Lourenço de Brito Correa: o sujeito mais perverso e escandaloso ...
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Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Feira <strong>de</strong> Santana<br />
Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História<br />
Mestrado em História<br />
RICARDO GEORGE SOUZA SANTANA<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>: o <strong>sujeito</strong> <strong>mais</strong> <strong>perverso</strong> e <strong>escandaloso</strong>.<br />
Conflitos e suspeitas <strong>de</strong> motim no segundo vice-reinado do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos.<br />
(Bahia 1663-1667)<br />
Dissertação apresentada ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />
em História da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Feira <strong>de</strong><br />
Santana, como requisito parcial para a obtenção do título<br />
<strong>de</strong> Mestre em História. Área <strong>de</strong> concentração: História<br />
Social.<br />
Orientadora: Profª Dra. Márcia Maria Barreiros<br />
Feira <strong>de</strong> Santana<br />
2012
Introdução<br />
O historiador espanhol Jaume Vicens Vives preocupou-se com as estruturas do po<strong>de</strong>r na<br />
Europa do século XVII, para ele o chamado po<strong>de</strong>r absoluto verificado nas monarquias <strong>de</strong>ste período<br />
foi antes <strong>de</strong> tudo: “uma realidad <strong>de</strong> mando, uma realidad vivida cotidianamente por quienes habian<br />
<strong>de</strong> governar y queines <strong>de</strong>seaban o no <strong>de</strong>seaban se gobernados <strong>de</strong> tal guisa”. 1<br />
Os aspectos que engendram esta realidad <strong>de</strong> mando, forjadas pelos <strong>sujeito</strong>s do século XVII,<br />
<strong>de</strong>vem ser compreendidos a partir dos valores, sentimentos e visões <strong>de</strong> mundo que estes<br />
partilhavam. Quando vasculhamos as experiências individuais e coletivas vivenciadas po<strong>de</strong>mos ter<br />
acesso a alguns aspectos da cultura política vivenciada, especialmente se o nosso enfoque for a<br />
capitania da Bahia, se<strong>de</strong> do governo colonial e abrigo <strong>de</strong> oficiais régios com funções que lhes<br />
cre<strong>de</strong>nciavam prestígio social.<br />
Paixão, <strong>de</strong>sejo, misericórdia, ganância, suspeita, medo, vingança são sentimentos que<br />
atravessaram a história e atribuíram significados diversos aos comportamentos e condutas <strong>de</strong><br />
algumas pessoas ou grupos. Na Bahia do século XVII, a união <strong>de</strong>stes sentimentos tão distintos <strong>de</strong>u<br />
uma tonalida<strong>de</strong> particular à conjuntura que se <strong>de</strong>lineava, principalmente após a Restauração<br />
Brigantina. 2 Neste momento, a realida<strong>de</strong> cotidiana <strong>de</strong> governantes e governados não po<strong>de</strong>ria <strong>mais</strong><br />
ser enquadrada em uma única cultura política e sim, em culturas políticas.<br />
Nas palavras <strong>de</strong> Sohiet, Bicalho e Gouvêa:<br />
[...] As culturas políticas constituem fator <strong>de</strong> agregação social, contribuindo <strong>de</strong> modo<br />
<strong>de</strong>cisivo na constituição <strong>de</strong> uma visão comum <strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong> uma leitura compartilhada do<br />
passado e do futuro. Formam <strong>de</strong>sse modo ‘um patrimônio indiviso’, composto por<br />
vocabulários, símbolos e gestos, por todo um arsenal <strong>de</strong> ferramentas que possam exprimir<br />
valores, i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong>sejos políticos <strong>de</strong> um dado conjunto social. 3<br />
Po<strong>de</strong>mos ter acesso à cultura política <strong>de</strong> uma época a partir dos discursos produzidos por<br />
homens e mulheres que experimentaram e disputaram uma <strong>de</strong>terminada configuração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e<br />
1 VIVES, Jaume Vicens. “Estructura Administrativa Estatal en los siglos XVI Y XVII.” In: MARTÍN, Jesús Izquierdo.;<br />
LEÓN, Pablo Sánchez. (coord.) Clásicos <strong>de</strong> historia social <strong>de</strong> España: una selección crítica. Rioja: Fundación<br />
Instituto Historia Social, 2000. p. 102.<br />
2 Esta expressão se refere ao processo <strong>de</strong>flagrado em Portugal, em primeiro <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1640. Tinha por objetivo<br />
restaurar o reino <strong>de</strong> Portugal à uma dinastia <strong>de</strong> sangue luso. Des<strong>de</strong> 1580, a Casa da Áustria representada pelos Filipes <strong>de</strong><br />
Habsbourg, hegemonizavam o controle da Península Ibérica e unificaram as coroas <strong>de</strong> Portugal e Castela durante 60<br />
anos. Em 1640, o oitavo Duque <strong>de</strong> Bragança, apoiado em seu casamento com D. Luisa <strong>de</strong> Gusmão, uma espanhola<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte dos Reis <strong>de</strong> Portugal por via paterna, articulou o processo <strong>de</strong> rebelião contra a Espanha e foi aclamado Rei<br />
<strong>de</strong> Portugal com o título <strong>de</strong> Rei D. João IV, conhecido como “o Restaurador”. A consolidação da in<strong>de</strong>pendência da<br />
Espanha e <strong>de</strong>marcação territorial só foi possível após 28 anos <strong>de</strong> guerra entre Portugueses e Espanhóis que só findou em<br />
1668. Para <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes sobre a Restauração Brigantina e seus reflexos na Europa e no Ultramar, ver: FRANÇA,<br />
Eduardo D’Oliveira. Portugal na Época da Restauração. São Paulo: Hucitec, 1997 e GODINHO, Vitorino<br />
Magalhães. Ensaios Sobre a História <strong>de</strong> Portugal. vol. II. Lisboa: Livraria Sá Costa Editora, 1968, p.257-291.<br />
3 SOHIET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria <strong>de</strong> Fátima (orgs.). Culturas políticas: ensaios <strong>de</strong><br />
história cultural, história política e ensino <strong>de</strong> história. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Mauad, 2005. p.13<br />
2
<strong>de</strong>ixaram vestígios das posições políticas que tomaram ao longo das suas carreiras. Partindo <strong>de</strong>stes<br />
aspectos, a pesquisa histórica tenta alcançar as motivações dos <strong>sujeito</strong>s levando-se em conta a<br />
coerência <strong>de</strong> seus comportamentos individuais e suas relações com o coletivo.<br />
Ao estudar a função política das elites na socieda<strong>de</strong> colonial mineradora do século XVIII,<br />
Vera Alice Cardoso Silva enten<strong>de</strong>u que as relações sociais vivenciadas na Colônia foram<br />
respaldadas a partir da manutenção <strong>de</strong> certos privilégios, associados a ritos e símbolos <strong>de</strong><br />
reconhecimento <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> que orientavam a articulação das sociabilida<strong>de</strong>s. Este mo<strong>de</strong>lo,<br />
baseado em relações pessoais, referenciava a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos indivíduos <strong>de</strong> acordo com sua<br />
ascendência familiar e caracteriza o que a autora chamou <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> tradicional. 4<br />
A elite política que compunha a socieda<strong>de</strong> colonial diferenciava-se das outras camadas da<br />
população por ser formada pelos [...]indivíduos ocupantes das posições que asseguram o exercício<br />
efetivo do po<strong>de</strong>r político <strong>de</strong> regulação compulsória e <strong>de</strong> fiscalização com po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sanção. 5 Faziam<br />
parte <strong>de</strong>ste seleto grupo <strong>de</strong> homens da Colônia aqueles que tinham experiência com as armas e com<br />
as letras.<br />
Na prática, esta diferenciação apresentava-se no convívio social a partir <strong>de</strong> diversas<br />
manifestações <strong>de</strong> comportamentos que conferiam hierarquias e exigiam atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> submissão para<br />
com os que ocupavam funções <strong>de</strong> certa relevância política, sendo comum a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> união<br />
<strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong>sta mesma elite em torno <strong>de</strong> interesses congruentes, [...]sob a forma da relação<br />
calculista que vincula parceiros interessados na obtenção <strong>de</strong> objetivos comuns, aí incluído o <strong>de</strong><br />
combater ou neutralizar adversários políticos. 6<br />
Neste sentido, o objetivo <strong>de</strong>sta dissertação é analisar a trajetória política <strong>de</strong> dois homens que<br />
se encontraram no palco das Américas durante o século XVII e neste espaço foram adversários. De<br />
formas diversas, um nobre <strong>de</strong> Portugal e um fidalgo da Bahia vivenciaram a cultura política do<br />
Brasil colonial e cumpriram ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para o serviço régio neste lugar.<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos conheciam os meandros do po<strong>de</strong>r do Reino e do<br />
Ultramar, porém, eles exerceram posições hierarquicamente <strong>de</strong>siguais na se<strong>de</strong> do governo do Brasil<br />
e por causa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sentendimentos políticos com Óbidos, <strong>Lourenço</strong> foi neutralizado e morreu numa<br />
ca<strong>de</strong>ia em Lisboa.<br />
4 SILVA, Vera Alice Cardoso. “Aspectos da função política das elites na socieda<strong>de</strong> colonial brasileira. O 'parentesco<br />
espiritual' como elemento <strong>de</strong> coesão social.” In: Revista Varia Historia, UFMG,n.31, janeiro/2004, p. 100.<br />
5 I<strong>de</strong>m p.101.<br />
6 I<strong>de</strong>m.<br />
3
O nosso enfoque está no vice-reinado do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e sua experiência na Bahia<br />
(1663-1667), contudo, não foi possível fixar este estudo em um recorte cronológico rígido, muito<br />
menos foi possível uma <strong>de</strong>limitação espacial específica para nossa abordagem, a mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
funcionários régios pelas partes do globo era uma <strong>de</strong>manda corriqueira e necessária para a<br />
consolidação das dinastias Ibéricas, por isso foi preciso acompanhar o itinerário <strong>de</strong> serviços que<br />
Óbidos executou na Europa, América e Ásia, bem como analisar o seu modo <strong>de</strong> governar nestes<br />
diferentes locais para assim enten<strong>de</strong>r a inserção política <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas antes e <strong>de</strong>pois da<br />
Restauração <strong>de</strong> 1640.<br />
Também seria difícil explicar com clareza os motivos das rusgas entre o Con<strong>de</strong> vice-rei e<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> entre os anos <strong>de</strong> 1663 a 1667 sem antes analisar o histórico <strong>de</strong> serviços<br />
prestados por <strong>Lourenço</strong> nas guerras contra os holan<strong>de</strong>ses e as ativida<strong>de</strong>s administrativas que<br />
exerceu na Bahia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período Filipino. Sua <strong>de</strong>scendência familiar e influência política na cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Salvador em 1663 são resultado <strong>de</strong> uma carreira recheada <strong>de</strong> disputas políticas e que foram<br />
relembradas no governo do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, especialmente porque nesta época o velho <strong>Lourenço</strong><br />
exercia bastante influência não só entre os juízes do Tribunal da Relação como também entre os<br />
militares e eclesiásticos que residiam na Bahia.<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e outras autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador<br />
manifestavam resistência e estranhamento à gestão <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas por via <strong>de</strong><br />
consecutivas epístolas enviadas às autorida<strong>de</strong>s reinóis. O vice-rei, por sua vez, tentava silenciar seus<br />
principais adversários afastando-os da Colônia e justificando suspeita <strong>de</strong> conjuração. O <strong>de</strong>senrolar<br />
<strong>de</strong>sta trama produziu um conjunto <strong>de</strong> comunicações entre as autorida<strong>de</strong>s do Reino e da Bahia e pela<br />
riqueza <strong>de</strong> informações po<strong>de</strong>m dar uma visão <strong>mais</strong> pormenorizada sobre o momento político e as<br />
disputas que vivia a esta Capitania durante o período em tela.<br />
O primeiro capítulo é um esforço <strong>de</strong> investigação <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhado acerca da trajetória política<br />
<strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, partindo <strong>de</strong> alguns aspectos da sua <strong>de</strong>scendência e pertencimento à<br />
elite da Bahia do século XVII, tentaremos mapear o itinerário <strong>de</strong> sua educação e as i<strong>de</strong>ias que<br />
compartilhava no seu tempo, para isso o trabalho <strong>de</strong> genealogia do Frei Santa Maria Jaboatão foi <strong>de</strong><br />
fundamental importância, seja como fonte documental essencial para qualquer historiador<br />
interessado no método prosopográfico, seja como referencial <strong>de</strong> pesquisa sobre a formação da<br />
socieda<strong>de</strong> da Bahia colonial. Dados pessoais e as representações <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> foram<br />
acessados em seu <strong>de</strong>poimento ao Tribunal do Santo Ofício por ocasião da segunda visitação à<br />
Bahia.<br />
4
Baseando-me nos estudos <strong>de</strong> Anita Nowinsky sobre o clima <strong>de</strong> perseguição aos cristãos-<br />
novos na Bahia, pu<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r com <strong>mais</strong> luci<strong>de</strong>z a <strong>de</strong>núncia feita por <strong>Lourenço</strong> especialmente<br />
as acusações <strong>de</strong> blasfêmia e comportamento sexual sodomita promovidos por alguns ju<strong>de</strong>us<br />
proprietários <strong>de</strong> engenhos no recôncavo da Bahia. Notamos sua aversão aos marranos, mas também<br />
constatamos informações sobre sua ida<strong>de</strong>, a patente <strong>de</strong> Capitão, filiação, local <strong>de</strong> residência e<br />
posição política que este fidalgo ocupava na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador em 1619.<br />
Luiz Henrique Dias Tavares e Francisco Adolfo <strong>de</strong> Varnhagen foram autores fundamentais<br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste capítulo, a partir <strong>de</strong>les pu<strong>de</strong> ter acesso à <strong>de</strong>senvoltura <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> como militar, outros cronistas do século XVII também registram sua patente <strong>de</strong><br />
Capitão dos Aventureiros e seu protagonismo nas guerras que a dinastia Filipina perpetrou para<br />
expulsar os holan<strong>de</strong>ses da Bahia e <strong>de</strong> Pernambuco, <strong>Lourenço</strong> esteve entre os combatentes <strong>mais</strong><br />
aguerridos na empreitada que expulsou os invasores da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, seja em 1625, seja nos<br />
anos seguintes a 1630.<br />
O trabalho <strong>de</strong> Wolfgang Lenk também auxiliou com informações sobre algumas <strong>de</strong>savenças<br />
registradas entre <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e o Governador Diogo Luis <strong>de</strong> Oliveira, Afonso Costa<br />
indicou que o capitão <strong>Lourenço</strong> passou uma temporada na Europa a regozijar dos benefícios<br />
adquiridos pelo monarca em recompensa dos serviços que prestou nas suas batalhas na Bahia,<br />
contudo, seus conhecimentos militares não foram dispensados, o biógrafo afirmou que <strong>Lourenço</strong><br />
voltou ao Brasil em 1637, como tripulante <strong>de</strong> uma das armadas <strong>de</strong> socorro enviadas pelo Rei Felipe<br />
IV e continuou a auxiliar ao Con<strong>de</strong> da Torre na peleja <strong>de</strong> Pernambuco.<br />
A leitura das Cartas do Con<strong>de</strong> da Torre exerceu um papel fundamental nesta investigação, o<br />
manuseio das mesmas me <strong>de</strong>u oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer com <strong>mais</strong> profundida<strong>de</strong> o protagonismo<br />
militar <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> no período das tentativas <strong>de</strong> reconquistar o nor<strong>de</strong>ste. Percebe-se que <strong>Lourenço</strong><br />
<strong>de</strong>monstrou o acúmulo <strong>de</strong> experiência militar e conhecimento do clima tropical para aconselhar ao<br />
seu superior como proce<strong>de</strong>r ao enfrentamento dos batavos em Pernambuco <strong>de</strong> forma eficaz.<br />
O Con<strong>de</strong> da Torre não conseguiu expulsar os holan<strong>de</strong>ses do nor<strong>de</strong>ste, na Europa, a Casa da<br />
Áustria amargava as consecutivas revoltas dos moradores <strong>de</strong> Portugal, especialmente da elite<br />
lusitana <strong>de</strong>scontente com aumentos na cobrança <strong>de</strong> impostos para custear a guerra com os Países<br />
Baixos e perdas consecutivas nas conquistas ultramarinas. A situação na Bahia também estava<br />
preocupante dado o <strong>de</strong>sgaste que a figura do monarca espanhol vinha sofrendo <strong>de</strong>vido a <strong>mais</strong><br />
taxações que recaíam sobre os fazen<strong>de</strong>iros e senhores <strong>de</strong> engenho <strong>de</strong>sta parte do Império, além das<br />
consecutivas investidas das tropas <strong>de</strong> Nassau na capitania na Bahia, seja assediando o litoral e<br />
5
apreen<strong>de</strong>ndo o conteúdo das embarcações, seja penetrando o recôncavo e queimando engenhos e<br />
canaviais.<br />
O Marquês <strong>de</strong> Montalvão foi o primeiro Vice Rei do Brasil 7 , enviado com or<strong>de</strong>ns expressas<br />
do Rei Felipe IV e seu Valido para expulsar os holan<strong>de</strong>ses <strong>de</strong> Pernambuco e reconquistar o<br />
Nor<strong>de</strong>ste. A sua chegada acontece e maio <strong>de</strong> 1640, no fim <strong>de</strong>ste mesmo ano percebe-se o final do<br />
período <strong>de</strong> hegemonia espanhola na península Ibérica e restauração do trono português à uma<br />
dinastia lusa e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da casa da Áustria. Sérgio Buarque <strong>de</strong> Hollanda explicou como se <strong>de</strong>u<br />
a recepção do Duque <strong>de</strong> Bragança na América e os posicionamentos que os mandatários providos<br />
no Brasil por outorga Filipina – o Marques <strong>de</strong> Montalvão e Salvador <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Sá – apresentaram<br />
frente à nova situação política e tais argumentos serão também estudados neste capítulo.<br />
Para além <strong>de</strong> apresentarmos a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> que o Marquês <strong>de</strong> Montalvão <strong>de</strong>monstrou na Bahia<br />
ao tomar conhecimento dos resultados do dia primeiro <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1640 e a posterior coroação<br />
<strong>de</strong> D. João IV como rei <strong>de</strong> Portugal, a participação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> entre os anos <strong>de</strong><br />
1641 e 1642 será discutida partir da trama que este se envolveu para retirar o primeiro Vice Rei do<br />
seu posto e sua posterior entrada na governança do Brasil.<br />
Apesar <strong>de</strong> separados pelo Oceano Atlântico, <strong>Lourenço</strong> e Óbidos estavam unidos em um<br />
ponto comum após 1640: ambos estavam satisfeitos com a Restauração Brigantina e <strong>de</strong> diferentes<br />
maneiras contribuíram com seus serviços aos monarcas que suce<strong>de</strong>ram o rei D. João IV. A<br />
<strong>de</strong>posição do Marquês <strong>de</strong> Montalvão e o envio do primeiro Governador Geral do Brasil nomeado<br />
pelos Bragança foi o início <strong>de</strong> uma mudança radical na vida <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong>. Ele foi acusado <strong>de</strong><br />
corrupção enquanto esteve no governo provisório do Brasil, teve or<strong>de</strong>ns para ser conduzido ao<br />
Reino e lá ficou respon<strong>de</strong>ndo residência.<br />
Mesmo após consecutivos pedidos <strong>de</strong> vista em seu processo e súplicas <strong>de</strong> perdão, <strong>Lourenço</strong><br />
permanece preso na ca<strong>de</strong>ia do Limoeiro <strong>mais</strong> <strong>de</strong> sete anos, em uma carta escrita para o Conselho<br />
Ultramarino ele relembrou a astúcia que teve ao interceptar as comunicações enviadas pelo<br />
comando castelhano em um barco <strong>de</strong> Sevilha e que provavam sua inocência e a infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
7 Vice Rei era o <strong>mais</strong> importante título que um funcionário das monarquias Ibéricas po<strong>de</strong>ria receber, constituía-se na<br />
representação direta dos Reis <strong>de</strong> Espanha e Portugal no mundo colonial ultramarino. A tradição <strong>de</strong>ste título tem raízes<br />
espanholas, o primeiro a recebê-lo foi o genovês Cristóvão Colombo pelas mãos da monarquia católica <strong>de</strong> Aragão e<br />
Castela, o primeiro Vice-reinado da Índia foi dado a D. Francisco <strong>de</strong> Almeida (1505-1509) pelas mãos do Rei Manoel I,<br />
<strong>de</strong> Portugal, o Rei Felipe III, <strong>de</strong> Espanha, nomeou a D. Jorge Mascarenhas, o Marquês <strong>de</strong> Montalvão, como primeiro<br />
Vice Rei do Estado do Brasil, exerceu este cargo no ano <strong>de</strong> 1640 até 1641 e foi <strong>de</strong>posto. A função <strong>de</strong> Vice Rei <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />
existir no reinado <strong>de</strong> D. João VI, em 1808. Ver: AZEVEDO, Antonio do Carlos Amaral. Dicionário <strong>de</strong> nomes, termos<br />
e conceitos históricos. 3ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 453. Raphael Bluteau nos diz que o Vice Rei era<br />
“o governador <strong>de</strong> hum Reyno, que manda com suprema autorida<strong>de</strong>, em nome, & em lugar do Rey”, ver: BLUTEAU, D.<br />
Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. 8. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1728, p.<br />
472.<br />
6
outros membros da família <strong>de</strong> Montalvão para com D. João IV, também explicava que as suspeitas<br />
<strong>de</strong> que ele teria roubado a fazenda real enquanto esteve no governo provisório nunca foram<br />
comprovadas e por isso pedia a restituição dos seus ofícios.<br />
No tempo em que esteve preso em Lisboa, <strong>Lourenço</strong> sofreu perdas consi<strong>de</strong>ráveis em seu<br />
patrimônio, neste período a distância da atenção <strong>de</strong> D. João IV trouxe-lhe <strong>de</strong>sgraça: seus bens foram<br />
confiscados na Bahia, seus gados e escravos leiloados e, como se não bastasse, <strong>Lourenço</strong> foi<br />
enviado <strong>de</strong> volta à Bahia na condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>gredado, por acusações formuladas por um familiar do<br />
Santo Ofício.<br />
A or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>de</strong>gredo <strong>de</strong> volta para o Brasil foi proveitosa para a carreira <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong>, nota-<br />
se sua presença na Bahia na década <strong>de</strong> 1650 e neste período ele alcançou novamente a graça régia,<br />
especialmente com o advento da Regente D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão. Pelo favor da Rainha Mãe, ele<br />
voltou à cena política e foi reintegrado à Provedoria Mor da Fazenda Real do Brasil. Para saber<br />
como <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> conseguiu alcançar outras mercês régias e reconstruir seu<br />
patrimônio dilapidado nos anos em reclusão no Reino, foi necessário estabelecer um estudo <strong>mais</strong><br />
aprofundado sobre as práticas <strong>de</strong> escrita e <strong>de</strong> leitura no século XVII e <strong>de</strong> como estas habilida<strong>de</strong>s<br />
eram por ele acionadas <strong>de</strong> diferentes maneiras para pleitear a graça régia.<br />
Antônio Manuel Hespanha, Maria <strong>de</strong> Fátima Gouvêa, Mafalda Soares da Cunha e Nuno<br />
Gonçalo Monteiro são exemplo <strong>de</strong> historiadores portugueses que na atualida<strong>de</strong> tem dado<br />
contribuições importantes para a compreensão das monarquias Ibéricas sob o olhar da política e a<br />
partir dos usos e costumes próprios das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Antigo Regime. Tais usos e costumes foram<br />
trabalhados em suas abordagens e reúnem um ponto <strong>de</strong> convergência: estes autores evi<strong>de</strong>nciam a<br />
relevância das interpretações <strong>de</strong> Marcel Mauss quanto às possibilida<strong>de</strong>s do favor benevolente dos<br />
reis para com os seus súditos. Apoiado pelas contribuições dos historiadores acima mencionados<br />
apresenta-se alguns aspectos do funcionamento <strong>de</strong>ste sistema <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> privilégios que a<br />
historiografia tem chamado <strong>de</strong> “economia do dom” ou “economia <strong>de</strong> mercê”, bem como os<br />
contornos particulares que esta característica da monarquia Brigantina ganhou na Bahia.<br />
Para concluir o <strong>de</strong>senho da trajetória <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
fazer uma análise <strong>mais</strong> pormenorizada sobre outra forma <strong>de</strong> manifestação da mercê régia e como<br />
esta era amplamente pleiteada pelos habitantes da Bahia que sabiam ler e escrever. Para além <strong>de</strong><br />
ofícios, serventias e outras posições administrativas outorgadas pelo Rei, a mercê também po<strong>de</strong>ria<br />
se manifestar na concessão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s extensões <strong>de</strong> terras.<br />
7
O monarca era senhor supremo do Brasil, não somente dos seus habitantes, mas também dos<br />
rios e riquezas minerais <strong>de</strong>scobertas ou que porventura haveria <strong>de</strong> se <strong>de</strong>scobrir. Por não po<strong>de</strong>r<br />
explorá-las apenas com os recursos do erário, o Rei disponibilizava Cartas <strong>de</strong> doação, sesmaria,<br />
forais e outros documentos que concediam ao interessado um pedaço <strong>de</strong> chão em forma <strong>de</strong> graça<br />
régia.<br />
Os trabalhos <strong>de</strong> Kátia Mattoso, Ciro Flamarion Cardoso, Erivaldo Fagun<strong>de</strong>s Neves e<br />
Felisbello Freire foram essenciais para conhecer alguns aspectos do sistema <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> terras<br />
engendrado na Bahia Colonial. O fidalgo <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> era her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
proprieda<strong>de</strong>s adquiridas pelos seus antepassados, verificamos que ele continuou a ampliar o seu<br />
patrimônio fundiário e pleiteou alguns lugares na região do recôncavo da Bahia e às margens do Rio<br />
Paraguaçu. Analisaremos seu interesse por sesmarias e seu pedido <strong>de</strong> fundar uma vila às suas<br />
expensas nestas férteis paragens, obtendo a jurisdição civil e criminal.<br />
Em 1663, <strong>Lourenço</strong> estava à beira dos setenta anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e apresentava-se como bem<br />
sucedido homem <strong>de</strong> negócios, Cavaleiro da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo, confra<strong>de</strong> maior da Irmanda<strong>de</strong> da<br />
Misericórdia da Bahia, Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil por graça da Rainha Regente e<br />
Chanceler da Relação da Bahia, ou seja, <strong>Lourenço</strong> fazia parte do seleto grupo <strong>de</strong> homens que<br />
<strong>de</strong>cidiam os rumos da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador e que outrora estavam submissos à D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão.<br />
Todavia, os ecos do “golpe <strong>de</strong> Alcântara” e ascensão <strong>de</strong> D. Afonso VI no trono <strong>de</strong> Portugal fazia-se<br />
ouvir na América. Com o advento <strong>de</strong>ste novo soberano, a vida <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> passou por <strong>mais</strong> uma<br />
mudança, <strong>de</strong>sta vez <strong>de</strong>finitiva.<br />
O segundo capítulo vai tratar da experiência política <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas e para<br />
conhecer com <strong>mais</strong> profundida<strong>de</strong> a vida <strong>de</strong>ste homem foi necessário recorrer a outro universo <strong>de</strong><br />
informação e, consequentemente, uma nova experiência <strong>de</strong> pesquisa. Trata-se <strong>de</strong> um nobre oriundo<br />
<strong>de</strong> uma família vinculada às dinastias Ibéricas e her<strong>de</strong>iro das honras adquiridas por seu pai. O<br />
instrumental da genealogia e da heráldica foram acessados para conhecer os títulos e privilégios<br />
adquiridos por este membro da família Mascarenhas, também foi preciso recorrer a cronistas da<br />
Restauração <strong>de</strong> Portugal que registraram seu protagonismo político e serviços que prestou para os<br />
Bragança até o final da sua vida.<br />
A pesquisa <strong>de</strong>u acesso às experiências <strong>de</strong> governança que D. Vasco Mascarenhas teve na<br />
Europa, América e Índia. Esteve em posição <strong>de</strong> comandante nas trincheiras montadas em Flandres e<br />
mostrou-se um habilidoso combatente nos Terços <strong>de</strong> Infantaria espanhóis. A primeira ativida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ste nobre na América está associada a um pedido particular, feito pelo Governador Geral Diogo<br />
Luis <strong>de</strong> Oliveira. Necessitado <strong>de</strong> militares habilidosos e conhecedores do modo <strong>de</strong> combate batavo,<br />
8
o Governador Geral amargava perdas no exército e pouco tempo disponível para inspecionar as<br />
tropas e guarnições espalhadas pelo Brasil e via na figura <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas um auxiliar<br />
eficaz.<br />
Uma das primeiras constatações que D. Vasco Mascarenhas teve ao se <strong>de</strong>parar com a luta<br />
para reconquista do Nor<strong>de</strong>ste sitiado pelos holan<strong>de</strong>ses era a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptar os<br />
conhecimentos adquiridos em Flandres à realida<strong>de</strong> do clima e da topografia do Brasil. Apren<strong>de</strong>r e<br />
ensinar foram ativida<strong>de</strong>s que estiveram sempre presentes neste período em que serviu como auxiliar<br />
do Governador, o posto que ocupava permitia-lhe visitar as vilas e cida<strong>de</strong>s do Brasil, verificar as<br />
condições das fortalezas existentes, inventariar o aparelho bélico da Colônia, bem como fazer um<br />
levantamento quantitativo e qualitativo do efetivo militar que estava presente no Brasil nesta<br />
ocasião.<br />
A volta <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas para Madri no ano <strong>de</strong> 1636 coinci<strong>de</strong> com seu primeiro<br />
matrimônio e com a outorga do título <strong>de</strong> Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, esta titulação nobiliárquica <strong>de</strong>monstra<br />
que apesar <strong>de</strong> ter origem portuguesa, Óbidos manteve fortes vínculos com a dinastia Filipina. O Rei<br />
Felipe IV e seu valido continuaram a solicitar os serviços militares <strong>de</strong> Óbidos e <strong>de</strong>vido à<br />
experiência acumulada na América, vemos que o Brasil estava <strong>mais</strong> uma vez no seu itinerário <strong>de</strong><br />
serviços. Ele foi um dos generais que acompanhou o Con<strong>de</strong> da Torre em uma nova armada <strong>de</strong><br />
socorro organizada para expulsar os holan<strong>de</strong>ses do Brasil, nesta segunda passagem pela Bahia,<br />
assumiu o posto <strong>de</strong> General <strong>de</strong> Artilharia, cargo bastante apropriado para um nobre com sua<br />
carreira, pois era conhecedor do armamento e efetivo militar presente no Brasil.<br />
A relação estabelecida entre o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e o Con<strong>de</strong> da Torre, seu superior<br />
hierárquico, foi objeto <strong>de</strong> atenção neste capítulo. Notamos que em um primeiro momento o Con<strong>de</strong><br />
da Torre elogiava os serviços <strong>de</strong> Óbidos e chegou a entregar-lhe o governo do Brasil enquanto<br />
estava na guerra, todavia, em março <strong>de</strong> 1640, o relacionamento entre estes dois generais não <strong>mais</strong><br />
existia.<br />
A documentação arrolada aponta que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos não presenciou o fim do governo<br />
do Con<strong>de</strong> da Torre, nem a chegada do Marquês <strong>de</strong> Montalvão em maio <strong>de</strong> 1640. Ele evadiu-se do<br />
seu posto sem dar satisfação alguma ao seu superior e retornou à Lisboa em março <strong>de</strong>ste ano<br />
motivado por “pretensões particulares.” Tais pretensões guardam bastante proximida<strong>de</strong> com os<br />
ventos <strong>de</strong> Restauração, Óbidos estava inserido na teia <strong>de</strong> relações engendradas pelos nobres <strong>de</strong><br />
Portugal interessados em coroar o oitavo Duque <strong>de</strong> Bragança e restabelecer o reinado <strong>de</strong> monarcas<br />
<strong>de</strong> sangue luso, após sessenta anos <strong>de</strong> hegemonia da casa da Áustria.<br />
9
A fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos ao projeto político <strong>de</strong> D. João IV é vista <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />
primeiros momentos da aclamação e nos anos que seguem este reinado, contudo, não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> vista outro aspecto que vinculava Óbidos com a casa Brigantina: D. Vasco Mascarenhas era<br />
parente do Rei por via materna e tal proximida<strong>de</strong> foi reconhecida em cartas escritas pelos Reis <strong>de</strong><br />
Portugal que o chamavam <strong>de</strong> “con<strong>de</strong> parente” e “muy amado sobrinho”.<br />
As ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste nobre <strong>de</strong>ntro da estrutura política que se <strong>de</strong>lineava em Portugal e suas<br />
conquistas foram notadas a partir das funções que exerceu durante o período Brigantino. Em 1640<br />
o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos fazia parte do seleto grupo <strong>de</strong> militares e experientes combatentes do Reino e do<br />
Ultramar que compunham o Conselho <strong>de</strong> Guerra, sínodo estratégico para a condução da resistência<br />
portuguesa contra os ataques espanhóis e manutenção das conquistas portuguesas espalhadas pelo<br />
globo.<br />
Dando prosseguimento a investigação da trajetória política <strong>de</strong> Óbidos e cargos <strong>de</strong> governo<br />
que exerceu fora <strong>de</strong> Portugal, também abordarei a primeira e curta oportunida<strong>de</strong> que ele teve <strong>de</strong><br />
ostentar o título <strong>de</strong> Vice Rei da Índia. Os problemas que enfrentou naquela praça estão diretamente<br />
ligados ao seu <strong>de</strong>sacordo com a elite local, apresentarei neste capítulo os motivos que levaram a sua<br />
expulsão da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goa e usurpação do cargo tomando por base os relatos <strong>de</strong> historiadores do<br />
Oriente Português e uma bibliografia interessada nas revoltas que se iniciaram em 1640 e<br />
estouraram no ultramar português até 1680. Ser expulso da Índia serviu <strong>de</strong> lição para D. Vasco<br />
Mascarenhas e a partir <strong>de</strong>ste episódio seu estilo <strong>de</strong> tratamento para com adversários políticos foi<br />
<strong>mais</strong> incisivo, como veremos no terceiro capítulo.<br />
Óbidos foi retirado das funções que cumpria na Índia em 1653 e chegou ao Reino neste<br />
mesmo ano. Encontrou um Portugal abalado pela morte <strong>de</strong> D. Teodósio, três anos <strong>de</strong>pois, ele<br />
acompanhou a cerimônia <strong>de</strong> exéquias <strong>de</strong> D. João IV em 1656. O clima <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> no Reino só<br />
pô<strong>de</strong> ser superado com a Regência da Rainha D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão, Óbidos acompanhou todo este<br />
período e viu as medidas que a Rainha tomou para não per<strong>de</strong>r os territórios conquistados pelo seu<br />
marido e preocupações que <strong>de</strong>monstrava para com a educação do seu filho D. Afonso, segundo na<br />
ca<strong>de</strong>ia sucessória.<br />
Ao aprofundar os estudos realizados sobre a ascensão <strong>de</strong> D. Afonso VI pu<strong>de</strong> alcançar as<br />
relações que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos tinha com aqueles que apostavam na maiorida<strong>de</strong> do Infante e suas<br />
condições <strong>de</strong> assumir o reino. Um estudo <strong>de</strong>talhado das conexões existentes entre o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Óbidos, o Rei D. Afonso VI e o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor, titulado Escrivão da Purida<strong>de</strong>, serão<br />
objeto <strong>de</strong> atenção ao fim <strong>de</strong>ste segundo capítulo.<br />
10
Duas décadas após a Restauração Brigantina, algumas práticas do período Filipino foram<br />
novamente introduzidas com o advento <strong>de</strong> D. Afonso VI: o primeiro exemplo <strong>de</strong>sta alteração foi o<br />
reaparecimento da tradição do “valimiento” ou “privança” e os gran<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>res que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Castelo Melhor obteve como “Escrivão da Purida<strong>de</strong>”, o segundo exemplo encontra-se na nomeação<br />
do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos como segundo Vice Rei do Brasil, cargo extraordinário, repleto <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios e<br />
com uma forte carga simbólica naquele tempo.<br />
O terceiro e último capítulo <strong>de</strong>sta dissertação abordará alguns aspectos políticos do segundo<br />
vice-reinado do Brasil (1663-1667). O enfoque <strong>de</strong> análise será a relação conflituosa estabelecida<br />
entre alguns funcionários da administração portuguesa instalados na Bahia e o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos.<br />
Acompanharemos o <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong> manifestações <strong>de</strong> oposição ao modo <strong>de</strong> governo do vice-rei, seja<br />
por via <strong>de</strong> consecutivas missivas criticando suas ações perante o Conselho Ultramarino, seja por via<br />
<strong>de</strong> uma articulação em que o fidalgo <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> era suspeito <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rar.<br />
Após uma breve comparação entre as trajetórias <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> e Óbidos e os serviços que<br />
ambos prestaram até o ano <strong>de</strong> 1663, entraremos novamente na discussão sobre o reaparecimento do<br />
título <strong>de</strong> vice-rei do Brasil com auxílio dos estudos sobre “Vice Reinados <strong>de</strong> Príncipes no Portugal<br />
dos Filipes” feitos por Fernando Bouza Alvares. Tal esforço foi necessário para melhor aprofundar o<br />
conteúdo simbólico <strong>de</strong>sta titulação, especialmente no reinado <strong>de</strong> D. Afonso VI e explicar os<br />
<strong>de</strong>safios que estavam por traz da vinda <strong>de</strong> um vice-rei para a América.<br />
A recepção do segundo vice-rei entre as autorida<strong>de</strong>s da Bahia e a situação da administração<br />
colonial revela um terreno <strong>de</strong> disputa e guardam estreitas relações com a conjuntura política<br />
vivenciada em Portugal após a saída <strong>de</strong> D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão da Regência. O projeto político <strong>de</strong> D.<br />
Afonso VI e seu Valido era estabelecer uma verda<strong>de</strong>ira reforma no fazer administrativo da Colônia<br />
do Brasil e esta tarefa estava <strong>de</strong>legada ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, ele representava a pessoa <strong>de</strong> “El Rei” e<br />
em seu nome efetuou mudanças radicais que trouxeram <strong>de</strong>sagrado à elite da Bahia e conflitos<br />
posteriores.<br />
Entre repressão do crescimento <strong>de</strong> quilombos nas partes do recôncavo, reformas na<br />
estrutura dos prédios públicos <strong>de</strong> Salvador, alterações no cunho, valor e forma <strong>de</strong> distribuição da<br />
moeda entre as Capitanias do Brasil, a gestão <strong>de</strong> Óbidos é caracterizada pelo seu interesse em por<br />
fim a conflitos <strong>de</strong> jurisdição e normatizar as práticas administrativas do Brasil colonial. Ele<br />
produziu um Regimento e mandou que todos os seus subordinados aplicassem em suas Capitanias,<br />
os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>ste conjunto <strong>de</strong> normas e a tentativa <strong>de</strong> Óbidos centralizar as <strong>de</strong>cisões do Brasil serão<br />
estudados neste capítulo.<br />
11
O Con<strong>de</strong> Vice Rei tratou <strong>de</strong> garantir a sua governabilida<strong>de</strong> e tentou adquirir do Rei todas as<br />
preeminências que o Marquês <strong>de</strong> Montalvão e outros Governadores Gerais do Brasil tiveram, em<br />
contrapartida, o Conselho Ultramarino <strong>de</strong>marcava posição e lançava consecutivos pareceres ao Rei<br />
e ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor informando as pretensões <strong>de</strong>scabidas que Óbidos tentava adquirir,<br />
em especial o interesse <strong>de</strong> interferir no tradicional sistema <strong>de</strong> concessão da graça régia.<br />
Assim como Óbidos formulou um conjunto <strong>de</strong> normas para serem cumpridas, ele também<br />
<strong>de</strong>veria seguir as regras que limitava o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> seu vargo. Um estudo <strong>de</strong>talhado do seu Regimento<br />
e as alegações que Óbidos fez para concessão dos mesmos direitos que tiveram seus antecessores<br />
elucida como o resgate do vice-reinado do Brasil entrava em rota <strong>de</strong> colisão com as tradições <strong>de</strong><br />
governo Brigantino, principalmente quando enfocamos nossa análise nos pareceres emitidos pelo<br />
Conselho Ultramarino <strong>de</strong>ste período. Se a justiça <strong>de</strong> Portugal obstruía as pretensões <strong>de</strong> Óbidos, a<br />
justiça do Brasil também fazia a sua parte.<br />
O Regimento dado ao Con<strong>de</strong> vice-rei garantia que ele estava autorizado a prover pessoas<br />
em cargos militares, políticos e jurídicos em vacância no Brasil, até que chegasse confirmação régia<br />
acerca do titular proprietário do posto ou pessoa indicada por ele para assumir a função. Saliente-se<br />
que tais serventias régias eram oriundas <strong>de</strong> mercês remuneratórias e para recebê-las era necessário<br />
um amplo sistema <strong>de</strong> averiguação dos papéis que legitimavam o proprietário e gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>stas<br />
inspeções eram feitas na Bahia pelos funcionários régios erradicados neste local.<br />
Contudo, o vice-rei interferia na lógica <strong>de</strong> provimento dos cargos vagos quando nomeava<br />
pessoas <strong>de</strong> seu círculo social em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outras, estas atitu<strong>de</strong>s motivaram sérios<br />
