/06/2005. órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: 22/08/2005).<br />

204 EMENTA: - “Direito Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Legitimidade ativa (art.<br />

103, inc. IV, da C.F.). Revisão geral de vencimentos (inc. X do art. 37 da C.F.). I. Legitimidade ativa<br />

da Mesa da Assembléia Legislativa, da qual emanou a Lei impugnada (arts. 102, I, "a" e 103, IV, da<br />

Constituição Federal). II. Argüição de inconstitucionalidade das expressões "bem como os cargos de<br />

nível AL-1, da Tabela de Cargos de Provimento Efetivo de Natureza Especial, do Quadro de Pessoal<br />

da Assembléia Legislativa do Estado", contidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 2.721, de<br />

17.8.1989, de Sergipe. III. Alegação de ofensa ao inc. X do art. 37 da Constituição Federal. IV.<br />

Procedência da ação. 1. A Ação Direta de Inconstitucionalidade pode ser proposta pela Mesa da<br />

Assembléia Legislativa, ainda que impugne lei ou ato normativo do Poder por ela integrado e dirigido,<br />

em face do que conjugadamente dispõem o art. 102, I, "a", e 103, IV, da Constituição Federal, sendo<br />

certo que este último não excepciona a hipótese em que a lei ou ato normativo emanam da própria<br />

Assembléia. 2. De resto, não se pode negar ao órgão diretor dos trabalhos do Poder Legislativo<br />

interesse legítimo em ver declarados inconstitucionais atos deste que, de alguma forma, violem a<br />

Constituição. Até porque também esse órgão diretor dos trabalhos da Casa tem o dever de zelar pela<br />

inocorrência de vícios dessa natureza na elaboração de seus atos normativos. 3. É inconstitucional a<br />

exclusão resultante das expressões impugnadas na A.D.I. (parte final do parágrafo único do art. 1º da<br />

Lei nº 2.721, de 17.8.1989, do Estado de Sergipe), pois implica violação ao inciso X do art. 37 da<br />

C.F., segundo o qual "a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de<br />

índices entre servidores civis e militares, far-se-á sempre na mesma data". 4. Se ao Governador e à<br />

Assembléia Legislativa do Estado pareceu que os ocupantes dos cargos excluídos da revisão<br />

geral haviam sido beneficiados inconstitucionalmente, pela lei anterior (nº 2.711, de<br />

27.04.1989), a ponto de colocá-los em vantagem com relação aos exercentes de cargos de<br />

atribuições idênticas ou assemelhadas de outros Poderes, então o que podiam ter feito era<br />

propor, perante o S.T.F., ação direta de inconstitucionalidade da norma, ou das normas<br />

daquela mesma lei, que houvessem violado o princípio da isonomia. O que não podiam era<br />

eliminar as vantagens decorrentes de tais normas, mediante a exclusão, dos mesmos<br />

servidores, do reajuste geral. 5. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, em processo objetivo,<br />

como é o da ação direta de inconstitucionalidade, que impugna dispositivo de uma lei, em tese, não<br />

pode reconhecer, incidentalmente, a inconstitucionalidade de outra lei, que nem está sendo<br />

impugnada. Até porque a declaração incidental só é possível no controle difuso de<br />

constitucionalidade, com eficácia "inter partes", sujeita, ainda, à deliberação do Senado no<br />

sentido suspensão definitiva da vigência do diploma, ou seja, para alcançar eficácia "erga<br />

omnes". 6. Ação Direta julgada procedente, declaradas inconstitucionais as expressões<br />

impugnadas.” (ADin 91 / SE. Relator Sydney Sanches. Julgamento: 21/09/1995. órgão Julgador:<br />

Tribunal Pleno. Publicação: 23/03/2001) - Grifos nossos.<br />

96


impugnação à sentença quando a “aparente sentença exeqüenda” tenha<br />

fundamento contrário à Carta Magna, conforme o pronunciamento irreversível do<br />

