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<strong>Relatório</strong> <strong>Azul</strong> <strong>1995</strong> Página 30<br />
humanos das mulheres e das meninas, como parte inalienável de todos os direitos humanos e<br />
liberdades fundamentais.<br />
Depois de Pequim<br />
Maria do Carmo*<br />
Na "IV Conferência Mundial sobre a Mulher", da qual participei, em setembro de <strong>1995</strong>,<br />
ficaram evidentes as divergências das diversas partes do mundo em relação à universalidade<br />
dos direitos femininos, especialmente quanto à reprodução, saúde, igualdade entre os sexos,<br />
educação e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.<br />
Apesar da diversidade de visões, gerando um verdadeiro descompasso entre nações<br />
participantes, destacou-se o empenho da delegação brasileira no sentido de preservar as<br />
conquistas até aqui obtidas. Qualquer recuo seria um fracasso no processo de reconhecimento<br />
dos direitos humanos da mulher. Para usar a expressão textual da primeira-dama norteamericana,<br />
Hillary Clinton, “Direitos Humanos são direitos da mulher e direitos da mulher são<br />
Direitos Humanos de uma vez para sempre”. Esta matéria pode ser ilustrada com uma pesquisa<br />
da "International Reproductive Rights Research Action Group de Nova Yorque", que utilizou<br />
como amostragem 800 mulheres pobres de sete países, entre os quais o Brasil. Não obstante as<br />
diferenças culturais e religiosas, as mulheres de baixo poder aquisitivo compartilham pontos de<br />
vista comuns sobre maternidade, tratamento médico, planejamento familiar ou controle de<br />
natalidade. A propósito, a sociedade brasileira deve estar atenta aos avanços garantidos pela<br />
Constituição de 1988, particularmente ao art. 226, parágrafo 7º, segundo o qual o planejamento<br />
familiar é livre decisão do casal.<br />
Os obstáculos aos direitos da mulher situam-se no plano econômico, cultural, racial e<br />
educacional. No mundo subdesenvolvido ressalta a tendência à feminilização da pobreza.<br />
Alguns cientistas sociais, conscientes da importância da mulher na mudança das sociedades,<br />
têm defendido o investimento maciço de recursos na educação feminina. Estudos realizados<br />
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) confirmam que o principal indicador da<br />
pobreza é a falta de ensino básico. Se a esta variável se juntar a condição feminina, está<br />
praticamente configurada a possibilidade de exclusão social.<br />
Os estudos da economista Sônia Rocha concluem que “uma mulher negra, analfabeta,<br />
chefe de família, sem emprego nem carteira assinada e moradora da zona rural do nordeste<br />
reúne todos os requisitos para a indigência”(revista Veja, 25/10/95, p.56). A mulher brasileira<br />
nessas condições tem 95% de possibilidades de estar abaixo da linha de pobreza. Esta<br />
possibilidade é bem menor se ela tiver chegado ao 4º ano do ensino fundamental. A educação é<br />
o fator decisivo para situar uma mulher além ou aquém da fronteira da miséria. Tanto assim que<br />
o Banco Mundial assegura que, dentre todos os gastos sociais, o de maior retorno é o da<br />
educação primária da mulher.<br />
Entre as propostas resultantes de Pequim, inclui-se um capítulo sobre a mulher e os meios<br />
de comunicação. Nos últimos dez anos, o avanço tecnológico facilitou o crescimento de uma<br />
rede mundial de comunicações que transcende as fronteiras nacionais e tem a capacidade de<br />
influir nas políticas estatais, na cultura, na vida privada e nas atitudes de todos, crianças, jovens<br />
e adultos. Dessa forma, têm os meios de comunicação a responsabilidade de contribuir, de<br />
maneira direta, eficiente e eficaz, no crescimento da mulher, garantindo-lhe uma imagem<br />
positiva, equilibrada, não estereotipada, consubstanciada na livre expressão de suas idéias.<br />
O documento aprovado em Pequim pelos Estados presentes à Conferência pretende o<br />
compromisso dos governos de respeitarem e promoverem os direitos da mulher como ser<br />
humano, igualitariamente participante da vida política, do mercado de trabalho, da educação.<br />
Sei, entretanto, que há um abismo a ser transposto entre a teoria e a prática, entre acordos<br />
formais e a vida real. É imperioso que os postulados de Pequim contra a violência, contra a<br />
discriminação, contra a feminilização da miséria, contra o analfabetismo e a favor dos direitos<br />
fundamentais da mulher tenham condições de se transformar em leis eficazes e costumes<br />
institucionalizados entre os povos.<br />
Penso que é obrigação de todo cidadão empenhar-se nas propostas que objetivam rever a<br />
atual condição da mulher brasileira, sem esquecer sua efetiva participação nos Poderes Públicos