constrangimentos para com alguns magistrados da Relação da Bahia que não temiam escrever ao<br />
Rei e ao Conselho Ultramarino queixas sobre o comportamento político pouco respeitoso do<br />
segundo vice-rei: ele quebrava o protocolo <strong>de</strong> conduta que rezava seu Regimento, ameaçava seus<br />
inimigos <strong>de</strong> prisão, <strong>de</strong>ntre outros expedientes rigorosos.<br />
Membros da Relação da Bahia e o Secretário <strong>de</strong> Estado Bernardo Vieira Ravasco<br />
<strong>de</strong>nunciaram as ameaças que vinham sofrendo por criticar as pretensões <strong>de</strong> Óbidos, as justificativas<br />
dos opositores <strong>de</strong>monstram o contexto histórico em que o segundo vice-reinado do Brasil se inseria<br />
e as impossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se outorgar os mesmos privilégios que teve o Marquês <strong>de</strong> Montalvão no<br />
período Filipino.<br />
A pesquisa possibilitou-me investigar as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> que Óbidos usava violentos<br />
expedientes para neutralizar seus inimigos na Bahia, sua trajetória política <strong>de</strong>monstra que ele teve<br />
alguns <strong>de</strong>sentendimentos com autorida<strong>de</strong>s ultramarinas subordinadas ao seu comando as quais<br />
12
<strong>de</strong>veria <strong>de</strong>monstrar apreço e afabilida<strong>de</strong>. Se o temperamento político <strong>de</strong> Óbidos <strong>de</strong>monstrou-se<br />
pouco eficaz em sua primeira experiência como vice-rei da Índia, na América suas atitu<strong>de</strong>s tomaram<br />
outro contorno e serão objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>ste capítulo.<br />
Os motivos para a prisão e envio <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, seu filho e outros três<br />
Capitães <strong>de</strong> Infantaria para a prisão do Limoeiro serão apresentados ao final <strong>de</strong>sta dissertação,<br />
entraremos no universo vocabular daqueles que experimentaram o século XVII para conhecer o<br />
significado <strong>de</strong> expressões que não <strong>mais</strong> se utilizam no vocabulário hodierno, mas faziam gran<strong>de</strong><br />
sentido no século XVII tais como: ranchos, bandorias, capitulações e pasquins. Estes vocábulos<br />
remetem a uma situação política tensa pois a habilida<strong>de</strong> da escrita adicionada a contatos políticos<br />
engendrados por autorida<strong>de</strong>s da Bahia po<strong>de</strong>riam novamente <strong>de</strong>struir a imagem do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos<br />
como vice-rei e expulsá-lo do cargo.<br />
Apesar <strong>de</strong> ter expulsado seus principais opositores do Brasil e continuar governando, Óbidos<br />
teve que enfrentar outros <strong>de</strong>safios, os dois últimos anos <strong>de</strong> sua gestão é marcado pela passagem <strong>de</strong><br />
um cometa, fenômenos extraordinários e uma epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> bexiga que assolou a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador<br />
e o recôncavo. A riqueza <strong>de</strong>ste período e o protagonismo <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e do Con<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Óbidos serão analisados nas páginas seguintes e este esforço preten<strong>de</strong> fornecer <strong>mais</strong> subsídios<br />
para compreen<strong>de</strong>r a cultura política engendrada na Bahia Seiscentista e as disputas <strong>de</strong>ste tempo.<br />
Fontes<br />
Para atingir os objetivos <strong>de</strong>ste trabalho foi necessário recorrer a um corpo documental<br />
diverso e heterogêneo, traçar a trajetória <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e a teia <strong>de</strong> relações que ele<br />
constituiu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador só foi possível após uma criteriosa análise da obra do Frei Antonio<br />
Santa Maria Jaboatão, seu Catálogo Genealógico das principais Famílias que proce<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
Albuquerques e Cavalcantis em Pernambuco e Caramurus na Bahia é uma referência para o estudo<br />
da socieda<strong>de</strong> colonial em formação e foi a partir <strong>de</strong>ste documento que pu<strong>de</strong> obter informações<br />
essenciais sobre a vida e a <strong>de</strong>scendência <strong>de</strong>ste fidalgo nascido na Bahia.<br />
A <strong>de</strong>núncia feita por <strong>Lourenço</strong> por ocasião da Visitação do Santo Ofício na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Salvador da baia <strong>de</strong> Todos os Santos, do Estado do Brasil, em 1619, foi uma meio <strong>de</strong> obter<br />
comprovação das informações dadas por Jaboatão como também alcançar alguns aspectos preciosos<br />
acerca da mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste homem da Bahia Seiscentista, assuntos <strong>de</strong> fé e moral sexual são<br />
levantados nesta <strong>de</strong>núncia e problematizados nesta dissertação. Os documentos manuscritos<br />
custodiados na Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia da Bahia também foram acessados e receberam um<br />
13
tratamento específico, neles encontramos outras informações sobre <strong>Lourenço</strong> como doações feitas à<br />
irmanda<strong>de</strong> e sua posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na hierarquia <strong>de</strong>sta confraria.<br />
Obras como História Trágico-Marítima, <strong>de</strong> Bernardo Gomes <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> (1688-1759); Nova<br />
Lusitânia ou História da Guerra Brazílica, <strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> Freyre ( 1675); o Castrioto<br />
Lusitano ou História da guerra entre Brasil e a Hollanda durante os annos <strong>de</strong> 1624 a 1654, <strong>de</strong><br />
Raphael <strong>de</strong> Jesus e a História da América Portuguesa, <strong>de</strong> Sebastião da Rocha Pita, foram trabalhos<br />
produzidos no século XVII que forneceram informações fundamentais para conhecer o<br />
protagonismo <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> durante as guerras <strong>de</strong> reconquista do Nor<strong>de</strong>ste do Brasil,<br />
nestas obras encontrei registros <strong>de</strong> suas patentes militares e o roteiro <strong>de</strong> batalhas que travou, mas<br />
também percebi as relações políticas que este fidalgo construiu após o período <strong>de</strong> “guerra viva”<br />
contra a Holanda, seja na Bahia, seja no Reino.<br />
Frei Vicente do Salvador, Ignácio Accioli <strong>de</strong> Cerqueira e Silva, Fracisco Adolfo <strong>de</strong><br />
Varnhagen e Robert Southey são outros estudiosos que também registraram a presença <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> na Bahia e <strong>de</strong>ram especial atenção à sua integração na Junta <strong>de</strong> Governo entre os<br />
anos <strong>de</strong> 1641 e 1642. O trabalho <strong>de</strong> Afonso Costa publicado na Revista do Instituto Histórico<br />
Geográfico do Brasil merece um <strong>de</strong>staque entre as fontes consultadas, este autor foi um dos<br />
primeiros a <strong>de</strong>dicar atenção especial à vida <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e sua trajetória política.<br />
No trabalho intitulado “Baianos <strong>de</strong> antanho (biografias)”, Costa também recorreu ao<br />
trabalho <strong>de</strong> genealogia feito por Jaboatão para elucidar a vinculação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> à família<br />
Caramuru, o autor enriqueceu seu estudo recorrendo a outros fundos documentais e apresentou a<br />
integração política <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> no Brasil à luz <strong>de</strong> informações acessadas na Bahia e em Portugal.<br />
Contudo, este trabalho <strong>de</strong>ve ser lido à luz do seu tempo, Afonso Costa apresentou uma visão<br />
negativa e bastante parcial acerca <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> e da sua carreira como funcionário régio. Apesar <strong>de</strong><br />
ter sido generoso ao ilustrar <strong>de</strong>talhes da presença e protagonismo <strong>de</strong>ste fidalgo no Brasil e no Reino,<br />
o autor omitiu a origem <strong>de</strong> algumas das informações sobre <strong>Lourenço</strong> e não fez referencia a outros<br />
aspectos da sua vida que tivemos acesso no <strong>de</strong>correr da pesquisa.<br />
Por fim, o trabalho <strong>de</strong> Felisbello Freire <strong>de</strong>ve ser ressaltado, a partir <strong>de</strong>le tive <strong>mais</strong><br />
informações sobre o fazen<strong>de</strong>iro <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e das terras que acumulou na Bahia por<br />
via da mercê régia, também pu<strong>de</strong> conhecer um pouco <strong>mais</strong> do universo jurídico da época e o<br />
interesse que <strong>Lourenço</strong> tinha pelas partes do recôncavo da Bahia banhadas pelo Rio Paraguaçu.<br />
Para alcançar a vida e a carreira política <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas no Reino e no Ultramar<br />
foi preciso recorrer ao mesmo instrumental da genealogia, contudo, <strong>de</strong>parei-me com um corpo<br />
14
documental maior e <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhado que só foi possível compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> conversas com<br />
especialistas e historiadores do século XVII. As obras do Padre Antonio Carvalho da Costa (1712),<br />
<strong>de</strong> Antonio Caetano <strong>de</strong> Sousa (1742-1745) e Felgueiras Gayo (1941) são trabalhos respeitados e que<br />
fundamentaram a pesquisa sobre a origem dos Mascarenhas, especialmente o protagonismo do<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos nesta família.<br />
Os trabalhos sobre a História <strong>de</strong> Portugal no pós-Restauração também evi<strong>de</strong>nciaram a<br />
participação do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos em cargos <strong>de</strong> comando <strong>de</strong>ntro e fora do Reino: D. José Barbosa<br />
(1727); João <strong>de</strong> Barros (1781) e Francisco Maria Bordalo (1862) são autores que registraram os<br />
serviços prestados pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos na Europa, na Ásia e na América ao longo do século<br />
XVII, especialmente os cargos <strong>de</strong> comando que ocupou nestas ocasiões. Outros trabalhos sobre a<br />
História <strong>de</strong> Portugal salientam a vinculação <strong>de</strong> Óbidos com a Casa Real Brigantina a exemplo do<br />
Con<strong>de</strong> da Ericeira e das Cartas do primeiro Con<strong>de</strong> da Torre, nestes trabalhos percebe-se o jogo<br />
político em que Óbidos estava envolvido e suas vinculações políticas em diferentes ocasiões.<br />
Para concluir esta apresentação geral das fontes arroladas nesta pesquisa, faz-se necessário<br />
mencionar os documentos digitalizados do Arquivo Histórico Ultramarino, constantes no catálogo<br />
Luísa da Fonseca e dispostos nos CD-ROM do Projeto Resgate. Os documentos respeitantes às<br />
capitanias do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Paraíba, Pernambuco e Bahia foram consultados e estas fontes<br />
subsidiaram o terceiro capítulo <strong>de</strong>sta dissertação, para isso foi necessário conhecer aspectos da<br />
escrita e da leitura no século XVII a partir do instrumental da paleografia e da diplomática, também<br />
utilizei a coleção <strong>de</strong> Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio <strong>de</strong> Janeiro e o trabalho<br />
<strong>de</strong> Marcos Carneiro <strong>de</strong> Mendonça intitulado “Raízes da Formação Administrativa do Brasil” para<br />
fundamentar as discussões sobre o modo <strong>de</strong> governo do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos no Brasil e a legislação<br />
que respaldava sua conduta, bem como conhecer <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes dos seus <strong>de</strong>sentendimentos com a<br />
elite erradicada na Bahia.<br />
15
CAPÍTULO I<br />
1- <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>: um her<strong>de</strong>iro do Caramuru<br />
[...]Aos sete dias do mês <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1619 annos, em a Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador da Bahya <strong>de</strong><br />
Todos os Santos, nas moradas do Inquisidor Marcos Teixeira, em audiencia da tar<strong>de</strong>,<br />
perante elle apareceu, sendo chamado, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, christão velho, solteiro,<br />
<strong>de</strong> yda<strong>de</strong> <strong>de</strong> vinte e oito annos, pouco <strong>mais</strong> ou menos, natural <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, filho <strong>de</strong><br />
Sebastião <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e sua molher Maria <strong>de</strong> Figueiredo, já <strong>de</strong>functos, todos christãos<br />
velhos. 8<br />
O presente capítulo é <strong>de</strong>dicado à trajetória política <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, um homem<br />
nascido em Salvador e bisneto da índia Paraguaçu e Diogo Alvares, o Caramuru. Não foi tarefa<br />
fácil conhecer a vida <strong>de</strong>ste homem e seguir os passos que ele percorreu no Brasil e em Portugal,<br />
apesar do seu nome constar em muitas fontes do século XVII, a documentação encontrava-se<br />
dispersa em muitos fundos arquivísticos e boa parte <strong>de</strong>la sem transcrição paleográfica a<strong>de</strong>quada.<br />
O prazeroso trabalho <strong>de</strong> leitura das fontes e diálogo constante com uma historiografia<br />
interessada nos conflitos que permeavam o universo político da Bahia do século XVII possibilitou-<br />
me aprofundar alguns <strong>de</strong>talhes do cotidiano compartilhado por este proprietário <strong>de</strong> terras e escravos<br />
da Bahia que, por <strong>de</strong>savenças políticas, cruzou o Atlântico algumas vezes e viu a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa<br />
pelas gra<strong>de</strong>s da prisão do Limoeiro. Foi nesta ca<strong>de</strong>ia o lugar on<strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> morreu, no ano <strong>de</strong><br />
1665, já septuagenário e apenas com seu filho <strong>mais</strong> velho a velar seu cadáver.<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> foi objeto <strong>de</strong> alguns estudos da historiografia baiana, Pedro<br />
Calmon e Afonso Costa foram os primeiros a apresentar uma investigação consistente sobre a sua<br />
origem familiar e ativida<strong>de</strong>s políticas que exerceu na Bahia Seiscentista, tais autores tornaram-se<br />
fundamentais para levar à cabo esta pesquisa, eles ilustram o contexto político da época e indicam<br />
fontes e bibliografias que permitiu-me <strong>de</strong>senhar o itinerário que <strong>Lourenço</strong> percorreu e ativida<strong>de</strong>s<br />
que exerceu ao longo da sua carreira na Bahia.<br />
A teia <strong>de</strong> relações em que este fidalgo 9 estava envolvido permitiu também perceber os<br />
posicionamentos que ele manifestou em diferentes conjunturas políticas, bem como as posses<br />
acumuladas e cargos <strong>de</strong> comando que exerceu ao longo da sua vida. Assim, consegui reunir<br />
subsídios suficientes para vislumbrar o contexto político vivenciado na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, na<br />
década <strong>de</strong> 1660 e localizar a participação <strong>de</strong>ste homem num suposto motim por ele li<strong>de</strong>rado com<br />
8 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Portugal (PT) – Torre do Tombo (TT) - Tribunal do Santo Ofício (TSO)<br />
– Inquisição <strong>de</strong> Lisboa (IL) / 038/0784. "LIVRO [2.º?] DAS DENUNCIAÇÕES QUE SE FIZERAM NA VISITAÇÃO<br />
DO SANTO OFÍCIO NA CIDADE DO SALVADOR DA BAÍA DE TODOS OS SANTOS, DO ESTADO DO<br />
BRASIL". disponível em: http://digitarq.dgarq.gov.pt/<strong>de</strong>tails?id=2318687<br />
9 Filho, & <strong>de</strong> Algo, palavra castelhana, que em Portuguez significa alguma cousa. Ao homem cavalheiro <strong>de</strong>use este<br />
nome, para se dar a enten<strong>de</strong>r, que seus pays tem herdado Algo, ou alguma cousa, <strong>de</strong> que se pó<strong>de</strong> prezar, como nobreza<br />
<strong>de</strong> sangue, ou rendas, & fazenda consi<strong>de</strong>rável, porque Algo também significa cousa <strong>de</strong> valor. Ver: op. cit. BLUTEAU,<br />
D. Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. 4. 1728. p.107.<br />
16
vistas a expulsar o segundo Vice Rei do Brasil do seu cargo.<br />
A transcrição que consta na epígrafe <strong>de</strong>ste capítulo é o trecho <strong>de</strong> um documento produzido<br />
pelo Santo Ofício da Inquisição quando da sua segunda passagem pelo Brasil, este registro<br />
evi<strong>de</strong>ncia informações sobre os dados pessoais <strong>de</strong>ste homem. Em 1619, <strong>Lourenço</strong> dizia ter [...]<br />
yda<strong>de</strong> <strong>de</strong> 28 anos, pouco <strong>mais</strong> ou menos, portanto, é provável que ele tenha nascido por volta <strong>de</strong><br />
1590, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador. O trecho também <strong>de</strong>staca que ele pertencia a uma família importante e<br />
seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes eram auxiliares do projeto <strong>de</strong> conquista e colonização do território da Bahia,<br />
iniciado pelo Reino <strong>de</strong> Portugal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI.<br />
Antes <strong>de</strong> aprofundar <strong>mais</strong> sobre esta <strong>de</strong>núncia, é preciso ressaltar que o fidalgo <strong>Lourenço</strong><br />
teve o privilégio <strong>de</strong> nascer numa família proprietária <strong>de</strong> terras, cargos administrativos e militares:<br />
Sebastião <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> 10 , seu pai, ajudou a construir o Forte <strong>de</strong> Santo Antônio, atesta esta<br />
informação uma carta patente que lhe <strong>de</strong>u o posto <strong>de</strong> Capitão, escrita em 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1598.<br />
Sebastião casou com uma das mulheres <strong>mais</strong> cobiçadas da Capitania da Bahia, seu nome era Maria<br />
<strong>de</strong> Figueiredo Mascarenhas, neta <strong>de</strong> Catarina e Diogo Álvares, o Caramuru. 11<br />
É provável que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> tenha sido batizado na ermida que a sua bisavó<br />
mandou construir em louvor a Nossa Senhora da Graça, posteriormente doada ao Mosteiro <strong>de</strong> São<br />
Bento da Bahia. A mãe <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> morreu no dia 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1602 e Sebastião <strong>de</strong> <strong>Brito</strong><br />
<strong>Correa</strong> faleceu em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1608.<br />
Apesar <strong>de</strong> ter ficado órfão aos <strong>de</strong>z anos, o menino <strong>Lourenço</strong> foi acolhido por suas irmãs<br />
<strong>mais</strong> velhas, Apolônia <strong>de</strong> Siqueira <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> e Felipa <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>. Era o primeiro varão que nasceu<br />
naquela família e por isso her<strong>de</strong>iro legítimo das mercês régias e proprieda<strong>de</strong>s adquiridas por seu pai<br />
e sua mãe, <strong>Lourenço</strong> tinha <strong>mais</strong> dois irmãos caçulas: Joana <strong>Correa</strong>, que com ele adquiriu muitas<br />
terras na Bahia e João <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, seu parceiro <strong>de</strong> batalhas e negócios, todos nascidos em<br />
Salvador. 12<br />
O Frei Santa Maria <strong>de</strong> Jaboatão mencionou uma compra feita no ano <strong>de</strong> 1603 <strong>de</strong> [...]<br />
fazendas <strong>de</strong> cana ligadas ao engenho do Con<strong>de</strong>, pagas por Sebastião <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>. 13 A<br />
transmissão <strong>de</strong>stes domínios fora dada em benefício <strong>de</strong> seu primeiro filho, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong><br />
10<br />
CALMON, Pedro. Introdução ao Catálogo genealógico <strong>de</strong> famílias ilustres da Bahia, por Frei Santa Maria<br />
Jaboatão, Bahia: EGBA, 1985, p.235.<br />
11<br />
Para <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes sobre as diferentes abordagens acerca da primeira família do Brasil e os pormenores da vida <strong>de</strong><br />
Catarina Paraguaçu e Diogo Alvares ver: PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. “A visão Indígena e Portuguesa da<br />
<strong>de</strong>scoberta do Brasil: a formação da 1ª família brasileira.” In: Revista da Fundação Pedro Calmon. Salvador: Centro<br />
<strong>de</strong> Memória da Bahia. Volume 5,2000. p.79-96.<br />
12<br />
Os <strong>de</strong>talhes da genealogia <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, bem como alguns <strong>de</strong>talhes da sua trajetória política foram<br />
tratados em um texto apresentado em 1952 por Afonso Costa por ocasião do 2º Congresso <strong>de</strong> História da Bahia. Com<br />
base em suas informações temos conhecido <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes da biografia <strong>de</strong>ste baiano. Ver: COSTA, Afonso. “Baianos <strong>de</strong><br />
Antanho (Biografias).” In: RIHGB, vol. I, 1955, p.303-310.<br />
13<br />
Op. Cit. CALMON, Pedro. 1985, p. 235. Ver também: Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro (DHBNRJ), v. 62, p.291.<br />
17
<strong>Correa</strong>, saliente-se que a região do “engenho do Con<strong>de</strong>” situava-se no fértil recôncavo da Bahia 14 ,<br />
local <strong>de</strong> terra massapê e banhado pelo Rio Paraguaçú. Sua família era uma antiga proprietária <strong>de</strong><br />
terras e escravos neste pólo estratégico <strong>de</strong> produção da cana-<strong>de</strong>-açúcar e seus subprodutos,<br />
cultivados em imensas proprieda<strong>de</strong>s e vendidos ao mercado europeu.<br />
Estas fazendas <strong>de</strong> cana registradas por Jaboatão não foram as únicas posses que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> legou <strong>de</strong> seus antepassados, a <strong>mais</strong> emblemática proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste fidalgo encontra-se<br />
registrada em um documento custodiado pelo Mosteiro <strong>de</strong> São Bento da Bahia. O manuscrito atesta<br />
o traslado da carta <strong>de</strong> sesmaria, concedida por mercê régia a Diogo Álvares, [...] avô <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, <strong>de</strong> terras circunvizinhas à ermida da Senhora da Graça, que <strong>de</strong>ixou este ao<br />
convento com a dita ermida. 15 a data referenciada por Jaboatão foi 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1636.<br />
O próprio <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> <strong>de</strong>clarava-se:<br />
[...] fidalgo da casa <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong>, que é verda<strong>de</strong> que por esta doação entre vivos, pela<br />
<strong>de</strong>voção que tenho a virgem Nossa Senhora da Graça, como meus <strong>mais</strong> bisavós e avós e<br />
pais tiveram sempre à dita Senhora, on<strong>de</strong> está enterrada minha bisavó na mesma capela a<br />
qual dôo (...) conforme as cartas <strong>de</strong> sesmaria que meu avô o Senhor Diogo Alvares e minha<br />
bisavó Catarina Alvares houveram <strong>de</strong> sesmaria dos governadores. 16<br />
Afonso Costa apresentou uma data anterior a que Jaboatão fez referência, afirmando que<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> doou tais terras aos beneditinos e registrou-as em cartório no dia 08 <strong>de</strong><br />
setembro <strong>de</strong> 1628, veremos outras proprieda<strong>de</strong>s acumuladas por este fidalgo oportunamente. 17<br />
A infância <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> na cida<strong>de</strong> da Bahia foi como a dos <strong>de</strong><strong>mais</strong> meninos ricos <strong>de</strong> sua<br />
época, inserir os primogênitos nos estudos for<strong>mais</strong> era um cuidado que os pais tinham para com<br />
seus sucessores, afinal, eram eles os próximos a administrar e ampliar o patrimônio construído ao<br />
longo das gerações e manter as honrarias e privilégios recebidos por mercê régia aos seus<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes.<br />
O Colégio da Companhia <strong>de</strong> Jesus na Bahia, seguia as normas do Colégio <strong>de</strong> Évora e tinha<br />
como inspiração o método da Ratio et Instituto Studiorum - manual pedagógico jesuíta, escrito em<br />
finais do século XVI e fundamentado na teologia escolástica tardia <strong>de</strong> inspiração tomista -<br />
principal referência no ensino europeu. 18<br />
Entre rosários e novenas, este bisneto do Caramuru apren<strong>de</strong>u com os padres jesuítas a ler e a<br />
escrever as primeiras palavras, conheceu Latim, Gramática e Retórica, essenciais para o<br />
<strong>de</strong>sempenho nos cargos administrativos que ocupou quando <strong>mais</strong> velho. Uma das áreas que<br />
14<br />
Recôncavos eram as enseadas que se formavam ao fundo da Baía <strong>de</strong> Todos os Santos, abrangendo as terras<br />
circunvizinhas a estes locais como mangues, baixios, serras e tabuleiros, sobre o assunto verificar: MATTOSO, Kátia<br />
M. <strong>de</strong> Queiroz. Bahia: A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo: Hucitec; Salvador: Secretaria<br />
Municipal <strong>de</strong> Educação e Cultura, 1978, p.10.<br />
15<br />
Op. Cit. CALMON, Pedro.Catálogo Genealógico. 1985, p. 235.<br />
16<br />
Op. Cit. COSTA, Afonso. Baianos <strong>de</strong> Antanho (Biografias), p 303.<br />
17<br />
I<strong>de</strong>m p. 304.<br />
18<br />
CALÓGERAS, J.P., Os Jesuítas e o ensino, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1911, p.11.<br />
18
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong>monstrava interesse era a matemática, isto se comprova pela sua afinida<strong>de</strong> com<br />
números ao exercer a Provedoria Mor da Fazenda Real do Estado do Brasil, em 1663.<br />
Além <strong>de</strong> cálculos, também apren<strong>de</strong>u as técnicas <strong>de</strong> memorização e repetição, estratégias <strong>de</strong><br />
aprendizagem utilizadas pelos padres jesuítas resi<strong>de</strong>ntes em Salvador e responsáveis pela educação<br />
dos jovens daquela época, assim, é provável que <strong>Lourenço</strong> tenha recitado os poemas <strong>de</strong> Camões,<br />
lido hagiografias e romances <strong>de</strong> cavalaria escritos pelos autores lusófonos e castelhanos <strong>de</strong> sua<br />
época. 19<br />
Não po<strong>de</strong>mos esquecer que a educação na Bahia do século XVII estava impregnada pelas<br />
diretrizes do Concílio <strong>de</strong> Trento, 20 o menino <strong>Lourenço</strong> foi educado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um clima <strong>de</strong><br />
perseguição direta contra os ju<strong>de</strong>us, chamados <strong>de</strong> cristãos-novos, bem como a mouros e ciganos,<br />
hereges e bruxas que partilhavam a mesma cida<strong>de</strong> tão heterogênea (e heterodoxa) como era a<br />
Salvador do século XVII. Como cristão velho e seguidor da política tri<strong>de</strong>ntina, ele conhecia com<br />
<strong>de</strong>talhes os dogmas <strong>de</strong> fé e as tradições litúrgicas da Igreja Católica contidas no Catecismo, cujo<br />
teor havia sido traduzido para a língua brasílica em 1618, pelo padre Antônio <strong>de</strong> Araújo. 21<br />
Uma das ações <strong>mais</strong> conhecidas que a Igreja Católica <strong>de</strong>flagrou após o Concílio <strong>de</strong> Trento<br />
para coibir o crescimento <strong>de</strong> hereges e outros inimigos da fé, foi a instituição do Tribunal da Santa<br />
Inquisição. Por isso, retomarei a análise da <strong>de</strong>núncia feita por <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> ao<br />
Inquisidor D. Marcos Teixeira, a partir <strong>de</strong>la po<strong>de</strong>mos ter uma noção <strong>mais</strong> precisa do quanto a<br />
formação religiosa <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> influenciou em suas posições quando adulto.<br />
Ele estava atento às práticas heterodoxas que alguns moradores <strong>de</strong> Salvador apresentavam e<br />
manifestou <strong>de</strong>sconfiança para com o comportamento dos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> nação infecta” 22 que com<br />
ele disputavam a vida política e econômica na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador e recôncavo da Bahia. Em 1619,<br />
encontramos <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> aos vinte e oito anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> ostentando a patente <strong>de</strong><br />
capitão, herdada do pai. Dizia ele que estava em companhia do seu irmão caçula, João <strong>de</strong> <strong>Brito</strong><br />
<strong>Correa</strong> e juntos apreciavam uma movimentação que ocorria nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua casa, situada<br />
na rua <strong>de</strong> Nossa Senhora da Ajuda.<br />
Os moradores daquela freguesia estavam [...] vestindo huas figuras dos doze apóstolos para<br />
19<br />
Mais aspectos da educação religiosa promovida no período colonial em: VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o<br />
que se lê: língua, instrução e literatura. In: NOVAIS, Fernando A. (dir.) História da vida privada no Brasil. Cotidiano<br />
e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.332-385. Abordarei outros<br />
aspectos do pensamento científico produzido no Brasil Seiscentista ao final do terceiro capítulo.<br />
20<br />
REYCEND. João Baptista. O Sacrossanto e Ecumênico Concilio <strong>de</strong> Trento. Em latim e português: <strong>de</strong>dicada e<br />
consagrada aos excelentíssimos e reverendíssimos senhores Bispos da Igreja Lusitana. Tomo I, Lisboa, Officina<br />
Patriarchal <strong>de</strong> Francisco Luis Ameno, 1781.<br />
21<br />
ARAÚJO, Pe. Antônio <strong>de</strong>. Catecismo na Língua Brazílica. Reprodução fac-similar da 1ª edição, Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
PUC-RJ, 1952.<br />
22<br />
A socieda<strong>de</strong> colonial baseava-se, assim como na Europa, em critérios raciais e sociais para diferenciar os indivíduos e<br />
enquadrá-los na complexa hierarquia que estavam submetidos. As chamadas nações "infectas" eram os mouros, turcos,<br />
árabes, negros, ju<strong>de</strong>us, e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes não católicos ou <strong>de</strong> origem não católica. Ver: NOVINSKY, Anita. Cristãosnovos<br />
na Bahia, São Paulo: Perspectiva, 1972.<br />
19
o cenáculo <strong>de</strong> quinta feira <strong>de</strong> Endoenças 23 , tal ativida<strong>de</strong> fazia parte das celebrações que ocorriam<br />
durante a Semana Santa, esta expressão <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong>voção católica foi entendida por Flexor como um<br />
verda<strong>de</strong>iro espetáculo teatral a céu aberto, encenado nas ruas da cida<strong>de</strong> da Bahia, em gran<strong>de</strong> pompa<br />
barroca. 24<br />
O apelo sensorial das imagens <strong>de</strong> vulto foi <strong>mais</strong> um artifício litúrgico forjado pelo<br />
catolicismo ibérico e transplantado para a América, este recurso era utilizado especialmente durante<br />
as celebrações que antecediam a Páscoa e tinha o objetivo <strong>de</strong> remontar o clima dramático vivido por<br />
Jesus Cristo antes <strong>de</strong> ser crucificado. O evento era obrigatório para todo cristão presente na<br />
freguesia e o cortejo era realizado à noite, acompanhado por tochas e fumaça <strong>de</strong> incenso.<br />
Podia-se ouvir ladainhas entoadas por mulheres ajoelhadas e batendo no peito como<br />
manifestação <strong>de</strong> arrependimento, as imagens <strong>de</strong> Jesus, <strong>de</strong> Maria e dos apóstolos eram talhadas em<br />
ma<strong>de</strong>ira com gran<strong>de</strong> expressivida<strong>de</strong> e vestidas <strong>de</strong> roxo, cor predominante no tempo litúrgico da<br />
quaresma, o espetáculo <strong>de</strong> cheiros, cores e sons estimulava a fé e a veneração dos moradores. 25<br />
A <strong>de</strong>coração prévia das imagens <strong>de</strong> vulto eram ocasiões <strong>de</strong> confraternização para os vizinhos<br />
da Igreja da Ajuda 26 , os moradores se reuniam para vestir as imagens <strong>de</strong> vulto, <strong>de</strong>corar os andores e<br />
retocar as alfaias, todavia, nem tudo era <strong>de</strong>scontração naquele dia: quatro cristãos-novos que<br />
também se faziam presentes na ocasião, proferiram palavras pouco a<strong>de</strong>quadas para o momento e<br />
foram ouvidas pelo cristão-velho [...] capitão e morador nesta cida<strong>de</strong> 27 <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>.<br />
Ele lembrou o nome dos tais cristãos-novos que, em plena quinta feira santa <strong>de</strong> 1618, [...]<br />
estavão zombando cõ as ditas figuras dos apóstolos, que eram <strong>de</strong> vulto. 28 De acordo com seu<br />
<strong>de</strong>poimento, os zombeteiros eram [...] da nasção e pessoas conhecidas estantes nesta Cida<strong>de</strong>. 29<br />
O fidalgo nascido na Bahia guardava <strong>de</strong>talhes daquele dia, afirmou que o cristão novo<br />
Duarte Alvares Ribeiro, [...] olhando para a figura <strong>de</strong> São Pedro, disse: [...] olhai as barbas <strong>de</strong>ste,<br />
como beberia no tempo que andava na barca. 30<br />
Talvez os quatro cristãos-novos não tivessem percebido que, <strong>de</strong>ntro da mesma Igreja, o<br />
23 op. cit. ANTT, PT-TT-TSO-IL/038/0784. p. 243.<br />
24 FLEXOR, Maria Helena Ochi. Procissões na Bahia : teatro barroco a céu aberto . In: Barroco: Actas do II Congresso<br />
Internacional. Porto: Universida<strong>de</strong> do Porto. Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras. Departamento <strong>de</strong> Ciências e Técnicas do<br />
Patrimônio, 2003.<br />
25 Sobre as procissões realizadas na Bahia durante o período Colonial ver: CAMPOS, João da Silva. Procissões<br />
tradicionais da Bahia. Salvador: Secretaria <strong>de</strong> Cultura e Turismo, Conselho Estadual <strong>de</strong> Cultura, 2ª ed. 2001. Agra<strong>de</strong>ço<br />
a professora Ione Celeste <strong>de</strong> Jesus Sousa pela indicação <strong>de</strong>ste trabalho.<br />
26 “Igreja <strong>de</strong> Nossa senhora da Ajuda com quatro braças e um palmo <strong>de</strong> frente correndo ao rumo noroeste a su<strong>de</strong>ste, a<br />
casa <strong>de</strong> sacristia tem frente para a rua, por <strong>de</strong>trás do mesmo tempo sita a freguesia <strong>de</strong> S. Salvador.” Ver: FREIRE,<br />
Felisbello. História Territorial do Brasil, Vol.1 (Bahia, Sergipe e Espírito santo). Rio <strong>de</strong> janeiro: Typographia do<br />
Jornal do Commercio. 1906, p. 441.<br />
27 op. cit. ANTT, PT-TT-TSO-IL / 038/0784, p. 243<br />
28 i<strong>de</strong>m, p. 243. O nome dos cristãos-novos <strong>de</strong>nunciados por <strong>Lourenço</strong> eram: Duarte Alvres Ribeiro, Duarte Fernan<strong>de</strong>s,<br />
André Lopes <strong>de</strong> Carvalho e Luis Alvres.<br />
29 i<strong>de</strong>m, p. 243<br />
30 I<strong>de</strong>m, p. 244<br />
20
jovem <strong>Lourenço</strong> e seu irmão estavam a ouvir, escandalizados, tais palavras serem pronunciadas por<br />
um conhecido <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> nação hebraica e morador daquele local. Insinuar que o primeiro<br />
Papa era a<strong>de</strong>pto <strong>de</strong> bebida quando ainda exercia a profissão <strong>de</strong> pescador, foi interpretado como<br />
blasfêmia pelo cristão velho <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, ele foi criado em uma doutrina rigorosa e<br />
dava muita atenção a <strong>de</strong>terminadas expressões ditas em público, principalmente quando o conteúdo<br />
das palavras ofendia a Deus ou a Igreja e eram pronunciadas por ju<strong>de</strong>us, era seu <strong>de</strong>ver, enquanto<br />
cristão velho, resguardar a ortodoxia da fé católica.<br />
<strong>Lourenço</strong> também citou outras testemunhas que presenciaram este episódio e po<strong>de</strong>riam<br />
confirmar sua versão diante do Inquisidor. Quando perguntado se os homens que zombavam das<br />
imagens estavam em seu juízo perfeito, o Capitão <strong>Lourenço</strong> disse que [...] lhe parecia que não por<br />
falta <strong>de</strong> juízo, mas por falta <strong>de</strong> zelo e <strong>de</strong> boa christanda<strong>de</strong> zombavam os homens da nasção das<br />
sobreditas figuras e imagens e ele testemunha se escandalizara muito disso. 31<br />
<strong>Lourenço</strong> também afirmou que outro cristão velho, chamado Hieronimo Ferreira, armador<br />
<strong>de</strong> Igrejas e morador em Salvador, também ouviu a zombaria proferida, contudo, nenhum dos<br />
presentes naquela ocasião reprimiu <strong>de</strong> imediato os impropérios, justificando que [...] em semelhante<br />
gente não se estranhava tais <strong>de</strong>saforamentos. 32 A <strong>de</strong>núncia feita ao Inquisidor D. Marcos Teixeira<br />
prossegue tratando da vida privada e do comportamento sexual <strong>de</strong> outros homens <strong>de</strong> posse que<br />
habitavam os casarões da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador.<br />
Novamente o alvo da acusação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> tinha origem israelita, era [...] meio xpão novo<br />
por parte <strong>de</strong> seu pay, casado e morador nesta Bahya e senhor <strong>de</strong> quatro Engenhos, 33 chamava-se<br />
Pero Garcia e, conforme o <strong>de</strong>poimento, um rico negociante. <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong>nunciava que Pero Garcia<br />
[...] comettera pecado nefando <strong>de</strong> sodomia cõ um mullato por nome Joseph que creara em sua casa<br />
e nella o tinha ainda hoje” 34 , afirmou ainda que este cristão novo havia cometido [...] o mesmo<br />
peccado nefando 35 com [...] hum moço chamado Gaspar, natural <strong>de</strong> Viana, sobrinho <strong>de</strong> hú João<br />
Alvares, ambos seus creados. 36<br />
Devemos <strong>de</strong>stacar que todos as testemunhas arroladas por <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> eram<br />
cristãos-velhos como ele, resi<strong>de</strong>ntes em Salvador e antigos empregados do <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>u,<br />
Pero Garcia.Diante <strong>de</strong>stas duas <strong>de</strong>núncias, po<strong>de</strong>mos concluir que <strong>Lourenço</strong> era <strong>mais</strong> um homem do<br />
século XVII que tinha restrições quanto a presença <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes no Brasil e<br />
31<br />
i<strong>de</strong>m, p. 245<br />
32<br />
i<strong>de</strong>m, p. 246<br />
33<br />
I<strong>de</strong>m. Pero Garcia era natural da Ilha <strong>de</strong> São Miguel e meio cristão novo pela parte do seu pai.<br />
34<br />
i<strong>de</strong>m<br />
35<br />
Sobre práticas sexuais na Colônia e a perseguição Inquisitorial contra as heterodoxias existentes no Brasil ver:<br />
VAINFAS, Ronaldo. Moralida<strong>de</strong>s brazílicas: <strong>de</strong>leites sexuais e linguagem erótica na socieda<strong>de</strong> escravista. In: NOVAIS,<br />
Fernando A. (dir.) História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo:<br />
Companhia das Letras, 1998, p.222-273.<br />
36<br />
op. cit. ANTT, PT-TT-TSO-IL / 038/0784, p. 247<br />
21
<strong>de</strong>monstrava preocupação quanto ao aumento das posses <strong>de</strong>ste grupo <strong>de</strong> pessoas na Bahia.<br />
Não cabe aqui analisar os <strong>de</strong>talhes da apuração feita pelo visitador do Santo Ofício, nem o<br />
<strong>de</strong>stino dos citados nesta <strong>de</strong>núncia, contudo, note-se, contudo, que todos os homens arrolados neste<br />
processo eram homens da “nasção” com reconhecido patrimônio financeiro, por isso competidores<br />
do disputado comércio do açúcar na Bahia Seiscentista.<br />
Caso a <strong>de</strong>núncia fosse julgada proce<strong>de</strong>nte pelo Inquisidor D. Marcos Teixeira, os<br />
<strong>de</strong>nunciados seriam presos e teriam os seus bens confiscados, os familiares <strong>de</strong>stes seguidores da<br />
Torá também sofriam os constrangimentos e violências típicas <strong>de</strong>ste clima <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança e<br />
<strong>de</strong>nuncismo que vigorou na Bahia durante todo o século XVII. A vida privada dos cristãos-novos<br />
moradores da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador foi <strong>de</strong>vassada pela passagem do Santo Ofício até o início da<br />
década <strong>de</strong> 1620, muitos dos que residiam na Bahia tiveram seus bens sequestrados, também foi<br />
numeroso o contingente <strong>de</strong> pessoas acusadas <strong>de</strong> sodomia e bruxaria expulsas da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador<br />
e embarcadas à força para os cárceres secretos da Inquisição <strong>de</strong> Lisboa para serem julgadas pelo<br />
Santo Ofício. 37<br />
2- <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e sua <strong>de</strong>senvoltura nas guerras <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Salvador.<br />
Todo este clima <strong>de</strong> perseguição a cristãos-novos erradicados na Bahia apontam uma conexão<br />
direta com as invasões holan<strong>de</strong>sas à Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, nos anos que seguiram a década <strong>de</strong> 1620.<br />
Muitos proprietários <strong>de</strong> engenhos <strong>de</strong> cana no Brasil eram, secretamente, seguidores do judaísmo e<br />
eles driblavam o aperto fiscal para garantir a estabilida<strong>de</strong> dos seus lucros investindo dinheiro em<br />
bancas da Antuérpia, Flandres e Amsterdã. Estas cida<strong>de</strong>s não só recebiam divi<strong>de</strong>ndos dos cristãos-<br />
novos do Brasil como acolhiam refugiados da opressão antissemita que grassava na Europa<br />
Seiscentista e tornaram-se foco <strong>de</strong> oposição política e militar contra a Espanha, principalmente após<br />
o acordo das Províncias Unidas, assinado em Ultrecht (1579).<br />
Em Amsterdã existia sinagoga, mesquita, além <strong>de</strong> outros templos erguidos pelas<br />
<strong>de</strong>nominações cristãs protestantes, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> culto era respeitada nas cida<strong>de</strong>s neerlan<strong>de</strong>sas que<br />
resistiram à hegemonia Filipina e a força <strong>de</strong>ste exército aumentou quando a Inglaterra e a França<br />
entraram na disputa pelo mercado da América.<br />
Foi com investimento dos senhores <strong>de</strong> engenho e negociantes ju<strong>de</strong>us erradicados no Brasil e<br />
na África, mas também com o auxílio dos mercadores protestantes espalhados pela Europa, que o<br />
exército batavo enfrentou a dinastia católica dos Habsburgos. O Rei espanhol estava <strong>de</strong>cidido em<br />
isolar os cristãos-novos da vida política e tinha total apoio do Sumo Pontífice; por acolher ju<strong>de</strong>us e<br />
37 Sobre a punição aplicada e a metodologia da perseguição e apreensão dos bens dos cristãos-novos <strong>de</strong> Portugal e do<br />
Brasil, conferir o livro <strong>de</strong> PIERONI, Geraldo. Banidos: A Inquisição e a lista <strong>de</strong> Cristãos-novos con<strong>de</strong>nados a viver<br />
no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil. 2003.<br />
22
pessoas contrárias à Igreja Católica, todos os holan<strong>de</strong>ses eram consi<strong>de</strong>rados hereges pela Inquisição,<br />
