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<strong>Relatório</strong> <strong>Azul</strong> <strong>1995</strong> Página 50<br />
justificar sua aversão ao outro e as tentativas do tipo realizadas em nome da ciência ou da<br />
filosofia expuseram o núcleo das concepções racistas ao ridículo. O que o racismo pretende é<br />
destruir o outro. Se isto não é possível trata-se, então, de estigmatizá-lo, condená-lo a uma<br />
posição subalterna, alimentar e instigar contra este outro o ódio e o desprezo a ponto de negarlhe<br />
o estatuto de “ser humano”. Hannah Arendt sustenta que a “raça” foi, em verdade, um<br />
conceito ideológico gerado na Europa e que tal conceito sempre atraiu os piores elementos da<br />
civilização ocidental:<br />
“A raça foi uma tentativa para explicar a existência de seres humanos que ficavam à<br />
margem da compreensão dos Europeus, e cujas formas e feições de tal forma assustavam e<br />
humilhavam os homens brancos, imigrantes ou conquistadores, que eles não desejavam mais<br />
pertencer a mesma comum espécie humana. Na idéia de raça encontrou-se a resposta dos<br />
boers à “monstruosidade” esmagadora descoberta na África -todo um continente povoado e<br />
abarrotado de selvagens- e a justificação da loucura que os iluminou...no brado: “Exterminemos<br />
todos estes brutos!” Dessa idéia resultaram os mais terríveis massacres da história: o extermínio<br />
das tribos hotentotes pelos boers, as selvagens matanças de Carl Peters no sudeste africano<br />
Alemão, a dizimação da pacata população do Congo reduzida de uns 20 milhões para 8 milhões;<br />
e, o que é pior, a adoção desses métodos de “pacificação” pela política externa européia comum<br />
e respeitável” (2).<br />
No Brasil, já há muito não se sustenta o mito da “democracia racial”. Mesmo o oficialismo<br />
admite a existência de práticas racistas. Significativas parcelas da população, entretanto,<br />
seguem reproduzindo preconceitos de diversas ordens, particularmente contra as populações<br />
negras, sem que considerem tais posições racistas. O fenômeno, oferece ao racismo praticado<br />
no Brasil algumas características especiais e particularmente odiosas. O chamado “racismo<br />
cordial” ensinado desde cedo às crianças com as “piadas de negão” mostrará sua face nada<br />
risonha nas batidas policiais onde os negros são, invariavelmente, suspeitos, nos tribunais, nas<br />
prisões e em todos os lugares onde a exclusão se faz tão silenciosa quanto verdadeira.<br />
O ano de Zumbi<br />
Neste contexto, o ano de <strong>1995</strong>, pode ao menos apresentar uma importante conquista de<br />
conteúdo anti-discriminatório recuperando para a historiografia e para o panteão dos heróis<br />
nacionais a figura de Zumbi.<br />
Quando Zumbi nasceu, em 1655, as hostilidades bélicas já eram uma constante na relação<br />
entre palmarinos e colonizadores. Conta o capitão-Capelão João Blaer, padre holandês, no seu<br />
Diário de Viagem de 1645, numa expedição de guerra no Brasil que: “Ao amanhecer do dia 21<br />
chegamos à porta ocidental de Palmares, que era dupla e cercada de duas ordens de paliçadas;<br />
arrombamo-la e encontramos do lado interior um fosso cheio de estrepes em que caíram ambos<br />
nossos cornetas;... um dos nossos cornetas, enraivecido por ter caído nos estrepes, cortou a<br />
cabeça de uma negra. A 22 do dito pela manhã saiu novamente um sargento com 20 homens a<br />
bater o mato...; neste dia a nossa gente queimou para mais de 60 casas nas roças<br />
abandonadas...”.<br />
Zumbi ainda poderia ter escapado ao destino de luta em que seu povo se animara. Ainda<br />
bem jovem, foi capturado e criado por um padre português que lhe ensinou a língua oficial e o<br />
latim. Porém, ao atingir a adolescência, Zumbi retornou ao Quilombo e iniciou uma trajetória<br />
pessoal marcada pelo objetivo da conquista da autodeterminação de seu povo. A partir de 1676,<br />
quando Zumbi contava 21 anos, os ataques aos Quilombos se intensificaram. Acuados pelas<br />
sucessivas expedições militares e por baixas significativas, os palmarinos, então sob a liderança<br />
de Ganga-Zumba, formalizaram um acordo de paz com o governador de Pernambuco no ano de<br />
1678. Pelo acordo, o governador se comprometia a demarcar terras, devolver as mulheres e<br />
filhos capturados durante os combates, mas sob a condição de que só seriam livres aqueles<br />
negros nascidos a partir de então nos Quilombos. Os demais, que para lá se dirigissem sob<br />
qualquer pretexto, deveriam ser “devolvidos” aos seus senhores.<br />
Zumbi, todavia, não teria se conformado aos termos do acordo. Organizou, então, a<br />
resposta, revelando sua personalidade guerreira. Seu tio, Ganga Zumba, lhe opôs resistência<br />
sendo, por isto, eliminado. Já na condição de General, Zumbi teria investido sua esperança de