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<strong>Relatório</strong> <strong>Azul</strong> <strong>1995</strong> Página 10<br />
“Em 15 de dezembro de <strong>1995</strong>, às 16 horas, estivemos no IPF em visita aos adolescentes<br />
oriundos do ICM, provisoriamente instalados naquela instituição em virtude do motim ocorrido<br />
em 3 de dezembro.<br />
O primeiro contato foi com o diretor do ICM, que explicou sobre as dificuldades que estão<br />
passando em função da mudança para um espaço completamente diferente do que estavam<br />
acostumados, onde estavam desenvolvendo um bom trabalho de recuperação dos jovens.<br />
Num longo e largo corredor, várias portas trancadas com cadeados e ferrolhos, em ambos<br />
os lados, com listas de nomes afixadas, davam acesso às celas onde estavam presos cerca de<br />
15 jovens em cada uma. Entramos em quatro celas e conversamos com os adolescentes, sem a<br />
presença de monitores ou de integrantes da direção da Febem. Em cada cela, a mesma cena e<br />
as mesmas palavras. Os jovens estavam deitados ou sentados em colchões dispostos em volta,<br />
junto às paredes. Não havia conversas altas, nem risadas, nem choros. Apenas silêncio. Num<br />
canto, uma portinha dava acesso a um banheiro completamente alagado e fétido. Os jovens<br />
estavam, na grande maioria, descalços e com apenas a roupa do corpo.<br />
Os meninos relataram sobre o motim e sobre suas dificuldades no IPF.<br />
Denunciaram que quase não tinham direito ao pátio: apenas dez minutos, uma ou duas<br />
vezes por semana, durante os quais deviam permanecer de cabeça baixa, sem olhar para cima<br />
ou para os lados, e sem conversar. Deviam permanecer sentados, olhando para o chão, longe<br />
dos muros, em roda, no centro do pátio, até que os monitores dessem por encerrado o “recreio”.<br />
Denunciaram que quase não tinham direito a visitas: apenas 30 minutos, uma vez por<br />
semana, e apenas para um parente de cada vez.<br />
Denunciaram que não podiam usar seus chinelos, tendo de ir ao banheiro alagado,<br />
descalços, assim como ao pátio e às sessões de atendimento técnico.<br />
Denunciaram que não tinham absolutamente nada para fazer, nem leituras, nem aulas,<br />
nem jogos, nem música, nem nada.<br />
Denunciaram que muitos deles foram espancados durante e/ou após o motim do ICM, seja<br />
por internos, pelo choque da BM ou por monitores da Febem. Muitos deles estavam no<br />
“isolamento” desde então, até que as marcas do corpo desaparecessem por completo, evitando,<br />
assim, a constatação dos maus tratos pelos familiares.<br />
Em seguida, solicitamos a presença de alguns meninos que estavam no<br />
"isolamento" e que, de acordo com a informação de vários de seus companheiros<br />
de cela, haviam sido espancados. Foram trazidos quatro deles, um por um, até<br />
uma salinha onde foi possível conversar reservadamente. Todos afirmaram ter<br />
sofrido surras de monitores, já dentro do IPF. Um deles, portador do vírus HIV,<br />
apresentava feridas na cabeça e um grande corte, com pontos, entre elas. Os<br />
monitores, mais tarde, afirmaram não saber se havia medicamentos para os<br />
meninos doentes. Outro menino, pequeno para os seus 14 anos de idade, afirmou<br />
ter apanhado de monitores. Diante dessa denúncia, posteriormente, o diretor<br />
alegou que ele “atuava” muito e tirava proveito de seu pequeno porte para<br />
conseguir a proteção dos companheiros maiores do que ele.<br />
Após as entrevistas, fomos até a sala de “isolamento”. Num cubículo, amontoavam-se nove<br />
rapazes, entre 14 e 18 anos, sem as mínimas condições de habitabilidade, privacidade,<br />
dignidade, proteção ou medida sócio-educativa. Os jovens do “isolamento” não tinham direito<br />
sequer aos poucos momentos de pátio, “por razão de segurança”. Ameaçados, não podiam<br />
contar aos seus familiares sobre os espancamentos, nem mostrar marcas no corpo, pois as<br />
visitas eram vigiadas de perto pelos mesmos monitores que os agrediram.<br />
De volta à sala da direção, ouvimos explicações do diretor do ICM e de outros funcionários<br />
presentes.Toda a culpa pela situação miserável em que se encontravam os adolescentes<br />
internos da Febem foi atribuída a eles mesmos: por conta do motim, teria se estabelecido um<br />
caos que modificara todas as rotinas desenvolvidas anteriormente no ICM. Sendo o IPF uma<br />
instituição inadequada para alojar os adolescentes privados de liberdade, apresentaria poucas<br />
condições de segurança. Estas foram as justificativas de todas as restrições impostas,<br />
provisoriamente, até que a situação se normalizasse.