negociar com tais pessoas tornava-se agressão direta a Deus, ao Papa e ao Rei da Espanha.<br />
Mesmo amaldiçoados pelo Bispo <strong>de</strong> Roma e combatidos pelo numeroso exército da Casa da<br />
Áustria, a República das Províncias Unidas enfrentou a concorrência econômica e i<strong>de</strong>ológica<br />
formando a West Indisch Compagne (WIC), em 1621. Para além <strong>de</strong> ser uma organização comercial<br />
que entrou na disputa do mercado internacional <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar, escravos e especiarias, este<br />
agrupamento tornou-se um dos <strong>mais</strong> bem aparelhados exércitos nos Seiscentos.<br />
Luis Henrique Dias Tavares apontou dois momentos distintos para explicar a relação do<br />
Brasil com a Holanda. Até 1580, os portos <strong>de</strong> Lisboa recebiam navios neerlan<strong>de</strong>ses abarrotados <strong>de</strong><br />
pólvora, tecidos e armas, em contrapartida, os holan<strong>de</strong>ses compravam sal, cortiça, azeite, bacalhau,<br />
mas também o marfim da África e o açúcar do Recôncavo da Bahia. 38<br />
O autor ressaltou que a partir da União Ibérica (1580-1640), as relações comerciais com<br />
Portugal estiveram submetidas às or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> Madri e o comércio com a Holanda foi interrompido. A<br />
dinastia Filipina era incentivada pela Igreja Católica para continuar a conquista da América, fazendo<br />
isto, a benção do Papa estava condicionada ao cumprimento <strong>de</strong> acordos, um <strong>de</strong>les era o<br />
compromisso dos Habsburgos em coibir o crescimento da heterodoxia no Brasil, por isso os<br />
sacerdotes e pessoas associadas ao Santo Ofício eram os responsáveis pela fiscalização dos<br />
costumes e referendavam a perseguição dos muitos cristãos-novos erradicados na Bahia.<br />
Este clima <strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong> interrompeu o fluxo <strong>de</strong> dinheiro enviado por estes negociantes do<br />
Brasil para os Países Baixos, esta situação se torna <strong>mais</strong> aguda quando o Rei Filipe II proíbe a<br />
entrada <strong>de</strong> embarcações holan<strong>de</strong>sas nos portos da Península Ibérica, América, África e Ásia,<br />
excluindo assim a Holanda do comércio internacional.<br />
O Conselho dos XIX, colegiado diretivo da WIC, escolheu o nor<strong>de</strong>ste do Brasil para iniciar<br />
as investidas, ali se encontrava as maiores fazendas <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar, além <strong>de</strong> ser o principal<br />
centro administrativo, político e econômico da América Portuguesa Seiscentista. Para termos uma<br />
noção <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhada da importância da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador no século XVII, Luis Henrique Dias<br />
Tavares informa que a Bahia abrigava [...] trinta e seis engenhos <strong>de</strong> açúcar, cerca <strong>de</strong> dois mil<br />
proprietários e lavradores <strong>de</strong> cana e mandioca, quatro mil escravos africanos e seis mil índios<br />
cativos. 39<br />
O ano <strong>de</strong> 1624 foi marcado pela primeira e bem sucedida invasão à Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador,<br />
perpetrada pelo exército holandês. A empreitada tinha o objetivo <strong>de</strong> sitiar o centro administrativo e<br />
político da América e a partir daí dominar progressivamente as terras do Brasil. Nesta ocasião,<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> contava trinta e quatro anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> lado seus negócios para<br />
38 TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia, São Paulo: UNESP/ Salvador, Ba: EDUFBA, 2001, p.133.<br />
39 i<strong>de</strong>m. p. 134.<br />
23
pegar em armas e ajudar a reconquistar a cida<strong>de</strong> que nasceu.<br />
Vimos anteriormente a formação intelectual <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong>, saliente-se então outros<br />
conhecimentos que ele adquiriu ao longo da sua trajetória, não bastava ter <strong>de</strong>senvoltura nas letras<br />
em uma época <strong>de</strong> invasões estrangeiras e ameaça iminente <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o domínio do espaço Colonial.<br />
Como outros homens ricos da Bahia Seiscentista, <strong>Lourenço</strong> andava à cavalo para percorrer suas<br />
fazendas, sabia atirar e estava sempre portando alguma arma, também conhecia algumas estratégias<br />
<strong>de</strong> combate, próprias para o Brasil: por ser filho <strong>de</strong> militar, <strong>Lourenço</strong> era habilidoso nas as táticas <strong>de</strong><br />
guerra forjadas por brasílicos, africanos e europeus que combatiam nas mesmas tropas durante<br />
décadas <strong>de</strong> convívio, a trajetória <strong>de</strong>ste fidalgo e sua participação nos conflitos ocorridos em<br />
Salvador entre os anos <strong>de</strong> 1624 e 1625, justificam o tratamento <strong>de</strong> capitão que recebeu nos anos<br />
posteriores.<br />
Na madrugada <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1624, as embarcações <strong>de</strong> Holanda podiam ser vistas pelos<br />
fortes que resguardavam a Baía <strong>de</strong> Todos os Santos, eram vinte e quatro navios <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte<br />
trazendo[...] quinhentos canhões, mil e seiscentos marinheiros e mil e setecentos soldados<br />
holan<strong>de</strong>ses, ingleses, irlan<strong>de</strong>ses, escoceses, galeses, poloneses. 40<br />
Enquanto o Comandante Piet Heyn or<strong>de</strong>nava que seus soldados subissem as íngremes<br />
la<strong>de</strong>iras que davam acesso a Salvador, os poucos <strong>de</strong>fensores se abrigavam nos Baluartes que<br />
<strong>de</strong>fendiam as entradas e respondiam com flechas, bacamartes e lanças. A resistência era necessária<br />
para que os moradores recolhessem seus pertences <strong>mais</strong> valiosos e abandonassem as casas para<br />
salvar as suas vidas, apesar <strong>de</strong> armados e prontos para resistir, todos se evadiram <strong>de</strong> suas vivendas<br />
para preparar a resistência com <strong>mais</strong> cuidado. 41<br />
<strong>Lourenço</strong> foi testado e elogiado pelos comandantes <strong>de</strong>sta época e sua <strong>de</strong>senvoltura po<strong>de</strong> ser<br />
constatada a partir da leitura das crônicas do século XVII, nelas po<strong>de</strong>mos perceber o protagonismo<br />
<strong>de</strong>ste fidalgo em ocasiões que ficaram marcadas na memória dos habitantes da Bahia por muitos<br />
anos. 42<br />
A armada <strong>de</strong> socorro enviada pela Espanha para restaurar a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador teve o<br />
40 i<strong>de</strong>m<br />
41 I<strong>de</strong>m, ver também: LENK, Wolfgang. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalida<strong>de</strong> e administração da Bahia<br />
(1624-1654). Tese <strong>de</strong> Doutorado. UNICAMP, 2009, p 24.<br />
42 É mencionado como Capitão dos Aventureiros em: SALVADOR, Vicente do. Historia do Brazil. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Biblioteca Nacional, 1889, p. 100;142. Outras informações sobre a participação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> nas<br />
guerras <strong>de</strong> reconquista da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador como um dos seis comandantes <strong>de</strong> companhias <strong>de</strong> soldados, li<strong>de</strong>rados<br />
pelo Bispo D. Marcos Teixeira, são vistas em: RIHGB. Tomo V, 1843, p.507. Ver também o seu protagonismo e as<br />
comendas recebidas pelo Rei Felipe IV após a reconquista da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador em FREYRE, Francisco <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>.<br />
Nova Lusitania: história da guerra brasílica. Lisboa: Oficina <strong>de</strong> Joam Galram, 1675, p. 460. Sobre as contendas<br />
existentes entre <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> Britro <strong>Correa</strong> e o governador Diogo Luis <strong>de</strong> Oliveira, em 1631, por conta <strong>de</strong> provimento<br />
<strong>de</strong> cargos militares, ver: op. cit. LENK, Wolfgang. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalida<strong>de</strong> e administração da<br />
Bahia (1624-1654).2009, p 226. Pedro Calmon informa que : [...] Há na Biblioteca da Ajuda (Lisboa) queixa <strong>de</strong><br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> “vexações, opressões públicas, injustiças e roubos que Diogo Luis <strong>de</strong> Oliveira,<br />
governador do Brasil, cometeu naquele Estado. Ver: op. cit: CALMON, Pedro. História do Brasil, Vol 2, 1971. p 259.<br />
24
comando <strong>de</strong> D. Fradique <strong>de</strong> Toledo e compunha vinte e oito navios espanhóis e sete portugueses,<br />
eles recuperaram Salvador em maio <strong>de</strong> 1625. Após a expulsão dos holan<strong>de</strong>ses, o Rei da Espanha<br />
ofereceu con<strong>de</strong>corações aos que auxiliaram no livramento da cida<strong>de</strong> da Bahia, Pedro da Silva,<br />
Governador em exercício, recebeu o título <strong>de</strong> Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> São <strong>Lourenço</strong>; o comandante Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Banholo recebeu uma comenda extraordinária na Itália, por fim, foram agraciados com<br />
con<strong>de</strong>corações <strong>de</strong> comendadores Luiz Barbalho Bezerra, D. Fernando <strong>de</strong> Londonha, Heitor <strong>de</strong> La<br />
Cache, Pedro Ca<strong>de</strong>na <strong>de</strong> Vilhassanti e <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>. 43<br />
Uma informação importante sobre o <strong>de</strong>stino que teve <strong>Lourenço</strong>, após a primeira invasão dos<br />
Holan<strong>de</strong>ses à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, po<strong>de</strong> ser constatada nas palavras <strong>de</strong> Afonso Costa:<br />
[...] segundo se infere <strong>de</strong> provisão ao seu respeito expedida, <strong>Lourenço</strong> estivera algum<br />
tempo em Portugal, ufano <strong>de</strong> vitórias, manutenido dos recursos financeiros que o<br />
abasteciam, e <strong>de</strong> lá, em 1637, se embarcou para a Bahia, numa caravela <strong>de</strong> socorro, com<br />
infantaria e munição, on<strong>de</strong>, tanto que chegou (no Brasil), agregando-se ao exército <strong>de</strong><br />
Pernambuco, alojado em Sergipe, se retirou com ele para a Bahia <strong>de</strong> Todos os Santos. 44<br />
A WIC manteve a estratégia <strong>de</strong> assediar o nor<strong>de</strong>ste do Brasil, em 1630 os batavos já tinham<br />
o controle da capitania <strong>de</strong> Pernambuco e tal façanha era comemorada nos Países Baixos, em 1631,<br />
um segundo reforço foi enviado por Madri para auxiliar as tropas do Brasil, <strong>de</strong>sta vez o comandante<br />
era o general D. Antonio Oquendo, mesmo assim a persistência dos holan<strong>de</strong>ses continuava às custas<br />
da vida <strong>de</strong> pessoas e muitos mantimentos.<br />
A terceira armada <strong>de</strong> socorro enviada ao Brasil chegou em 1635, sob o comando <strong>de</strong> D. Lope<br />
<strong>de</strong> Hoces, estava aparelhada com dois galeões espanhóis e quatro portugueses que resguardavam<br />
vinte e dois navios mercantes abarrotados <strong>de</strong> soldados e mantimentos necessários para a<br />
continuida<strong>de</strong> da peleja no Nor<strong>de</strong>ste do Brasil. 45 Em uma carta escrita pelo Governador Pedro da<br />
Silva, a 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1638, nota-se a participação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> no custeio da guerra contra os<br />
holan<strong>de</strong>ses que atacaram Salvador, nesta comunicação, o mandatário do Brasil ressaltava o cuidado<br />
que Pedro Ca<strong>de</strong>na <strong>de</strong> Vilhassanti teve para com os mantimentos da guerra e dos empréstimos que<br />
fizeram o Bispo D. Pedro da Silva Sampaio e <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> para a Restauração <strong>de</strong><br />
Pernambuco. 46<br />
Ao perceber o perigo <strong>de</strong> uma segunda invasão da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador pelo exército<br />
43<br />
SILVA, Ignácio Accioli <strong>de</strong> Cerqueira e. Memórias históricas e políticas da província da Bahia. Tomo I, Bahia:<br />
Typographia do Correio Mercantil <strong>de</strong> Precourt, 1835, p. 100.<br />
44<br />
op.COSTA, Afonso. Baianos <strong>de</strong> Antanho (Biografias), RIHGB, 1955, p.306. Este trecho é a única referencia que<br />
encontrei, até o momento, que menciona a passagem <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> pela Europa e seu retorno para o<br />
Brasil como um dos tripulantes da Armada <strong>de</strong> socorro li<strong>de</strong>rada pelo Con<strong>de</strong> da Torre, todavia, Afonso Costa não <strong>de</strong>ixou<br />
informações sobre a tal provisão expedida, nem indicou a data da mesma. Pedro Calmon atesta sua presença na Bahia<br />
em 1638 e seu protagonismo na <strong>de</strong>fesa da cida<strong>de</strong> sitiada pelas tropas <strong>de</strong> Mauricio <strong>de</strong> Nassau, ver: op. cit. CALMON,<br />
Pedro. História do Brasil, Vol.2 (sec XVI-XVII). p. 617; 619.<br />
45<br />
Op.cit. LENK, Wolfgang. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalida<strong>de</strong> e administração da Bahia (1624-1654).<br />
2009, p 124;<br />
46<br />
Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), fundo Luiza da Fonseca (LF), CX: (inexistente), Doc: 811. Ver também: AHU,<br />
LF, Cx.7, Doc. 799, 12/06/1638<br />
25
neerlandês, o Duque <strong>de</strong> Olivares aconselhou que o Rei reunisse <strong>mais</strong> esforços para a quarta<br />
mobilização <strong>de</strong> navios e soldados em socorro daqueles que enfrentavam as tropas batavas instaladas<br />
no Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1624. O militar D. Fernando Mascarenhas, o Con<strong>de</strong> da Torre, foi o homem<br />
<strong>de</strong>stacado para comandar esta missão.<br />
Os documentos que informam <strong>de</strong>talhes do planejamento <strong>de</strong>sta gran<strong>de</strong> ofensiva, os recursos<br />
utilizados, os militares envolvidos e os conflitos oriundos <strong>de</strong>ste período po<strong>de</strong>m ser encontrados nas<br />
“Cartas do 1º Con<strong>de</strong> da Torre”, 47 a transcrição das comunicações enviadas e recebidas por D.<br />
Fernando Mascarenhas e por outros militares que fizeram parte da armada <strong>de</strong> Socorro do Brasil<br />
entre os anos <strong>de</strong> 1637 a 1640 são meios possíveis para <strong>de</strong>senhar, com <strong>mais</strong> niti<strong>de</strong>z o protagonismo<br />
<strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos nesta ocasião.<br />
A Câmara da Bahia esperava a quarta armada <strong>de</strong> socorro prometida pela Espanha e resistiam<br />
às privações daqueles dias, os fazen<strong>de</strong>iros forneciam mantimentos para os combatentes que<br />
enfrentavam o exército <strong>de</strong> Maurício <strong>de</strong> Nassau e amargavam consecutivas perdas na produção <strong>de</strong><br />
cana. O Con<strong>de</strong> da Torre era um nobre <strong>de</strong> reconhecida experiência militar na Corte <strong>de</strong> Madri,<br />
membro do Conselho <strong>de</strong> Estado do Rei Felipe IV e estava incumbido <strong>de</strong> organizar o exército que<br />
iria expulsar os holan<strong>de</strong>ses do Brasil, carregava consigo o título <strong>de</strong> Capitão General da Armada do<br />
Occeano 48 e, quando saiu <strong>de</strong> Castela, avisava ao Rei que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos o acompanhava,<br />
cumprindo a função <strong>de</strong> General <strong>de</strong> Artilharia naquela armada <strong>de</strong> socorro.<br />
Os investimentos em armas, soldados, mantimentos e embarcações para retomar o controle<br />
do Nor<strong>de</strong>ste do Brasil foram ameaçados pelos consecutivos problemas que o Con<strong>de</strong> da Torre<br />
enfrentou antes da viagem, durante o trajeto transatlântico e ao chegar à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador,<br />
acompanhemos. 49<br />
Após sair da Península Ibérica e atravessar boa parte do Oceano, o Con<strong>de</strong> da Torre or<strong>de</strong>nou<br />
que a armada aportasse nas ilhas <strong>de</strong> Cabo Ver<strong>de</strong>, já era dia 16 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1638 e ali<br />
<strong>de</strong>sembarcaram mil soldados doentes, some-se a este contingente outros tantos que permaneceram<br />
naquele local para se curar e terminaram adquirindo varíola, epi<strong>de</strong>mia que grassava aquelas ilhas.<br />
Quando o reforço <strong>de</strong> navios espanhóis aportou em Cabo Ver<strong>de</strong>, no dia 5 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong><br />
1638, constatou-se a baixa <strong>de</strong> 475 homens e <strong>mais</strong> 1214 militares doentes. Embarcações espanholas<br />
e portuguesas, comandadas pelo português D. Fernando Mascarenhas, Con<strong>de</strong> da Torre, saíram da<br />
África no dia 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1638 em direção ao Nor<strong>de</strong>ste do Brasil, abarrotada <strong>de</strong> tripulantes<br />
enfermos. A armada <strong>de</strong> socorro chegou à Bahia no dia 19 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1639, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> navegar<br />
47 MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Con<strong>de</strong> da Torre, 4 vols. Lisboa: Comissão<br />
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001.<br />
48 Op. cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Con<strong>de</strong> da Torre, 2001. p. 67.<br />
49 [...] Forão ao todo <strong>de</strong>z mil os que embarcaram nessa frota formidável, 33 navios <strong>de</strong> guerra (25 portugueses e oito<br />
espanhóis) – tendo como capitães generais da cavalaria D. Francisco <strong>de</strong> Moura e da artilharia o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos [...]<br />
Ver: op. cit. CALMON, Pedro. História do Brasil, Vol.2, 1971, p. 621.<br />
26
contra o vento e ter parte da frota dispersa pelo Oceano Atlântico.<br />
Ao chegar à Salvador, o Con<strong>de</strong> da Torre tentava reorganizar os planos para enfrentar<br />
Maurício <strong>de</strong> Nassau, além do efetivo militar enfraquecido pelas doenças, ele amargava a ausência<br />
<strong>de</strong> condições necessárias para o sustento dos soldados que chegavam famintos e doentes à cida<strong>de</strong>,<br />
não <strong>de</strong>morou muito para que as autorida<strong>de</strong>s da Bahia reclamassem dos sete mil homens que<br />
<strong>de</strong>sembarcaram em uma Salvador sem estrutura para manter e abrigar tantos milicos, além do receio<br />
<strong>de</strong>stes trazerem a doença adquirida na viagem.<br />
Ainda que Óbidos tenha passado pela América, a pedido do Governador Geral Diogo Luis<br />
<strong>de</strong> Oliveira; em 1639 estava assumindo a função <strong>de</strong> General <strong>de</strong> Artilharia, posto <strong>de</strong> comando e<br />
auxiliar direto do Con<strong>de</strong> da Torre.<br />
O Con<strong>de</strong> da Torre ficou em Salvador por volta <strong>de</strong> <strong>de</strong>z meses e saiu rumo a Recife no dia 21<br />
<strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1639, neste intervalo <strong>de</strong> tempo reuniu as condições necessárias para enfrentar o<br />
exército <strong>de</strong> Maurício <strong>de</strong> Nassau que sitiava a Capitania <strong>de</strong> Pernambuco, um mês <strong>de</strong>pois da partida<br />
<strong>de</strong> D. Fernando Mascarenhas da Bahia, o capitão <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> mostrou-se conselheiro<br />
experiente no que dizia respeito às batalhas.<br />
Em um parecer emitido por ele, no dia 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1639, percebemos sua habilida<strong>de</strong><br />
e conhecimentos <strong>de</strong> combate ao expor suas sugestões <strong>de</strong> como abordar o exército batavo. Como<br />
membro da junta auxiliar do Con<strong>de</strong> da Torre, o fidalgo acreditava que antes <strong>de</strong> invadir o Recife era<br />
necessário que as tropas <strong>de</strong> Espanha cercassem todos os acessos para que<br />
[...] se possa impedir ao enemigo os socorros <strong>de</strong> holanda que aly lhe vem, e daly<br />
senhorearmos a campanha e atacaremos as praças que pu<strong>de</strong>r ser para que o enemigo não<br />
tenha fora <strong>de</strong>las nem campanha , nem pelo mar, socorro 50<br />
O fator clima era um <strong>de</strong>talhe que não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser levado em conta, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> sabia que a natureza po<strong>de</strong>ria ser gran<strong>de</strong> inimiga, por isso ele instruía que [...] <strong>mais</strong><br />
brevemente esperamos que o inverno não <strong>de</strong> lugar as armadas po<strong>de</strong>rem estar sobre o Recife,<br />
<strong>de</strong>vemos aproveitarmos do verão para ganharmos o que <strong>de</strong>spois não será possível. 51 Vemos que o<br />
capitão <strong>Lourenço</strong> enfoca a urgência <strong>de</strong> se aproveitar as condições propícias para garantir a<br />
reconquista <strong>de</strong>finitiva da Capitania <strong>de</strong> Pernambuco, tendo em vista as consecutivas perdas que<br />
aqueles soldados vinham sofrendo por não respeitarem os ditames do clima tropical.<br />
Utilizando o verão como aliado no combate, ele <strong>de</strong>stacava a economia <strong>de</strong> tempo e <strong>de</strong><br />
víveres, <strong>Lourenço</strong> prevenia o Con<strong>de</strong> da Torre:<br />
[...] porque isto he muyto longe <strong>de</strong> Espanha e não nos <strong>de</strong>vemos prometer com tanta<br />
brevida<strong>de</strong> novos socorros, o que isto he o que lhe paresse e que gastar o tempo e<br />
mantimentos no que he quasi nada será impossibilitar todo remédio <strong>de</strong>sta guerra. 52<br />
50 Op. cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Con<strong>de</strong> da Torre, 2001. p. 321-322<br />
51 I<strong>de</strong>m<br />
52 i<strong>de</strong>m<br />
27
Apesar <strong>de</strong> seus conselhos, a campanha li<strong>de</strong>rada pelo Con<strong>de</strong> da Torre foi um fiasco, todavia,<br />
em janeiro <strong>de</strong> 1640, aos cinquenta anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> assumia o posto <strong>de</strong><br />
Provedor Mor da Fazenda do Brasil, era dono <strong>de</strong> terras e escravos e homem influente entre os<br />
militares instalados na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador. Tais características são resultado <strong>de</strong> sua ascendência<br />
familiar e funções que ele cumpriu em tempos difíceis <strong>de</strong> conflito com os holan<strong>de</strong>ses, mas que lhe<br />
ren<strong>de</strong>u lucros materiais e políticos após a guerra.<br />
Ser um varão da família do patriarca Caramuru, po<strong>de</strong>roso latifundiário e experiente<br />
combatente foram atributos fundamentais que cre<strong>de</strong>nciaram a entrada <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> como uma das três<br />
autorida<strong>de</strong>s que governaram o Brasil, em Junta Provisória, em 1641, acompanhemos os <strong>de</strong>talhes<br />
<strong>de</strong>sta trama a seguir.<br />
3- <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e a Restauração na Bahia.<br />
No século XVII, a praia <strong>de</strong> Itapoan abrigava um pequeno povoado on<strong>de</strong> viviam pescadores<br />
e armadores <strong>de</strong> baleias, submetidos neste período ao senhor da Casa da Torre, Francisco Dias <strong>de</strong><br />
Ávila (1576-1650). 53 Só o olhar <strong>mais</strong> atento – daqueles que se preocupam em i<strong>de</strong>ntificar<br />
monumentos históricos e as marcas que a experiência humana <strong>de</strong>ixou gravada nas ruas da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Salvador – consegue localizar, bem próximo à Igreja Matriz <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição <strong>de</strong><br />
Itapoan, a exposição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s ossos <strong>de</strong> cetáceos, que vinham para estas partes <strong>mais</strong> quentes do<br />
Oceano Atlântico parir suas crias nos verões do século XVII.<br />
A pesca da baleia era um negócio lucrativo e alvo <strong>de</strong> disputas acirradas entre os homens <strong>de</strong><br />
grosso cabedal da Colônia interessados no monopólio do comércio da pesca e beneficiamento <strong>de</strong>ste<br />
produto. 54 A ruas da Velha São Salvador eram iluminadas às custas das várias pipas <strong>de</strong> óleo <strong>de</strong><br />
baleia, além <strong>de</strong> frutos do mar, vinha também <strong>de</strong> Itapoan, carne <strong>de</strong> boi, couro curtido, mandioca e<br />
seus subprodutos como o beiju, a farinha, a carimã ou puba, além <strong>de</strong> frutas, verduras e hortaliças<br />
cultivadas pelos moradores <strong>de</strong>sta pequena povoação vizinha a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador. 55<br />
Referi-me à antiga vila <strong>de</strong> Itapoan por ser este o lócus que dá início a uma série <strong>de</strong><br />
acontecimentos que po<strong>de</strong>m explicar o contexto político do Brasil colonial e suas relações com o<br />
momento que se <strong>de</strong>scortinava no Império Ultramarino Português. Foi naquelas praias que o jesuíta<br />
Francisco Vilhena 56 <strong>de</strong>sembarcou discretamente, no ano <strong>de</strong> 1641. Era homem <strong>de</strong> confiança do novo<br />
53 Ver: BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O feudo: a Casa da Torre <strong>de</strong> Garcia d'Ávila: da conquista dos sertões à<br />
in<strong>de</strong>pendência do Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.<br />
54 O trabalho <strong>de</strong> Camila Baptista Dias é essencial para a compreensão da economia baleeira no Brasil Colonial,<br />
especialmente no Rio <strong>de</strong> Janeiro, ver: DIAS, Camila Baptista. A pesca da baleia no Brasil Colonial: Contratos, e<br />
contratadores do Rio <strong>de</strong> janeiro no século XVII. Dissertação (mestrado). UFF, 2010. Mais <strong>de</strong>talhes da pesca da baleia<br />
no período colonial, ver: CASTELLUCCI JR, Wellington. “Pescadores e baleeiros: a ativida<strong>de</strong> da pesca da baleia nas<br />
últimas décadas dos oitocentos. Itaparica, 1860-1888.” In: Revista Afro Ásia, n.33, 2005. p. 133-168.<br />
55 op.cit. TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia, 2001, p.139<br />
56 O jesúíta Francisco Vilhena é um personagem importante para a compreensão do jogo político que se <strong>de</strong>lineava na<br />
28
soberano <strong>de</strong> Portugal D. João IV, o Restaurador; o emissário conduzia or<strong>de</strong>ns secretas, escritas pelo<br />
próprio Rei, que o instruía como proce<strong>de</strong>r a Restauração Brigantina na principal conquista<br />
portuguesa no Atlântico Sul, o Brasil. 57<br />
Depois <strong>de</strong> 60 anos <strong>de</strong> domínio Espanhol na Península Ibérica e, por conseguinte, nas<br />
conquistas ultramarinas, uma dinastia <strong>de</strong> sangue lusitano consegue ter <strong>de</strong> volta a soberania <strong>de</strong><br />
Portugal, após anos <strong>de</strong> guerra civil e manobras políticas. O Duque <strong>de</strong> Bragança, auxiliado por sua<br />
esposa espanhola, foi aclamado Rei D. João IV em primeiro <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1640, inaugurando<br />
uma nova fase <strong>de</strong> reconstrução <strong>de</strong> um país fragilizado pelas contendas e com suas conquistas<br />
ultramarinas seriamente ameaças por outras nações como a França, Inglaterra e Holanda. 58<br />
O próprio D. João IV dizia que o Brasil era [...] uma vaca <strong>de</strong> leite 59 , por dar sustento seguro<br />
à metrópole e ser entreposto comercial fundamental para que o comércio transatlântico <strong>de</strong> açúcar e<br />
escravos continuasse lucrativo. Mas este objetivo só seria efetivamente realizado se a Restauração<br />
fosse reconhecida em todas as partes on<strong>de</strong> a Coroa Portuguesa havia fincado seus pés e que em<br />
todos estes locais os súditos e funcionários da administração estivessem submissos ao novo<br />
soberano. 60<br />
A Provedoria Mor da Fazenda Real do Brasil foi uma das primeiras Instituições erigidas em<br />
1549 e exerceu um papel fundamental na administração do Brasil após o advento <strong>de</strong> D. João IV, sua<br />
principal atribuição era coor<strong>de</strong>nar, supervisionar e fiscalizar as Provedorias da Fazenda existentes<br />
nas Capitanias. No início do seu funcionamento, tinha um expediente composto pelo Provedor Mor,<br />
Contador Geral, Escrivão da Provedoria Mor, Tesoureiro Geral, Meirinho, Porteiro e Patrão da<br />
Ribeira. 61<br />
Bahia, após a Restauração Brigantina. Segundo o cronista inglês Robert Southey, ele [...] trouxera <strong>de</strong> Portugal muitas<br />
cartas do rei com a direção em branco, para distribuir segundo a sua discrição pelos homens <strong>de</strong> <strong>mais</strong> influência e<br />
caracter no Brasil. Ver: SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Tomo III, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria Garnier, 1862, p. 6.<br />
57<br />
MENEZES, D. Luiz <strong>de</strong> (Con<strong>de</strong> da Ericeria). História <strong>de</strong> Portugal Restaurado em que se dá notícia das <strong>mais</strong><br />
gloriosas acções assim políticas, como militares, que obrarão os Portugueses na Restauração <strong>de</strong> Portugal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
ano <strong>de</strong> 1662 até o ano <strong>de</strong> 1668, 2ª Parte, Tomo IV, Lisboa: Oficina Ignácio Nogueira Filho, 1759. Esta é a principal<br />
obra da historiografia portuguesa que tratou da Restauração Brigantina, até fins do século XVII, apesar <strong>de</strong> ser alvo <strong>de</strong><br />
críticas contun<strong>de</strong>ntes quanto à questões nacionalista que influenciaram esta narrativa, ela nos oportuniza conhecer o<br />
contexto político que Portugal experimentou com o advento <strong>de</strong> D. João IV e a sucessão dos Reis e Rainhas <strong>de</strong> Portugal,<br />
bem como o reflexo <strong>de</strong>stas mudanças <strong>de</strong>ntro e fora da Europa. Os <strong>de</strong>talhes que explicam o fim da hegemonia espanhola<br />
e advento da dinastia Brigantina, em 1640, serão discutidos no capítulo a seguir.<br />
58<br />
O contexto político que possibilitou o advento da Restauração da Coroa Portuguesa foi estudado por: SCHAUB, Jean<br />
Frédéric. Portugal na Monarquia Hispânica (1580-1640). Lisboa: Livros Horizonte, 2001. Também verificar um<br />
estudo sobre aspectos da cultura política que envolveram a Restauração Brigantina publicado por ÁLVAREZ, Fernando<br />
Bouza. Portugal no Tempo dos Filipes. Política, Cultura e Representações (1580-1668). Lisboa: Edições Cosmos,<br />
2000.<br />
59<br />
ALENCASTRO, Luiz Felipe <strong>de</strong>. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo,<br />
Companhia das Letras, 2000. p. 247.<br />
60<br />
Para <strong>mais</strong> informações sobre o Ultramar no tempo dos Filipes e as particularida<strong>de</strong>s da administração castelhana, ver:<br />
VALLADARES, Rafael. “El Brasil y las Indias españolas durante la sublevación <strong>de</strong> Portugal (1640-1668).” In:<br />
Cua<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Historia Mo<strong>de</strong>rna, XIV, 1993, p. 151-172. Ver também: SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Do Brasil<br />
Filipino ao Brasil <strong>de</strong> 1640. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1968.<br />
61<br />
Para maiores informações, ver o Regimento do Provedor Morda Fazenda Real do Brasil em:<br />
29
Na vacância <strong>de</strong> Governador Geral ou Vice Rei do Brasil, o Provedor Mor da Fazenda era<br />
membro nato da Junta Governativa que o substituía ou sucedia, por isso o Provedor não po<strong>de</strong>ria se<br />
ausentar da capital por muito tempo dada as consecutivas <strong>de</strong>mandas que necessitavam do seu<br />
parecer. A função da provedoria Mor da Fazenda não tinha fins apenas tributários ou fazendários,<br />
nela se encontrava a espinha dorsal da administração da Colônia, seja em seu funcionamento básico,<br />
seja no suporte militar.<br />
Eram funções da Provedoria Mor da Fazenda: arrecadar impostos, armazenar e comprar<br />
armas e munições, construir obras públicas e navios, organizar e financiar expedições <strong>de</strong><br />
apreamento indígena e quilombola, dar manutenção à balança pública, organizar o cunho da moeda<br />
e abastecimento alimentar das Capitanias.<br />
Por fim, a presença <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> na função <strong>de</strong> Provedor da Fazenda em<br />
1640 ressalta-se pelo seu alcance na administração os portos, controle das embarcações que<br />
entravam e saiam da Baia <strong>de</strong> Todos os Santos e do conteúdo que elas transportavam (inclusive as<br />
cartas), além disso, <strong>Lourenço</strong> era conhecido por todos os funcionários régios erradicados na Bahia<br />
pois a ele cabia o pagamento dos civis e militares que serviam no Brasil. Geralmente as monarquias<br />
nomeavam neste oficio a membros <strong>de</strong> famílias da Bahia, visto que este posto foi herdado pelo filho<br />
<strong>mais</strong> velho <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> após a sua morte. 62<br />
O Duque <strong>de</strong> Bragança foi anunciado novo Rei <strong>de</strong> Portugal em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1640, a notícia<br />
chega ao Brasil entre os meses <strong>de</strong> fevereiro e março <strong>de</strong> 1641, simultaneamente, a Corte <strong>de</strong> Madri<br />
envia or<strong>de</strong>ns expressas para que a rebelião <strong>de</strong> nobres portugueses fosse contida, tanto em Lisboa<br />
como no Ultramar, contudo, não obteve sucesso. 63<br />
Os primeiros homens a <strong>de</strong>monstrar fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao Rei D. João IV são mencionados nas Cartas<br />
ao Conselho Ultramarino, este era um sinal <strong>de</strong> como a a<strong>de</strong>são aos novos Reis e manifestações <strong>de</strong><br />
reconhecimento da sua soberania era importante naquele tempo, seja por dar provas públicas <strong>de</strong><br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e reconhecimento à Coroa Brigantina, seja para assinalar no espaço colonial a nova<br />
conjuntura política que o Reino atravessava, exigindo dos seus súditos a <strong>de</strong>vida fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e<br />
subserviência. O aspecto simbólico que a Restauração adquiriu entre os moradores da Bahia po<strong>de</strong><br />
ser visto em vários dias <strong>de</strong> festejos que ocorrerão na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador nos primeiros meses <strong>de</strong><br />
1641. 64<br />
O historiador Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda colabora com <strong>mais</strong> informações sobre a recepção<br />
da Restauração entre as li<strong>de</strong>ranças militares instaladas no Estado do Brasil:<br />
http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=98&id_obra=63&pagina=533<br />
62 MENDONÇA, Marcos Carneiro <strong>de</strong>. Raízes da formação Administrativa do Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Instituto<br />
Histórico e Geográfico Brasileiro/Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Cultura, 1972. P. 362-365.<br />
63 Os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>sta trama foi estudado por VALLADARES, Rafael. La Rebelión <strong>de</strong> Portugal. 1640-1680. Valladolid:<br />
Junta <strong>de</strong> Castilla y Leon – Consejeria <strong>de</strong> Educación y Cultura, 1998.<br />
64 TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil Colonial, São Paulo: Editora 34, 2000, p. 82.<br />
30
[...] Quanto a Salvador <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Sá, ligado à Espanha ainda <strong>mais</strong> que o primeiro [o<br />
Marques <strong>de</strong> Montalvão], pois era filho <strong>de</strong> mãe espanhola e casado com mulher espanhola,<br />
teve uma reação à notícia da aclamação <strong>de</strong> D. João IV um tanto inesperada. [...] hesitou e<br />
afinal, consultando a maioria, seguiu o exemplo <strong>de</strong> Montalvão. 65<br />
D. Jorge <strong>de</strong> Mascarenhas, o Marques <strong>de</strong> Montalvão, era um homem influente na política<br />
Ibérica, fora <strong>de</strong>stacado para estas partes do Atlântico ainda no Reinado <strong>de</strong> Filipe IV <strong>de</strong> Espanha,<br />
portanto, antes da Restauração. Recebeu o primeiro título <strong>de</strong> Vice Rei do Brasil concedido pelas<br />
mãos do Rei da Espanha e tinha or<strong>de</strong>ns para comandar a guerra e expulsar <strong>de</strong>finitivamente as tropas<br />
<strong>de</strong> Maurício <strong>de</strong> Nassau instaladas em Pernambuco, veio substituir principalmente para substituir o<br />
Con<strong>de</strong> da Torre. 66<br />
Montalvão inicia o período dos Vice-Reis no Brasil, esta atribuição tão extraordinária fora<br />
resultado <strong>de</strong> um histórico <strong>de</strong> sucesso militar colecionado ao longo da sua trajetória, este nobre<br />
apresentou estreitos laços <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e serviços, tanto com os Habsburgos como com os<br />
Bragança, percebe-se que ele soube tirar proveito do trânsito que tinha nas Cortes <strong>de</strong> Madri e <strong>de</strong><br />
Lisboa para manter-se próximo das dinastias Ibéricas, sempre prestou serviços militares e em cargos<br />
<strong>de</strong> alta patente, fortificando assim os laços <strong>de</strong> relação direta com os Reis, sejam eles quais fossem. 67<br />
Percebemos que tanto os documentos, como os historiadores que se <strong>de</strong>bruçaram sobre o<br />
estudo da a<strong>de</strong>são do Brasil à Restauração Brigantina apontam para a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do Marquês à D.<br />
João IV, ele seguiu um protocolo interessante: primeiro Montalvão impediu a entrada <strong>de</strong> qualquer<br />
embarcação na Bahia <strong>de</strong> Todos os Santos sem a sua expressa autorização, até que se apurassem os<br />
sentimentos dos moradores da Bahia quanto à nova conjuntura política.<br />
Depois, sabendo que uma guarnição <strong>de</strong> 600 infantes espanhóis estava na Bahia e<br />
precavendo-se do perigo <strong>de</strong> rebelião, or<strong>de</strong>nou que o Terço <strong>de</strong> Infantaria comandado por seu filho,<br />
D. Fernando Mascarenhas, 68 montasse guarda na Praça do Colégio dos Padres da Companhia <strong>de</strong><br />
65<br />
HOLLANDA, Sérgio Buarque <strong>de</strong>. (org.) História da civilização brasileira. Tomo I: A época Colonial, vol. I, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Bertrand, 1997, p. 188-189.<br />
66<br />
D. Fernando Mascarenhas, o Con<strong>de</strong> da Torre, recebeu este título por carta <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1638, outorgada por<br />
Felipe IV, foi “Comendador da Torre, <strong>de</strong> Fonte Arcada e <strong>de</strong> Rosamaninhal, na Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo, Senhor do Morgado da<br />
Gocharia, Governador e Capitão Geral <strong>de</strong> Ceuta e Tanger, Presi<strong>de</strong>nte do Senado da Câmara <strong>de</strong> Lisboa e Reformador<br />
das Fronteiras”, não confundir com o filho do Marquês <strong>de</strong> Montalvão, seu homônimo. Para maiores <strong>de</strong>talhes, ver:<br />
CAMPO BELLO, Henrique Leite Pereira <strong>de</strong> Paiva <strong>de</strong> Faria Távora e Cernache Con<strong>de</strong> <strong>de</strong>. Governadores Gerais e Vice<br />
Reis do Brasil. Edição oficial e comemorativa. Delegação Executiva às Comemorações centenárias <strong>de</strong> Portugal. Porto:<br />
1640, p.63. Ver também as informações <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>scendência na obra genealógica <strong>de</strong> GAYO, Felgueiras. Nobiliário <strong>de</strong><br />
Famílias <strong>de</strong> Portugal. Braga: Oficinas Gráficas Pax, 1941. § 224. n. 24.<br />
67<br />
Sobre o protagonismo do Marquês <strong>de</strong> Montalvão, no Ultramar Portugues ver: GOUVÊA, Maria <strong>de</strong> Fátima Silva.<br />
“Po<strong>de</strong>r político e administração na formação do complexo atlântico português: 1645-1808.” In: FRAGOSO, João Luís<br />
Ribeiro,; BICALHO, Maria Fernanda Baptista.; GOUVÊA, Maria <strong>de</strong> Fátima Silva. (orgs.). O Antigo Regime nos<br />
trópicos: a dinâmica imperial portuguesa, séculos XVI-XVIII. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 285-<br />
316.<br />
68<br />
D. Fernando Mascarenhas era filho <strong>de</strong> D. Jorge Mascarenhas, o Marquês <strong>de</strong> Montalvão, sua mãe chamava-se Dona<br />
Francisca <strong>de</strong> Vilhena. Ele manteve-se fiel, junto com seu pai, ao partido dos Bragança enquanto esteve na Bahia ao<br />
contrário dos seus irmãos e da Marquesa <strong>de</strong> Montalvão, que optaram em continuar leais aos Filipes <strong>de</strong> Espanha,<br />
Segundo Felgueiras Gayo, D. Fernando Mascarenhas, quinto filho do Marquês <strong>de</strong> Montalvão, foi Marechal do Reino<br />
em 1639, Senhor e Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Serem, nomeado em 1643 e também Senhor da Vila <strong>de</strong> Albergaria. Ver: GAYO,<br />
31
Jesus e que os soldados do Mestre <strong>de</strong> Campo Joanes Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Vasconcelos, seu amigo pessoal,<br />
estivessem atentos a qualquer or<strong>de</strong>m.<br />
O Con<strong>de</strong> da Ericeira informou que D. Jorge Mascarenhas utilizou esta cautelosa<br />
metodologia para sondar os ânimos dos principais da Bahia e encontrando neles confiança, reuniu a<br />
todos e mandou que cada um referisse em público sua a<strong>de</strong>são ao novo Rei <strong>de</strong> Portugal, <strong>de</strong>sta forma,<br />
percebemos o valor das <strong>de</strong>clarações públicas na socieda<strong>de</strong> colonial: ao afirmar a a<strong>de</strong>são ao novo<br />
Rei <strong>de</strong> Portugal, os fidalgos <strong>de</strong> grosso patrimônio e influência política da Bahia <strong>de</strong>claravam estar<br />
dispostos a servir com obediência ao novo comando político do Reino. O cronista ressaltou que a<br />
guarnição castelhana que estava em Salvador foi <strong>de</strong>sarmada sem violência e a cida<strong>de</strong> continuou em<br />
festa durante muitos dias comemorando o fim da hegemonia Espanhola. 69<br />
Para avalizar a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do Estado do Brasil à nova Coroa, o Marquês <strong>de</strong> Montalvão e<br />
primeiro Vice Rei do Brasil enviou o seu filho D. Fernando Mascarenhas, juntamente com o Padre<br />
Antônio Vieira para Lisboa; eles levavam cartas informando sobre a aclamação <strong>de</strong> D. João IV na<br />
América, o escrito atestava a lealda<strong>de</strong> do patriarca da família Montalvão à dinastia restaurada e<br />
dirimia quaisquer dúvidas quanto à a<strong>de</strong>são do Brasil ao partido do oitavo Duque <strong>de</strong> Bragança.<br />
Contudo, nem o Marquês <strong>de</strong> Montalvão, nem seu filho, pareciam suspeitar que, do outro lado do<br />
Oceano, o vigor da harmonia entre sua família e a Casa Real entronada estivesse ameaçada. Alguns<br />
filhos <strong>de</strong> Montalvão estavam <strong>de</strong>sgostosos com a mudança política e haviam <strong>de</strong>bandado para o lado<br />