Supremo, não abrangendo a manifestação reiterada da jurisprudência da Suprema<br />

Corte.<br />

5.2. Mecanismos para afastar “sentenças inconstitucionais”<br />

Além da possibilidade de embargar ou de impugnar a execução, com base<br />

nos artigos 741, parágrafo único e 475-L, do Código de Processo Civil, as sentenças<br />

inconstitucionais classificadas por nós como inexistentes podem ser atacadas por<br />

meio da ação declaratória de inexistência, já que reconhecemos não ser necessária<br />

a propositura da ação rescisória, diante da ausência do próprio pronunciamento<br />

judicial e do instituto da coisa julgada.<br />

A ação declaratória teria como fundamento a falta de uma das condições da<br />

ação – possibilidade jurídica do pedido, face à presença da “sentença<br />

inconstitucional”. Portanto, a parte interessada não estaria sujeita ao prazo<br />

decadencial para restaurar a efetividade da Constituição.<br />

Ao nosso ver, a sentença contrária à Constituição Federal deve ser objeto de<br />

ação declaratória nos termos dos artigos 4.º e 5.º do Código de Processo Civil, pois<br />

inexiste juridicamente; trata-se de uma aparente sentença.<br />

A via da ação declaratória tem o condão de obter do poder judiciário uma<br />

decisão que afaste a “aparente sentença”, tornando o assunto indiscutível e fazendo<br />

surgir segurança jurídica, pois, sobre esse novo julgamento, se dá a autoridade da<br />

coisa julgada.<br />

Parece-nos, portanto, que a tutela declaratória é perfeitamente cabível para<br />

que o interessado obtenha um julgamento em relação à existência da relação<br />

97


jurídica, diferentemente da ação rescisória que visa desconstituir sentença que<br />

padece vício de nulidade. 205<br />

A legislação processual é clara ao permitir rescisória apenas de sentença<br />

passada em julgado. 206 - 207<br />

Entretanto, vale esclarecer que, embora a ação rescisória não seja o<br />

mecanismo próprio de enfrentar o vício de inexistência, por faltar propriamente a<br />

sentença e o fenômeno do trânsito em julgado, a jurisprudência vem admitindo sua<br />

propositura para tal fim, em razão do princípio da instrumentalidade das formas. 208 -<br />

209<br />

205 Ementa: “Ação Declaratória – Trânsito em julgado da decisão anterior – As decisões judiciais<br />

gozam de licitude e certeza. A declaratória não é meio hábil para rever decisões judiciais. Falta de<br />

interesse. Extinção do processo.” (AC 7991/91 / TACRJ. Relator Des.Pedro Fernando Ligiero.<br />

Julgamento: 09/09/1992. órgão Julgador: 7ª Câmara Cível.)<br />

206<br />

Ementa: “PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. CITAÇÃO. CONFRONTANTE.AUTOR.<br />

RESCISÓRIA. DESCABIMENTO.<br />

1 - Se o móvel da ação rescisória é a falta de citação de confrontante (ora autor),em ação de<br />

usucapião, a hipótese é de ação anulatória (querella nulitatis) e não de pedido rescisório, porquanto<br />

falta a este último pressuposto lógico, vale dizer, sentença com trânsito em julgado em relação a ele.<br />

Precedentes deste STJ.<br />

2 - Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, provido para decretar a extinção do processo<br />

rescisório sem julgamento de mérito (art. 267, VI do CPC).” (RESP 62.853 / GO. Relator Min.<br />

Fernando Gonçalves. Julgamento: 19/02/2004. órgão Julgador: Quarta Turma. Publicação:<br />

01/08/2005) – Grifos nossos.<br />

207 Ementa: “Ação rescisória de sentença - Art. 485, III e V, do CPC - Suposta nulidade da citação<br />

verificada no processo em que proferida a sentença rescindenda - Hipótese ensejando mera ação de<br />

nulidade e, não, ação rescisória - Ausência de interesse processual. Petição inicial indeferida e<br />

julgado extinto o processo sem resolução do mérito, com base nos arts. 295, III, e 267, I, do CPC.”<br />

