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<strong>Relatório</strong> <strong>Azul</strong> <strong>1995</strong> Página 32<br />
A própria China, país onde realizou-se a conferência, é uma nação onde os direitos<br />
humanos das mulheres são pouco respeitados. A política de controle de natalidade efetivada<br />
pelo governo chinês e conhecida mundialmente pela máxima: “para cada casal um filho” , viola<br />
os direitos reprodutivos das mulheres e leva milhões de mulheres chinesas ao aborto,<br />
principalmente de fetos meninas, em uma abominável prática de seleção pré-natal. Talvez o<br />
impacto da realização da conferência sobre a mulher e, principalmente, suas recomendações,<br />
passe a modificar a realidade das mulheres naquele país. Isso, evidentemente, dependendo<br />
menos de uma possível sensibilização do governo chinês e mais de movimentações concretas e<br />
de uma ação propositiva das mulheres chinesas.<br />
Todas as conquistas das mulheres nesta conferência, a propósito, somente se tornarão<br />
realidade se a implementação das medidas e das políticas recomendadas pela Plataforma de<br />
Ação por parte dos governos for firmemente monitorada e acompanhada pelo movimento de<br />
mulheres, em todas as partes do mundo.<br />
E que conquistas foram essas, afinal?<br />
Dentre outras conquistas significativas, cabe destacar o reconhecimento de que os direitos<br />
humanos das mulheres incluem o direito de controlar sua vida sexual e sua sexualidade. Aqui<br />
houve um avanço em relação à Conferência sobre População e Desenvolvimento, ocorrida em<br />
1994, no Cairo, pois até a "Conferência de Beijing", só se tinha conseguido incluir nos<br />
documentos da ONU a expressão “direitos reprodutivos” e não a noção de “direitos sexuais” que<br />
embora não esteja explicitada como expressão na Plataforma de Ação, ficou subentendida na<br />
noção de direitos humanos, na redação aprovada. A matéria é relevante na medida em que,<br />
historicamente, os direitos humanos se construíram como “Direitos do Homem”, e quando os<br />
direitos reprodutivos e sexuais são reconhecidos como direitos humanos, as mulheres, enfim,<br />
são incluídas, com suas especificidades de gênero, como sujeitas de direitos humanos,<br />
rompendo com um paradigma que associa ser humano com ser homem.<br />
Decorrência desse entendimento dos direitos humanos, aprovou-se em Beijing algo<br />
particularmente importante para o Movimento de Mulheres no Brasil: uma recomendação aos<br />
países para que façam uma revisão das legislações que penalizam as mulheres que fazem<br />
abortos ilegais. Em nosso país, estima-se que três milhões de abortos sejam feitos anualmente.<br />
Mesmo assim, o aborto ainda é considerado crime pelo Código Penal e, por conta disso, os<br />
abortamentos realizados clandestinamente, em precaríssimas condições, terminam por conduzir<br />
milhares de mulheres pobres à morte. A recomendação de Beijing poderá alavancar a<br />
discriminalização do aborto no Brasil colocando o movimento de mulheres em outro patamar<br />
para discutir com o governo federal a legalização do procedimento e seu atendimento pela rede<br />
pública de saúde.<br />
A "Plataforma de Ação" também reconheceu o aumento da pobreza no mundo e o fato de<br />
que 70% dos pobres são mulheres, estabelecendo um compromisso para reverter esta situação.<br />
O fenômeno da feminilização da pobreza ocorre por fatores como as dificuldades de acesso ao<br />
crédito e à herança vividas pelas mulheres em muitos países do mundo; a remuneração<br />
diferenciada entre homens e mulheres exercendo as mesmas funções em um mercado de<br />
trabalho onde as mulheres tem menor inserção; em função de que a responsabilidade parental<br />
não é assumida igualmente por homens e mulheres, recaindo, muitas vezes, apenas sobre as<br />
mulheres, o sustento material dos filhos. O compromisso dos governos em intervir na reversão<br />
destas causas é fundamental para a alteração deste triste quadro.<br />
Por fim, cabe salientar que se conseguiu incluir na Plataforma de Ação um dispositivo que<br />
garante “recursos novos e adicionais” para que os governos possam implementar as medidas<br />
recomendadas pelo documento em seus países. De fato, é difícil imaginar um país como<br />
Ruanda, por exemplo, dizimado pela guerra, pela AIDS e pela fome, destinando recursos<br />
financeiros para tornar realidade as políticas da Plataforma. Neste ponto, os países pobres<br />
queriam incluir, explicitamente, a recomendação de se adotarem mecanismos de repasse,<br />
através das Nações Unidas, de recursos dos países ricos para os países pobres implementarem<br />
a Plataforma de Beijing. A redação final indica que as instituições financeiras internacionais<br />
devem estudar e propor novas formas de auxiliar os países endividados.