espanhol. 70<br />
No Porto <strong>de</strong> Peniche, a notícia <strong>de</strong> que D. Pedro Mascarenhas e D. Jerônimo Mascarenhas –<br />
filhos do Marquês <strong>de</strong> Montalvão que residiam em Portugal – haviam fugido para Madri, já corria a<br />
cida<strong>de</strong> e o povo esperava furioso a chegada <strong>de</strong> <strong>mais</strong> um suposto traidor, quando a caravela aportou,<br />
D. Fernando Mascarenhas <strong>de</strong>u-se conta do perigo que corria. A turba enfurecida queria eliminá-lo e<br />
o excesso foi tanto que se o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Autoguia não acudisse o fidalgo, escon<strong>de</strong>ndo-o em sua<br />
morada, o recém-chegado do Brasil certamente teria morrido pois conseguiu se livrar da população<br />
revoltada, ainda que xingado e ferido por uma cutilada na cabeça. 71<br />
Aqui cabe um breve parêntese para assinalar a participação do Padre Antônio Vieira nesta<br />
ocasião, Pedro Calmon relembrou que o jovem jesuíta havia adquirido a afeição do Marquês <strong>de</strong><br />
Montalvão, a sua eloquência e aproximação com o vice-rei foi um dos elementos fundamentais para<br />
que ele fosse em comitiva atestar perante o Rei a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do comandante do Brasil, ressalte-se<br />
que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sta viagem o Padre Antônio Vieira passou algum tempo em Portugal e paulatinamente<br />
ingressou na vida da Corte Brigantina e nos meandros do po<strong>de</strong>r, tornou-se confessor <strong>de</strong> D, João IV<br />
Felgueiras. Nobiliário <strong>de</strong> Famílias <strong>de</strong> Portugal. Braga: Oficinas Gráficas Pax, 1941. § 295. n. 24.<br />
69 Op. Cit. MENEZES, D. Luiz <strong>de</strong> (Con<strong>de</strong> da Ericeria). História <strong>de</strong> Portugal Restaurado, p. 57<br />
70 I<strong>de</strong>m, parte I, livro III, p.134-136<br />
71 I<strong>de</strong>m pg. 66.<br />
32
e conselheiro da Rainha D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão. 72<br />
Para além da má recepção que teve ao chegar ao Reino, D. Fernando Mascarenhas tomou<br />
conhecimento que a Marquesa <strong>de</strong> Montalvão, sua mãe, estava <strong>de</strong>tida no Castelo <strong>de</strong> Arroyollos. O<br />
motivo <strong>de</strong>sse escândalo se encontrava na suspeita <strong>de</strong> que a senhora havia seguido o exemplo dos<br />
filhos e também estivesse prevaricando contra D. João IV. Contudo, o Rei teve a prova da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />
do primeiro vice-rei do Brasil aos Bragança e esperava que o jesuíta Francisco Vilhena cumprisse à<br />
risca as or<strong>de</strong>ns que lhe foram dadas.<br />
Anteriormente, mencionei a cuidadosa chegada do irmão Vilhena na praia <strong>de</strong> Itapoan, em<br />
1641, levando consigo as missivas secretas que orientavam <strong>de</strong>talhadamente como e em que<br />
circunstância ela <strong>de</strong>veria ser aberta, lida e aplicada. Os postos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembarque indicados para<br />
qualquer navio que atravessasse o Atlântico rumo a Bahia era no porto da antiga Vila do Pereira ou<br />
no porto situado à beira da Igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição da Praia, locais <strong>de</strong> águas calmas e<br />
apropriados como ancoradouro, porém repleto <strong>de</strong> comerciantes e <strong>de</strong> outras pessoas influentes que<br />
certamente dariam notícia rápidas às autorida<strong>de</strong>s locais sobre a chegada <strong>de</strong> um reinol à Bahia,<br />
portanto, não era apropriado <strong>de</strong>scer na movimentada Salvador, o <strong>de</strong>sembarque <strong>de</strong> Vilhena em<br />
Itapoan tinha a intenção <strong>de</strong> ser discreto e sigiloso. 73<br />
O Con<strong>de</strong> da Ericeira narra <strong>de</strong>sta forma a chegada do jesuíta:<br />
[...] [Francisco Vilhena] sahio em terra e <strong>de</strong>o a or<strong>de</strong>m a caravela que se fizesse ao mar;<br />
chegou a cida<strong>de</strong> e entrou no seu Colégio sem fazer rumor; e tendo notícias do sossego que<br />
o Estado do Brasil obe<strong>de</strong>cia a El Rey, executou com gran<strong>de</strong> imprudência a or<strong>de</strong>m que<br />
levava sua. 74<br />
Vemos, no relato, que Vilhena preferiu seguir por terra até o Colégio dos Jesuítas. Pela sua<br />
condição, o clérigo certamente não caminhou os quilômetros que separavam a vila <strong>de</strong> Itapoan da<br />
Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, certamente preferiu cavalgar, anonimamente, em cima do lombo <strong>de</strong> uma mula,<br />
meio <strong>de</strong> transporte <strong>de</strong> pessoas e mercadorias amplamente utilizado para cruzar o sertão baiano<br />
durante todo o XVII e que passava por Itapoan em seu itinerário. No caminho, o emissário real<br />
arquitetava meticulosamente o que fazer com tão importante tarefa.<br />
Mas porque tanto segredo? Porque um <strong>de</strong>sembarque às escondidas e tão discreto? Qual o<br />
conteúdo misterioso das or<strong>de</strong>ns do Rei e que <strong>de</strong>ram nova forma ao jogo político <strong>de</strong> 1641?<br />
Em tempos <strong>de</strong> Restauração Brigantina, todo cuidado era pouco quando o assunto era<br />
lealda<strong>de</strong> e fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao novo Rei, principalmente em se tratando do Brasil e dos altos oficiais que o<br />
administravam, <strong>de</strong>ntre os quais, muitos mantinham vínculos <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> com a Coroa espanhola.<br />
72 Op, cit. CALMON, Pedro. História do Brasil, vol2 (sec XVI-XVII), 1971. p. 628.<br />
73 Felisbello Freire afirmou que [...] dous caminhos comunicavam esta praça [Salvador] com a praia: um da banda do<br />
Norte para a fonte , então chamada do Pereira e do <strong>de</strong>sembocadouro da gente dos navios; ou ao Sul, para Nossa<br />
Senhora da Conceição e para <strong>de</strong>sembocadouro das mercadorias. op. Cit. FREIRE, Felisbello. História Territorial, p.<br />
59.<br />
74 I<strong>de</strong>m p. 161.<br />
33
O Marquês <strong>de</strong> Montalvão foi o primeiro Vice Rei do Brasil, nomeado por D. Filipe IV <strong>de</strong> Espanha e<br />
sua família mantinha laços evi<strong>de</strong>ntes com a Coroa Castelhana, apesar <strong>de</strong>ste vínculo, o professor<br />
Sérgio Buarque <strong>de</strong> Hollanda sintetizou a atitu<strong>de</strong> do Marquês <strong>de</strong> Montalvão ao tomar conhecimento<br />
que uma nova cabeça havia sido coroada em Portugal:<br />
[...] A notícia recebida por Montalvão é a da restauração <strong>de</strong> um reino e da <strong>de</strong>posição <strong>de</strong><br />
um reinado. A reação da autorida<strong>de</strong> é simples: rei morto, rei posto, viva o Rei! É isso<br />
exatamente o que lhe ditam os seus interesses imediatos. 75<br />
Era no misterioso manuscrito resguardado pelo jesuíta Francisco Vilhena que se encontrava<br />
o interesse do monarca: caso o Marquês <strong>de</strong> Montalvão ainda não houvesse aclamado D. João IV<br />
como Rei <strong>de</strong> Portugal, ou se houvesse alguma suspeita <strong>de</strong> que este fidalgo assumisse o partido <strong>de</strong><br />
Castela, o irmão Vilhena <strong>de</strong>veria instituir uma Junta Governativa, composta pelo Provedor Mor da<br />
Fazenda, do Mestre <strong>de</strong> Campo <strong>mais</strong> velho e pelo Bispo do Brasil e após isso, <strong>de</strong>clarar <strong>de</strong>posto o<br />
Vice Rei em exercício.<br />
Ora, o emissário teve ciência da lealda<strong>de</strong> do Marques <strong>de</strong> Montalvão e da solene aclamação<br />
Brigantina na Bahia por ele li<strong>de</strong>rada, mesmo assim, Vilhena convocou os possíveis novos<br />
governadores e lhes mostrou a Carta Régia, contrariando a metodologia or<strong>de</strong>nada pelo Rei e, como<br />
se não bastasse, referendou a posse <strong>de</strong> uma junta governativa que pela primeira vez <strong>de</strong>rrubou um<br />
Vice Rei do Brasil. 76<br />
A sala <strong>de</strong> reuniões do Colégio dos Padres Jesuítas foi on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>u a posse <strong>de</strong>ste governo<br />
provisório, eram eles: <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, Provedor-mor da Fazenda Real, Luiz Barbalho<br />
Bezerra, Mestre <strong>de</strong> Campo <strong>mais</strong> velho do Terço <strong>de</strong> Infantaria e o Bispo do Brasil, D. Pedro da Silva<br />
Sampaio; 77 saliente-se que estes homens estavam cientes da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> manifestada por D. Jorge<br />
Mascarenhas ao Duque <strong>de</strong> Bragança, todavia eles seguiram as instruções <strong>de</strong> Vilhena e assumiram o<br />
governo do Brasil e após isto, trataram <strong>de</strong> justificar a substituição. 78<br />
Depois <strong>de</strong> empossar os substitutos do vice-rei, o irmão Vilhena se encarregou <strong>de</strong> entregar a<br />
Carta Régia que <strong>de</strong>stituía D. Jorge Mascarenhas do cargo. Ele aceitou, resignado, esta posição<br />
estranha e se retirou da residência do Governador para o seu domicílio particular. Como a situação<br />
política não era propícia ao Marquês e as notícias do Brasil <strong>de</strong>moravam para chegar ao Reino, o<br />
triunvirato baiano iniciou o processo <strong>de</strong> recolhimento <strong>de</strong> provas contra Montalvão e também operou<br />
75 Op. Cit. HOLLANDA, Sérgio Buarque <strong>de</strong>. (org.) História da civilização brasileira. p. 198.<br />
76 A possível vinculação do Marquês <strong>de</strong> Montalvão com os opositores à elevação <strong>de</strong> D. João IV foi estudada por<br />
CURTO, Diogo Ramada. “A Restauração <strong>de</strong> 1640: nomes e pessoas.” In: Península. Revista <strong>de</strong> Estudos Ibéricos. n. 0,<br />
Porto: Instituto <strong>de</strong> Estudos Ibéricos/Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras do Porto, 2003. p. 333.<br />
77 Para <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes ver: JESUS, Raphael <strong>de</strong>. Castrioto Lusitano ou Historia da guerra entre o Brasil e a Hollanda,<br />
durante os annos <strong>de</strong> 1624 a 1654, terminada pela Gloriosa Restauração <strong>de</strong> Pernambuco e das capitanias<br />
confiantes obra em que se <strong>de</strong>screvem os heroicos feitos do ilustre João Fernan<strong>de</strong>s Vieira, e dos valerosos capitães<br />
que com elle conquistarão a in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia nacional. Pariz: J. P. Aullaud, 1844, p. 187-190.<br />
78 Ver também as informações dadas sobre a participação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> nesta Junta Governativa em VARNHAGEN,<br />
Francisco Adolfo <strong>de</strong>. História Geral do Brazil, Tomo I, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria Clássica, p.590.<br />
34
algumas reformas que julgavam necessárias. 79<br />
Devassaram os documentos pessoais do primeiro Vice Rei em busca <strong>de</strong> possíveis<br />
aproximações com Espanha, em contrapartida, Montalvão tratava <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r das acusações<br />
contra ele levantadas e, para não ser preso, tentou se refugiar no Colégio dos Jesuítas. Malgrado, o<br />
Colégio não era território neutro, nem garantia imunida<strong>de</strong> para este nobre, especialmente naquele<br />
contexto político em que um jesuíta sacramentara sua <strong>de</strong>poisição. A Junta mandou pren<strong>de</strong>r D. Jorge<br />
<strong>de</strong> Mascarenhas e <strong>mais</strong> dois militares <strong>de</strong> renome, apenas por serem seus amigos, eram eles o Mestre<br />
<strong>de</strong> Campo Joane Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Vasconcelos e o Sargento Mor Diogo Gomes <strong>de</strong> Figueiredo.<br />
Pren<strong>de</strong>r e soltar pessoas nesta época eram estratégias amplamente utilizadas para garantir a<br />
governabilida<strong>de</strong>, como veremos na ocasião do Vice Reinado do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos. Por enquanto,<br />
cabe dizer que em 1641 o primeiro ato da Junta Governativa composta por Bispo, Barbalho e <strong>Brito</strong><br />
foi libertar da prisão duas pessoas importantes da socieda<strong>de</strong> baiana e ligadas ao novo triunvirato,<br />
elas haviam sido presas pelo anterior vice-rei por acusação <strong>de</strong> um assassinato à luz do dia.<br />
As provas que a Junta Governativa tinha para po<strong>de</strong>r justificar a <strong>de</strong>posição <strong>de</strong> Montalvão<br />
foram as cartas escritas pelos filhos <strong>de</strong> D. Jorge Mascarenhas, interceptadas por <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong><br />
<strong>Correa</strong> em uma embarcação <strong>de</strong> Sevilha que aportou na Baía <strong>de</strong> Todos os Santos, o conteúdo da<br />
epístola estimulava a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> D. Jorge Mascarenhas ao governo <strong>de</strong> Espanha, também foi<br />
apreendida uma carta pessoal do Rei Felipe IV orientando que D. Jorge Mascarenhas conservasse a<br />
Colônia em obediência à Castela. 80<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e os <strong>de</strong><strong>mais</strong> integrantes da Junta Governativa estavam cientes da<br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do vice-rei do Brasil à D. João IV, mesmo assim, assumiram o governo e seguiram as<br />
or<strong>de</strong>ns régias trazidas pelo Jesuíta Francisco <strong>de</strong> Vilhena em 1641. Os motivos que levaram o jesuíta<br />
a fazer tal manobra política e a consequente <strong>de</strong>posição do Marquês <strong>de</strong> Montalvão foram estudados<br />
com <strong>de</strong>talhes pelo historiador Pablo Magalhães. De acordo com sua pesquisa, a historiografia do<br />
século XIX apresentou uma versão equivocada acerca da <strong>de</strong>posição do primeiro Vice Rei do Brasil,<br />
ligando-a a uma possível conspiração jesuítica li<strong>de</strong>rada pelo Bispo da Bahia, D. Pedro da Silva<br />
Sampaio, contudo, o historiador afirma que não conseguiu encontrar documentação comprobatória<br />
79 Luiz Henrique Dias Tavares constatou que os motivos que levaram Vilhena a operar a <strong>de</strong>posição do Marques <strong>de</strong><br />
Montalvão continuam sem explicação convincente: op. Cit. TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia, 2001,<br />
p.146. Fernando Bouza Alvares compreen<strong>de</strong>u que tanto a esposa <strong>de</strong> Montalvão quanto dois filhos seus permaneceram<br />
fiéis à Castela. Jerônimo Mascarenhas, por exemplo, tornou-se um dos principais expoentes do grupo <strong>de</strong> fidalgos<br />
portugueses que então permaneceu na Espanha. Tornou-se Bispo <strong>de</strong> Segóvia e faleceu em 1672. Quanto a D. Pedro<br />
Mascarenhas, passou para o Reino <strong>de</strong> Castela assumindo o título <strong>de</strong> 2º Marques <strong>de</strong> Montalvão. Ver: ÁLVAREZ,<br />
Fernando Bouza. Portugal no tempo dos Filipes. Lisboa: Cosmos, 2000, capítulo X.<br />
80 Op. cit LENK, Wolfgang. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalida<strong>de</strong> e administração da Bahia (1624-1654).<br />
2009, p 156.<br />
35
que ateste esta conjura, ainda que perceba a participação fundamental da Companhia <strong>de</strong> Jesus neste<br />
episódio. 81<br />
4 - Depois do governo, o emprazamento<br />
A Junta Governativa composta por Bispo, Barbalho e <strong>Brito</strong> administrou o Estado do Brasil<br />
do dia 16 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1641 até 26 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1642. É válido salientar que os novos mandatários<br />
assinavam suas cartas como [...] Governadores <strong>de</strong>ste Estado do Brazil com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> VizoRey e<br />
capitão geral. 82 Não nos cabe aqui avaliar os pormenores da gestão <strong>de</strong>ste triunvirato, importa dizer<br />
que, <strong>de</strong> acordo com Robert Southey, os três governadores promoveram o diálogo com os<br />
holan<strong>de</strong>ses instalados em Pernambuco, o fim da hegemonia Espanhola na Península Ibérica<br />
possibilitou uma nova relação <strong>de</strong> Portugal com os Países Baixos e a Junta Governativa tratou <strong>de</strong><br />
estabelecer esta comunicação:<br />
[...] os três governadores, que <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>posição do viso-rei havião sido investidos do<br />
po<strong>de</strong>r na Bahia, mandarão ao Recife Pedro <strong>Correa</strong> da Gama e o Jesuíta Vilhena, a<br />
combinar o modo <strong>de</strong> estabelecer relações pacíficas entre as duas partes, até que pelos<br />
respectivos governos se arranjassem as couzas <strong>de</strong>finitivamente na Europa, 83<br />
A Junta <strong>de</strong> Governo comandou o Brasil durante 16 meses e 10 dias, foi Antonio Telles da<br />
Silva (1642-1647) quem substituiu os três governadores e também ficou ao seu cargo a apuração<br />
dos acontecimentos que resultaram na <strong>de</strong>posição <strong>de</strong> D. Jorge Mascarenhas, o Marquês <strong>de</strong><br />
Montalvão. 84 Saliente-se que a prisão e envio <strong>de</strong> Luiz Barbalho Bezerra e <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
para Portugal não está associado à <strong>de</strong>posição do Marquês <strong>de</strong> Montalvão e sim aos motivos que a<br />
<strong>de</strong>vassa acima mencionada revela. Mais uma vez, o historiador Pablo Magalhães auxilia a<br />
compreensão, sua pesquisa aponta que o motivo principal para justificar a viagem <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> para<br />
Portugal foi a acusação <strong>de</strong> <strong>de</strong>scaminho na folha <strong>de</strong> pagamento do Estado do Brasil, efetuado pelos<br />
governadores substitutos:<br />
Os três governadores acharam por bem que cada um <strong>de</strong>veria retirar o vencimento que<br />
competia anualmente ao cargo <strong>de</strong> Governador Geral, ou seja, 1:500 cruzados. Ao invés <strong>de</strong><br />
dividir o valor por três, cada um retirou integralmente o montante total, somando 4:500<br />
cruzados. O total retirado pelos governadores causou um <strong>de</strong>ficit <strong>de</strong> 9:000 cruzados na<br />
Fazenda Real, ou seja, 1/3 do total da folha anual para a Bahia. 85<br />
81 MAGALHÃES, Pablo Antonio Iglesias. “Equus Rusus” A Igreja Católica e as Guerras Neerlan<strong>de</strong>sas na Bahia<br />
(1624-1654). Tese <strong>de</strong> Doutorado. UFBA. 2010. p. 206-210. Neste trabalho encontramos <strong>de</strong>talhes das ações que a Junta<br />
Governativa perpetrou para estabelecer as primeiras relações com os neerlan<strong>de</strong>ses <strong>de</strong> Pernambuco, já iniciada por<br />
Montalvão e Nassau <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros meses <strong>de</strong> 1641.<br />
82 AHU, LF, Cx8, Doc. 941, 05/11/1641: Provisão dos governadores do Brasil (três) dando ao Capitão Duarte <strong>Correa</strong><br />
Vasqueanes o Governo do Rio <strong>de</strong> Janeiro, em substituição <strong>de</strong> Salvador <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Sá.<br />
83 SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Tomo III, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria Garnier, 1862, p. 6.<br />
84 Afonso Ruy constatou “posturas tiranas” durante a gestão do Bispo, Barbalho e <strong>Brito</strong>, [...] anular resoluções, <strong>de</strong>rrogar<br />
posturas e cancelar imposições fiscais que importavam em reduzir a renda pública, eram práticas <strong>de</strong>ste triunvirato e<br />
consi<strong>de</strong>radas tiranas pelo historiador. Ver: RUY, Affonso. História política e administrativa da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador.<br />
Salvador: Tipografia Beneditina, 1949. p.120.<br />
85 Op. cit. MAGALHÃES, Pablo Antonio Iglesias. “Equus Rusus” A Igreja Católica e as Guerras Neerlan<strong>de</strong>sas na<br />
Bahia (1624-1654). 2010. p.208.<br />
36
No dia 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1642, o processo contra <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> estava<br />
instalado, temos acesso às [...] perguntas que se <strong>de</strong>vem fazer na <strong>de</strong>vassa contra <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong><br />
<strong>Correa</strong> e Luis Barbalho Bezerra 86 e o resultado <strong>de</strong>sta investigação foi o emprazamento 87 dos ex-<br />
governadores.<br />
Se o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> Luiz Barbalho Bezerra foi o perdão, o caminho <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
foi a ca<strong>de</strong>ia: conhecemos a consulta que o Conselho Ultramarino fez em relação a <strong>Lourenço</strong> e seu<br />
pedido <strong>de</strong> perdão régio, sete anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido preso e embarcado para respon<strong>de</strong>r inquérito<br />
administrativo em Lisboa. Em 19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1649, após consecutivos pedidos <strong>de</strong> vistas ao Rei<br />
sobre o seu caso, o Conselho lançou um parecer fazendo um breve histórico da vida do suplicante e<br />
sua especial condição <strong>de</strong> fidalgo:<br />
[...] foy hu dos governadores do Estado do Brazil; em qual alega, que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter servido<br />
a Vossa Magesta<strong>de</strong> anno e meio lhe mandou Vossa Magesta<strong>de</strong> levantar omenagem, e que<br />
viesse logo emprazado a este Reino, don<strong>de</strong> foy preso e o esteve seis anos por esta causa. 88<br />
Os motivos que comprovaram a inocência <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> foram encontrados<br />
nos documentos apreendidos pela Junta Governativa, após a <strong>de</strong>posição do Vice Rei do Brasil. Tais<br />
epístolas foram interceptadas pelo próprio <strong>Lourenço</strong> em uma [...] fragatta que El Rey <strong>de</strong> Castella<br />
mandou com cartas ao Marques <strong>de</strong> Montalvão, que elle ren<strong>de</strong>o 89 . Oportunamente, veremos que a<br />
astúcia <strong>de</strong> averiguar o conteúdo das cartas que levava o já mencionado navio <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>ira espanhola<br />
apreendido na Bahia <strong>de</strong> Todos os Santos foi utilizada como argumento para obter benefícios<br />
financeiros no final da sua estadia na ca<strong>de</strong>ia do Limoeiro, em Portugal.<br />
Os papéis referentes a <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> <strong>de</strong>talham que todo o seu procedimento<br />
quando fora um dos governadores do Brasil foi investigado criteriosamente, pois [...] processandose<br />
<strong>de</strong>vassas 90 e rizi<strong>de</strong>ncias 91 , assim na Bahia como nesta Corte, foi sentenciado solto e livre, e julgado<br />
86<br />
AHU, LF, Cx9, Doc 1021. Neste documento encontramos <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes sobre os outros aspectos da Junta Governativa<br />
que estavam sendo objeto <strong>de</strong> apuração pelo Governador do Brasil que os suce<strong>de</strong>u. Ver também, na mesma caixa, o<br />
documento 1022 que lista as pessoas indicadas para testemunhar neste caso. Robert Southey nos diz que [...]Barbalho e<br />
<strong>Brito</strong> foram por conseguinte prezos para o Reino; o primeiro foi perdoado, imputando-se-lhe a falta <strong>de</strong> juízo os erros, o<br />
segundo jazeu muitos annos na enxovia comum <strong>de</strong> Lisboa, e o bispo escapou com pena <strong>mais</strong> leve, tendo apenas <strong>de</strong><br />
repor os emolumentos recebidos durante a sua administração. Ver: op. cit. SOUTHEY, Robert. História do Brasil.<br />
Tomo III, 1862, p. 28.<br />
87<br />
Segundo Raphael Bluteau, “emprazar”, significava [...] citar alguém para que em certo dia appareça diante do juiz ou<br />
emprazar é mandar huma justiça superior a outra inferior, para que va diante <strong>de</strong>lla dar a razão da queyxa, que <strong>de</strong>lla<br />
fez & isto vem a respon<strong>de</strong>r, ou assemelhar-se a uma citação que se manda fazer aquella justiça, pondo-lhe termo certo<br />
para emprazar alguém. Op. Cit. Raphael Bluteau. Vocabulario Portuguez e Latino. V.3, p. 68. O emprazamento <strong>de</strong><br />
algumas autorida<strong>de</strong>s do Brasil consistia, em alguns casos, na viagem para o Reino até que a fosse concluída toda a<br />
investigação.<br />
88<br />
AHU, LF, Cx. 11, Doc.1355, 19/11/1649.<br />
89<br />
i<strong>de</strong>m<br />
90<br />
Devassas foram atos jurídicos, amplamente aplicados pela Administração Ultramarina e que na Bahia ganhou<br />
contornos especiais. Em termos específicos é a inquirição <strong>de</strong> um crime, apurado a partir do relato <strong>de</strong> testemunhas acerca<br />
<strong>de</strong> algum caso criminal, que tomava dimensões públicas. Op. Cit. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e<br />
Latino v.3, p.180<br />
91<br />
Em termos administrativos, residência significava um criterioso processo <strong>de</strong> investigação da probida<strong>de</strong> administrativa<br />
dos funcionários da Coroa, <strong>de</strong>stacados no Brasil. Para isso era nomeado um Juiz <strong>de</strong> Fora, Corregedor ou Ouvidor que,<br />
37
que havia servido bem a Vossa Magesta<strong>de</strong>. 92<br />
Na Bahia, [...] por se achar que recebera dinheiro que o povo fintara para o sustento dos<br />
soldados, sendo pelo contrário, e pertencente a fazenda real 93 , os bens <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
foram sequestrados por um Alvará do Rei, or<strong>de</strong>nando que o Conselho da Fazenda executasse na<br />
Bahia as suas posses enquanto estava prisioneiro em Lisboa.<br />
Os autos apontam que foram confiscados [...] três mil cruzados que recebeo a conta <strong>de</strong> seu<br />
or<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> Governador (como se lhe fez). 94 Com esta medida, as rendas ordinárias <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> ficaram bloqueadas, causando prejuízo tanto para pagar as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> sua família na<br />
Bahia, tanto para custear os honorários <strong>de</strong> seu livramento no Reino. Para além <strong>de</strong> ter o seu salário<br />
suspenso, o patrimônio <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> também foi liquidado, a Fazenda do Brasil<br />
tratou <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r [...] todos seus escravos, e gados em leilão a diversas pessoas, com perda mui<br />
consi<strong>de</strong>rável. 95<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> conheceu a outra face da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa e passou [...] <strong>mais</strong> <strong>de</strong><br />
sete anos (1642 a 1649) trancafiado na Ca<strong>de</strong>ia do Limoeiro, não consegui encontrar nenhum<br />
documento que referencia a situação em que <strong>Lourenço</strong> se encontrava em Lisboa durante este espaço<br />
<strong>de</strong> tempo.<br />
Em 1649, o fidalgo da Bahia reclamava [...] os quintos das fazendas que tinha direito pela<br />
prisão da fragata Espanhola que pren<strong>de</strong>ra em Salvador, [...] por particular mercê que Vossa<br />
Magesta<strong>de</strong> fez aos Governadores do Estado do Brazil por alvará <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1613. 96<br />
Confiando no pagamento <strong>de</strong>ste débito, ele emprestou a quantia sem mesmo tê-la recebido [...] para<br />
ajuda do sustento dos soldados, que naquela época penavam com a ausência <strong>de</strong> víveres e reaver<br />
esta <strong>de</strong>spesa se tornava imprescindível para o seu livramento e custeio <strong>de</strong> sua vida.<br />
Esta consulta do Conselho Ultramarino informa com clareza a condição jurídica em que<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> se encontrava em Portugal, no ano <strong>de</strong> 1649 e a notícia do seu regresso<br />
para a América: [...] E hora esta <strong>de</strong>gredado para o Brazil por dous annos, pela acusação que lhe fez<br />
Gaspar Sinel, que vai cumprir nesta frota 97 .<br />
durante um mês perguntava, aos Oficias da Correição e outras testemunhas da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong> vilas circunvizinhas no raio<br />
<strong>de</strong> seis léguas, se o ex-funcionário havia se beneficiado do seu po<strong>de</strong>r para conseguir privilégios como: [...] recebimento<br />
<strong>de</strong> peytas, dádivas ou empréstimos, [...]se teve cuidado <strong>de</strong> saber dos malfeytores, se os pren<strong>de</strong>o ou <strong>de</strong>yxou, <strong>de</strong>ntre<br />
outras apurações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m administrativa que qualificaria ou reprovaria sua gestão. Op. Cit. BLUTEAU, Raphael.<br />
Vocabulario Portuguez e Latino, v.7, p. 281.<br />
92<br />
op. Cit. AHU, LF, Cx. 11, Doc.1355<br />
93<br />
I<strong>de</strong>m<br />
94<br />
i<strong>de</strong>m<br />
95<br />
i<strong>de</strong>m<br />
96<br />
i<strong>de</strong>m<br />
97<br />
I<strong>de</strong>m. Gaspar Sinel era um familiar do Santo Ofício da Inquisição <strong>de</strong> Lisboa, conforme atesta a Diligencia <strong>de</strong><br />
Habilitação <strong>de</strong> Gaspar Sinel em PT/TT/TSO-CG/A/008-001/10086: Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral,<br />
Habilitações, Gaspar, mç. 2, doc. 73. Disponível em: http://digitarq.dgarq.gov.pt/<strong>de</strong>tails?id=2329018 Acessado em<br />
13/09/2011, às 15:37.<br />
38
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> foi <strong>de</strong>gredado do Reino e atravessou o Atlântico para cumprir uma<br />
pena <strong>de</strong> dois anos no Brasil. Sua primeira viagem compulsória, da Bahia para o Reino, foi por<br />
indícios <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa, contudo, em 1649, <strong>Lourenço</strong> refaz o caminho <strong>de</strong> volta para<br />
a América por uma acusação formulada por um membro da Inquisição <strong>de</strong> Lisboa.<br />
Não conhecemos ainda os argumentos levantados por Gaspar Sinel para justificar o <strong>de</strong>gredo<br />
<strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> volta para a Bahia, o que sabemos é que Gaspar fora um conhecido familiar do<br />
Tribunal do Santo Ofício e que suas acusações foram suficientes para fazer <strong>Lourenço</strong> cruzar o<br />
Atlântico na condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>gredado por dois anos <strong>de</strong> volta ao Brasil, uma viajem que parece ter<br />
sido proveitosa para o bisneto do Caramuru, analisaremos este aspecto com <strong>mais</strong> cuidado a seguir.<br />
Afonso Costa levanta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> ter subornado algumas<br />
pessoas para conseguir regressar à Bahia, 98 aparentemente, esta suposição não parece coadunar com<br />
o que diz os autos do processo em tela, principalmente se levarmos em conta a <strong>de</strong>licada situação<br />
financeira que este <strong>sujeito</strong> apresentava antes <strong>de</strong> voltar à América:<br />
[...] esta muito carregado <strong>de</strong> dívidas que fez em <strong>mais</strong> <strong>de</strong> sette annos que esteve prezo, e o<br />
que tinha no Brazil Vossa Magesta<strong>de</strong> mandou ven<strong>de</strong>r, e cobrar o dinheiro para a sua real<br />
fazenda sem ele <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> ser <strong>de</strong>vedor <strong>de</strong> couza algua, antes a fazenda real lhe<br />
<strong>de</strong>ve 99 .<br />
Apesar <strong>de</strong> contar sua miséria, o fidalgo baiano <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> relembrava sua<br />
condição <strong>de</strong> credor da Fazenda, o suplicante [...] pe<strong>de</strong> a Vossa Magesta<strong>de</strong> humil<strong>de</strong>mente lhe faça<br />
mercê visto o que allega 100 . Resumindo sua petição, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> solicitava que o<br />
pagamento dos or<strong>de</strong>nados <strong>de</strong> cada ano que serviu como Governador do Brasil fosse pago na Bahia,<br />
[...] indo na folha ordinária como he costume e que da mesma maneira se lhe paguem os quintos<br />
das fazendas e da fragata <strong>de</strong> Sevilha na forma do alvará <strong>de</strong> Vossa Magesta<strong>de</strong> referido. 101<br />
A palavra final do Conselho Ultramarino sobre este caso só foi dada no dia 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />
1650, quando <strong>Lourenço</strong> tinha 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, pouco <strong>mais</strong> ou menos. Os juízes Jorge <strong>de</strong> Castilho,<br />
João Delgado e Diogo Lobo Pereira trataram dos seus pedidos: sobre a quantia <strong>de</strong> três mil cruzados,<br />
que alegava ter direito por serviços prestados como um dos três Governadores, os magistrados<br />
assim enten<strong>de</strong>ram:<br />
[...] Os governadores do Brasil tem <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nado a cada anno, três mil cruzados, e a este<br />
respeito parece que a mesma quantia se <strong>de</strong>ve repartir pelos três que servirão <strong>de</strong> que hu foi<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, a que cabem mil cruzados por hum anno e o <strong>mais</strong> que se manter<br />
98 op. Cit. COSTA, Afonso. Baianos <strong>de</strong> Antanho (Biografias), p 304.<br />
99 op. Cit. AHU, LF, Cx. 11, Doc.1355. Apesar <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> manifestar em seu discurso a pobreza e<br />
privações que vivia enquanto esteve preso no Reino, vemos em outros documentos que a sua situação financeira não era<br />
tão periclitante como narrava, ele continuou a receber os benefícios que o Hábito da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo e comendas da<br />
Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Santiago lhe conferia, em um Alvará, escrito em 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1646, ele recebeu a promessa <strong>de</strong> 60$000 réis<br />
<strong>de</strong> pensão nos bens da Or<strong>de</strong>m com o Hábito <strong>de</strong> Cristo, em 16 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1647 recebeu outra pensão, por meio <strong>de</strong> um<br />
Alvará com a quantia <strong>de</strong> 10$000 réis na Comenda <strong>de</strong> Santiago <strong>de</strong> Bedoido. Ver: Série: ANTT. Or<strong>de</strong>ns Militares,<br />
Registro Geral <strong>de</strong> Mercês e Or<strong>de</strong>ns, livro 2, folhas 183 e 263.<br />
100 op. Cit. AHU, L F, Cx. 11, Doc.1355<br />
101 i<strong>de</strong>m<br />
39
nos mezes que <strong>mais</strong> serviu que forão quatro ou cinco e se <strong>de</strong>ve liquidar. 102<br />
Vale salientar que os Conselheiros não fizeram referência, neste documento, sobre os<br />
direitos dos quintos das fazendas da fragata <strong>de</strong> Sevilha, apreendidas por <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>,<br />
conforme o pedido que fez na carta <strong>de</strong> 1649.<br />
Ainda não sabemos se <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> conseguiu reaver as dívidas que a Fazenda<br />
Real tinha com a sua pessoa, também não conhecemos o resultado das outras petições que ele fazia,<br />
apesar <strong>de</strong>sta limitação, a trajetória <strong>de</strong>ste fidalgo da Bahia – preso em Portugal, quebrado em suas<br />
finanças e mandado <strong>de</strong> volta à América – precisa ser <strong>mais</strong> bem compreendida.<br />
Para isso, seguiremos a sua carreira ao longo da década <strong>de</strong> 1650 e 1660 a fim <strong>de</strong><br />
percebermos que, apesar <strong>de</strong> expulso do Reino, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> continuou a exercer papel<br />
protagonista na Bahia Colonial, em companhia <strong>de</strong> outros indivíduos que coadunavam com as suas<br />
pretensões políticas.<br />
A paisagem monótona do Oceano Atlântico era uma constante para os olhos dos viajantes<br />
que iam e vinham do Reino com as <strong>mais</strong> diversas finalida<strong>de</strong>s. A tranquilida<strong>de</strong> do percurso era<br />
quebrada quando se avistava corsários ou embarcações inimigas que pilhavam as mercadorias,<br />
aprisionavam ou matavam os resistentes.<br />
Quando não era por motivos humanos, a natureza também se encarregava <strong>de</strong> animar a<br />
viagem transatlântica brindando os navegantes com temporais que viravam embarcações, ventos<br />
repentinos <strong>de</strong>sviavam a frota do seu curso, levando-as a locais distantes e hostis, nevoeiros, bancos<br />
<strong>de</strong> areia e pedregulhos exigiam extrema atenção dos condutores e súplica perene a Nossa Senhora<br />
do Desterro, padroeira dos <strong>de</strong>gredados tripulantes.<br />
Oração e jejum eram ativida<strong>de</strong>s religiosas em alto mar que quebrava a rotina dos meses <strong>de</strong><br />
uma viagem marítima que atravessava o Trópico <strong>de</strong> Câncer e a linha do Equador, em direção ao<br />
hemisfério Sul.<br />
Os cronistas da época rememoravam as novenas e tríduos comemorativos aos santos da<br />
<strong>de</strong>voção portuguesa feitas durante a viagem, fazia-se procissões com o Santíssimo Sacramento ao<br />
redor do convés e o tradicional apego à virgem Maria eternizava-se na <strong>de</strong>clamação do Ofício <strong>de</strong><br />
Nossa Senhora e das 150 ave-marias do rosário. 103 Dentre as orações <strong>mais</strong> significativas que estes<br />
católicos viajantes repetiam, a Salve Regina era a que encerrava a <strong>de</strong>clamação das loas à virgem<br />
Maria, esta antiga oração católica adquire um sentido especial para o estudo em tela.<br />
Sérgio Buarque <strong>de</strong> Hollanda fez um estudo acerca das diferentes representações que teve o<br />
Brasil no quadro da mentalida<strong>de</strong> europeia durante os séculos posteriores à chegada dos portugueses.<br />
102 i<strong>de</strong>m<br />
103 BRITO, Bernardo Gomes <strong>de</strong>. História Trágico Marítima (1688-1759). Barcelos: Companhia Editora do Minho,<br />
1942. Nesta obra temos <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes da vida em alto mar, <strong>de</strong>voções, epi<strong>de</strong>mias e folguedos durante as viagens<br />
oceânicas protagonizadas por Portugal durante os séculos XVII e XVIII.<br />
40
A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um Brasil edênico, fonte <strong>de</strong> fartura e felicida<strong>de</strong>, um Paraíso Terrestre poupado pelas<br />
águas do dilúvio, tornou-se, com a efetiva conquista e colonização <strong>de</strong> suas terras e habitantes, um<br />
local on<strong>de</strong> se constatou a presença do diabo em suas diferentes formas e, consequentemente,<br />
percebia-se que o pecado não havia poupado o Pindorama, repleto <strong>de</strong> gentio bravo e comedores <strong>de</strong><br />
gente ou <strong>de</strong> epi<strong>de</strong>mias consecutivas. Sérgio Buarque citou uma epístola <strong>de</strong> Paulo, na qual o apóstolo<br />
relembrava a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma que, por culpa do pecado original <strong>de</strong> Adão e Eva, a humanida<strong>de</strong><br />
[...] geme e pa<strong>de</strong>ce até hoje (Rm 8:22). 104<br />
Na Salve Rainha, <strong>de</strong>clamada nesta época em Latim, as palavras <strong>de</strong> Paulo são repetidas, a<br />
humanida<strong>de</strong> privada da graça Divina por causa do pecado original estava gementes et flentes in<br />
lacrimarum vale 105 . O Vale <strong>de</strong> Lágrimas era concebido na mentalida<strong>de</strong> da época como o mundo<br />
material, uma antítese do Paraíso, pois estava repleto <strong>de</strong> doenças, perigos e morte, neste espaço<br />
estava <strong>de</strong>gredada toda a <strong>de</strong>scendência <strong>de</strong> Eva: exsules Filii Hevae. 106<br />
O Brasil, concebido pelos homens e mulheres dos Seiscentos como o É<strong>de</strong>n bíblico, vai<br />
tomando feições <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> Vale <strong>de</strong> Lágrimas, especialmente na visão <strong>de</strong> algumas pessoas que<br />
do Reino foram <strong>de</strong>gredadas para a América Portuguesa, a aventura da viagem pelo Oceano tornou-<br />
se um verda<strong>de</strong>iro rito <strong>de</strong> passagem, conforme enten<strong>de</strong>u Laura <strong>de</strong> Mello e Souza, ao analisar o<br />
sentido <strong>de</strong> Brasil–Purgatório, compartilhado por aqueles que cruzaram o Atlântico durante o século<br />
XVII. 107<br />
Todavia, <strong>de</strong>ntre os muitos viajantes portugueses que vieram cumprir pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>gredo no<br />
Brasil estava <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, um curioso <strong>de</strong>gredado, pois, como sabemos, havia nascido<br />
na América, foi preso e enviado para o Reino em 1642 por motivos administrativos e, em 1649, sua<br />
punição foi voltar <strong>de</strong>gredado para o Brasil por acusações recebidas em Portugal.<br />
Certamente, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> não encarava a terra <strong>de</strong> seus pais e avós como um<br />
local hostil, seu Vale <strong>de</strong> Lágrimas havia sido no Reino, lá esteve preso por muitos anos longe dos<br />
seus parentes e aliados. Regressar ao Brasil era uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reaver o que per<strong>de</strong>u no tempo<br />
que estava <strong>de</strong>tido no Limoeiro e voltar à cena político-administrativa da Colônia.<br />
Em Salvador ele tinha um nome a zelar bem como um po<strong>de</strong>roso respaldo familiar que o<br />
colocava em uma situação política privilegiada, ele voltava à cida<strong>de</strong> após anos <strong>de</strong> reclusão no Reino<br />
e tinha sua imagem <strong>de</strong> veterano <strong>de</strong> guerra e ex-governador do Brasil ainda permanente na memória<br />
dos moradores da Bahia <strong>de</strong> então.<br />
Alguns aspectos da trajetória <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> foram <strong>de</strong>talhados nas páginas anteriores, cabe<br />
104<br />
HOLLANDA, Sérgio Buarque <strong>de</strong>. Visão do Paraíso: os motivos edênicos do <strong>de</strong>scobrimento e colonização do<br />
Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.187.<br />
105<br />
“gemendo e chorando neste Vale <strong>de</strong> Lágrimas”<br />
106<br />
“<strong>de</strong>gredados filhos <strong>de</strong> Eva”<br />
107<br />
SOUZA, Laura <strong>de</strong> Mello e. Inferno Atlântico: <strong>de</strong>monologia e colonização, século XVI-XVII. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Companhia das letras, 2000, p. 89-100.<br />
41
aqui lembrar que este <strong>sujeito</strong> viveu em um discreto ostracismo neste retorno à Bahia, pelo menos<br />
nos primeiros anos da década <strong>de</strong> 1650, talvez o fidalgo não quisesse chamar atenção para o seu<br />
passado <strong>de</strong> ligações perigosas e <strong>de</strong>nuncia <strong>de</strong> um familiar do Santo Ofício da Inquisição e tratou <strong>de</strong><br />
refazer a sua vida em Salvador. 108<br />
5- A graça e a <strong>de</strong>sgraça cruzam o Atlântico, entre letras e leituras.<br />
Hábitos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns militares, ofícios régios, postos <strong>de</strong> alta patente militar, mercês régias.<br />
Todas estas palavras representavam no conteúdo vocabular <strong>de</strong> Portugal Seiscentista formas <strong>de</strong><br />
benefícios advindos dos monarcas que resultavam em acúmulo <strong>de</strong> riqueza e mobilida<strong>de</strong> social, por<br />
isso, tais privilégios eram perseguidos por algumas pessoas, especialmente as que tinham acesso à<br />