(RESCISÓRIA n.º 1202198 - 0/4 / SP. Relator Des. Ricardo Pessoa de Mello Belli. Julgamento:<br />

02/09/2008. Órgão Julgador: 25ª Câmara de Dir. Privado. Registro: 09/09/2008)<br />

208 Emenda: “Processo Civil. Rescisória. CPC, art. 485, III e V, 488-L, 494.Cumulação de Juízos.<br />

Violação de norma processual. Citação. Recurso desacolhido.<br />

I - As normas de natureza processual também se sujeitam à regra do inciso V do art. 485, CPC.<br />

II - A citação, como ato essencial ao devido processo legal, à garantia e segurança do processo como<br />

instrumento da jurisdição, deve observar os requisitos legais, pena de nulidade pleno iure quando<br />

não suprido o vício. A rescisória, embora não seja o meio próprio, tem sido admitida, com o apoio da<br />

doutrina e da jurisprudência, como via hábil para a correção da anomalia.” (RESP 11.290 / AM.<br />

Relator Min. Sálvio de Figueiredo. Julgamento: 04/05/1993. Órgão Julgador: Quarta Turma.<br />

Publicação: 07/03/1993).<br />

209 Emenda: “PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA PROFERIDA EM PROCESSO<br />

NULO POR FALTA DE CITAÇÃO. A sentença proferida em processo nulo por falta de citação deve<br />

ser atacada pela ação prevista no artigo 486 do Código de Processo Civil; mas, sem prejuízo da ação<br />

rescisória proposta equivocadamente, o Tribunal pode, nos próprios autos desta, declarar a nulidade<br />

98


Ademais, não temos dúvida de que, além dos mecanismos elucidados, a<br />

questão da inconstitucionalidade da sentença pode ser levantada também em<br />

alegação incidenter tantum até mesmo em outro feito. O prejudicado por julgamento<br />

contrário à ordem suprema pode alegar a inexistência do pronunciamento judicial,<br />

inclusive, em matéria defensiva; tudo para prevalecer os ditames constitucionais e<br />

afastar as impossibilidades jurídicas.<br />

Verifica-se que a sentença inconstitucional e os seus efeitos aparentes devem<br />

ser retirados do mundo jurídico independentemente de prazo decadencial. O poder<br />

judiciário não revisa tal sentença, mas apenas reconhece o vício de inexistência e a<br />

não formação da coisa julgada, evitando a perpetuação dos erros cometidos pelo<br />

Estado, além de solucionar o problema posto utilizando-se do próprio sistema<br />

jurídico.<br />

da indigitada citação. Precedente.” (RESP 113.091 / MG. Relator Min. ARI PARGENDLER.<br />

Julgamento: 10/04/2000. Órgão Julgador: Terceira Turma. Publicação: 22/05/2000) – Grifos nossos<br />

99


CONCLUSÃO<br />

Em síntese, a coisa julgada, como garantia fundamental prevista pela<br />

Constituição Federal, trata-se de uma espécie de dogma incontestável, apesar de<br />

estudos doutrinários e de decisões jurisprudenciais defenderem a “flexibilização da<br />

coisa julgada”, sob a justificativa de evitar sentenças “injustas” e sob o pretexto de<br />

proporcionar efetividade e fazer valer o acesso à justiça.<br />

O instituto da coisa julgada não pode sofrer interferências de valores vagos e<br />

imprecisos, pois reflete a expressão absoluta da segurança jurídica. A busca pela<br />

decisão “justa”, em sentido subjetivo, poderia conduzir à perpetuação dos<br />

julgamentos judiciais com a inevitável elisão da garantia constitucional da coisa<br />