leitura e à escrita. As petições e consultas sobre mercês régias constituem-se em um manancial rico<br />
<strong>de</strong> informações e tais documentos ilustram a cultura epistolar produzida no período colonial, época<br />
em que as comunicações entre Brasil e Portugal tornaram-se <strong>mais</strong> constantes e sistemáticas, apesar<br />
<strong>de</strong> contingências sempre presentes.<br />
A leitura e a escrita no século XVII era habilida<strong>de</strong> pouco comum para a maioria da<br />
população que habitava a Bahia e seu Recôncavo, vimos que o Colégio dos Jesuítas era a única<br />
instituição que lecionava aos jovens <strong>de</strong> famílias abastadas as primeiras letras e aprofundava o<br />
conhecimento das gerações <strong>de</strong> fidalgos nascidos na Bahia, educados pela Igreja Católica. O acesso à<br />
educação era proibido para os filhos <strong>de</strong> ju<strong>de</strong>us, negros ou mulatos mal nascidos, ainda que alguns<br />
<strong>de</strong>stes conseguissem, com muita dificulda<strong>de</strong>, entrar para os estudos for<strong>mais</strong>. 109<br />
Assim como um bom cristão <strong>de</strong>veria saber <strong>de</strong> cor o credo, a ave-maria, o padre nosso e<br />
outras rezas que davam acesso à graça <strong>de</strong> Deus, ler e escrever eram habilida<strong>de</strong>s que os homens da<br />
Bahia tentavam se esmerar, era por esta via que se alcançava a graça régia e as muitas benesses que<br />
O Rei podia outorgar.<br />
Mas isto só se fazia possível se a epístola seguisse alguns padrões, jargões, formas <strong>de</strong><br />
tratamento e <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> escrita própria <strong>de</strong>ste tempo. Analisando a cultura epistolar do Antigo<br />
Regime, percebemos que a solicitação <strong>de</strong> benesses régias por via escrita era entendida, pelos<br />
indivíduos que vivenciavam o contexto Ultramarino, como graça, um favor excepcional, quase<br />
milagroso, que a realeza dispunha para expressar sua gratidão à fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ou coragem dos seus<br />
108 Op. Cit. COSTA, Afonso. Baianos <strong>de</strong> Antanho (Biografias), p 307.<br />
109 AHU, LF, Cx.28, Doc. 3420, Nesta carta, o governador Matias da Cunha escreve ao Rei, em 9 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1687,<br />
sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recolher no Colégio dos Jesuítas a D. Diogo, potentado negro que foi mandado <strong>de</strong> Angola, para<br />
ser doutrinado na forma que se lhe havia or<strong>de</strong>nado. Em 1689, os moços pardos da Bahia pe<strong>de</strong>m ao Rei, [...] sem<br />
embargo do seu nascimento e da sua cor os possa admitir estudar no Colégio dos Jesuítas. Ver: AHU, LF. Cx. (?) Docs.<br />
3517-3519. Catarina Ma<strong>de</strong>ira Santos, analisando aspectos da política em Angola no século XVIII, estudou a cultura<br />
escrita apreendida pelos africanos e a formação <strong>de</strong> uma linguagem epistolar burocrática nos domínios <strong>de</strong> Angola e<br />
Benguela. Ver: SANTOS, Catarina Ma<strong>de</strong>ira. “Escrever o po<strong>de</strong>r: Os autos <strong>de</strong> Vassalagem e a vulgarização da escrita<br />
entre as elites africanas”. In: N<strong>de</strong>mbu Revista <strong>de</strong> História da USP, n. 155, 2º vol. 2006, p. 81-95.<br />
42
vassalos. 110<br />
A Graça Régia é, no enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Antonio Manuel Hespanha, [...] o domínio <strong>de</strong> afirmação da<br />
vonta<strong>de</strong>, pela qual se criam, espontânea e arbitrariamente, situações novas, a saber, se transmitem<br />
bens ou se outorgam estados. 111 Por via da graça, o Rei tinha o arbítrio <strong>de</strong> estabelecer mudanças<br />
profundas no estado social dos súditos, nos seus bens e nas vantagens que adquiria a posterida<strong>de</strong> do<br />
agraciado como um milagre divino, on<strong>de</strong> Deus cura uma doença ou livra da morte àquele que o<br />
suplica pela oração fervorosa. No caso <strong>de</strong> Portugal, o Rei certamente não era Deus, mas a ele cabia<br />
algumas prerrogativas que <strong>mais</strong> ninguém po<strong>de</strong>ria usufruir, pois <strong>de</strong>pendia da sua tão pleiteada mercê.<br />
O soberano po<strong>de</strong>ria legitimar filhos bastardos, nomear negros do Brasil em postos <strong>de</strong> alta<br />
patente militar por reconhecimento <strong>de</strong> sua bravura nas guerras, emancipar filhos, perdoar e soltar<br />
criminosos presos, conce<strong>de</strong>r ou retirar bens e recursos daqueles que são alvo da graça ou da<br />
<strong>de</strong>sgraça régia.<br />
Ao Rei eram atribuídos po<strong>de</strong>res excepcionais reconhecidos e pactuados socialmente,<br />
conforme enten<strong>de</strong>u Norbert Elias; 112 a benevolência do monarca manifestava-se em forma <strong>de</strong><br />
mercê, prerrogativa utilizada politicamente e com vistas estratégicas <strong>de</strong> controle e or<strong>de</strong>namento<br />
social, cujo motor <strong>de</strong> concessão e negação <strong>de</strong> favores encontrava-se na figura régia. 113<br />
No Antigo Regime Português, o monarca era o referencial da or<strong>de</strong>m e da paz social, a ele<br />
cabia ministrar a justiça, no sentido tomista <strong>de</strong> atribuir a cada um o seu, fosse castigo, fosse prêmio.<br />
O iuris naturalis romano também corroborava com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> centralida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r e da justiça nas<br />
mãos do soberano. 114 Raphael Bluetau enten<strong>de</strong> justiça por uma das quatro virtu<strong>de</strong>s cardinais;<br />
consiste em dar a cada um o seu, prêmio & honra ao bom, pena & castigo ao mal. 115<br />
Com esta prerrogativa, a realeza mediava conflitos e outorgava benesses, esta benevolência<br />
110 Fernando Bouza Álvarez tem se tornado uma referencia entre os estudiosos da cultura epistolar <strong>de</strong>senvolvida pelas<br />
monarquias Ibéricas mo<strong>de</strong>rnas, os pressupostos teórico-metodológicos utilizados para a compreensão dos vários saberes<br />
que envolviam a cultura escrita são tratados em ÁLVAREZ, Fernando Bouza. “Corre manuscrito: la circulación <strong>de</strong><br />
manuscritos em España y em Portugal durante los siglos XVI y XVII.” In: ALVAREZ, Fernando Bouza. Corre<br />
Manuscrito: uma historia cultural <strong>de</strong>l siglo <strong>de</strong> oro. Madrid: Marcial Pons, 2001. P. 27-75.<br />
111 Segundo Hespanha, na chamada economia da Graça incluía idéias “<strong>de</strong> liberalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><br />
magnanimida<strong>de</strong>.” A graça era entendida, no Antigo Regime, <strong>mais</strong> como uma disposição da benevolência do Rei que a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar o cumprimento do seu <strong>de</strong>ver, porém, os agraciados estabeleciam, assim, uma relação <strong>de</strong><br />
gratidão com a realeza e prestação <strong>de</strong> serviços mútuos, que po<strong>de</strong>ria durar muitas gerações. HESPANHA, Antonio<br />
Manuel. “A mobilida<strong>de</strong> social na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antigo Regime.” In: Revista Tempo. Vol11, n.21, Niterói: UFF. 2006. p<br />
138.<br />
112 ELIAS, Norbert. A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Corte. Jorge Zahar, 2001. P. 186.<br />
113 Para um maior aprofundamento sobre a chamada “economia <strong>de</strong> mercês” em diálogo com os conceitos <strong>de</strong> “nobreza da<br />
terra”, compartilhados na América Portuguesa, ver: BICALHO, Maria Fernanda Baptista. “Conquista, mercês e po<strong>de</strong>r<br />
local: a nobreza da terra na América Portuguesa e a cultura política do Antigo Regime.” In: Almanack Braziliense.<br />
São Paulo: n. 2, nov. 2005. p. 21-34.<br />
114 Sobre os critérios <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> social que regimentavam as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Antigo Regime, bem como as i<strong>de</strong>ias<br />
aristotélico-tomistas que estabeleciam a or<strong>de</strong>m natural da socieda<strong>de</strong> lusófona seiscentista, ver: op. cit. HESPANHA,<br />
Antonio Manuel. “A mobilida<strong>de</strong> social na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antigo Regime.”In: Revista Tempo. Vol11, n.21, Niterói: UFF.<br />
2006, p. 121-143.<br />
115 BLUTEAU, Raphael, v.4, p230-232.<br />
43
aseava-se em costumes medievais <strong>de</strong> gratidão e justiça, a mercê servia <strong>de</strong> retribuição aos serviços<br />
relevantes que os súditos comprovadamente houveram feito como <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> sua fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e<br />
dignida<strong>de</strong>.<br />
Por julgar-se merecedor da recompensa régia o suplicante apresentava inúmeras folhas que<br />
<strong>de</strong>talhavam os cargos e ofícios que houvera ocupado também por outorga do Rei, bem como<br />
<strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> suas especialida<strong>de</strong>s e provas <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à Coroa, dando assim <strong>mais</strong> subsídios para que<br />
a graça régia se manifestasse <strong>de</strong> forma ainda <strong>mais</strong> graciosa que a benesse anterior. 116<br />
A lembrança <strong>de</strong>talhada dos serviços prestados fazia parte da lógica do Antigo Regime e<br />
reforçava o caráter corporativo da monarquia portuguesa, seja combatendo contra os castelhanos no<br />
Reino ou pelejando contra os holan<strong>de</strong>ses no Nor<strong>de</strong>ste, estes serviços e partes que qualificavam a<br />
concessão da mercê real eram registrados no Brasil sob a forma <strong>de</strong> Cartas Patentes, Alvarás, Or<strong>de</strong>ns<br />
Régias e outros documentos que comprovavam a memória dos funcionários régios estabelecidos na<br />
Bahia. 117<br />
Fossem eles militares ou oficiais da administração, o <strong>de</strong>talhamento das tarefas que<br />
cumpriram, bem como risco que correram, ferimentos, mutilações, mortes, espólio <strong>de</strong> guerra e<br />
outras lembranças <strong>de</strong> relevantes ativida<strong>de</strong>s cumpridas na época da Restauração e nas guerras contra<br />
o inimigo holandês eram informações úteis e estrategicamente empregadas nos discursos epistolares<br />
daqueles que tentavam convencer ao doador da graça, o Rei, sobre os motivos para que o<br />
favorecimento real fosse alcançado. 118<br />
Logo, era <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse da elite da Bahia preservar a memória <strong>de</strong>stes tempos difíceis,<br />
tendo em vista o [...] <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fazer valer junto às autorida<strong>de</strong>s régias os serviços, materiais e<br />
espirituais, por todos prestados à restauração. 119 Assim, a guerra, o nome, os companheiros, as<br />
feridas adquiridas no corpo e na alma, os lucros e prejuízos <strong>de</strong>stes tempos, eram lembranças<br />
sistematicamente guardadas na memória dos fidalgos resi<strong>de</strong>ntes na Bahia, mas também registrada<br />
pela ponta da pena que escrevia os documentos administrativos da Colônia e do Ultramar. Estes<br />
escritos, ainda preservados, abrem possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa renovadas sobre práticas <strong>de</strong> escrita e<br />
representações da mercê régia no contexto político-administrativo da Bahia seiscentista.<br />
116<br />
OLIVAL, Fernanda. As Or<strong>de</strong>ns Militares e o Estado Mo<strong>de</strong>rno: Honra, Mercê e Venalida<strong>de</strong> em Portugal (1641-<br />
1789). Lisboa: Estar. 2001, p. 237-282.<br />
117<br />
Luiz Felipe <strong>de</strong> Alencastro chamou <strong>de</strong> “o novo pacto político entre a Corte e os guerreiros ultramarinos” as múltiplas<br />
concessões <strong>de</strong> patentes militares, postos <strong>de</strong> justiça e fazenda concedidos por mercê régia após a Restauração. Ver: op.<br />
cit. ALENCASTRO, Luiz Felipe <strong>de</strong>. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo,<br />
Companhia das Letras, 2000. p. 302-307.<br />
118<br />
Marília Nogueira dos Santos enten<strong>de</strong>u a importância que as comunicações escritas tinham na Administração<br />
Ultramarina, afirmando que [...] governar por escrito <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser exceção e passava a ser regra. Ver: SANTOS,<br />
Marília Nogueira dos. “O império na ponta da pena: cartas e regimentos dos governadores-gerais do Brasil.” In:<br />
Revista Tempo, Niterói: UFF, v. 14, n. 27, 2009. p. 101-117.<br />
119<br />
MELLO, Evaldo Cabral <strong>de</strong>. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 2a. ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Topbooks, 1997, p. 34.<br />
44
O <strong>de</strong>bate em torno das performances epistolares elaboradas pelos suplicantes da mercê régia<br />
merece a contribuição <strong>de</strong> Roger Chartier, especialmente no que tange as práticas <strong>de</strong> escrita e <strong>de</strong><br />
leitura no período Mo<strong>de</strong>rno, seus estudos apontam para algumas particularida<strong>de</strong>s materiais, que se<br />
estruturam e se inscrevem nos textos produzidos pelos homens e mulheres do passado. Estas<br />
características são notadas a partir da utilização <strong>de</strong> vários recursos, sejam eles visuais ou físicos,<br />
que orientam a organização da leitura e da escrita dos documentos e dão sentido ao texto produzido.<br />
O autor também indica que a prática da escrita e da leitura está associada a gestos, espaços e<br />
hábitos que, conjuntamente, <strong>de</strong>terminam as diferentes formas que os textos po<strong>de</strong>m ser lidos e<br />
apropriados por [...] leitores que não dispõe dos mesmos instrumentos intelectuais e que não<br />
mantém a mesma relação com o escrito. 120<br />
Portanto, analisar os manuscritos administrativos e as performances textuais formuladas por<br />
letrados da Bahia Seiscentista, interessados em adquirir a graça régia, permite alcançar a [...]<br />
maneira em que uma comunida<strong>de</strong> – qualquer que seja sua escala – vive e analisa sua relação com<br />
o mundo, com outras comunida<strong>de</strong>s e consigo mesma. 121<br />
A partir da escrita, a concessão <strong>de</strong> postos na administração do Ultramar <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />
privilégio exclusivo da aristocracia reinol, pois [...] antigos soldados ou pessoas <strong>de</strong> origem social<br />
não-nobre podiam receber igualmente cargos e ofícios nas conquistas como forma <strong>de</strong> remuneração<br />
<strong>de</strong> seus préstimos ao rei. 122<br />
A concessão ou negação <strong>de</strong> mercês régias são percebidas ao longo <strong>de</strong> todo o Antigo Regime,<br />
em Portugal, no Brasil, na África e na Índia. Vale salientar que o soberano não tinha nenhuma<br />
obrigação em liberar a sua mercê por pagamento <strong>de</strong>stes préstimos, por isto, o favor régio adquiriu<br />
em alguns casos um sentido sobrenatural, uma ajuda extraordinária que concedia ao agraciado<br />
algumas bonificações que podiam transformar a sua vida. O acesso ao disputado mercado da graça<br />
régia que vigorou no século XVII era restrito e os que souberam valer-se <strong>de</strong>ste trânsito salientaram<br />
suas prerrogativas fidalgas [...] para <strong>de</strong>screver o quase - direito dos clientes (máxime, os vassalos<br />
do rei que lhe tivessem prestado serviços) às mercês. 123<br />
As várias instâncias <strong>de</strong>cisórias existentes no complexo ultramarino português do século<br />
XVII foram utilizadas como <strong>mais</strong> um veículo <strong>de</strong> acesso à concessão <strong>de</strong> mercês régias. Leitura e<br />
escrita faziam parte da lógica <strong>de</strong> outorga da graça, visto que a Mesa <strong>de</strong> Consciência e Or<strong>de</strong>ns,<br />
Tribunal da Relação da Bahia e <strong>de</strong> Goa, Desembargo do Paço, Casa <strong>de</strong> Suplicação e Conselho<br />
Ultramarino, foram sínodos que trataram largamente <strong>de</strong> petições <strong>de</strong> mercês régias formuladas por<br />
120<br />
CHARTIER, Roger. A or<strong>de</strong>m dos Livros. Leitores, autores, bibliotecas na Europa entre os século XVI e XVIII.<br />
Barcelona: Gedisa, 1994, p. 25.<br />
121<br />
I<strong>de</strong>m p.21.<br />
122<br />
FRAGOSO, João. “A nobreza da república: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(séculos XVI-XVII).” In: Topoi Revista <strong>de</strong> História. Rio <strong>de</strong> Janeiro, vol1, 2000, p.69<br />
123<br />
Op. Cit. HESPANHA, Antonio Manuel. 2006, p 139.<br />
45
lusófonos espalhados pelo globo no século XVII, o manancial <strong>de</strong> informações resguardados nestas<br />
missivas revelam diferentes estratégias utilizadas por mulheres e homens no intuito <strong>de</strong> alcançar o<br />
favor dos Reis em conjunturas políticas que necessitavam <strong>de</strong> performances <strong>de</strong> escrita diferenciadas<br />
e adaptadas à realida<strong>de</strong>.<br />
Na Bahia Seiscentista, a economia da graça 124 po<strong>de</strong> ser entendida como um fator <strong>de</strong><br />
mobilida<strong>de</strong> social que possibilitou o acúmulo <strong>de</strong> bens e proprieda<strong>de</strong>s e a consequente formação <strong>de</strong><br />
fortunas <strong>de</strong> muitos fidalgos nascidos neste local. Ressaltamos anteriormente, que em 1640 o posto<br />
<strong>de</strong> Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil,ocupado por <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, foi adquirido<br />
por mercê régia em retribuição aos seus relevantes serviços nas guerras das décadas <strong>de</strong> 1620 e 1630.<br />
Seus companheiros <strong>de</strong> governo – o Mestre <strong>de</strong> Campo <strong>mais</strong> velho, Luiz Barbalho Bezerra e o Bispo<br />
D. Pedro da Silva – também já haviam adquirido anteriores benefícios da dinastia Filipina<br />
<strong>de</strong>stronada e continuaram a ser alvo da graça <strong>de</strong> D. João IV, após a Restauração.<br />
Era suplicando um favor, uma mercê, que algumas pessoas da elite da Bahia conseguiam a<br />
legitimação e ampliação <strong>de</strong> pedaços <strong>de</strong> terra, direito <strong>de</strong> fundar povoações e ter a jurisdição civil e<br />
criminal <strong>de</strong> tais domínios. O perdão régio por crimes diversos também era uma benesse bastante<br />
comum a que recorria os moradores <strong>de</strong> Salvador encalacrados com a justiça criminal, só esta graça<br />
extraordinária po<strong>de</strong>ria extinguir a condição vil e difamatória do con<strong>de</strong>nado. Em contrapartida,<br />
Antonio Manuel Hespanha alerta:<br />
[...] A graça não representa, então, uma irrupção absolutamente arbitrária da vonta<strong>de</strong> no<br />
domínio dos equilíbrios sociais. Ao revés, a graça realiza também, à sua maneira, a or<strong>de</strong>m.<br />
A mobilida<strong>de</strong> social que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia é apenas aparente. No fundo, a nova posição<br />
atribuída ao agraciado já lhe era <strong>de</strong>vida, ainda que não juridicamente. 125<br />
A liberação da graça necessitava <strong>de</strong> certos limites, fundamentados no costume, que eram<br />
respeitados pela realeza com vistas a preservar a or<strong>de</strong>m e a manutenção das tradições que<br />
legitimavam a outorga da graça régia no século XVII. Por exemplo, o Rei não po<strong>de</strong>ria conce<strong>de</strong>r um<br />
título <strong>de</strong> nobreza a pessoas que estivessem num lugar social incompatível com tal título, na<br />
mentalida<strong>de</strong> da época, o sentido <strong>de</strong> nobreza caminhava in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da vonta<strong>de</strong> do Rei, pois, a<br />
graça régia apenas <strong>de</strong>clarava nobreza àqueles que eram hierarquicamente superiores na or<strong>de</strong>m<br />
124 Economia da Graça, do dom, <strong>de</strong> mercês ou <strong>de</strong> privilégios são termos cunhados por Antonio Manuel Hespanha, com<br />
base nos seus estudos <strong>de</strong> Marcel Mauss no clássico “Ensaio sobre a Dádiva”, a partir <strong>de</strong> Mauss ele preten<strong>de</strong> explicar a<br />
lógica <strong>de</strong> funcionamento da socieda<strong>de</strong> portuguesa do século XVII através do Dom, que seria: [...] acto <strong>de</strong> natureza<br />
gratuita, o dom faz parte da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antigo Regime, <strong>de</strong> um universo normativo precioso e minucioso que lhe<br />
retirava toda a espontaneida<strong>de</strong> e o transformava em unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ia infinita <strong>de</strong> actos beneficiais que<br />
constituíam as principais fontes <strong>de</strong> estruturação das relações políticas. E, correspon<strong>de</strong>nte as categorias <strong>de</strong>sta<br />
‘economia do dom’, estavam a base <strong>de</strong> múltiplas praticas infor<strong>mais</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e na formulação <strong>de</strong> mecanismos próprios<br />
e específicos a este universo político singular, como, por exemplo as relações clientelares, constituíam as principais<br />
fontes das relações políticas. Ver: HESPANHA, Antonio Manuel. “A economia do Dom. Amiza<strong>de</strong>s e Clientela na ação<br />
política.” In: MATTOSO, José (org.). História <strong>de</strong> Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1992. p.<br />
382.<br />
125 HESPANHA, Antonio Manuel. “A mobilida<strong>de</strong> social na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antigo Regime.” In: Revista Tempo. Vol11,<br />
n.21 UFF, Niterói, 2006. p 141<br />
46
natural existente, ou por serem <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> pessoas que já eram nobres, ou por terem se<br />
<strong>de</strong>stacado <strong>de</strong>ntre os outros súditos em alguma ativida<strong>de</strong> memorável relevância.<br />
Portanto, o <strong>de</strong>staque nas batalhas e o ilibado serviço à realeza <strong>de</strong>vidamente registrado<br />
constituíam-se como possibilida<strong>de</strong> <strong>mais</strong> acessível <strong>de</strong> se alcançar algum privilégio para aqueles que<br />
não tinham o sangue fidalgo e por isso estavam naturalmente afastados da graça.<br />
Percebemos então que, apesar <strong>de</strong> o Rei ser a única instância no Antigo Regime que concedia<br />
títulos <strong>de</strong> nobreza e fidalguia, esta concessão seguia a tradicionais critérios <strong>de</strong> linhagem,<br />
apresentados pelos pleiteantes e analisados criteriosamente pelos órgãos consultivos <strong>mais</strong><br />
apropriados do reino. Fazendo isto, o Rei acomodava interesses políticos diversos e estabelecia<br />
relações <strong>mais</strong> consistentes com pessoas, que longe <strong>de</strong> terem ascendência nobre, eram importantes<br />
personalida<strong>de</strong>s e parceiros estratégicos no comércio ultramarino.<br />
Especialmente a partir <strong>de</strong> 1640, a economia <strong>de</strong> mercês fora instrumento fundamental para a<br />
consolidação do projeto político dos Reis da Casa <strong>de</strong> Bragança. No Brasil, o perfil <strong>de</strong> controle<br />
estratégico da administração colonial efetuado pelos soberanos e regentes <strong>de</strong>sta família real po<strong>de</strong><br />
ser caracterizado pela concessão <strong>de</strong> privilégios e dons, com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> transformar radicalmente a<br />
vida dos agraciados e interferir diretamente nas <strong>de</strong>cisões políticas tomadas pelos funcionários<br />
erradicados na Colônia. Todos estes benefícios originam-se da relação feudal <strong>de</strong> [...] auxilium e<br />
consilium, 126 que durante séculos manteve em convivência, agraciados leais e benevolentes<br />
doadores da graça.<br />
Este pano <strong>de</strong> fundo envolve uma ampla ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> interesses, tácitos ou <strong>de</strong>clarados e revela<br />
algumas estratégias utilizadas por D. João IV para garantir a continuida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> conquista<br />
e colonização das terras do Brasil, em meio a um reino convulsionado pelas guerras que seguiram<br />
contra a Espanha e assédio <strong>de</strong> potências inimigas às praças ultramarinas.<br />
D. João IV cuidou em estabelecer ligações duradouras com algumas pessoas da Bahia que se<br />
<strong>de</strong>stacaram, seja nas guerras <strong>de</strong> reconquista <strong>de</strong> Salvador e Pernambuco, seja com <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong><br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à Coroa <strong>de</strong> Portugal doando mantimentos e prestando auxílios aos governantes enviados<br />
do Reino. A fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> reconhecida em forma <strong>de</strong> mercê estabelecia uma relação <strong>de</strong> troca entre o Rei<br />
e seus agraciados e esta <strong>de</strong>pendência podia durar muitas gerações.<br />
Após a Restauração, a tradição <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r ou negar mercês régias aos pleiteantes da Bahia<br />
continuou em ampla ativida<strong>de</strong> no século XVII. 127 Mais uma vez, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> torna-se<br />
um exemplo interessante para compreen<strong>de</strong>r como a aproximação ou afastamento da graça régia<br />
126 FRANCO JR. Hilário. A Ida<strong>de</strong> Média: Nascimento do oci<strong>de</strong>nte. 5ed. SP:Brasiliense, 1994, p.76.<br />
127 Nos documentos avulsos da Capitania da Bahia, fundo arquivístico Luiza da Fonseca, tramitaram, entre a Capitania<br />
da Bahia e o Conselho Ultramarino durante o século XVII, 128 processos que envolviam concessão e negação <strong>de</strong><br />
mercês régias, some-se a este quantitativo, 10 documentos que não informam a data correta da epístola, sendo que a<br />
década <strong>de</strong> 1660 marca o período <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>manda <strong>de</strong>sse assunto, contabilizando 35 ocorrências.<br />
47
efletiu diretamente no seu patrimônio <strong>de</strong> fidalgo.<br />
A sua trajetória política é exemplo <strong>de</strong> como um funcionário da administração da colônia<br />
po<strong>de</strong>ria, por seu comportamento, cair em <strong>de</strong>sgraça, caso estivesse afastado das mercês régias, seja<br />
pela morte do soberano e surgimento <strong>de</strong> uma nova conjuntura política, seja por problemas locais<br />
que eventualmente questionasse o merecimento <strong>de</strong> alguns serventuários.<br />
Apesar <strong>de</strong> ter sido protagonista nas guerras <strong>de</strong> reconquista da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador nas<br />
décadas <strong>de</strong> 1620 e 1630, a participação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> na <strong>de</strong>posição do Marquês <strong>de</strong> Montalvão, aliado<br />
tanto dos Habsburgos quanto dos Bragança, foi o estopim que <strong>de</strong>flagrou uma <strong>de</strong>vassa em sua vida e<br />
<strong>de</strong>clínio dos seus privilégios a partir <strong>de</strong> 1642.<br />
O leilão dos seus bens e escravos em pagamento <strong>de</strong> um suposto <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> dinheiro, que<br />
nunca se provou, seu embarque compulsório para o Reino e os anos que ficou preso na ca<strong>de</strong>ia do<br />
Limoeiro evi<strong>de</strong>ncia como <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> – her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> uma tradicional família <strong>de</strong><br />
Salvador, portador do Hábito da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo, ex- Capitão do Terço dos Aventureiros e<br />
Provedor-mor da Fazenda Real do Brasil – não foi poupado das duras punições e consequências<br />
danosas no seu patrimônio.<br />
Enquanto esteve preso no Reino, <strong>Lourenço</strong> permanecia afastado da graça visto que os<br />
consecutivos pedidos <strong>de</strong> perdão régio eram inúteis, a ausência da mercê provocou assim a <strong>de</strong>sgraça<br />
dos bens <strong>de</strong>ste bisneto do Caramuru. 128<br />
Porém, apesar <strong>de</strong> quebrado em suas finanças e <strong>de</strong>sembarcado na Bahia sob a condição <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>gredado da Inquisição, a graça régia <strong>mais</strong> uma vez cruzou o Atlântico e tocou <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong><br />
<strong>Correa</strong>. A guinada que <strong>de</strong>u em sua vida, na década <strong>de</strong> 1650, foi fruto dos consecutivos favores que<br />
só foram possíveis por causa da nova conjuntura política que se <strong>de</strong>lineava na Corte <strong>de</strong> Lisboa, após<br />
as exéquias do Rei D. João IV e a assunção da Rainha Regente, D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão ao Trono <strong>de</strong><br />
Portugal.<br />
6- As graças da Rainha Regente<br />
Apesar <strong>de</strong> D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão ser espanhola, ela tinha parentesco com os Reis portugueses,<br />
esta mulher foi essencial para o sucesso da Restauração Brigantina e a consequente coroação do seu<br />
marido, o Rei D. João IV. D. Luísa lhe <strong>de</strong>u três filhos varões, o <strong>mais</strong> velho e her<strong>de</strong>iro legítimo, D.<br />
Teodósio, morreu muito novo, seus irmãos, D. Afonso e D. Pedro, ainda não tinham ida<strong>de</strong> suficiente<br />
para assumir a Coroa <strong>de</strong> Portugal, por isso coube a esta mulher a Regência <strong>de</strong> Portugal no período<br />
<strong>de</strong> 1656 a 1661.<br />
A Rainha Mãe também seguiu a esteira do seu antecessor e conce<strong>de</strong>u mercês régias a muitos<br />
128 AHU, LF, Cx11, Doc 1355, Lisboa, 19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1649.<br />
48
pleiteantes do Brasil, é importante salientar que a concessão da graça <strong>de</strong>monstrava a importância<br />
política que a realeza tinha nos processo <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> social advindos <strong>de</strong>sta prerrogativa, por isto,<br />
a graça era uma fonte inesgotável <strong>de</strong> benefícios régios, mas também um paradigma <strong>de</strong> legitimação<br />
social <strong>de</strong>stes benefícios, pois tinha a outorga inconteste da realeza e servia para propagan<strong>de</strong>ar<br />
positivamente a benevolência do monarca.<br />
A Regente conce<strong>de</strong>u uma mercê provi<strong>de</strong>ncial a <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, <strong>de</strong>u-lhe a<br />
restituição do seu posto <strong>de</strong> Provedor Mor da Fazenda Real, cargo que ele não servia durante muito<br />
tempo, contudo, no Brasil era urgente a assistência <strong>de</strong> funcionários com experiência suficiente para<br />
dar suporte ao Governador Geral Francisco Barreto <strong>de</strong> Menezes (1657-1663). Pelas suas qualida<strong>de</strong>s<br />
e merecimentos, mas também por uma antiga amiza<strong>de</strong> com o dito Governador, o veterano <strong>de</strong> guerra<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> é aventado pelas autorida<strong>de</strong>s do Brasil e da Corte como opção viável para<br />
cargos <strong>de</strong> maior complexida<strong>de</strong> na administração colonial, vejamos a seguir.<br />
Em 16 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1657, o então Governador da Capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro, D. Luis <strong>de</strong><br />
Almeida (1652-1657), pedia substituto para seu posto, pois já o exercia a cinco anos, dois a <strong>mais</strong><br />
que o previsto. O fidalgo reclamava que já estava [...] recebendo gran<strong>de</strong> prejuízo, mayormente não<br />
havendo occasião preciza que necessite <strong>de</strong> sua assitencia. 129 O Governador do Rio, ansioso para ter<br />
sucessor e voltar ao Reino, aventou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nomear Thomé <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Alvarenga 130 ,<br />
fidalgo da Casa Real que durante nove anos servia no cargo <strong>de</strong> Alcai<strong>de</strong> Mor daquela cida<strong>de</strong>, como<br />
Capitão Mor do Rio <strong>de</strong> Janeiro, era ele um homem [...] respeitável e tão bemquisto que a <strong>mais</strong> <strong>de</strong><br />
sete [anos] que serve o Procurador da Misericórdia. 131<br />
De acordo com este documento, percebemos que, apesar <strong>de</strong> todas as qualida<strong>de</strong>s que<br />
concorriam para que o Alcai<strong>de</strong> Mor do Rio <strong>de</strong> Janeiro assumisse interinamente a Capitania, a<br />
<strong>de</strong>cisão tomada pela Rainha Regente para substituir temporariamente o ex-governador foi outra, D.<br />
Luíza <strong>de</strong> Gusmão preferiu dar o provimento <strong>de</strong> Capitão Mor a <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, experiente<br />
funcionário da administração colonial que durante anos vinha prestando serviços à dinastia<br />
Brigantina.<br />
Apesar <strong>de</strong> ter sido <strong>de</strong>gredado em 1649 do Reino para a Bahia, por causa das acusações que<br />
levou em Portugal, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> parece ter sido perdoado e estava livre dos olhos da<br />
Inquisição; em 1657 percebemos que o fidalgo era encarado como uma pessoa da Bahia que<br />
resguardava em seu histórico <strong>de</strong> serviços prestados algumas qualida<strong>de</strong>s que superavam a anterior<br />
condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>gredado, uma nódoa difícil <strong>de</strong> ser apagada quando se analisava o histórico <strong>de</strong><br />
129 AHU, LF, RJ. Cx. 5, Doc. 741-742, 16 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1657.<br />
130 Tomé <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Alvarenga foi Governador da Capitania do Rio <strong>de</strong> Janeiro por duas vezes, primeiro assumiu<br />
interinamente o Governo da Capitania no dia 12 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1657, até que Salvador <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Sá e Benavi<strong>de</strong>s chagasse,<br />
em outubro <strong>de</strong> 1659. Foi Governador do Rio <strong>de</strong> Janeiro pela segunda vez, também interinamente, no ano 1660.<br />
131 i<strong>de</strong>m<br />
49
qualquer fidalgo da época. 132<br />
O infante D. Afonso VI, por meio da Rainha Regente, fazia saber por meio <strong>de</strong> sua provisão<br />
as qualida<strong>de</strong>s que concorriam na pessoa <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> para que assumisse o cargo <strong>de</strong> Capitão Mor do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro. A provisão lembrava a trajetória <strong>de</strong> serviços que prestou à Coroa Brigantina, seja em<br />
tempos <strong>de</strong> guerra contra Holanda, seja na Restauração, tendo sempre <strong>de</strong>monstrado fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à<br />
Coroa. A carta afirma que alguns serviços e partes 133 <strong>de</strong>stacavam <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> <strong>de</strong>ntre<br />
os outros fidalgos do Brasil.<br />
Em 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1657, o secretário menor Rodrigues Tinoco escreveu e a Rainha Regente<br />
assinou uma provisão que dava o cargo <strong>de</strong> Capitão Mor do Rio <strong>de</strong> Janeiro a <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong><br />
<strong>Correa</strong>. Percebemos assim que o ex-<strong>de</strong>gredado tinha novamente a atenção e reconhecimento da<br />
Coroa Portuguesa que, neste documento, a Regente exaltava as suas qualida<strong>de</strong>s afirmando que <strong>Brito</strong><br />
era: [...] fidalgo da minha Casa por haver muitos anos que serve a esta Coroa, sempre com bom<br />
procedimento e ultimamente haver servido <strong>de</strong> um dos três governadores do Brasil. 134<br />
A Rainha <strong>de</strong>monstrava confiança na fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e, conforme a<br />
boa impressão que fazia em sua pessoa, lhe conce<strong>de</strong>u a mercê [...] do cargo <strong>de</strong> capitão mor da<br />
capitania do Rio <strong>de</strong> janeiro para que o sirva enquanto lhe não manda o sucessor 135 . Vemos que ex-<br />
Governador do Brasil não havia caído no esquecimento da casa Brigantina pois a Rainha Regente<br />
conce<strong>de</strong>u-lhe uma graça especial, porém, em julho <strong>de</strong>ste mesmo ano, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
pedia ao Conselho Ultramarino prerrogativas <strong>mais</strong> ousadas.<br />
Numa consulta feita pelos juízes do Conselho Ultramarino em 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1657,<br />
encontramos <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes sobre a reinserção <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> na vida política do<br />
Brasil Colonial, <strong>de</strong> acordo com uma missiva anterior, emitida no dia 3 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1655,<br />
percebemos a reintegração <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> no posto <strong>de</strong> Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil, por<br />
um tempo <strong>de</strong> três anos, por mercê da realeza portuguesa. 136<br />
Nesta mesma epístola, percebe-se que a Rainha Regente <strong>de</strong>monstrava apreço ao fidalgo e<br />
<strong>de</strong>vido a aquisição <strong>de</strong> graças anteriores, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> suplicou o Hábito da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
Avis ou <strong>de</strong> Santiago, [...] para casamento <strong>de</strong> hua sobrinha sua, 137 pedido muito comum feito pelos<br />
132<br />
Para <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes das ativida<strong>de</strong>s que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> exerceu durante a Regencia <strong>de</strong> D. Luisa <strong>de</strong> Gusmão e<br />
mercês que solicitou neste período ver: KRAUSE, Thiago Nascimento. Em busca da Honra: a remuneração dos serviços<br />
da guerra holan<strong>de</strong>sa e os hábitos das Or<strong>de</strong>ns Militares. (Bahia e Pernambuco 1641-1683). Dissertação <strong>de</strong> Mestrado.<br />
Niterói: UFF. 2010, p, 75-77; 163.<br />
133<br />
Op. Cit. AHU, LF, RJ. Cx. 5, Doc.742<br />
134<br />
AHU, LF, RJ, Cx. 3, Doc. 303, 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1657. Sobre o Governo <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro ver: DHBNRJ, Volume 33, p. 275.<br />
135<br />
I<strong>de</strong>m.<br />
136<br />
AHU, LF, Cx.14, Doc. 1680, 09 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1657. Passados os três anos <strong>Lourenço</strong> foi reconduzido ao posto em<br />
substituição do Desembargador Bento Rabelo, por carta escrita no dia 09 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1659, ver: AHU, LF, Cx.15, Doc.<br />
1739, 15 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1659.<br />
137<br />
i<strong>de</strong>m<br />
50
homens <strong>de</strong> reconhecido <strong>de</strong>staque na Bahia que buscavam atrair noivos para unirem-se com as<br />
donzelas <strong>de</strong> sua família, o dote constituía-se numa oportunida<strong>de</strong> para o consorte se integrar às<br />
Or<strong>de</strong>ns Militares e a união <strong>de</strong> famílias pelo vínculo do matrimônio foi <strong>mais</strong> uma estratégia utilizada<br />
pela elite colonial para ampliar e consolidar o patrimônio dos privilegiados donos <strong>de</strong> escravos e<br />
terras da Bahia Seiscentista. 138<br />
Vemos nestes dois documentos <strong>de</strong> 1657 que <strong>Lourenço</strong> fora nomeado governador da Paraíba<br />
e renunciou 139 , ele esperava que a realeza o provesse em um posto <strong>de</strong> Capitão <strong>de</strong> [...] Angolla,<br />
Pernambuco ou ao menos do Rio <strong>de</strong> Janeiro 140 .<br />
Por preten<strong>de</strong>r ser melhorado no posto <strong>de</strong> Provedor Mor da Fazenda do Brasil, [...] que está<br />
em menos predicamentos, dos que já servio, e renunciou 141 , <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> admitia sua<br />
disponibilida<strong>de</strong> em assumir postos <strong>mais</strong> importantes, assegurando a Rainha que [...] não<br />
<strong>de</strong>smerecerá por hir servir a hua praça tão apetecida dos inimigos <strong>de</strong> Europa 142<br />
O Conselho Ultramarino julgou proce<strong>de</strong>nte a nomeação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> como Capitão<br />
Mor do Rio <strong>de</strong> Janeiro e ainda ressaltava que o prazo temporário <strong>de</strong>ste governo aliviaria a fazenda<br />
real [...] das ajudas <strong>de</strong> custo e <strong>de</strong> outras mercês que costumão pedir os que vão providos <strong>de</strong>ste<br />
Reino. 143<br />
A trajetória política <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> comprova que também fidalgos da Colônia<br />
eram punidos com viagem compulsória na forma <strong>de</strong> emprazamento ou prisão e envio para o Reino<br />
por motivos que envolviam conduta política e probida<strong>de</strong> administrativa no exercício <strong>de</strong> seus cargos.<br />
As viagens <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> estavam associadas a motivos políticos: a primeira vez foi para<br />
cumprir uma sentença expressa <strong>de</strong> emprazamento, saindo da Bahia para Lisboa, a segunda vez foi<br />
como <strong>de</strong>gredado no Reino e sentença para cumpri-la no Brasil. Tantas viagens não foram suficientes<br />
para <strong>de</strong>struir a sua imagem pública, nem diminuir a sua influência política no espaço colonial apesar<br />
<strong>de</strong> tantos anos afastado da Bahia.<br />
Ao contrário, a ascensão da Rainha Regente lhe foi proveitosa e foi neste período que<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> conseguiu melhorias e progressões em seus rendimentos, lembrando as<br />
prerrogativas conquistadas nas guerras pregressas e qualida<strong>de</strong>s da sua ascendência fidalga.<br />
138 Fernanda Olival é uma estudiosa das Or<strong>de</strong>ns militares e religiosas existentes em Portugal durante o Antigo Regime,<br />
sua obra basilar nos instrumentaliza para a compreensão <strong>de</strong> como a economia <strong>de</strong> mercê também manipulava a<br />
concessão <strong>de</strong> hábitos nestas or<strong>de</strong>ns e as múltiplas estratégias utilizadas para a participação em tais confrarias. Salientese<br />
que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> era cavaleiro professo da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo e nesta ocasião pedia hábitos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns<br />
militares menos importantes como dote <strong>de</strong> casamento, ver: OLIVAL, Fernanda. As or<strong>de</strong>ns militares e o Estado<br />
Mo<strong>de</strong>rno: Honra, Mercê e Venalida<strong>de</strong> em Portugal (1641-1789). Lisboa, Estar, 2001.<br />
139 A solicitação do Alvará <strong>de</strong> nomeação para Governador da Paraíba, com a remuneração do cargo que levou <strong>Lourenço</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> encontra-se em AHU, LF, PB, Cx.1, Doc. 27. Posterior a 16 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1641.<br />
140 Op. Cit. AHU, LF, BA, Cx.14, Doc. 1680, 09 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1657.<br />
141 i<strong>de</strong>m<br />
142 i<strong>de</strong>m<br />
143 i<strong>de</strong>m<br />
51
É notória nesta época a sua influência, por exemplo, na Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia da<br />
Bahia, instituição que exigia [...] limpeza <strong>de</strong> sangue e antece<strong>de</strong>ntes ilibados aos seus dignitários.<br />
Esta instituição foi beneficiária <strong>de</strong> uma doação <strong>de</strong> terras, feita por <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, ainda<br />
em 1656, provando assim o vigor econômico que este fidalgo baiano apresentava nos finais <strong>de</strong>sta<br />
década. 144<br />
Exaltar a genealogia, bem como os serviços prestados à Coroa Brigantina como prova <strong>de</strong><br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e competência na administração colonial era uma característica marcante na performance<br />
epistolar <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, ele fazia questão <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar o seu histórico <strong>de</strong> conquistas<br />
e omitia os períodos controversos <strong>de</strong> prisão e <strong>de</strong>gredo por que passou.<br />
7- A Bahia e seu recôncavo: ocupação e disputa na água doce e na água salgada.<br />
Se a água era uma das forças motrizes dos engenhos da Bahia Seiscentista, esta substância<br />
também fazia parte do cotidiano dos moradores da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, entre muitas fontes e lagoas,<br />
era comum aos habitantes adquirir um barco ou canoa pois a cida<strong>de</strong> era entrecortada por rios e<br />
possibilitava a conexão com os Engenhos próximos ao porto, os barcos também uniam o centro<br />
administrativo do Brasil à Ilha <strong>de</strong> Itaparica e, consequentemente, aproximava as autorida<strong>de</strong>s<br />
coloniais com os senhores <strong>de</strong> engenhos e fazen<strong>de</strong>iros do recôncavo, além <strong>de</strong> viabilizar o acesso dos<br />
padres às freguesias existentes.<br />
Pelos rios ou pelo mar as pessoas se locomoviam e escoavam a produção da Bahia ao longo<br />
<strong>de</strong> todo o século XVII. 145 Em 1663, as terras do recôncavo eram locais estratégicos para a<br />
manutenção da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador. Os engenhos <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar, situados nestas localida<strong>de</strong>s<br />
dispunham <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira que queimava nas fornalhas, dia e noite e durante séculos para a produção do<br />
açúcar e seus <strong>de</strong>rivados. 146<br />
É na Serra do Sincorá que encontramos a nascente do Rio Paraguaçu, seu roteiro tem o<br />
percurso <strong>de</strong> 520 km e atravessa gran<strong>de</strong> parte da paisagem baiana até <strong>de</strong>saguar na Baía <strong>de</strong> Todos os<br />
Santos. 147 A importância do Paraguaçu no período Colonial era tamanha que ele foi utilizado como<br />
referencial <strong>de</strong>marcatório dos sertões da Bahia, durante o século XVI e boa parte do XVII, este rio é<br />
alimentado por outros que cortam as terras do recôncavo quais sejam: Sergi, Jequiriçá, Açú, Subaé,<br />
144<br />
Arquivo da Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia da Bahia (ASCM), Estante A, n. 41, Livro 2º do Tombo: Escrituras,<br />
aforamentos e testamentos. 1652-1685, p. 78<br />
145<br />
Um recente trabalho sobre a mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas e escoamento da produção do período colonial encontra-se em<br />
NEVES, Erivaldo Fagun<strong>de</strong>s; MIGUEL, Antonieta. Caminhos do sertão: ocupação territorial, sistema viário e<br />
intercâmbios coloniais dos sertões da Bahia, Salvador: Arcádia, 2007.<br />
146<br />
O cultivo da cana-<strong>de</strong>-açúcar foi rentável no recôncavo <strong>de</strong>vido à quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> argila existente em sua pedologia, o<br />
que se <strong>de</strong>nomina “solo massapé”, essencial para o crescimento <strong>de</strong> cana <strong>de</strong> açúcar e outros produtos que posteriormente<br />
foram cultivados. Ver: BARICKMAN, Bart J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no<br />
recôncavo. 1780 – 1860, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 36-37.<br />
147<br />
Anais do Arquivo Público do Estado da Bahia, vol. 32, 1919, p.335-337.<br />
52
São Paulo, Guaí, Jaguaripe, Jacuípe, Paramirim e Batatã.<br />
As fontes nos informam que no século XVII, a população situada nesta região não se<br />
resumia apenas a proprietários <strong>de</strong> minifúndios, ou grupos <strong>de</strong> famílias latifundiárias, servidas pela<br />
massa escrava dócil. Se a lavoura da cana-<strong>de</strong>-açúcar atraia engenhos e escravos suficientes para<br />
manter a produção, era fora dos domínios da Casa Gran<strong>de</strong> e da Senzala, nas matas ainda intocadas<br />
que circundavam as freguesias do Recôncavo e nos caminhos que lhes dava acesso que se<br />
encontrava um gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong> africanos, fugitivos do chicote e da opressão do sistema<br />
escravista.<br />
Estavam eles reunidos em quilombos e mocambos e <strong>de</strong>ram muito trabalho às autorida<strong>de</strong>s<br />
régias e aos proprietários <strong>de</strong> terra da Bahia durante todo o século XVII. A sobrevivência e utilização<br />
dos recursos naturais <strong>de</strong> uma parte do Recôncavo ainda não ocupada por portugueses tornou-se<br />
refúgio para escravos fugitivos, eles se adaptaram ao clima, à geografia e à vegetação do recôncavo,<br />
muito semelhante ao das florestas tropicais do Golfo da Guiné, da qual veio gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>stes<br />
homens e mulheres. 148<br />
Também indígenas resistentes e aguerridos compunham outra parte do contingente <strong>de</strong><br />
pessoas que se encontravam à margem do projeto <strong>de</strong> conquista e colonização e que ameaçavam a<br />
produção <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar no recôncavo da Bahia. Paiaiás e kiriris são largamente mencionados<br />
pelos fazen<strong>de</strong>iros por queimarem engenhos e plantações inteiras, roubar criações, matar o gado,<br />
<strong>de</strong>glutir os viajantes, <strong>de</strong>ntre outros inconvenientes enfrentados pelas autorida<strong>de</strong>s da Câmara <strong>de</strong><br />
Salvador. 149<br />
Para concluir este breve <strong>de</strong>senho da população in<strong>de</strong>sejada que habitava as terras do<br />
recôncavo baiano no século XVII, temos que mencionar outras pessoas que estavam longe dos<br />
centros urbanos e davam trabalho às autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Salvador.<br />
De acordo com os documentos, <strong>de</strong>linquentes fugidos do litoral continuavam seus <strong>de</strong>litos no<br />
interior, armavam emboscadas e roubavam mantimentos, armas e outros gêneros que eram<br />
transportados por terra, traziam insegurança aos viajantes e mercadores que passavam pelas<br />
margens do rio Paraguaçu.<br />
148 Em 1699, o coronel Antônio da Sylva Pimentel, <strong>de</strong>stacado na freguesia <strong>de</strong> Santo Amaro <strong>de</strong> Pitanga pedia mercê pelos<br />
serviços que prestou à Coroa, por or<strong>de</strong>m do po<strong>de</strong>roso senhor da casa da Torre, Francisco Dias <strong>de</strong> Ávila. Sua tarefa, bem<br />
sucedida, foi percorrer 140 léguas durante <strong>mais</strong> <strong>de</strong> um ano e meio, acompanhado por [...] tres mulatos e quatro negros<br />
vasculhando os sertões da Bahia a procura <strong>de</strong> [...] gegês rebelados e outros índios que nestas paragens fizeram um<br />
“Arrayal”. Destaca-se a peleja que teve no sítio do “Pajahu”, assinalando a morte <strong>de</strong> muitos seres humanos [...] por se<br />
não quererem reduzir a paz, <strong>de</strong> bônus o coronel trouxe com ele 424 pessoas, <strong>de</strong>ntre homens e mulheres. Ver: AHU, LF,<br />
BA, Cx. 33, Doc. 4224, 22/07/1699<br />
149 Os oficiais da câmara da Bahia também apresentavam graves queixas à realeza sobre os ataques do gentio nas<br />
povoações <strong>de</strong> “Maragogipe, Cachoeira, Jaguaripe, Boipeba, Camamu e Cairú”, os oficias pediam exaustivamente ajuda<br />
à Corte para cobrir as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> envio <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacamentos que garantissem a segurança nestes locais. A urgência do<br />
socorro a estas localida<strong>de</strong>s se fazia tão notória, que o procurador do Estado do Brasil pedia, em 1669, que o Rei <strong>de</strong>sse<br />
or<strong>de</strong>ns expressas ao Governador Geral para continuar a guerra ao gentio bravo que ainda disputavam os domínios do<br />
sertão baiano com os colonizadores. Ver: AHU, LF, Cx. 20, Doc. 2332-2333. 16/11/1669.<br />
53
A Câmara da Bahia passou todo o século XVII a pedir providências para a Coroa no sentido<br />
<strong>de</strong> enviar socorro e <strong>de</strong>fesa das proprieda<strong>de</strong>s do recôncavo ameaçadas por índios, quilombolas e<br />
assaltantes, acoutados nas <strong>de</strong>sertas estradas que davam acesso às fazendas e povoados. Vários são<br />
os registros <strong>de</strong> roubo <strong>de</strong> caravanas, assédio dos transeuntes e extravio <strong>de</strong> documentos, as queixas<br />
eram apresentadas pelos sesmeiros da Bahia aflitos com o escoamento <strong>de</strong> sua produção e segurança<br />
dos seus patrimônios seriamente comprometidos pela ação <strong>de</strong> assaltantes, <strong>de</strong>simpedidos pela<br />
ausência <strong>de</strong> lei. 150<br />
Garantir o fluxo seguro <strong>de</strong> mercadorias e acesso da administração colonial nas partes do<br />
recôncavo era uma tarefa que <strong>de</strong>spontava aos olhos dos homens <strong>de</strong> grosso cabedal na Bahia do<br />
século XVII, seja por ser conveniente à Coroa uma maior fiscalização dos negócios <strong>de</strong>ste local, seja<br />
por causa das inúmeras queixas que as autorida<strong>de</strong>s ultramarinas recebiam <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros locais,<br />
<strong>de</strong>nunciando roubos, mortes e prejuízo <strong>de</strong> seus investimentos, provocados pela ausência <strong>de</strong><br />
justiça. 151<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> manifestou interesse nas terras situadas [...] junto a barra do Rio<br />
Perugasu, 152 ao norte da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, alegava que, nesta região, a presença da Coroa<br />
Portuguesa era invisível <strong>de</strong>vido a ausência <strong>de</strong> povoações a<strong>de</strong>quadas. Para <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>, as<br />
terras que avançavam 50 léguas do norte <strong>de</strong> Salvador até o Recôncavo, eram conhecidas por serem<br />
<strong>de</strong>sabitadas e perigosas, segundo ele: [...] succe<strong>de</strong> <strong>de</strong> ordinário muytas mortes, roubos, e insultos,<br />
por ser tudo hermo e não haver povoação algua em toda aquella distancia. 153<br />
Vimos que a falta <strong>de</strong> povoação a<strong>de</strong>quada não significava um recôncavo inóspito, ao<br />
contrário, o espaço ainda intocado pelo processo <strong>de</strong> conquista e colonização serviu <strong>de</strong> abrigo para<br />
muitos que não se adaptavam às or<strong>de</strong>ns impostas pela administração da Colônia. O que o capitão<br />
<strong>Lourenço</strong> parece ressaltar é que a ausência <strong>de</strong> casas, igrejas e prédios públicos legitimados pela<br />
Coroa e pelas autorida<strong>de</strong>s da Bahia ocasionava prejuízos para os moradores daqueles lugares, pois<br />
150 Num documento <strong>de</strong> 1651, Antônio <strong>de</strong> Couros Carneiro dá notícias da situação <strong>de</strong> “injustiças, roubos e insolências”<br />
que havia na Bahia do seu tempo. Ver: AHU, LF, Cx.12, Doc. 1395: [...] Consulta do Conselho Ultramarino sôbre o que<br />
escreve da Bahia Antônio <strong>de</strong> Couros Carneiro acêrca das injustiças, roubos e insolências que ali houve, ‘chegando o<br />
excesso a tanto que não ficou donzela nem casada que ou por fôrça ou por ameaças não fossem contrangidas ou<br />
violentadas suas honras,’ chegando o apêrto a tanto que se dizia naquela praça, publicamente, que melhor seria<br />
experimentar o jugo dos holan<strong>de</strong>ses que não o que até agora sofrem, 08/03/1651. Esta nostalgia do tempo flamengo<br />
será vista novamente nos tempos <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência do Brasil. Ver: op.cit. Evaldo Cabral <strong>de</strong> Mello, Rubro Veio – o<br />
imaginário da restauração pernambucana. 1997, pg. 382-383.<br />
151 Antônio <strong>de</strong> Couros Carneiro era um importante proprietário <strong>de</strong> terras e escravos na região do recôncavo da Bahia. Em<br />
1665 este fidalgo <strong>de</strong>monstrava revolta com o <strong>de</strong>scaso que os governantes do Brasil tratavam a situação <strong>de</strong> perigo e dano<br />
da sua proprieda<strong>de</strong>, atacada sistematicamente pelo gentio bravo, na região <strong>de</strong> Camarugibe. Ver: AHU, LF, Cx18, Doc.<br />
2112-2113, 15/07/1665. Para <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes sobre a ocupação das terras do recôncavo da Bahia, que margeiam o Rio<br />
Paraguaçu, ver a dissertação <strong>de</strong> BARROSO, Juliana Brainer. Colonização e resistência no Paraguaçu – Bahia. 1530-<br />
1678. Dissertação (Mestrado em História), UFBA, Salvador, 2008.<br />
152 AHU, LF, Cx.17, Doc. 1921: [...] Consulta do Conselho Ultramarino sobre <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, que <strong>de</strong>sse<br />
licença para fazer uma vila à suas custas, nas terras do recôncavo, para a parte <strong>de</strong> Sergipe do Con<strong>de</strong> e Peruaçu,<br />
comprando com seu dinheiro, para que possa gosa o senhorio do cível e crime como os outros donatários, 21/02/1663<br />
153 i<strong>de</strong>m<br />
54
estavam completamente afastados da justiça e da segurança e vulneráveis a todo tipo <strong>de</strong> ameaça.<br />
Durante boa parte do século XVII, percebemos que o recôncavo da Bahia tornou-se<br />
valhacouto apropriado para os que estavam em conflito com a lei, a mão da justiça não alcançava os<br />
criminosos muito bem escondidos nestas paragens.<br />
Para justificar seu interesse por terras, <strong>Lourenço</strong> afirmava que os ministros da justiça não<br />
podiam chegar às bandas do Rio Perugasu e assim [...] não po<strong>de</strong>m accodir a remediar estes males e<br />
<strong>de</strong>lictos. 154 A investigação criminal e cível [...] para as partes <strong>de</strong> Seregipe do Con<strong>de</strong>, Cachoeira,<br />
Perugasu e outras freguesias 155 estava comprometida no século XVII, além da distancia que estes<br />
locais tinham em relação a Salvador, o caminho era cheio <strong>de</strong> perigos e armadilhas, fossem elas<br />
naturais ou construídas por salteadores, espalhados pelas rotas que davam acesso ao sertão da<br />
Bahia.<br />
Ao constatar a situação, o fidalgo <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> pe<strong>de</strong> à D. Afonso VI, Rei <strong>de</strong><br />
Portugal, <strong>mais</strong> uma mercê régia <strong>de</strong>ntre as tantas que já havia recebido das mãos dos reis<br />
Brigantinos. Queria ele financiar a fundação <strong>de</strong> [...] hua Villa (...) nas terras do Recôncavo da<br />
Bahia, 156 especifica que esta mercê po<strong>de</strong>ria ser dada em [...] capitania, para a parte <strong>de</strong> Seregipe do<br />
Con<strong>de</strong>, Perugasu ou on<strong>de</strong> melhor lhe parecer. 157<br />
O pedido <strong>de</strong>stas terras oportuniza um estudo <strong>mais</strong> profundo acerca das possibilida<strong>de</strong>s<br />
jurídicas que dispunha o sistema administrativo português, tais possibilida<strong>de</strong>s permitiam a aquisição<br />
<strong>de</strong>finitiva das terras da Bahia, especialmente por alguns grupos familiares. O uso proveitoso do<br />
pedaço <strong>de</strong> chão, dado como favor régio, foi vetor <strong>de</strong> consolidação e ampliação do patrimônio<br />
fundiário <strong>de</strong> muitas ilustres famílias baianas, ao longo <strong>de</strong> todo o século XVII.<br />
Neste quadro normativo, a concessão <strong>de</strong> terras era também compreendida como uma mercê<br />
régia que se materializava em centenas <strong>de</strong> folhas manuscritas que legitimava a graça adquirida em<br />
forma <strong>de</strong> chão, quais sejam: cartas <strong>de</strong> sesmaria, forais ou cartas <strong>de</strong> doação. Estes eram os principais<br />
documentos legitimadores da proprieda<strong>de</strong> fundiária no período colonial, só havendo mudanças<br />
radicais neste mo<strong>de</strong>lo no ano <strong>de</strong> 1850, por conta da Lei <strong>de</strong> Terras n.610, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro.<br />
Todas as cabeças coroadas após a Restauração Brigantina perpetuaram a tradição <strong>de</strong><br />
conce<strong>de</strong>r ou negar mercês régias em forma <strong>de</strong> terra a pessoas da Bahia e esta prática perdurou<br />
durante todo o século XVII. 158<br />
Seguindo esta tradição, <strong>Lourenço</strong> suplicou a mercê <strong>de</strong> uma capitania em local distante da<br />
154 i<strong>de</strong>m<br />
155 i<strong>de</strong>m<br />
156 i<strong>de</strong>m<br />
157 i<strong>de</strong>m<br />
158 Nos documentos avulsos da Capitania da Bahia e no fundo arquivístico Luiza da Fonseca tramitaram, entre a<br />
Capitania da Bahia e o Reino, durante o século XVII, 128 autos que envolviam concessão e negação <strong>de</strong> mercês régias,<br />
somem-se a este quantitativo 10 documentos que não informam a data correta da epístola, sendo que a década <strong>de</strong> 60<br />
marca o período <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>manda acerca <strong>de</strong>sse assunto, contabilizando 35 ocorrências.<br />
55
cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, mas à beira <strong>de</strong> rios navegáveis e com condição profícua para agricultura e<br />
aglomeração <strong>de</strong> pessoas em uma Vila que seria construída às suas custas em troca <strong>de</strong> alguns<br />
privilégios.<br />
Capitania, nesta época, era uma proprieda<strong>de</strong> hierarquicamente maior que as outras<br />
concessões <strong>de</strong> terras disponibilizadas pela Coroa, o sistema <strong>de</strong> Capitanias hereditárias, apesar <strong>de</strong> ter<br />
sido substituído pela centralização administrativa dos governos gerais e vice-reinados, continuou a<br />
fazer parte do universo jurídico que or<strong>de</strong>nava a distribuição e uso do solo da Colônia do Brasil.<br />
O território da Bahia é resultado das Capitanias da Bahia, Ilhéus, Porto Seguro, Itaparica e<br />
Tamarandiva e Paraguaçu (Peruaçu, Perugasu). 159 Os capitães donatários tinham suas orientações<br />
criteriosamente elencadas nas Cartas <strong>de</strong> Foral, nestes documentos, percebemos <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes sobre<br />
o uso da proprieda<strong>de</strong> e do pagamento dos tributos tradicionalmente cobrados especialmente para<br />
com a extração <strong>de</strong> pau Brasil ou lavras <strong>de</strong> ouro e pedras preciosas que porventura houvessem nas<br />
terras concedidas.<br />
As cartas <strong>de</strong> doação são <strong>mais</strong> generosas em termos <strong>de</strong> informação, registram e or<strong>de</strong>nam todo<br />
o sistema <strong>de</strong> capitanias hereditárias: i<strong>de</strong>ntificava o donatário, ascendência e <strong>de</strong>scendência do<br />
agraciado, títulos recebidos e serviços prestados à Coroa, bem como outros méritos que obteve ao<br />
longo da carreira, fazendo-o digno diante do Soberano que concedia a Capitania.<br />
O documento também apresentava os limites territoriais da outorga, sendo que no Brasil,<br />
composto por 635 léguas <strong>de</strong> litoral, apenas 10 léguas po<strong>de</strong>riam ser dadas aos Capitães donatários,<br />
ficando o restante <strong>de</strong> seus domínios disponível a pessoas interessadas em sesmarias, para posterior<br />
proprieda<strong>de</strong>.<br />
A carta <strong>de</strong> doação também atribuía o título <strong>de</strong> Capitão e Governador ao proprietário,<br />
conferindo-lhe po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> construir vilas e povoações, nomear juízes, oficiais e ouvidores,<br />
arrecadar os tributos ordinários, além <strong>de</strong> ser administrador da justiça, tendo, no caso <strong>de</strong> hereges,<br />
sodomitas, falsários e traidores, a prerrogativa <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nar sem apelação nem agravo.<br />
Se as capitanias eram doadas aos capitães donatários com a permissão <strong>de</strong> ter jurisdição civil<br />
e criminal, a vasta extensão do território possibilitava aos mesmos conce<strong>de</strong>r sesmarias, disponível a<br />
pessoas interessadas em uma parte <strong>de</strong> terra da Capitania, com vista no seu <strong>de</strong>senvolvimento. A<br />
Carta <strong>de</strong> Sesmaria era o documento que or<strong>de</strong>nava juridicamente o uso e a distribuição do solo <strong>de</strong><br />
uma capitania e tornou-se parâmetro básico para o entendimento da história agrária do Brasil<br />
durante o período colonial.<br />
As cláusulas <strong>de</strong>ste documento submetiam os sesmeiros a alguns limites e orientações para o<br />
159 O trabalho do professor Erivaldo Fagun<strong>de</strong>s Neves revela <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes dos critérios <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> terras e<br />
problematiza a formação da estrutura fundiária da Bahia colonial. NEVES, Erivaldo Fagun<strong>de</strong>s. Posseiros, ren<strong>de</strong>iros e<br />
proprietários: estrutura fundiária e dinâmica agro-mercantil no alto sertão da Bahia (1750-185). Tese (Doutorado<br />
em História). UFPE, Pernambuco, 2003, p.105.<br />
56
uso da terra, contudo, a ausência da fiscalização tornava a Carta <strong>de</strong> Sesmaria <strong>mais</strong> um documento<br />
comprobatório <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, que um manual <strong>de</strong> instruções atenciosamente seguido pelos<br />
contemplados.<br />
O principal objetivo para se conce<strong>de</strong>r uma sesma <strong>de</strong> terra era o lucro. O candidato à<br />
sesmeiro <strong>de</strong>veria ter em mente que esta concessão estava condicionada ao cumprimento <strong>de</strong> um<br />
conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e em um <strong>de</strong>terminado espaço <strong>de</strong> tempo. Derrubar árvores e aproveitá-las<br />
para a construção da casa se<strong>de</strong>, curral e outros apriscos, além <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r as inúmeras espécies <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> lei existentes na Mata Atlântica, úteis no Brasil e no Reino, foram as primeiras<br />
ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma sesmaria do recôncavo no século XVII e primeira fonte <strong>de</strong> renda do possível<br />
proprietário.<br />
A <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do local e da qualida<strong>de</strong> do solo, o sesmeiro começava a plantação ou punha<br />
gado pastando no local, aliado a isso, construía benfeitorias como casa <strong>de</strong> farinha, moendas d´água,<br />
<strong>de</strong>ntre outros empreendimentos que ren<strong>de</strong>ssem divi<strong>de</strong>ndos à produção da terra sesmada.<br />
Construções <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da proprieda<strong>de</strong> contra invasores hostis também estava na or<strong>de</strong>m do dia do<br />
sesmeiro instalado no recôncavo da Bahia Seiscentista.<br />
O resultado da labuta diária era a maior garantia <strong>de</strong>ste trabalhador da terra, tinha ele a<br />
esperança na posse <strong>de</strong>finitiva da sesmaria e sua consequente ampliação, mas tudo isso <strong>de</strong>pendia da<br />
graça régia que confirmava ou negava a posse daquele pedaço <strong>de</strong> terra.<br />
Um terreno dado em sesmaria que não apresentasse lucro ou estivesse abandonado pelo<br />
trabalhador, era sequestrado pela Coroa e transformado em terra <strong>de</strong>voluta, as terras e suas<br />
benfeitorias ficavam disponíveis aos muitos interessados em investir nestas léguas <strong>de</strong>socupadas ou<br />
abandonadas.<br />
E não foram poucas as sesmarias que acabaram em <strong>de</strong>cadência, os motivos <strong>de</strong> alguns não<br />
obterem sucesso no <strong>de</strong>senvolvimento da sesmaria po<strong>de</strong>m ser explicados, seja pela péssima<br />
qualida<strong>de</strong> do solo <strong>de</strong> alguns locais, ausência <strong>de</strong> rios ou nascentes e difíceis condições<br />
pluviométricas ou por causa do assédio constante <strong>de</strong> índios hostis e quilombolas, que atacavam<br />
sistematicamente as proprieda<strong>de</strong>s, queimando os empreendimentos, <strong>de</strong>struindo a lavoura, roubando<br />
e matando a criação.<br />
A sesmaria doada tinha caráter provisório e só era outorgada <strong>de</strong>finitivamente ao trabalhador<br />
que cumprisse suas obrigações e <strong>de</strong>senvolvesse as potencialida<strong>de</strong>s da terra que estava sob sua<br />
tutela, no prazo <strong>de</strong>finido e com o pagamento dos tributos em dia. Com a posse garantida, o sesmeiro<br />
virava dono e tinha o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar a terra em testamento, isto garantia a herança dos seus<br />
domínios aos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, bem como abria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação dos limites<br />
primordialmente acordados na concessão da sesmaria.<br />
No universo jurídico da época, o uso profícuo da sesmaria e a consequente apropriação,<br />
57
confirmava a posse do terreno sesmado em uma proprieda<strong>de</strong> alodial ou enfiteuse. A terra alodial era<br />
uma proprieda<strong>de</strong> imóvel, livre <strong>de</strong> encargos, vínculos e ônus que davam status <strong>de</strong> alodialida<strong>de</strong> a<br />
terra, pois o proprietário era isento <strong>de</strong> foros, pensões, hipotecas e outras <strong>de</strong>spesas. 160<br />
Já emphyteosis, como registrou Raphael Bluteau, significava a concessão <strong>de</strong>finitiva da terra<br />
produtiva, ao enfiteuta. A enfiteuse era então caracterizada pela impossibilida<strong>de</strong> do proprietário se<br />
<strong>de</strong>sfazer da terra, pois estava obrigado a cultivar e melhorar estes domínios, sendo possível passá-lo<br />
à suas gerações. 161<br />
Vemos então, que tanto o alódio quanto a enfiteuse dava pleno gozo aos proprietários<br />
<strong>de</strong>finitivos <strong>de</strong>stes bens imóveis, na Bahia estes instrumentos jurídicos legitimadores foram<br />
acionados por Antonio Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>, Antonio <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>,<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> Figueiredo e tantos outros homens que, ao longo do século XVII, consolidaram o<br />
imponente patrimônio dos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes do Caramuru.<br />
8- Uma capitania em forma <strong>de</strong> mercê: <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e seu interesse nas terras do<br />
Recôncavo.<br />
Depois <strong>de</strong> termos analisado o contexto jurídico e simbólico que envolvia a concessão <strong>de</strong><br />
terras na Bahia Colonial, temos <strong>mais</strong> instrumentos para compreen<strong>de</strong>r o motivo que levou <strong>Lourenço</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> a pedir um amplo espaço <strong>de</strong> terra em forma <strong>de</strong> Capitania, para que nela custeasse a<br />
construção <strong>de</strong> uma Vila.<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong>monstrava interesse pelas terras do Recôncavo, todavia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> em 1660 a graça<br />
régia em forma <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proprieda<strong>de</strong>s era outorgada pelas mãos <strong>de</strong> D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão ao<br />
fidalgo <strong>Lourenço</strong>, no dia 23 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1660 a Rainha conce<strong>de</strong>u carta <strong>de</strong> Sesmaria para<br />
algumas pessoas <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, eram eles: <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e sua irmã<br />
Jona <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>, o Capitão Antonio Lopes Soeiro e o Padre Matheus <strong>de</strong> Mendonça, cada um<br />
recebeu [...] doze legoas em quadra sobre as lagoas do Sul e do Norte acima, e partes <strong>de</strong> Garanhém<br />
e do lado dos campos do Inhamú, com todos os seus logradouros, entradas e sahidas, serventias,<br />
mattos, lenhas, agoas e pastos.<br />
Em novembro <strong>de</strong> 1660 <strong>Lourenço</strong> recebeu outra Carta <strong>de</strong> Foral contendo [...] duas legoas <strong>de</strong><br />
terra <strong>de</strong> comprido e duas <strong>de</strong> largo, compradas <strong>de</strong> Christovão da Rocha e <strong>mais</strong> duas legoas em<br />
quadra que <strong>de</strong> novo se lhe dá. 162<br />
160 CARDOSO, Ciro Flamarion Santana.; BRIGNOLI, Héctor Pérez. História Económica <strong>de</strong> América Latina.<br />
Sistemas agrários y historia colonial. Tomo 1. Barcelos: Crítica, 1984, p. 111.<br />
161 Op. cit. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino, Volume III, 1728, p. 63<br />
162 Esta mercê foi dada no dia 07 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1660, [...] no rio <strong>de</strong> São Francisco, on<strong>de</strong> se chama Jasseoba,<br />
começando em uns montes à beira do rio rumo direito rio acima as duas legoas <strong>de</strong> terra que comprou a Christovão da<br />
Rocha e outro tanto <strong>de</strong> largo até o monte Obutura Caconha, das quaes esta <strong>de</strong> posse pacifica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o anno <strong>de</strong> 1634;<br />
bem como <strong>mais</strong> duas legoas d´on<strong>de</strong> acabam as primeiras rumo direito pelo rio acima, e outras duas legoas perto do<br />
58
Na linguagem jurídica da época, uma vila era entendida por um conjunto <strong>de</strong> edifícios<br />
públicos e moradias que mantinham vínculos com os seus patrocinadores e com as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Salvador. Uma Igreja conveniente ao número <strong>de</strong> fiéis, uma casa <strong>de</strong> Câmara e Ca<strong>de</strong>ia para tratar <strong>de</strong><br />
assuntos civis e criminais e a ereção <strong>de</strong> um Pelourinho eram construções necessárias a qualquer<br />
povoação a<strong>de</strong>quada, seja no reino, seja na colônia.<br />
Mas, os gastos que tinha o donatário 163 não era apenas na construção <strong>de</strong> imóveis públicos,<br />
ele <strong>de</strong>veria também, em um prazo estabelecido, assentar certo número <strong>de</strong> vizinhos, que viveriam nas<br />
casas construídas também às suas expensas, a construção obrigatória <strong>de</strong> moradias possibilitava a<br />
erradicação <strong>de</strong> famílias naquele espaço, bem como gerava sociabilida<strong>de</strong>s das <strong>mais</strong> diversas<br />
modalida<strong>de</strong>s, mediadas pela Igreja, pelo Capitão e pelos seus oficiais <strong>de</strong>stacados.<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> justifica assim o seu pedido:<br />
[...] por causa da gran<strong>de</strong> distancia, que há a Cida<strong>de</strong> da Bahia, aos lugares do<br />
Recôncavo <strong>de</strong>lla, que são <strong>mais</strong> <strong>de</strong> 50 légoas [...] por ser tudo hermo e ser povoação<br />
algua [...] se não po<strong>de</strong>m averiguar muitos dos ditos crimes e fica sem castigo [...]<br />
passam os julgadores, que vão <strong>de</strong>vassar alguns dos casos referidos muyto<br />
<strong>de</strong>trimento, em razão <strong>de</strong> não haver quem lhes venda, e acuda para o necessário<br />
para o seu sustento e da gente que levão consigo, nem <strong>de</strong> pousadas, e o <strong>mais</strong> <strong>de</strong> que<br />
necessitão; o que se po<strong>de</strong> evitar, havendo villas e povoações por aquelas partes, em<br />
que haja ven<strong>de</strong>iros, e justiças ordinárias e se aposentem os caminhantes e os<br />
ministros <strong>de</strong> VM. 164<br />
O primeiro parecerista <strong>de</strong>sta petição foi o Procurador da Fazenda Real, ele seguiu a<br />
tendência da época em dar provimento a pedidos <strong>de</strong> terras, formulados por fidalgos abastados da<br />
colônia, dizia que tal petição seria [...] um gran<strong>de</strong> serviço a VMg<strong>de</strong>. pelas utilida<strong>de</strong>s, que a ele<br />
resulltão, mas há <strong>de</strong> ser com termo e limite <strong>de</strong> seis légoas <strong>de</strong> distancia ao redor. Na opinião do<br />
procurador, era<br />
[...] <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua Real Fazenda, que nas terras do Brazil haja muytas por que<br />
com estas será mayor a cultura e mayores os interesses dos fructos, e por estas<br />
rasões costuma VMg<strong>de</strong>. dar licenças as pessoas <strong>de</strong> merecimentos e cabedais que as<br />
possam fazer; e VMg<strong>de</strong>. <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>fferir ao ditto <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>, na forma que se<br />
pe<strong>de</strong>, sem prejuízo <strong>de</strong> terceiro. 165<br />
Vemos então que, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar interesse em empreendimentos como o que<br />
sertão para ficar em quadra, com todos os seus logradouros, entradas e sahidas, serventias, mattos, lenhas, agoas,<br />
pastos. As do foral. Op. Cit. FREIRE, Felisbello. História territorial do Brasil, p. 36. Ver também a confirmação<br />
<strong>de</strong>stas posses em Anais do APEB, Volume 17, Salvador: 1929: [...] Alvará pelo qual se confere e dá <strong>de</strong> novo a <strong>Lourenço</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e o Capitão e Sargento Maior <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> Figueiredo, seu filho, as terras <strong>de</strong>claradas. Ver<br />
também uma Portaria escrita pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos que lhe or<strong>de</strong>nava apresentar os documentos para uma sesmaria que<br />
pretendia <strong>de</strong> Sua Magesta<strong>de</strong>, em 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1664: [...] no coração dos mattos marinhos entre os rios Syrigiassu e<br />
Tarery <strong>de</strong> Seregipe do Con<strong>de</strong> que terá a largura em partes <strong>de</strong> uma legoa e <strong>de</strong> rumo direito pelos rios acima, duas.<br />
DHBRJ, volumes 6, p. 162 e 167.<br />
163 Esta expressão é observada numa petição, também <strong>de</strong> capitania, feita pelo sobrinho <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> e um dos patriarca<br />
das da Casa da Ponte, Antonio Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>. Ver: AHU, LF, Cx. 24, Doc. 2875. [...]Consulta do Conselho<br />
Ultramarino sôbre Antônio Gue<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>, natural e morador na Bahia, que pe<strong>de</strong> licença para levantar vila e ser<br />
senhorio, com o título <strong>de</strong> alcai<strong>de</strong>-mor para si e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes,13/01/1679.<br />
164 op. cit. AHU, LF, Cx.17, Doc. 1921, p. 2.<br />
165 i<strong>de</strong>m<br />
59
propunha <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>, o procurador da fazenda ressaltou os limites que esta concessão<br />
<strong>de</strong>veria ter, <strong>de</strong>marcando seu termo e limite em seis léguas, aproximadamente 19.800 hectares,<br />
conforme o cálculo <strong>de</strong> Célia Freire <strong>de</strong> A. Fonseca. 166<br />
Estipular os limites das terras concedidas evitava problemas com os proprietários que<br />
adquiriram mercês anteriores nestes locais e iriam dividi-lo com <strong>Lourenço</strong>, contudo, a pouca<br />
precisão dos referenciais <strong>de</strong> domínio territorial gerava crises e contendas por limites e domínios <strong>de</strong><br />
jurisdição entre os donos <strong>de</strong> terra do Recôncavo.<br />
Já o procurador da Coroa foi <strong>mais</strong> cauteloso, apesar <strong>de</strong> não achar inconveniente a concessão<br />
da mercê que pedia <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>. No que tocava a pretensão <strong>de</strong> querer construir uma vila, o<br />
funcionário real disse [...] ser <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> a esta coroa povoarense as terras do Brazil, e<br />
augmento da fazenda real, porém,<br />
[...] no toccante a jurisdição, que se pe<strong>de</strong> se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>clarar que a terá somente nas terras,<br />
que forem suas próprias, não se exce<strong>de</strong>ndo aos que já tiverem donos: porque preten<strong>de</strong>ndo<br />
ter também nesta jurisdição, <strong>de</strong>vião ser ouvidos primeiro os Officiaes da camara da Bahia,<br />
e os mesmos donnos das terras. 167<br />
O precavido procurador da Coroa evi<strong>de</strong>nciou em seu parecer a complexida<strong>de</strong> que o sistema<br />
<strong>de</strong> mercês apresentava neste período. Seu ponto <strong>de</strong> vista po<strong>de</strong> nos dar <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes sobre os<br />
parâmetros <strong>de</strong> jurisdição utilizados na época, o Procurador salientava que a autorida<strong>de</strong> como capitão<br />
e a tutela do criminal e do civil, requeridos por <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>, não po<strong>de</strong>ria superar a potesta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> outras pessoas, que antes <strong>de</strong>le ocupava a vizinhança dos domínios pretendidos nas margens do<br />
Paraguaçu. Porém, o funcionário da Coroa não <strong>de</strong>scartou esta possibilida<strong>de</strong>, orientando que se<br />
consultasse previamente a Câmara <strong>de</strong> Salvador e aqueles que antes <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> erradicaram-se ali,<br />
para um possível acordo.<br />
Ainda não foi possível encontrar documento que comprove a aquisição <strong>de</strong>stas terras por<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, sua influência política na Câmara <strong>de</strong> Salvador e entre os tradicionais<br />
proprietários da maioria das terras do Recôncavo são indícios <strong>de</strong> uma possível conquista das<br />
petições e jurisdições referidas.<br />
Outro indicativo da liberação <strong>de</strong>sta mercê foi o parecer do Conselho Ultramarino, que<br />
referendava todos os argumentos apresentados pelos procuradores:<br />
[...] Ao conselho parece, que respeitando VMg<strong>de</strong>. os merecimentos e serviços <strong>de</strong><br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e as gran<strong>de</strong>s utilida<strong>de</strong>s, que resultam a fazenda <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong><br />
em se darem as terras do Brazil em Capitanias, <strong>de</strong><strong>mais</strong> <strong>de</strong> ser bem publico, para se<br />
evitarem os danos, que co <strong>de</strong>claração que a Villa que levantar <strong>de</strong> sua custa, será o<br />
termo <strong>de</strong>lla <strong>de</strong> seis legoas <strong>de</strong> distancia ao redor, na forma que <strong>de</strong>clara o Procurador<br />
da Coroa, e fazenda <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong> apontão. Lisboa, a 21 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 663. 168<br />
166 FONSECA, Célia Freire <strong>de</strong> A.“Sesmarias no Brasil.” In: SERRÃO, Joel (dir.), Dicionário <strong>de</strong> História <strong>de</strong> Portugal.<br />
Porto: Figueirinhas, 1984, v.5, p.545-546.<br />
167 op. Cit. AHU, LF, Cx.17, Doc. 1921. p. 2.<br />
168 i<strong>de</strong>m<br />
60
Os documentos apresentados até o momento levam a crer que <strong>Brito</strong> obteve sucesso em sua<br />
petição, porém, um <strong>de</strong>talhe não po<strong>de</strong> ser esquecido na análise <strong>de</strong>ste manuscrito a que temos nos<br />
<strong>de</strong>bruçado. Neste parecer, existe uma discreta ressalva, escrita em forma <strong>de</strong> cláusula, à parte<br />
esquerda do documento, nela se registrou o maior impedimento para que a graça do Rei D. Afonso<br />
VI se fizesse <strong>mais</strong> uma vez presente na vida <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>:<br />
61<br />
[...] Remetasse a cópia <strong>de</strong>sta Consulta ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, que vai por Vice<br />
Rei ao Estado do Brasil; para que informando-lhe da pertenção <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Brito</strong>; me envieis se convem parecer do que achar ou inconvenientes que<br />
se lhe offerecerem quando os haja. 169<br />
Vemos que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos já estava <strong>de</strong> malas prontas para chegar à Bahia e seu<br />
<strong>de</strong>sembarque aconteceu neste mesmo ano, sabemos que Óbidos e <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> já<br />
haviam se encontrado na Bahia, fosse nos tempos do governo <strong>de</strong> Diogo Luis <strong>de</strong> Oliveira, fosse<br />
quando Óbidos substituiu o Con<strong>de</strong> da Torre. Contudo, a visão negativa que o Con<strong>de</strong> teve <strong>de</strong><br />
<strong>Lourenço</strong> só se fez <strong>mais</strong> notória a partir <strong>de</strong> 1664, ano em que o embate entre eles <strong>de</strong>u os primeiros<br />
sinais e estes conflitos serão analisados com <strong>mais</strong> cuidado no terceiro capítulo.<br />
Para encerrar este estudo da trajetória política <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, uma observação<br />
formulada por Afonso Costa parece sintetizar como este fidalgo da Bahia fora encarado durante<br />
algum tempo pela historiografia, para o autor, <strong>Lourenço</strong> era um surrão <strong>de</strong> retribuições oficiais pois<br />
acumulou muitas tenças, hábitos e empregos. Afonso Costa continua a discorrer sobre o bisneto do<br />
Caramuru:<br />
[...] como um surrão <strong>de</strong> ambições não tem costuras ao fundo que o guarneçam com<br />
segurança, nunca se enchendo <strong>de</strong>las, o provedor mor, ainda mancomunado com o dito<br />
Mestre <strong>de</strong> Campo [Luiz Barbalho Bezerra] e já agora também com o irritadiço Bispo D.<br />
Pedro da Silva, começou <strong>de</strong> engendrar e praticar fosquinhas aos Mascarenhas, seja a<br />
Fernando Mascarenhas (Con<strong>de</strong> da Torre), a Vasco Mascarenhas (Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos) e a<br />
Jorge Mascarenhas (Marquês <strong>de</strong> Montalvão), sucessivamente no governo geral do Estado,<br />
e assim tomando em oposição. 170<br />
Percebe-se a partir <strong>de</strong>ste trecho que a historiografia ressaltou as contendas <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> com<br />
os homens que do Reino vinham administrar o Brasil, mas também as muitas benesses régias que<br />
ele adquiriu das Coroas Ibéricas, quando Afonso Costa qualifica o Provedor Mor da Fazenda Real<br />
do Brasil como um surrão <strong>de</strong> retribuições oficiais ressaltava a coleção <strong>de</strong> privilégios que <strong>Lourenço</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> obteve ao longo da sua carreira, especialmente durante a gestão <strong>de</strong> D. Luísa <strong>de</strong><br />