julgada.<br />

Somos adeptos a não postular a desvalorização da autoridade da coisa<br />

julgada. A visão clássica do instituto em debate, segundo a qual ele seria inatingível,<br />

deve prevalecer. Acreditamos que o nosso próprio ordenamento jurídico, bem<br />

interpretado e bem aplicado, contempla soluções para o afastamento das sentenças<br />

ditas inconstitucionais; das decisões desconformes com a Carta Magna, sem a<br />

necessidade de sobrepujar à preponderância da segurança jurídica.<br />

Como salientado na introdução, a expressão coisa julgada aparece em<br />

destaque (entre aspas) no título do trabalho, porque entendemos que a sentença<br />

não se forma, inexiste, não transita em julgado, quando viola ou afronta a<br />

Constituição Federal.<br />

Revestem-se de vício de extrema gravidade (o da inexistência jurídica) as<br />

sentenças que afrontam uma norma ou um princípio constitucional; as sentenças<br />

100


amparadas em lei tendo havido posterior declaração de inconstitucionalidade e as<br />

sentenças que não aplicaram determinada norma, por considerá-la inconstitucional<br />

incidenter tantum, tendo havido posterior decisão reconhecendo a sua<br />

constitucionalidade.<br />

Admitir a inexistência da sentença inconstitucional é o caminho adequado<br />

para corrigir as falhas praticadas pelo Poder Judiciário. Em face de uma decisão<br />

contrária à Constituição, não se pode permitir a existência do ato como sentença e,<br />

conseqüentemente, sobre esse pronunciamento recair a qualidade de imutabilidade.<br />

Ademais, aceitar o vício de inexistência diante da afronta à Carta Política,<br />

além de impedir sua institucionalização, preserva a segurança jurídica, essencial<br />

para o Estado Democrático de Direito, consagrado no art. 1.º da Constituição<br />

Federal. Além do mais, não gera uma situação de caos social, perfeitamente<br />

constatada, se admitíssemos o rompimento do instituto da coisa julgada, já que<br />

permitiria eterna prestação jurisdicional.<br />

O próprio ordenamento jurídico é capaz de solucionar o problema da<br />

sentença inconstitucional ao permitir o reconhecimento do vício de inexistência do<br />

pronunciamento judicial definitivo e a não formação da coisa julgada.<br />

As decisões judiciais se sujeitam às regras constitucionais e aos ditames<br />

legais em conformidade com o texto Magno. O instituto da coisa julgada jamais pode<br />

imunizar dispositivo contrário à Constituição Federal e que, portanto, deve ser<br />

considerado impossível. O ato judicial inconstitucional não faz coisa julgada, nem ato<br />

jurídico perfeito ou direito adquirido.<br />

Em se tratando de sentença inexistente, o reconhecimento pode acorrer a<br />

qualquer tempo; não há que se falar em transcurso de prazo. A aparente sentença<br />

pode ser atacada pela propositura de uma ação declaratória de inexistência ou por<br />

meio dos embargos à execução, nos termos dos artigos 741, parágrafo único e 475-<br />

L, do Código de Processo Civil, também de natureza declaratória, ou até mesmo, ser<br />

101


ventilada incidenter tantum em outro feito. Muito embora o mecanismo da ação<br />

rescisória não seja cabível para refutar a sentença inconstitucional, em razão da<br />

ausência do próprio pronunciamento judicial e do instituto da coisa julgada, a<br />

jurisprudência admite sua utilização, em atenção ao princípio da instrumentalidade<br />

da formas.<br />

Parece-nos que podemos continuar entendendo ser absoluto o instituto da<br />

coisa julgada e sua intangibilidade mesmo diante das sentenças chamadas<br />

inconstitucionais; as sentenças que afrontam a Constituição Federal. O ordenamento<br />

jurídico bem interpretado e aplicado é capaz de solucionar a questão sem romper<br />

com a segurança jurídica e sem provocar uma situação de caos social.<br />

102


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