Gusmão na Regência do Reino.<br />
169 i<strong>de</strong>m<br />
170 Op. Cit. COSTA, Afonso. Baianos <strong>de</strong> Antanho (Biografias), p 304.
1- Seguindo os passos <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas<br />
Capítulo II<br />
Mascarenhas era o nome dado no século XII a uma localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Portugal, situada na região<br />
da província da Beira. O primeiro monarca a se intitular Rei <strong>de</strong> Portugal e Algarves, D. Sancho I<br />
(1154-1211), 171 conce<strong>de</strong>u a Estevão Rodrigues o título <strong>de</strong> Senhor daquele lugar e a varonia da Casa<br />
dos Mascarenhas. Como naquele tempo era comum aos primogênitos das famílias adotarem o local<br />
<strong>de</strong> nascimento em seus apelidos, o primeiro a introduzir Mascarenhas ao sobrenome foi <strong>Lourenço</strong><br />
Esteves Mascarenhas, filho e her<strong>de</strong>iro das mesmas terras e títulos. 172<br />
Esta família remonta, portanto, o tempo em que os homens do Reino <strong>de</strong> Portugal, agraciados<br />
com terras e honras por via <strong>de</strong> mercê régia, davam em troca <strong>de</strong> tais favores a sua própria vida nos<br />
momentos <strong>de</strong> guerra e se uniam ao exército cristão para expulsar os mouros, que permaneceram na<br />
Península Ibérica boa parte do século XI e XII. O patriarca dos Mascarenhas foi um dos cavaleiros<br />
que expulsou os muçulmanos erradicados na região das vilas <strong>de</strong> Elvas e Torres Novas, o que lhe<br />
ren<strong>de</strong>u benefícios régios em 1206. 173<br />
Para além da origem medieval, percebemos que a linhagem dos Mascarenhas se dispersou<br />
entre as outras famílias que compunham a corte palaciana Ibérica; em Portugal esta Casa foi uma<br />
tradicional auxiliar das Coroas que regeram aquela Península e em todas estas ocasiões os<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos Mascarenhas ocuparam posições <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. Não queremos fazer um inventário<br />
<strong>mais</strong> pormenorizado sobre o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta família <strong>de</strong>ntro do complexo sistema<br />
nobiliárquico português, vale salientar que os Marqueses <strong>de</strong> Gouvêa (que tem a primogenitura dos<br />
Mascarenhas), os Marqueses da Fronteira, os Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Óbidos 174 , Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Santa Cruz, Con<strong>de</strong>s<br />
da Torre, <strong>de</strong> Coculim e <strong>de</strong> Sandomil, são todos pertencentes à mesma árvore genealógica dos<br />
171 GIORDANI, Mario Curtis. História do mundo feudal: acontecimentos políticos. Petrópolis: Vozes. 1984. p. 445.<br />
172 SOUSA, Antonio Caetano <strong>de</strong>. Memórias históricas e genealógicas dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal, que contém a<br />
origem, e antiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas famílias: os Estados, e os Nomes dos que actualmente vivem, suas Arvores <strong>de</strong><br />
Costado, as alianças das Casas, e os Escudos <strong>de</strong> Armas, que lhes competem, até o ano <strong>de</strong> 1754. Lisboa: Régia<br />
Officina Sylviana e da Aca<strong>de</strong>mia Real, segunda impressão. 1755. p. 125-135.<br />
173 I<strong>de</strong>m. p. 126.<br />
174 [...] Dez legoas ao Su<strong>de</strong>ste da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leyria, cinco ao Sul da Villa <strong>de</strong> Torres Vedras, dois ao mar Oceano & huma<br />
das Caldas para o Sul, em lugar alto tem seu assento a muyto nobre; & leal Villa <strong>de</strong> Óbidos, cujo nome se <strong>de</strong>rivou <strong>de</strong><br />
três palavras italianas; ob id os, por causa da boca ou foz <strong>de</strong> um braço do mar, que antigamente chegava a esta Villa &<br />
ainda hoje junto <strong>de</strong>la se achão algumas pedras furadas, aon<strong>de</strong> se prendião os barcos. He banhado <strong>de</strong> três rios, sobre<br />
que atravessão em pontes; o primeiro vem das Caldas & lhe chamão rio do Cabo; o segundo o rio do Meyo, o terceiro<br />
o Real os quaes se metem na lagoa, fertilizando suas varzeas <strong>de</strong> pão, vinho, & <strong>de</strong> gostosas frutas <strong>de</strong> toda a casta. Foy<br />
fundada pelo Túrdulos & Celtas 808 anos antes da vinda <strong>de</strong> Cristo. Entrou em domínio dos árabes & a conquistou<br />
pelos anos <strong>de</strong> 1148. Ver: COSTA, Padre Antonio Carvalho da. Corografia Portuguesa, e <strong>de</strong>scripçam topográfica do<br />
famoso reyno <strong>de</strong> Portugal,com as noticias das fundações das Cida<strong>de</strong>s, Villa e lugares que conthem: Varoens<br />
ilustres, Genealogia das famílias nobres, fundações <strong>de</strong> Conventos, Catalogo dos Bispos, antiguida<strong>de</strong>s, maravilhas<br />
da natureza, edifícios & outras curiosas observações. Offerecido a Sereníssima Senhora D. Marianna <strong>de</strong> Áustria,<br />
Rainha <strong>de</strong> Portugal .Tomo Terceiro. Segunda edição, Braga: Topografia Domingos Gonçalves Gouvêa. 1712, p. 61.<br />
62
Mascarenhas. 175<br />
Coletar os vestígios <strong>de</strong>ixados nas fontes da época que registram o protagonismo <strong>de</strong> D. Vasco<br />
Mascarenhas foi uma tarefa trabalhosa, para cumprir este objetivo segui as orientações <strong>de</strong>ixadas por<br />
Diogo Ramada Curto, o autor auxilia o trabalho do pesquisador interessado nas trajetórias políticas<br />
do século XVII:<br />
[...] em torno <strong>de</strong> cada nome e <strong>de</strong> cada pessoa será sempre possível <strong>de</strong>senhar, por círculos<br />
concêntricos, vários sentimentos <strong>de</strong> pertença: à família, linhagem, casa ou clientela<br />
(apesar <strong>de</strong> esta última nem sempre se afigurar muito nítida); ou a uma carreira –<br />
sobretudo ao serviço do rei, mas que muitas vezes se confun<strong>de</strong> com uma sucessão familiar<br />
em <strong>de</strong>terminado cargo –, sendo que é muitas vezes ténue a separação entre os cargos<br />
ocupados e os títulos e comendas recebidas. 176<br />
Não temos dados que comprovam a data <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> Vasco Mascarenhas 177 ,<br />
provavelmente tenha nascido no início do século XVII. Se analisarmos com <strong>mais</strong> cuidado a<br />
vinculação <strong>de</strong>ste nobre com os membros da casa real dos Bragança, teremos <strong>mais</strong> instrumentos para<br />
enten<strong>de</strong>r os laços que manteve com o Rei D. João IV; as contribuições da Heráldica apresentam<br />
uma breve <strong>de</strong>scrição do brasão do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, 178 vejamos:<br />
[...] As armas <strong>de</strong>sta casa são tres faixas <strong>de</strong> ouro em campo vermelho, a que ajuntarão as<br />
reaes, por <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>rem <strong>de</strong> D. Diniz, filho do Duque <strong>de</strong> Bragança, e assim esquartelarão o<br />
escudo, no primeiro os reaes e no outro os dos Mascarenhas acima. 179<br />
Outra graça régia advinda dos Bragança foi outorgada pelo Infante D. Duarte, irmão <strong>mais</strong><br />
novo do Rei D. João IV, Óbidos assumiu uma função <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque em 1648 na Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo,<br />
conforme transcreveu D. Antonio Caetano <strong>de</strong> Souza: [...] ouve por bem <strong>de</strong> nomear por tenente do<br />
comendador Mor <strong>de</strong> Cristo a D. Vasco Mascarenhas, Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, do meu Conselho <strong>de</strong><br />
Guerra e meu muito amado sobrinho. 180<br />
175 Op.cit.; SOUSA, Antonio Caetano <strong>de</strong>. Memórias históricas e genealógicas dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal, 1755, p. 127<br />
176 CURTO, Diogo Ramada. “A Restauração <strong>de</strong> 1640: nomes e pessoas.” In: Península. Revista <strong>de</strong> Estudos Ibéricos.<br />
n. 0, Porto: Instituto <strong>de</strong> Estudos Ibéricos/Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras do Porto, 2003. p. 336.<br />
177 Vasco Mascarenhas era filho <strong>de</strong> D. Fernando Martins Mascarenhas, Comendador <strong>de</strong> Mertola e Alcai<strong>de</strong> Mor <strong>de</strong> Monte<br />
Mor o novo. A vinculação <strong>de</strong> Óbidos com a Casa real Bragantina advêm da sua mãe, D. Maria Madalena <strong>de</strong> Lancastro,<br />
filha segunda <strong>de</strong> D. Diniz <strong>de</strong> Lancastro, portanto avô materno <strong>de</strong> Óbidos. D. Diniz era Comendador Mor do Mestrado e<br />
Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Cristo e Alcai<strong>de</strong> mor <strong>de</strong> Óbidos, casou-se com D. Isabel Henriques, ambos fundadores e padroeiros do<br />
Convento <strong>de</strong> Óbidos, <strong>de</strong>sta forma, Vasco Mascarenhas era [...] neto <strong>de</strong> D. Diniz <strong>de</strong> Lancastro, Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lemos em<br />
Castella e bisneto <strong>de</strong> D. Fernando, segundo do nome, Duque <strong>de</strong> Bragança, e <strong>de</strong> sua mulher D. Isabel <strong>de</strong> Lancastro. ver:<br />
MARIA, Frei Joseph <strong>de</strong> Jesus. Espelho dos Penitentes e Chronica <strong>de</strong> Santa Maria <strong>de</strong> Arabida em que se<br />
manifestam a vida <strong>de</strong> muitos santos varoens <strong>de</strong> abalizadas virtu<strong>de</strong>s e outros que pela verda<strong>de</strong> da fé sacrificarão<br />
as vidas <strong>de</strong>stribuidas por todos os dias do anno. Offerecido a sempre augusta magesta<strong>de</strong> <strong>de</strong> El Rey D. João V<br />
Nosso Senhor. Lisboa: Officina Joseph Antonio da Sylva, 1737, p.358.<br />
178 [...] Óbidos, Villa na provincia da Estremadura; <strong>de</strong>sta Villa foi feito Con<strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas, <strong>de</strong> que tirou a<br />
carta a 22 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1636, que está na Chancellaria do dito anno, liv. 27, pag.210; <strong>de</strong>pois quando passou por<br />
Vice-Rey do Estado do Brasil, El Rey D. Affonso VI lhe fez mercê, entre outras, <strong>de</strong> Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos <strong>de</strong> juro para todos<br />
os seus sucessores na forma da Ley mental, <strong>de</strong> que se lhe passou carta a 14 <strong>de</strong> Abril do anno <strong>de</strong> 1663, que está na sua<br />
Chancellaria, liv. 27, pag.211. ver: op. cit. SOUSA, Antonio Caetano <strong>de</strong>. Memórias históricas e genealógicas dos<br />
gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal. 1755. p. 427.<br />
179 op. cit. SOUSA, Antonio Caetano <strong>de</strong>. Memórias históricas e genealógicas dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal, 1755. p. 435.<br />
180 SOUSA, Antonio Caetano <strong>de</strong>. História Genealógica da Casa Real Portuguesa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua origem até o presente,<br />
com as famílias ilustres, que proce<strong>de</strong>m dos Reys e dos Sereníssimos Duques <strong>de</strong> Bragança, justificada com<br />
instrumentos e escritores <strong>de</strong> inviolável fé e offerecida a El Rey D. João V. Tomo IX. Lisboa: Régia Officina Sylviana<br />
63
A vinculação <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas com a Coroa Castelhana é constatada a partir do<br />
título <strong>de</strong> primeiro Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, concedido pelo Rei Felipe III, durante a União Ibérica. Tal<br />
benesse <strong>de</strong>ve ser entendida a partir da sua primeira união matrimonial, estabelecida com Jeronima<br />
Maria <strong>de</strong> La Cueva e Benavi<strong>de</strong>s, filha <strong>de</strong> D. Luís <strong>de</strong> La Cueva e Benavi<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> D. Elvira <strong>de</strong><br />
Mendonça, Dama da Rainha D. Isabel <strong>de</strong> Bourbon. Seu primeiro matrimônio ocorreu durante a<br />
União Ibérica e foi pelas mãos dos Habsburgos que este membro do tronco dos Mascarenhas<br />
recebeu o título <strong>de</strong> primeira nobreza com que ficou conhecido no Reino e no Ultramar. 181<br />
Não teve filhos com a sua primeira mulher, <strong>de</strong>funta ainda jovem, a viuvez do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Óbidos só foi substituída por um novo matrimônio contraído com sua sobrinha, Joana Francisca <strong>de</strong><br />
Vilhena e com ela teve seu her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> títulos, D. Fernão Martins Mascarenhas. O patrimônio<br />
familiar do primeiro Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos atravessou o tempo dos Filipes e continuou com os<br />
Bragança, esta constatação po<strong>de</strong> ser comprovada a partir das honras e mercês recebidas,<br />
especialmente após a Restauração.<br />
As várias ativida<strong>de</strong>s políticas, militares e administrativas que Óbidos exerceu po<strong>de</strong>m ser<br />
percebidas ao longo do século XVII: pertenceu aos Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Óbidos a Alcaidaria-mor das vilas <strong>de</strong><br />
Óbidos e Selir Porto (1638), D. Vasco Mascarenhas foi Conselheiro <strong>de</strong> Guerra em1640, recebeu o<br />
também o título <strong>de</strong> Governador e Capitão Geral do Algarve, Vice Rei da Índia (1652-1653), Vice<br />
Rei do Brasil (1663-1667), Governador das Armas da Província do Alentejo, Conselheiro <strong>de</strong> Estado<br />
<strong>de</strong> D. Afonso VI (1662), Comendador da preceptoria e comenda <strong>de</strong> N. S. da Lourinhã (1655);<br />
Sellame<strong>de</strong>; Idanha, a Velha e São Salvador <strong>de</strong> Barbaes (1666). Também foi Comendador da Or<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong> Cristo (1659), em São <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> Taveiro e da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Santiago em Hortalagoa (1665). 182<br />
2- Estágio probatório nas praças ultramarinas: o Brasil e seus <strong>de</strong>safios.<br />
Façamos então um mapeamento da trajetória <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas enfocando nos<br />
registros documentais que comprovam a sua presença em terras americanas, a Carta patente <strong>de</strong> Vice<br />
Rei que recebeu <strong>de</strong> D. Afonso VI, em 1663, atestava que ele servia às Coroas Ibéricas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
e da Aca<strong>de</strong>mia Real, 1742. P. 91.<br />
181 Mafalda Soares da Cunha apontou que durante o período Filipino a casa da Áustria incentivava a união <strong>de</strong> casais<br />
espanhóis com portugueses no intuito <strong>de</strong> formar uma nobreza comum, com relação ao casamento do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos<br />
na Espanha ela afirma: [...] El monarca fue liberal, respondiendo positivamente al pedido <strong>de</strong> la futura suegra para que<br />
el fuese prorrogado em dos vidas más la alcaidaria-mayor y las encomiendas que tênia, y hasta la merced <strong>de</strong> 10.000<br />
reales <strong>de</strong> renda em Portugal sobre bienes vacantes <strong>de</strong> la Corona. El Rey asintió, dotando <strong>de</strong> inmediato la encomienda<br />
<strong>de</strong> São Mame<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vila Marim (Algarve), contra la entrega <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> menor valor que el hidalgo poseía. Y, com todo,<br />
llegó a<strong>de</strong>más El titulo <strong>de</strong> con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos. Ver: CUNHA, Mafalda Soares da. “Titulos Portugueses e matrimônios<br />
mixtos en la Monarquia Católica.” In: CASALILLA, Bartolomé Yun (dir.). Las re<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l Império : elites sociales em<br />
la articulación <strong>de</strong> la Monarquia Hispánica, 1492-1714. Marcial Pons Historia, Universidad Pablo <strong>de</strong> Olavi<strong>de</strong>, 2009,<br />
p.226.<br />
182 Op. cit. SOUSA, Antonio Caetano <strong>de</strong>. História Genealógica da Casa Real Portuguesa, tomo IX, 1742. P. 100.<br />
64
1619 183 , todavia, enfocaremos na sua passagem em tempos <strong>de</strong> invasão holan<strong>de</strong>sa no Brasil.<br />
Ressalte-se pois que até <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1636 ele não ostentava o título <strong>de</strong> Con<strong>de</strong>, todavia era um<br />
soldado <strong>de</strong> família nobre experimentado nas armas. O Brasil fez parte do roteiro <strong>de</strong> experiências<br />
que D. Vasco Mascarenhas teve em sua juventu<strong>de</strong> fora do Reino, constatamos a sua presença na<br />
Bahia em fins do governo <strong>de</strong> Diogo Luis <strong>de</strong> Oliveira (1626-1635). Num capítulo <strong>de</strong> carta régia, <strong>de</strong><br />
09 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1635, a Coroa informava às autorida<strong>de</strong>s da Bahia que ele [...] se parte logo daqui<br />
para se embarcar e servir seu cargo <strong>de</strong> Mestre <strong>de</strong> Campo se lhe passe logo ahi sua patente com os<br />
ditos ordinários. 184<br />
Seu envio para o Brasil foi resultado <strong>de</strong> um pedido <strong>de</strong> ajuda feito por Diogo Luis <strong>de</strong><br />
Oliveira, Governador Geral do Brasil que sofria com constantes confrontos para expulsar os<br />
holan<strong>de</strong>ses e ausência <strong>de</strong> militares aptos ao combate.<br />
Depois <strong>de</strong> expulsar os invasores <strong>de</strong> Salvador em 1625, a ameaça <strong>de</strong> uma nova ocupação<br />
continuava iminente, as constantes incursões batavas enfraqueciam a produção <strong>de</strong> açúcar no<br />
nor<strong>de</strong>ste do Brasil e a Bahia era o local escolhido da ofensiva, eles queriam <strong>de</strong>smantelar os<br />
Engenhos do Recôncavo e tomar o controle da Capital da Colônia.<br />
Para superar as gran<strong>de</strong>s limitações, especialmente a carência <strong>de</strong> militares hábeis e<br />
experimentados, o Governador Geral do Brasil escrevia um requerimento à Coroa para que lhe<br />
enviasse [...] pessoas práticas e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s e experiência que o aju<strong>de</strong>m a servir. 185 No escrito, o<br />
Governador <strong>de</strong>monstrava especial interesse por um militar que naquela época li<strong>de</strong>rava uma<br />
Companhia <strong>de</strong> soldados da Coroa Espanhola em Flandres, ressaltava o Governador que em D.<br />
Vasco Mascarenhas [...] concorria todas as partes e calida<strong>de</strong>s referidas <strong>de</strong> que ele Diogo Luis é<br />
testemunha <strong>de</strong> vista. 186<br />
A presença <strong>de</strong> um militar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque nas guerras contra os Países Baixos não podia <strong>de</strong>ixar<br />
<strong>de</strong> constar na lista <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> calida<strong>de</strong> enviadas para auxiliar o dito Governador Geral do Brasil<br />
183 A Carta patente <strong>de</strong> vice-rei do Brasil outorgada ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos em 08 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1663, assim registrou: [...]<br />
que tendo eu respeito dos serviços que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos meu muito amado sobrinho, do meu conselho <strong>de</strong> Estado tem<br />
feito a esta [ilegivel] <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano seiscentos e <strong>de</strong>sanove ate o prezente no Estado do Brasil. Ver BNRJ, Seção <strong>de</strong><br />
Manuscritos 1,2,5. Agra<strong>de</strong>ço aos estudantes Ana Paula Magalhães, Caroline Garcia Men<strong>de</strong>s e João Henrique <strong>de</strong> Castro<br />
– UFV, pela transcrição do documento.<br />
184 AHU,LF, cx5, doc. 567, 09/05/1635. Pedro Calmon confirma a relação amistosa existente entre o Governador Geral<br />
Diogo Luis <strong>de</strong> Oliveira e D. Vasco Mascarenhas e indica que este esteve no Brasil em 1626, salientando que [...] Por<br />
Mestre <strong>de</strong> Campo da gente <strong>de</strong> guerra trouxera D. Vasco Mascarenhas, seu companheiro <strong>de</strong> lutas em Flandres, e a quem<br />
<strong>de</strong>u posse em Olinda, em 11 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1626. op. cit. CALMON, Pedro. História do Brasil, Vol 2, (sec XVI-<br />
XVII). 1971. p. 529. […] Diogo Luis <strong>de</strong> Oliveira a que muito <strong>de</strong>nota a Fama, e celebrão as Histórias foy escolhido, e<br />
elleito por El Rey Felipe IV, e o Con<strong>de</strong> Duque seu Valido para Governador e Capitão General <strong>de</strong>ste Estado <strong>de</strong> que<br />
tomou posse em 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1627 por patente <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1625 com 100:000 rz <strong>de</strong> soldo por mês [...] o<br />
qual fez preito e juramento, e homenagem nas mãos <strong>de</strong> El Rey na Villa <strong>de</strong> Madrid [...] sendo prezentes por testemunhas<br />
o Marques <strong>de</strong> Castelo Rodrigo, João Gomes <strong>de</strong> Sá e D. Vasco Mascarenhas e tomou juramento na Chancelaria <strong>de</strong><br />
Lisboa em 13 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1626. Este e outros indícios da aproximação <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas com Diogo Luis <strong>de</strong><br />
Oliveira estão registrados em Anais BNRJ, Volume 22, 1900, p. 138:<br />
185 AHU, LF, cx.34, doc. 4382, (SLND).<br />
186 i<strong>de</strong>m<br />
65
a combater as ameaças estrangeiras que assolavam a América Portuguesa.<br />
Vasco Mascarenhas foi indicado não apenas por ter relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> com Diogo Luís <strong>de</strong><br />
Oliveira e outrora ter sido seu companheiro <strong>de</strong> armas, mas também porque o serviço militar que<br />
prestou na Europa o fazia conhecedor do modo <strong>de</strong> combate dos holan<strong>de</strong>ses, das artimanhas <strong>de</strong><br />
guerra daquele povo e o tipo <strong>de</strong> munição, armamento e táticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa que utilizavam. Assim, o<br />
Governador elogiava seu ex-companheiro <strong>de</strong> armas, informando que ele servia com muita<br />
pontualida<strong>de</strong> e satisfação e por esses motivos justificava sua indicação.<br />
Como um administrador do seu tempo, Diogo Luis <strong>de</strong> Oliveira também se ocupou em<br />
sugerir os melhoramentos financeiros e a forma como o pagamento do soldo <strong>de</strong> D. Vasco<br />
Mascarenhas entraria nas contas da Fazenda Real do Brasil: [...] se lhe faça mercê <strong>de</strong> ocupar no<br />
ofício <strong>de</strong> Sargento Mor do Brasil da mesma maneira e com o mesmo or<strong>de</strong>nado<br />
[...]acrescentandolhe em o título <strong>de</strong> Mestre <strong>de</strong> Campo por ser calida<strong>de</strong> diferente <strong>de</strong> todas os <strong>de</strong><strong>mais</strong><br />
que servirão [...]. Fazendo isto, o Governador apresentava a <strong>de</strong>spesa que o envio <strong>de</strong>ste militar ao<br />
Brasil geraria, bem como ressaltava os melhoramentos que esta vinda para o Brasil traria à sua<br />
carreira. 187<br />
Mestre <strong>de</strong> Campo era o posto que D. Vasco Mascarenhas ocupava em Flandres, ele não<br />
po<strong>de</strong>ria passar para o Brasil exercendo uma função inferior a esta, caso isto ocorresse seria ele<br />
“<strong>de</strong>gradado”, ou seja, rebaixado em suas funções militares. Mas não foi esse o seu <strong>de</strong>stino, o<br />
Governador Geral sugeria que este Mascarenhas fosse provido na Bahia com a função <strong>de</strong> Capitão<br />
Mor do Mar, cargo <strong>mais</strong> importante e com maiores rendimentos que o anterior, a tarefa que iria<br />
cumprir estava <strong>de</strong>finida nesta mesma carta, vejamos:<br />
[...] visitar as capitanias e fortalezas mandando alistar a gente e vendo se tem armas e se<br />
sabem manejar e ver on<strong>de</strong> é necessario fortificar e reparar algumas couzas cahidas e que<br />
se há artilharia e se esta em seus postos e se tem os petrechos necessarios para se servir<br />
<strong>de</strong>la e que nos almazens aja polvora e monições on<strong>de</strong> faltarem todas estas couzas se avise<br />
ao Governador. 188<br />
Vemos assim que a primeira temporada <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas no Brasil foi marcada por<br />
viagens <strong>de</strong> reconhecimento e inspeção técnica, tinha ele a missão <strong>de</strong> reunir as informações sobre o<br />
efetivo militar, bem como inventariar o arsenal existente nas Capitanias, tal atribuição se fazia<br />
urgente tendo em vista as constantes ameaças <strong>de</strong> inimigos, fossem eles invasores holan<strong>de</strong>ses, índios<br />
rebel<strong>de</strong>s ou escravos aquilombados. Diogo Luís <strong>de</strong> Oliveira reclamava das várias atribuições que<br />
tinha enquanto Governador Geral e tantas <strong>de</strong>mandas o impedia <strong>de</strong> tomar o <strong>de</strong>vido cuidado com as<br />
coisas da guerra, por isto ele conferiu esta missão especial a um especialista nas armas.<br />
187 i<strong>de</strong>m<br />
188 i<strong>de</strong>m<br />
Correr as estradas do sertão que levava aos Engenhos e fazendas <strong>de</strong> gado, navegar nos rios<br />
66
que margeavam fortalezas e as praias da costa do Brasil, se tornou uma boa oportunida<strong>de</strong> para D.<br />
Vasco Mascarenhas conhecer as belezas naturais que ouvira falar na Europa, também pô<strong>de</strong> perceber<br />
as carências do efetivo militar do Brasil e estabelecer relações com a população que habitava estas<br />
partes da América.<br />
Um trabalho difícil, porém necessário como primeira experiência, pois era exímio<br />
conhecedor das operações militares <strong>mais</strong> utilizadas na época, sabia como armazenar mantimentos<br />
bélicos com segurança, tinha noções <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> fortalezas e reparos <strong>de</strong> sua estrutura física.<br />
Seu trabalho era relatar ao Governador Geral as potencialida<strong>de</strong>s e fragilida<strong>de</strong>s que cada Capitania<br />
apresentava em relação às ameaças cotidianas.<br />
Além <strong>de</strong> ter aumentado o repertório <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s e traquejo militar, D. Vasco Mascarenhas<br />
também teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer com <strong>mais</strong> profundida<strong>de</strong> o funcionamento da administração<br />
da Colônia Portuguesa nas Américas e o comportamento dos seus funcionários ante as atribuições<br />
que lhes eram <strong>de</strong>vidas, observou ainda alguns <strong>de</strong>talhes do jogo político local e práticas dos<br />
membros da elite da Bahia. Foi neste período que se <strong>de</strong>u o primeiro contato <strong>de</strong>ste nobre do Reino<br />
com alguns fidalgos <strong>de</strong> Salvador que nesta época uniram-se contra a invasão holan<strong>de</strong>sa, <strong>de</strong>ntre os<br />
quais está <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>.<br />
D. Vasco Mascarenhas embarcou <strong>de</strong> volta para a Espanha e lá recebeu o título <strong>de</strong> Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Óbidos pelas mãos <strong>de</strong> Filipe IV, a 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1636. D. Vasco Mascarenhas encontrava-se<br />
em Madri e era um dos homens <strong>de</strong> confiança do Con<strong>de</strong> Duque <strong>de</strong> Olivares no aconselhamento dos<br />
assuntos concernentes à <strong>de</strong>fesa do Brasil. Esta constatação sustenta-se nas narrativas <strong>de</strong> Francisco<br />
<strong>de</strong> <strong>Brito</strong> Freyre quando se referiu à situação da guerra em Pernambuco e os responsáveis pelas<br />
companhias <strong>de</strong> soldados existentes no Brasil no ano <strong>de</strong> 1638:<br />
[...] A guarnição que era própria da praça, constava <strong>de</strong> mil e quinhentos soldados, nos<br />
dois Terços dos Mestres <strong>de</strong> Campo D. Fernando <strong>de</strong> Lodueña e D. Vasco Mascarenhas,<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, que por se achar em Espanha, governava seu Sargento Mor João <strong>de</strong><br />
Araújo. 189<br />
Apesar <strong>de</strong> ser Mestre <strong>de</strong> Campo <strong>de</strong> um Terço <strong>de</strong> Infantaria no Brasil, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos<br />
estava na Espanha e só voltou à Bahia pela segunda vez em 1639, embarcou como um dos<br />
tripulantes da armada <strong>de</strong> socorro enviada por Castela para expulsar os holan<strong>de</strong>ses sitiados em<br />
Pernambuco. Para completar o mapa das atribuições que ele <strong>de</strong>senvolveu durante os dois anos que<br />
antece<strong>de</strong>ram a Restauração Brigantina, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar a primeira experiência <strong>de</strong><br />
governador interino que teve o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos. 190<br />
189 FREYRE, Francisco <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>. Nova Lusiania, História da Guerra Brasílica a puríssima alma e saudosa memória<br />
do sereníssimo Príncipe Dom Theodósio, Príncipe <strong>de</strong> Portugal e Príncipe do Brasil. Década Primeira. Lisboa:<br />
Officina <strong>de</strong> Joam Galram. 1675. P. 444-443.<br />
190 MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Con<strong>de</strong> da Torre, 4 vols. Lisboa:<br />
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 67. Ver também: SILVA, Ignacio<br />
67
3- O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, substituto do Governador Geral do Brasil.<br />
O Rei Felipe IV, seguindo os conselhos do seu Valido, 191 enviou a quarta armada <strong>de</strong> socorro<br />
ao Brasil, capitaneada pelo Con<strong>de</strong> da Torre (1639-1640). 192 Óbidos era o Capitão General <strong>de</strong><br />
Artilharia e foi testemunha dos poucos recursos que a campanha apresentava quando saiu da<br />
Península Ibérica em direção à África, em 7 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1638.<br />
Os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>sta empreitada foram estudados por muitos historiadores <strong>de</strong>ntre os quais Eval<br />
Cabral <strong>de</strong> Mello se <strong>de</strong>staca pelo cuidado que teve ao <strong>de</strong>stacar os consecutivos auxílios enviados<br />
pelas coroas Ibéricas com vistas a expulsar os batavos do Atlântico Sul. A armada do Con<strong>de</strong> da<br />
Torre iniciou a viagem <strong>de</strong>sfalcada, parte dos navios espanhóis ainda reuniam os mantimentos para a<br />
jornada e o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos sabia da baixa qualida<strong>de</strong> daqueles soldados, dado que os tripulantes<br />
fardados eram camponeses alistados à força ou <strong>de</strong>linquentes obrigados a pegar em armas para<br />
comutar suas penas servindo na América. 193<br />
Ao longo da viajem a tripulação contraiu varíola e, durante os <strong>de</strong>z meses que esteve em<br />
Salvador, o Con<strong>de</strong> da Torre assumiu o Governo Geral do Brasil, cuidou dos doentes e preparou-se<br />
para guerrear. Para auxiliá-lo na supervisão das tropas ele contava com experientes combatentes que<br />
trouxe do Reino como o já mencionado Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, D. Francisco <strong>de</strong> Moura e D. Rodrigo<br />
Lobo. 194<br />
As ativida<strong>de</strong>s que D. Vasco Mascarenhas <strong>de</strong>senvolveu no Brasil entre os anos <strong>de</strong> 1639 e<br />
1640 po<strong>de</strong>m ser sistematizadas em dois momentos distintos, o primeiro <strong>de</strong>monstra-se em uma carta<br />
escrita pelo Con<strong>de</strong> da Torre na qual as qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Óbidos, sua integração com a Coroa<br />
Castelhana e a passagem prévia que tinha pelo Brasil foram pontos favoráveis que constavam ao<br />
seu respeito:<br />
[...] Em outras cartas dou conhecimento a Vossa Magesta<strong>de</strong> da gran<strong>de</strong> falta <strong>de</strong> gente com<br />
que cheguey a esta terra e como para a prevenir resolvi na junta das pessoas, com que<br />
Vossa Magesta<strong>de</strong> me mandou aconselhar, (…) e como o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos tem<br />
conhecimento tam antigo e tam geral aceitação <strong>de</strong>stes moradores, pareceo com que sua<br />
presença se faria com melhor sucesso, asi o vay o tempo mostrando. E porque ele aceitou<br />
hir a esta ocazião, vencendo com o zelo <strong>de</strong> servir a Vossa Magesta<strong>de</strong> o particular trabalho<br />
Accioli <strong>de</strong> Cerqueira da. Memórias históricas e políticas da Província da Bahia. Tomo I, Bahia: Tipografia do<br />
Correio Mercanil Precourt. 1835, p 101-112<br />
191<br />
Sobre o período do favoritismo régio do Con<strong>de</strong> Duque <strong>de</strong> Olivares, ver os trabalhos <strong>de</strong> : ELLIOTT, J. H. El Con<strong>de</strong>-<br />
Duque <strong>de</strong> Olivares. El Político en una Época <strong>de</strong> Deca<strong>de</strong>ncia. Barcelona: Grijalbo Mondadori, 1998; ELLIOTT, J. H;<br />
BROCKLIS, Laurence. “El Mundo <strong>de</strong> los Validos.” In: ESCUDERO, José Antonio (Coord.). Los Validos. Madrid:<br />
Editorial Dykinson, 2004.<br />
192<br />
Op. cit. CAMPO BELLO, Con<strong>de</strong> D. Henrique <strong>de</strong>. Governadores Gerais e Vice Reis do Brasil. Porto: Edição oficial<br />
e comemorativa. 1940, p. 63.<br />
193<br />
MELLO, Eval Cabral <strong>de</strong>. Olinda Restaurada: Guerra e açúcar no nor<strong>de</strong>ste (1630-1654). São Paulo: Editora 34,<br />
2007. p.25-33. Ver também, LENK, Wolfgan. “Aspectos da <strong>de</strong>fesa da Bahia durante as guerras holan<strong>de</strong>sas.” In:<br />
Mneme. Revista <strong>de</strong> Humanin<strong>de</strong>s. UFRN. Caicó: v.9, n.24, set/out 2008. Disponível em:<br />
www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais<br />
194<br />
Sobre o auxílio <strong>de</strong> Óbidos para com os enfermos <strong>de</strong>sta armada, ver: op. cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO,<br />
João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Con<strong>de</strong> da Torre, 4 vols. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos<br />
Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 142-147<br />
68
e <strong>de</strong>scomodo <strong>de</strong> tam diferentes caminhos e logares, entendo <strong>de</strong>via representalo asi a Vossa<br />
Magesta<strong>de</strong> para que fosse servido mandar lho agra<strong>de</strong>cer, conhecendo que pera toda<br />
ocasião he <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> fruito no serviço <strong>de</strong> Vossa Magesta<strong>de</strong> o parecer e zelo com que o<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos asiste e serve. Bahia, 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1639. 195<br />
Percebemos assim que até o mês <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1639 existia uma integração entre estes dois<br />
Con<strong>de</strong>s enviados do Reino, porém eles tinham atribuições diferentes. O Con<strong>de</strong> da Torre era o<br />
Governador Geral do Brasil e via em Óbidos um nobre com boa aceitação entre os moradores da<br />
Bahia e com experiência militar suficiente para auxiliá-lo na condução da guerra, prova disto é que<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> recomposto o efetivo militar na Bahia, D. Fernando Mascarenhas foi para Pernambuco<br />
enfrentar exército neerlandês instalado no Recife e para não <strong>de</strong>ixar o Brasil sem Governador Geral,<br />
Óbidos ficou incumbido <strong>de</strong> assumir esta função, durante o período <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1639 a 26<br />
<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1640. 196<br />
Apesar <strong>de</strong> não encontrarmos congruência com as datas apontadas para a volta <strong>de</strong> D. Vasco<br />
Mascarenhas para Portugal, até os meses finais <strong>de</strong> 1639 o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos parece ter fornecido o<br />
apoio necessário para a continuida<strong>de</strong> da guerra. 197<br />
Um segundo momento do protagonismo <strong>de</strong> Óbidos enquanto auxiliar do Con<strong>de</strong> da Torre<br />
caracteriza-se por contendas influenciadas pelo seu vínculo com a casa Brigantina e com os ventos<br />
<strong>de</strong> Restauração que sopravam no Reino. Se em março <strong>de</strong> 1639 Óbidos foi elogiado pelo seu<br />
superior, em 26 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong>ste mesmo ano as impressões <strong>de</strong> D. Fernando Mascarenhas ao seu<br />
respeito mudaram radicalmente: em uma carta escrita em alto mar, <strong>de</strong>ntro do seu gabinete [...] do<br />
Galeão São Domingos, aos 18º e meio da parte Sul do Atlântico, o Con<strong>de</strong> da Torre registrou as suas<br />
insatisfações ao Duque <strong>de</strong> Olivares, queixava-se sobre o comportamento dos generais subordinados<br />
ao seu comando e <strong>de</strong>stacava as <strong>de</strong>cepções que teve com o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e com D. Francisco <strong>de</strong><br />
Moura.<br />
Suas impressões apresentam outro olhar sobre o perfil dos homens que vieram para auxiliá-<br />
lo no governo e que naquele momento atrapalhavam sua gestão:<br />
[...] porque D. Fracisco <strong>de</strong> Moura, que o Senhor Con<strong>de</strong> Duque me <strong>de</strong>u por companheiro,<br />
não tem talento nem ação <strong>de</strong> homem <strong>mais</strong> que só aquella aparencia, que com alguma<br />
industria se enganão com elle a primeira vista, como eu tambem me enganei [...]. 198<br />
D. Vasco Mascarenhas também foi alvo das críticas do Con<strong>de</strong> da Torre:<br />
195 Op.cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Con<strong>de</strong> da Torre, 4 vols. Lisboa:<br />
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 355-356.<br />
196 Pedro Calmon nos diz que Óbidos [...] ficara no governo durante a ausência do con<strong>de</strong> [da Torre], a partir <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 1639, o mestre <strong>de</strong> campo D. vasco Mascarenhas, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos. Ver: CALMON, Pedro. História do<br />
Brasil. vol 2 (XVI-XVII), 1971. p.628.<br />
197 BARBOSA, Maria do Socorro.; ACIOLI, Vera Lucia Costa.; ASSIS, Virginia Maria Amoedo <strong>de</strong>. Fontes<br />
Repatriadas. Anotações <strong>de</strong> História Colonial, referencias para pesquisa, índice do Catalogo da Capitania <strong>de</strong><br />
Pernambuco. Recife: Ed. Universitária da UFPe, 2006, p. 111. A data do termino do governo interino do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Óbidos será discutida a seguir, visto que uma cartas do Con<strong>de</strong> da Torre aponta outra data para sua partida.<br />
198 Op. cit. MIRANDA, Susana Münch. SALVADO, João Paulo (orgs.) Cartas do 1.º Con<strong>de</strong> da Torre, 4 vols. Lisboa:<br />
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 427.<br />
69
[...]E o senhor Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos juro a Vossa Excelencia, asi Deos me honre, que em todos<br />
estes apertos e no traim <strong>de</strong> Campanha, com ser general <strong>de</strong> artilharia, não o vi nunca nem<br />
me ajudou em nada [...] Em fim Senhor, estes dois cavalheiros <strong>mais</strong> me serviram <strong>de</strong><br />
embaraço que <strong>de</strong> ajudadores, e muito <strong>de</strong>sejarão ambos que esta jornada se não fizesse,<br />
porque tão tímidos dois homens eu não os vi. 199<br />
Percebe-se então, que em novembro <strong>de</strong> 1639 as esperanças do Con<strong>de</strong> da Torre em ter Óbidos<br />
nas frentes <strong>de</strong> batalha foram frustradas, sua <strong>de</strong>senvoltura como General <strong>de</strong> Artilharia não estava<br />
dando resultados, outro trecho <strong>de</strong>sta missiva ilustra outra nuance da crítica do Con<strong>de</strong> da Torre para<br />
com a atitu<strong>de</strong> pouco combativa <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas:<br />
[...] O (Con<strong>de</strong>) <strong>de</strong> Óbidos em nenhuma forma ouvera <strong>de</strong> hir a campanha ainda que Sua<br />
Megesta<strong>de</strong> o obrigara, e na Bahia fica com tanto medo que era a cousa principal porque<br />
com elle queria <strong>de</strong>ixar meu filho, e não tem nenhuma razão em seus temores porque, posto<br />
que se assentou lhe ficassem oitocentos soldados, ficão lhe <strong>mais</strong> <strong>de</strong> mil a fora as<br />
companhias da or<strong>de</strong>nança que he gente solda<strong>de</strong>sca [...] 200<br />
Apesar <strong>de</strong> estar resguardado por muitos soldados que <strong>de</strong>fendiam a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador e<br />
assumindo o Governo interino do Brasil, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos é <strong>de</strong>scrito nesta carta como um<br />
comandante relapso, medroso e dado a outros interesses, por notar a pouca ajuda dos seus<br />
subordinados enquanto guerreava em Pernambuco, D. Fernando Mascarenhas informava ao Valido<br />
que não tinha [...] <strong>mais</strong> ajuda e favor que o do ceo porque o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos não se ocupava <strong>mais</strong><br />
que com seus prefumes e agoas cheirosas, D. Francisco <strong>de</strong> Moura com suas irmãs e parentes e D.<br />
Rodrigo Lobo com seu amancebamento [...]. 201<br />
Uma última informação <strong>de</strong>sta Carta aponta que todo o conjunto <strong>de</strong> críticas formuladas pelo<br />
Con<strong>de</strong> da Torre contra a pessoa <strong>de</strong> Óbidos tem um conteúdo político fundamental e explica a<br />
relação conflituosa <strong>de</strong>stes dois nobres no quadro geral <strong>de</strong> disputas políticas que se <strong>de</strong>lineava na<br />
Península Ibérica.<br />
Não po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que no ano <strong>de</strong> 1639 as articulações para a restauração do<br />
Reino <strong>de</strong> Portugal à uma dinastia lusa já estavam em curso, tanto o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos como o Con<strong>de</strong><br />
da Torre representavam famílias da alta nobreza Ibérica, ambos ostentavam o título <strong>de</strong> Con<strong>de</strong> e<br />
eram cavaleiros professos <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>ns Militares, contudo, o trecho a seguir indica que o motivo das<br />
<strong>de</strong>savenças estava na vinculação <strong>de</strong> Óbidos com a Casa Brigantina:<br />
199 I<strong>de</strong>m<br />
200 i<strong>de</strong>m<br />
201 i<strong>de</strong>m<br />
202 i<strong>de</strong>m<br />
[...] De todo o referido po<strong>de</strong> Vossa Excelencia dar conta [...] para que, sendo servido se<br />
man<strong>de</strong> informar a Bahia <strong>de</strong> Todos os Santos, pois já estou fora <strong>de</strong>la, e não lhe pareça a<br />
Vossa Excelencia que falo com pouca confiança, pois <strong>de</strong>ixo nella o Senhor Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Óbidos que se encontra mui sentido da instrucção que lhe <strong>de</strong>ixei, como Vossa Excelencia lá<br />
o verá, <strong>de</strong><strong>mais</strong> <strong>de</strong> ser irmão <strong>de</strong> padre frei Diniz, digo isto pelo <strong>de</strong> Seita. 202<br />
As tais instruções que tanto incomodavam o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos versavam sobre como ele<br />
70
<strong>de</strong>veria proce<strong>de</strong>r no Governo interino do Brasil durante a ausência do Con<strong>de</strong> da Torre e apontava<br />
algumas limitações sobre o trabalho que Óbidos vinha <strong>de</strong>senvolvendo. Contrariando alguns estudos,<br />
as Cartas do Con<strong>de</strong> da Torre atestam que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1639 D. Vasco Mascarenhas não se<br />
encontrava na Bahia, acompanhemos.<br />
Quatro meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> informar ao Con<strong>de</strong> Duque <strong>de</strong> Olivares dos percalços encontrados e<br />
a falta <strong>de</strong> apoio dos generais subordinados ao seu comando no Brasil, D. Fernando Mascarenhas<br />
emitiu outra comunicação ao Valido <strong>de</strong> D. Filipe IV, esta missiva não tinha o objetivo <strong>de</strong> apresentar<br />
<strong>mais</strong> uma queixa contra Óbidos e sim comunicar à Corte <strong>de</strong> Madri que ele havia saído do Brasil e<br />
retornado para o Reino sem ter lhe dado satisfação alguma, vejamos o conteúdo <strong>de</strong>ste bilhete,<br />
escrito em castelhano, no dia 25 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1640:<br />
[...] Excelentíssimo Senhor,<br />
En las ultimas embarcaciones que salieron <strong>de</strong>ste puerto he dado cuenta a Su Megestad y a<br />
Vuestra Excelencia <strong>de</strong> todo lo que se há ofrecido em el servicio real; y por aver sabido que<br />
em una carabella se fue ocultamente el Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Obidos, doi cuenta a Su Magestad para<br />
que tenga entendido que há sido sin or<strong>de</strong>n ni outra notisia mia ni aver tenido tiempo <strong>de</strong><br />
acordarle al Con<strong>de</strong> las or<strong>de</strong>nes <strong>de</strong> Su Magestad y las causas que pudriam obrigarle a no<br />
salirse <strong>de</strong>ste Estado sin tenerlas, y a Vuestra Excelencia doi la misma cuenta para que sepa<br />
que por la mia no corre la resolucion <strong>de</strong>sta jornada. 203<br />
Neste mesmo dia, o Con<strong>de</strong> da Torre enviou outra carta à Madri en<strong>de</strong>reçada ao Duque <strong>de</strong> Vila<br />
Hermosa, informava que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos havia se evadido ocultamente do Brasil à sua revelia,<br />
nesta missiva, D. Fernando Mascarenhas apresentou os motivos que estavam por trás do abandono<br />
do posto que Óbidos ocupava na América:<br />
[...] O que tenho alcançado he que vay (o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos) a queixar se a Sua Magesta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> mim por dizer que eu o tratava mal em sua ausencia; tão bem isto cousa incerta(…)<br />
Caso he, meu tio e Senhor, que este cavalheiro não po<strong>de</strong> ser meu amigo porque he irmão <strong>de</strong><br />
D. Diniz <strong>de</strong> Alencastre com quem tive tam apertadas e tam rotas quebras. 204<br />
No dia seguinte, o Con<strong>de</strong> da Torre expediu outra comunicação à D. Francisco <strong>de</strong> Moura, este<br />
comandante tinha uma companhia <strong>de</strong> soldados em Montesserrate e mantinha aproximações com<br />
Óbidos, por isso o Governador lançou mão da sua autorida<strong>de</strong> para pedir esclarecimentos. Após<br />
informar do [...] bastimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>s mil alqueires <strong>de</strong> farinha aos soldados que estavam resguardando<br />
a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador na península <strong>de</strong> Itapagipe, ele convocava o general D. Francisco <strong>de</strong> Moura<br />
para ir ter com ele em Salvador: [...] E por aqui vera Vossa Senhoria quanto he do serviço <strong>de</strong> Sua<br />
Majesta<strong>de</strong> vir se Vossa Senhoria para a cida<strong>de</strong> e juntarmo nos muitas vezes e praticarmos as<br />
matérias do serviço real. 205<br />
Nesta carta, o Con<strong>de</strong> da Torre questionava os motivos da evasão <strong>de</strong> Óbidos do Brasil e<br />
ressaltava a amiza<strong>de</strong> que ele mantinha com D. Francisco <strong>de</strong> Moura, pois foi o último militar que<br />
203 I<strong>de</strong>m, p. 449.<br />
204 I<strong>de</strong>m. P 450.<br />
205 I<strong>de</strong>m, p. 444<br />
71
esteve em contato com Óbidos antes <strong>de</strong> sua jornada secreta <strong>de</strong> volta para o Reino, o Governador<br />
Geral do Brasil salientava que eles viviam<br />
[...] das portas a <strong>de</strong>ntro alguns dias em Nossa Senhora da Graça e estando actualmente em<br />
Monteserrate agora com Vossa Senhoria todo tempo que há que Vossa Senhoria la asiste,<br />
<strong>de</strong> crer he que em resolução tão gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>via comonicalo a Vossa Senhoria ou pello menos<br />
alcançar a Vossa Senhoria esta noticia. 206<br />
O Con<strong>de</strong> da Torre queria saber o motivo que levou Óbidos a sair do Brasil e sondar se D.<br />
Francisco Moura compactuou com esta <strong>de</strong>cisão, era sua obrigação comunicar ao Governador do<br />
Brasil as circunstâncias que envolviam o retorno <strong>de</strong> Óbidos para Portugal, principalmente porque<br />
eles conviviam portas a <strong>de</strong>ntro e ambos tinham funções <strong>de</strong> comando na guerra contra os<br />
holan<strong>de</strong>ses.<br />
Neste mesmo dia, a resposta <strong>de</strong> D. Francisco <strong>de</strong> Moura chegou às mãos do Con<strong>de</strong> da Torre,<br />
a carta informava que ele também não fora comunicado da partida do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e por isso<br />
não po<strong>de</strong>ria dar informações seguras sobre aquela viagem: [...] E finalmente, Senhor, quanto<br />
congeituro e entendo da jornada <strong>de</strong>ste fidalgo se limita a particularida<strong>de</strong>s e conveniencias futuras<br />
<strong>de</strong> suas pertensõis. 207 As conveniências e pretensões que tinha o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos ao <strong>de</strong>ixar o<br />
Brasil, no limiar da Restauração Brigantina, serão abordadas a seguir.<br />
4- O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos em 1640: responsabilida<strong>de</strong>s em meio à Restauração Brigantina.<br />
D. João IV foi o décimo nono Rei <strong>de</strong> Portugal e <strong>de</strong>volveu o Trono a uma dinastia <strong>de</strong> sangue<br />
lusitano, após sessenta anos <strong>de</strong> domínio dos Reis Filipes <strong>de</strong> Habsburgo. Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
mencionar que o oitavo duque <strong>de</strong> Bragança teve uma ajuda importante na articulação das relações<br />
que propiciaram a sua coroação, no inverno <strong>de</strong> 1640: trata-se da mãe dos seus her<strong>de</strong>iros, a Rainha<br />
D. Luísa Francisca <strong>de</strong> Gusmão, castelhana <strong>de</strong> nascimento, casada em 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1633 com D.<br />
João IV. 208<br />
A historiografia espanhola ocupou-se em analisar a versão oficial da Restauração Brigantina<br />
escrita pelo Con<strong>de</strong> da Ericeira, na obra História <strong>de</strong> Portugal Restaurado. Na opinião <strong>de</strong> Rafael<br />
Valladares Ramirez, a Feliz Acclamação do Duque <strong>de</strong> Bragança foi eternizada nesta narrativa em<br />
meio a mitos e construções ufanistas que visavam valorizar uma certa versão portuguesa para o fim<br />
da União Ibérica.<br />
Na opinião <strong>de</strong> Rafael Valladares, a assunção <strong>de</strong> D. João IV ao trono <strong>de</strong> Portugal não passou<br />
<strong>de</strong> um golpe <strong>de</strong> Estado arquitetado por alguns membros da nobreza portuguesa <strong>de</strong>scontentes com as<br />
taxações fiscais e perda <strong>de</strong> privilégios que se acentuaram com o reinado <strong>de</strong> Felipe IV e do valimento<br />
206 i<strong>de</strong>m<br />
207 i<strong>de</strong>m<br />
208 BARBOSA, D. José. Catálogo Chronologico, Histórico, Genealógico, e Crítico das Rainhas <strong>de</strong> Portugal e seus<br />
filhos. Lisboa: Officina Joseph Antonio da Sylva , 1727. P.423.ss.<br />
72
do Con<strong>de</strong> Duque <strong>de</strong> Olivares; o autor acredita que a participação <strong>de</strong> D. João foi importante, mas não<br />
po<strong>de</strong> ser interpretada como o motor exclusivo dos levantes em torno da Restauração:<br />
[...] Que la persona <strong>de</strong> D. João <strong>de</strong> Bragança [...] era imprescindible para la conjura, está<br />
fuera <strong>de</strong> duda. Primero, porque uno <strong>de</strong> los pretextos para dar el Golpe era la necesidad <strong>de</strong><br />
restaurar la dinastia legítima <strong>de</strong> “reyes naturales” que pedia Portugal. Segundo, porque la<br />
alternativa a uma restauración monarquica seria la república, régimen difícil <strong>de</strong> legitimar<br />
allí don<strong>de</strong> carecia <strong>de</strong> tradición y que habria sido poco presentable <strong>de</strong>ntro y fuera <strong>de</strong><br />
Portugal. Si <strong>de</strong> ella se habló entre los conjurados fue solo para advertir al reticente D.<br />
João hasta dón<strong>de</strong> estaban dispuestos a llegar, com o sin él. Tercero, porque la riqueza<br />
patrimonial <strong>de</strong> los Bragança, la más imponente <strong>de</strong>l reino, era una fuente preciosa <strong>de</strong><br />
recursos que seria preciso mobilizar. Y cuarto, porque <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> una sociedad rigidamente<br />
corporativista y jerarquizada la ausencia <strong>de</strong> una cabeza sólida al frente <strong>de</strong> ella habria<br />
abierto una lucha por el po<strong>de</strong>r capaz <strong>de</strong> arruinar los objetivos <strong>de</strong> la conjura. 209<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos evadiu-se do Brasil em março <strong>de</strong> 1640 sem comunicar ao seu superior<br />
direto, vimos as críticas que o Con<strong>de</strong> da Torre fizera à Corte <strong>de</strong> Madrid em relação ao ocorrido e as<br />
suspeitas que tinha para explicar o abandono <strong>de</strong> posto do General <strong>de</strong> Artilharia do Brasil: Óbidos<br />
era parente <strong>de</strong> D. Diniz <strong>de</strong> Lencastre e, segundo a informação <strong>de</strong> D. Francisco <strong>de</strong> Moura, tinha<br />
pretensões particulares para sair do Brasil. A vinculação <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas com a casa real<br />
Brigantina foi o fator <strong>de</strong>cisivo que explicou a jornada <strong>de</strong> retorno <strong>de</strong> Óbidos para Portugal, em 25 <strong>de</strong><br />
Março <strong>de</strong> 1640.<br />
Além <strong>de</strong> ser vinculado ao grupo <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> Portugal que legitimavam o reinado do<br />
oitavo Duque <strong>de</strong> Bragança, percebemos <strong>de</strong> Óbidos esteve intimamente ligado a este reinado, ele<br />
auxiliou o Rei D. João IV nos anos que seguiram a Restauração. Não preten<strong>de</strong>mos aprofundar as<br />
ativida<strong>de</strong>s que Óbidos exerceu <strong>de</strong>ntro do território <strong>de</strong> Portugal após 1640, nosso foco <strong>de</strong><br />
investigação são as ativida<strong>de</strong>s que ele protagonizou nas praças ultramarinas ao longo da sua carreira<br />
e assim reunir subsídios para analisar o seu estilo <strong>de</strong> governo como segundo vice-rei do Brasil,<br />
última ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> governo que exerceu. Contudo, é importante salientar que D. João IV conce<strong>de</strong>u<br />
a D. Vasco Mascarenhas o título <strong>de</strong> Con<strong>de</strong> Sobrinho, no dia 08 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong>1640. 210<br />
Dois anos após a Restauração, em 14 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1642, foi reconstituído o Conselho<br />
Ultramarino e promulgado seu Regimento, este sínodo só entrou em funcionamento em 1643 e<br />
seguiu o mo<strong>de</strong>lo do antigo Conselho das Índias e Conquistas Ultramarinas (1604), criado no<br />
período Filipino e extinto em 1614.<br />
D. João IV reergueu este corpo consultivo escolhendo os <strong>mais</strong> distintos nobres do Reino,<br />
entre eles estavam militares <strong>de</strong> capa e espada e fidalgos letrados que ocuparam funções <strong>de</strong> governo<br />
no Ultramar ou no Reino e, portanto, eram experientes administradores e hábeis conselheiros;<br />
209 VALLADARES, Rafael. "Sobre Reyes <strong>de</strong> Invierno. El Diciembre Portugués y Los Cuarenta Fidalgos (O Algunos<br />
Menos, Con Otros Más)." In: PEDRALBES. Revista d’Historia Mo<strong>de</strong>rna. Universitat <strong>de</strong> Barcelona,n. 15, 1995.p.<br />
114.<br />
210 Agraceço ao Professor Francisco Cosentino pela indicação <strong>de</strong>ste documento que atesta a nomeação <strong>de</strong> Óbidos como<br />
Con<strong>de</strong> Parente: ANTT. Chancelaria <strong>de</strong> D. João IV, livro 19, folha 231 v.<br />
73
acompanhemos a seguir algumas particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste sínodo, cuja jurisdição era exclusiva para<br />
assuntos da alçada Colonial.<br />
Todos os documentos referentes a questões que ultrapassavam a autorida<strong>de</strong> dos<br />
Governadores Gerais e vice-reis do Ultramar Português eram remetidos à Lisboa e ali se<br />
transformavam em consultas ao Conselho Ultramarino, antes <strong>de</strong> chegar ao parecer final da Realeza.<br />
Devido ao gran<strong>de</strong> volume <strong>de</strong> papéis que chegavam das Colônias, a pauta <strong>de</strong> <strong>de</strong>spachos variava <strong>de</strong><br />
acordo com os dias da semana: segundas e quartas o expediente dos Conselheiros tratava da Índia e<br />
dos seus negócios, quintas e sextas o cuidava-se das <strong>de</strong>mandas do Brasil e aos sábados a Guiné,<br />
Cabo Ver<strong>de</strong> e outras partes do Império Ultramarino entravam em discussão.<br />
A importância estratégica do Conselho Ultramarino e os registros <strong>de</strong>ixados nos pareceres<br />
dos seus titulares resguardam informações valiosas sobre o funcionamento da administração<br />
colonial, posicionamentos e conflitos <strong>de</strong> interesses existentes entre os Conselheiros e o perfil<br />
político dos auxiliares <strong>de</strong> D. João IV nas Colônias. 211 Outros institutos como o Desembargo do<br />
Paço, a Mesa da Consciência e Or<strong>de</strong>ns e a Casa da Suplicação foram preservados após a<br />
Restauração e a função <strong>de</strong>stes órgãos gerou alguns conflitos <strong>de</strong> jurisdição, ao longo do século XVII.<br />
Temos acesso ao translado <strong>de</strong> uma consulta feita pelo Conselho Ultramarino, em 15 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1644, sobre algumas pessoas capazes <strong>de</strong> substituir o Governador Geral do Brasil,<br />
Antonio Telles da Silva (1642-1647). Percebemos que mesmo servindo em Portugal, após os anos<br />
<strong>de</strong> experiência no Brasil, o nome <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas continua a ser cotado entre os<br />
Conselheiros como possível Governador <strong>de</strong>stas partes.<br />
Em 1644, este tribunal era composto por duas figuras que tiveram passagem pelo Brasil e<br />
apresentaram posições diferenciadas sobre envio do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos para substituir um<br />
Governador Geral, eram eles: Salvador <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Sá, relator da consulta em tela e o Marquês <strong>de</strong><br />
Montalvão, primeiro presi<strong>de</strong>nte do Conselho Ultramarino.<br />
Conforme o Regimento, os conselheiros iniciavam a sessão apresentando os pareceres sobre<br />
os papéis que haviam sido distribuídos previamente pelo Presi<strong>de</strong>nte. O relator da matéria era o<br />
primeiro a opinar, seguido dos outros, por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong> e por último, o voto do Presi<strong>de</strong>nte<br />
do Conselho era registrado pelo Secretário:<br />
[...] Pareceu a Salvador <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Saa nomear a V. VMg<strong>de</strong>. para este cargo por outros três<br />
annos, em primeiro lugar D. João <strong>de</strong> Mascarenhas, por ser fidalgo <strong>de</strong> boas partes, e muyto<br />
afabel, e que será bem aceito naquelle Governo. Em segundo lugar a D. João <strong>de</strong> Sousa. E<br />
terceiro ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Val <strong>de</strong> Reis, e que não vota em soldados, por lhe parecer serem<br />
necessários neste Reino e não se necessita hoje no Estado do Brasil, senão <strong>de</strong> pessoa<br />
afábel, e que trate também do serviço <strong>de</strong> VM, que são as partes, que concorrem nas<br />
211 Sobre <strong>mais</strong> informações sobre o funcionamento do Conselho Ultramarino ver MYRUP, Erik Lars. “Governar a<br />
distância: o Brasil na composição do Conselho Ultramarino, 1642-1833.” In: SCHWARTZ, Stuart.; MYRUP, Erik Lars.<br />
O Brasil no Império marítimo português. Bauru/SP: EDUSC, 2009, p.263-298.<br />
74
pessoas asima nomeadas. 212<br />
Apesar <strong>de</strong> ser o relator <strong>de</strong>ste processo, Salvador <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Sá foi o único conselheiro que<br />
omitiu o nome <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas como possível ocupante do cargo <strong>de</strong> Governador Geral do<br />
Brasil, todos os outros Conselheiros seguiram votando no Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos como um nobre <strong>de</strong><br />
reconhecida carreira militar, passagem prévia pelo Brasil e apto à este provimento.<br />
Após a emissão dos pareceres dos <strong>de</strong><strong>mais</strong> conselheiros, o Marquês <strong>de</strong> Montalvão, presi<strong>de</strong>nte<br />
do sínodo, foi quem por último emitiu opinião sobre esta consulta. O primeiro vice-rei do Brasil,<br />
expulso do cargo em 1641, levantava o nome <strong>de</strong> três nobres do Reino em condições <strong>de</strong> substituir<br />
Antonio Telles da Silva no governo do Brasil, entre as características dos seus indicados, a aceitação<br />
das autorida<strong>de</strong>s do Brasil era o motivo <strong>mais</strong> forte que orientava a sua predileção:<br />
[...] Ao Marques Presi<strong>de</strong>nte parece que pelo que ouvio no Brasil, acerca <strong>de</strong> como nelle era<br />
amado o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e pelas cartas que ha tido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que assiste neste Conselho,<br />
que será muyto aceito no ditto Estado, o mesmo Con<strong>de</strong>, se V.Mg<strong>de</strong>. mandar por<br />
Governador <strong>de</strong>lle. Em segundo lugar se nomea a D. João <strong>de</strong> Sousa, por ser fidalgo <strong>de</strong><br />
muytas partes, e pelo bem que tem servido a V.Mg<strong>de</strong>. <strong>de</strong>spois <strong>de</strong> sua felice acclamação. E<br />
em terceiro lugar D. João Mascarenhas, por também concorrerem nelle as mesmas partes,<br />
e parecer razão, que V. Mg<strong>de</strong>. man<strong>de</strong> lançar mão <strong>de</strong>lle, para ao adiante o ocupar em<br />
mayores postos [...] 213<br />
Todos os conselheiros apontaram o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos como opção para governar o Brasil,<br />
todavia, apenas o relator não o mencionou e ainda formulou uma opinião que, diante das<br />
justificativas dos seus outros colegas <strong>de</strong> Conselho, parece <strong>de</strong>sfavorável à sua nomeação: na visão do<br />
ex- Governador do Rio <strong>de</strong> Janeiro, afabilida<strong>de</strong> e trato político pareciam ser as características <strong>mais</strong><br />
necessárias ao Governante que fosse enviado ao Brasil.<br />
Ressaltar que não vota em soldados parece refletir a preocupação <strong>de</strong> <strong>Correa</strong> <strong>de</strong> Sá em<br />
manter D. Vasco Mascarenhas no Reino e ocupado nos serviços <strong>de</strong> Conselheiro <strong>de</strong> Guerra <strong>de</strong> D.<br />
João IV, atribuição <strong>mais</strong> apropriada à sua formação <strong>de</strong> soldado e não em postos administrativos no<br />
Ultramar.<br />
Nesta Consulta <strong>de</strong> 1644, vemos o Conselho Ultramarino ciente <strong>de</strong> sua jurisdição:<br />
[...] E cõ a sumissão <strong>de</strong>vida, pareceo representar a VMg<strong>de</strong>. que as cousas <strong>mais</strong> importantes<br />
ao governo <strong>de</strong> seus Reynos, e Senhorios he a elleição e escolha <strong>de</strong> semelhantes lugares, e<br />
que nestes sempre VMg<strong>de</strong>. e os senhores Reys seus antecessores costumão fazer estas<br />
nomeações ouvindo seus Conselhos e que havendo VMg<strong>de</strong>. <strong>de</strong> mandar seguir esta or<strong>de</strong>m<br />
por seu serviço <strong>de</strong>ve em primeiro lugar mandar, que por este Conselho se lhe facão estas<br />
consultas pois a elle comete todas as cousas pertinentes a guerra, fazenda e justiça e o<br />
<strong>mais</strong> governo das Conquistas Ultramarinas. 214<br />
Especialmente após a Restauração, as instâncias consultivas <strong>de</strong> Portugal representaram um<br />
papel cada vez <strong>mais</strong> importante, especialmente na administração do Reino e das conquistas<br />
ultramarinas, Edgar Prestage enten<strong>de</strong>u que o Conselho <strong>de</strong> Estado criado no período dos Bragança<br />
212 AHU, LF, BA. Cx.16, Doc1814<br />
213 i<strong>de</strong>m<br />
214 i<strong>de</strong>m<br />
75
[...] era o <strong>mais</strong> alto corpo consultivo dos negócios públicos [...] gozava <strong>de</strong> certos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />
iniciativa, embora <strong>sujeito</strong> a aprovação do Rei. 215<br />
Pedro Cardim amplia nossos horizontes, afirmando que os Conselhos eram instâncias que<br />
representavam a figura do Rei, como seu apêndice, pois [...] era o órgão on<strong>de</strong> assistem os maiores<br />
homens do reino, e isso foi <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> reputação nos anos <strong>de</strong> Restauração. 216<br />
A elevação da dinastia <strong>de</strong> Bragança ao trono <strong>de</strong> Portugal promoveu algumas mudanças na<br />
lógica <strong>de</strong> funcionamento do Reino e das suas conquistas, alguns aspectos do mo<strong>de</strong>lo administrativo,<br />
jurídico e militar promovido por Castela foi adaptado e a<strong>de</strong>quado às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal e do<br />
ultramar, o corpo jurídico espanhol continuou existindo, pois D. João IV e seus sucessores não<br />
aboliram o Código Filipino, contudo, algumas alterações se tornaram <strong>mais</strong> agudas.<br />
Na estrutura militar, reformas importantes foram efetuadas em 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1640 com<br />
a criação do Conselho <strong>de</strong> Guerra 217 , este foi um dos primeiros conselhos erigidos por D. João IV<br />
após sua coroação e imprescindível nos vinte e oito anos <strong>de</strong> conflito que se seguiram para a<br />
reconquista e <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> territórios lusos, outrora dominados pelos Habsburgos.<br />
O Conselho <strong>de</strong> Guerra ocupou era composto por <strong>de</strong>z conselheiros <strong>de</strong> alta nobreza e militares<br />
<strong>de</strong> comprovada experiência, nomeados diretamente pelo Rei. Entre os primeiros selecionados <strong>de</strong>ste<br />
corpo consultivo se encontrava D. Vasco Mascarenhas, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos. Os Conselheiros <strong>de</strong><br />
Guerra eram homens experimentados nas batalhas da Europa e do Ultramar, submetidos a um<br />
complexo sistema <strong>de</strong> precedências e cerimonial rigoroso que normatizava o funcionamento daquela<br />
instância.<br />
Conforme a especialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste conselho, cabia aos seus membros a emissão <strong>de</strong> pareceres<br />
em assuntos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, instrução aos Generais espalhados pelo mundo Ultramarino, bem como a<br />
criteriosa nomeação <strong>de</strong> Oficiais e Ministros da Guerra. Os membros tinham vasto histórico militar<br />
anterior à Restauração e por isso conheciam as <strong>de</strong>mandas do Reino e das conquistas e as<br />
características do efetivo disperso no amplo território, <strong>de</strong>sta forma, percebe-se que os Conselheiros<br />
<strong>de</strong> Guerra tiveram prerrogativa <strong>de</strong> nomear pessoas em todas as funções militares superiores, quais<br />
sejam Capitão Geral, Governador das Armas e Capitães-mores. Além disso, ainda <strong>de</strong>liberavam<br />
sobre o contingente dos exércitos, recrutamento militar, fabricação <strong>de</strong> embarcações e a fortificação<br />
215 PRESTAGE, Edgar. O Conselho <strong>de</strong> Estado. D. João IV e D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão, Lisboa: 1919, p. 19<br />
216 CARDIM, Pedro. “A Casa Real e os órgãos centrais <strong>de</strong> governo no Portugal da segunda meta<strong>de</strong> dos Seiscentos.” In:<br />
Revista Tempo, Vol. 7 N° 13. Niterói: UFF, julho <strong>de</strong> 2002, pp. 13- 56, p. 27.<br />
217 O Conselho <strong>de</strong> Guerra foi criado logo após a Restauração, este sínodo era composto por conselheiros, um assessor,<br />
um promotor <strong>de</strong> justiça, um secretário, porteiro e contínuo. Seus trabalhos enfocavam a conservação das fortalezas e<br />
fornecimento do material <strong>de</strong> guerra, cabia-lhes também o provimento <strong>de</strong> postos militares, organização tática e<br />
estratégica das expedições das tropas e tribunal militar. Ver: op. cit. BARBOSA,Maria do Socorro.; ACIOLI, Vera Lucia<br />
Costa.; ASSIS, Virginia Maria Amoedo <strong>de</strong>. Fontes Repatriadas. Anotações <strong>de</strong> História Colonial, referências para<br />
pesquisa, índice do Catalogo da Capitania <strong>de</strong> Pernambuco. 2006, p. 35.<br />
76
<strong>de</strong> espaços estratégicos ocupados pela Coroa Portuguesa. 218<br />
O panorama <strong>de</strong> reformas administrativas efetuadas a partir <strong>de</strong> 1640, influenciou o estilo <strong>de</strong><br />
escolha dos vice-reis da Índia e dos Governadores Gerais e vice-reis do Estado do Brasil, 219 por ser<br />
matéria <strong>de</strong> alta política, estas <strong>de</strong>cisões eram exclusivida<strong>de</strong> do Conselho <strong>de</strong> Estado.<br />
De acordo com estudos contemporâneos, a <strong>de</strong>cisão do nome <strong>de</strong> possíveis Governadores e<br />
vice-rei do Brasil e da Índia não passava pelo crivo do Conselho Ultramarino, ainda que emitissem<br />
pareceres favoráveis ou contrários sobre os candidatos <strong>mais</strong> indicados para o governo das<br />
conquistas. Estes conselheiros se encarregavam apenas das nomeações <strong>de</strong> Governadores <strong>de</strong><br />
Capitanias, portanto, apesar <strong>de</strong> tentar influenciar na escolha dos altos mandatários das conquistas, o<br />
Conselho Ultramarino não conseguiu tal prerrogativa. 220<br />
Após este breve levantamento <strong>de</strong> algumas a reformas administrativas implementadas por D.<br />
João IV, notamos a intensa ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos na década <strong>de</strong> 1640, ele era um quadro político<br />
importante para o <strong>de</strong>senvolvimento e consolidação da monarquia portuguesa recém restaurada.<br />
Diante <strong>de</strong> outros nobres <strong>de</strong> Portugal que concorriam para o Governo Geral do Brasil nesta década,<br />
Vasco Mascarenhas se <strong>de</strong>stacava em 1644 por ser um comandante preparado e com passagem<br />
prévia pela América, as outras pessoas que estavam concorrendo com Óbidos para substituir<br />
Antonio Telles da Silva também eram homens <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> reconhecimento social e haviam servido<br />
nas fronteiras <strong>de</strong> Portugal ou tiveram passagem pelo Brasil.<br />
Mesmo indicado pela maioria do Conselho Ultramarino, o nome do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos não<br />
foi aprovado por D. João IV para substituir o Governador Geral do Brasil, ressalte-se que nenhuma<br />
das pessoas elencadas nesta consulta obteve provimento para o Governo do Brasil, a função foi<br />
ocupada por Antonio Telles <strong>de</strong> Menezes, segundo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vila Pouca <strong>de</strong> Aguiar (1647-1650).<br />
Contudo, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos continuou exercendo cargos <strong>de</strong> comando na <strong>de</strong>fesa do Reino durante<br />
218 Outras informações sobre as pessoas providas no ultramar português no período <strong>de</strong> ascensão <strong>de</strong> D. João IV, ver:<br />
SILVA. Luiz augusto Rabelo da. História <strong>de</strong> Portugal nos séculos XVII e XVIII. Tomo IV. Lisboa: 1969, p. 189-193.<br />
Sobre a constituição dos Conselhos <strong>de</strong> Guerra e uma análise historiográfica <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhada, ver: COSTA, Fernando<br />
Dores. “O Conselho <strong>de</strong> Guerra como lugar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r: a <strong>de</strong>limitação da sua autorida<strong>de</strong>.” In: Análise Social, abr. 2009,<br />
n.191, p.379-414.<br />
219 O Brasil foi elevado a “Principado” por carta régia <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1645 e passou a ser reconhecido <strong>de</strong> uma<br />
forma diferenciada diante outras conquistas portuguesas. Maria <strong>de</strong> Fátima Gouvea enten<strong>de</strong>u que: [...] No caso do Brasil<br />
em particular, <strong>de</strong>staca-se o fato <strong>de</strong> que essa alteração se inseria em um processo <strong>de</strong> gradativa concessão <strong>de</strong> títulos à<br />
“conquista”americana, <strong>de</strong>lineando-se uma trajetória político-administrativa capaz <strong>de</strong> explicitar uma dada estratégia<br />
<strong>de</strong> governo. Estratégia essa informada por uma economia política <strong>de</strong> privilégios, vale repetir, tecendo vínculos, e<br />
sentimentos capazes <strong>de</strong> relacionar indivíduos em ambas as margens do Atlantico. Ver: GOUVÊA, Maria <strong>de</strong> Fátima.<br />
“Po<strong>de</strong>r político e administração na formação do complexo atlantico portugues (1645-1808). In: Op. Cit. O Antigo<br />
Regime nos Trópicos, 2001. p.294<br />
220 MONTEIRO, Nuno Gonçalo.; CUNHA, Mafalda Soares da.; CARDIM, Pedro. OPTIMA PARS. As Elites do<br />
Antigo Regime no Espaço Ibero-Americano, Lisboa: Imprensa <strong>de</strong> Ciências Sociais, 2005. A conclusão dos autores<br />
<strong>de</strong>sta obra coaduna com o documento que temos tratado, encontramos o parecer <strong>de</strong>finitivo do Rei sobre a pretensão que<br />
o Conselho Ultramarino tinha em consultar Governadores Gerais e Vice Reis para as Colônias Ultramarinas: [...] Não<br />
toca ao Conselho consultar este posto. Lisboa 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1644. Ver: op. cit.: AHU, LF, BA. Cx.16, Doc. 1814:<br />
Consulta do Conselho Ultramarino sobre se consultarem pessoas para o Governo do Brasil.<br />
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os anos que seguiram a década <strong>de</strong> 1640; 221 na década <strong>de</strong> 1650, constatamos a sua primeira viagem<br />
rumo ao Oceano Índico, Óbidos foi incumbido <strong>de</strong> assumir a <strong>mais</strong> alta função <strong>de</strong> governo outorgada<br />
a um nobre português no Oriente Português. 222<br />
5- As experiências malsucedidas <strong>de</strong> um vice-reinado na Índia.<br />
[...] D. Vasco Mascarenhas, Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos (27º Vice Rei), nomeado em 19 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />
1652, partiu <strong>de</strong> Lisboa em 25 <strong>de</strong> março, chegou a Goa no dia 3 <strong>de</strong> setembro do mesmo anno.<br />
Tomou posse do governo a seis. Socorreu o Ceylão e as fortalezas do Camará cercadas pelos<br />
holan<strong>de</strong>ses. 223<br />
A historiografia contemporânea ocupou-se em estudar alguns aspectos da experiência <strong>de</strong><br />
governo do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos na Índia, partiremos <strong>de</strong> alguns estudos realizados no Brasil e em<br />
Portugal a fim <strong>de</strong> sistematizar os <strong>de</strong>talhes da sua governança, em meio a disputas políticas próprias<br />
daquele espaço. 224<br />
O envio <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas com o título <strong>de</strong> vice-rei da Índia po<strong>de</strong> ser compreendido a<br />
partir da ótica da reprodução hierárquica da socieda<strong>de</strong> e das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> social que<br />
orientavam as categorias nobiliárquicas existentes em Portugal Seiscentista, especialmente se o foco<br />
da nossa atenção for o período posterior a Restauração Brigantina.<br />
Os critérios <strong>de</strong> recrutamento e caracterização social dos nobres <strong>de</strong> Portugal indicados para<br />
exercer ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> governo e concelhio no Estado da Índia foram estudados por Mafalda Soares<br />
da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro. Tomando por base esta análise, reuniremos <strong>mais</strong> subsídios<br />
para compreen<strong>de</strong>r o conjunto <strong>de</strong> atributos que Óbidos apresentava ao assumir seu primeiro vice-<br />
reinado no Oriente em 1652. 225<br />
221 O Con<strong>de</strong> da Ericeria <strong>de</strong>u notícias sobre uma das tarefas que D. Vasco Mascarenhas operou após a Restauração: [...] O<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos havia servido no Brasil e em Flandres com muito bom procedimento, e esperava-se <strong>de</strong> seu juizo e<br />
afabilida<strong>de</strong> do seu trato que exercitasse com gran<strong>de</strong> acerto a ocupação que El Rey lhe entregara – fora nomeado<br />
Governador das Armas na Província <strong>de</strong> Alentejo.Ver: ERICERIA, D. Luiz <strong>de</strong> Menezes Con<strong>de</strong> da. História <strong>de</strong> Portugal<br />
Restaurado,Parte I, Tomo I, Lisboa: Officina Domingos Rodrigues, 1759, p. 368. Quando esteve a governar o Alentejo,<br />
D. Vasco Mascarenhas foi expulso do posto e preso, ver: Biblioteca Nacional <strong>de</strong> Lisboa, Coleção pombalina, Cod. 46,<br />
sem título, folha 285. Agra<strong>de</strong>ço a Renato <strong>de</strong> Souza Alves pela indicação <strong>de</strong>sta referencia.<br />
222 Sobre a trajetória e perfil político dos Governadores e Vice Reis do Estado do Brasil no século XVII, verificar:<br />
COSENTINO, Francisco Carlos. Perfil social e importância política dos Governadores Gerais do Estado do Brasil.<br />
(1640-1705). In: ANAIS DO II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. Mneme – Revista<br />
<strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. Ver também: COSENTINO, Francisco Carlos.<br />
Governadores gerais do estado do Brasil (séculos XVI – XVII): ofício, regimento, governação e trajetórias. São<br />
Paulo: Annablume, 2009.<br />
223 BORDALO, Francisco Maria. Ensaio sobre a estatística das possessões na África Oci<strong>de</strong>ntal e Oriental na Ásia<br />
Oci<strong>de</strong>ntal na China e na Oceania começados a escrever <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no governo <strong>de</strong> Sua Magesta<strong>de</strong>, por Joaquim<br />
Lopes <strong>de</strong> Lima e continuados por Francisco Maria Bordalo. Segunda série, Livro V – O estado da Índia, 1ª parte,<br />
Lisboa: Imprensa Nacional, 1862, p. 118<br />
224 MALDONADO, Maria Herminia. Relação das Naos e Armadas da Índia com os sucessos <strong>de</strong>llas que se pu<strong>de</strong>ram<br />
saber, para noticia e instrucção dos curiosos e amantes da História da Índia. Coimbra: Biblioteca Geral da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, 1985, p.181.<br />
225 MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Trajetórias sociais e governo das conquistas: Notas preliminares sobre os vice-reis e<br />
governadores-gerais do Brasil e da Índia nos século XVII e XVIII.” In: FRAGOSO, João.; BICALHO, Maria<br />
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De acordo com os autores, Óbidos paresentava perfil a<strong>de</strong>quado para administrar estas<br />
partes, além <strong>de</strong> ser o primogênito da sua família, outro aspecto importante que lhe cre<strong>de</strong>nciou o<br />
cargo <strong>de</strong> governo na Índia foi a sua vinculação com os Duques <strong>de</strong> Bragança. Percebemos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
<strong>de</strong>scrição das armas dos Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Óbidos, que D. Vasco Mascarenhas se encontrava em condições<br />
privilegiadas na Corte <strong>de</strong> D. João IV. Mesmo exercendo ativida<strong>de</strong>s militares para a Coroa<br />
Castelhana durante o período da União Ibérica, ele continuava próximo da dinastia Brigantina, pois<br />
era do tronco dos Mascarenhas, família que apresentava um antigo histórico <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e serviço<br />
às Coroas <strong>de</strong> Portugal.<br />
Óbidos foi um nobre <strong>de</strong> reconhecido valor e respeito tanto em Madri como em Lisboa e<br />
levou consigo um título <strong>de</strong> nobreza e um brasão <strong>de</strong> armas que atestava sua primogenitura entre os<br />
Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Óbidos. Todos estes atributos <strong>de</strong>terminavam-lhe vários privilégios e mercês régias<br />
concedidas pelos soberanos <strong>de</strong> Portugal e, ao longo do século XVII, também outros homens que<br />
viviam nas praças ultramarinas disputavam a atenção dos Reis e solicitavam melhoramento dos seus<br />
patrimônios e estabelecimento <strong>de</strong> vínculos <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> com os monarcas. 226<br />
O título <strong>de</strong> vice-rei, além <strong>de</strong> carregar um conteúdo simbólico <strong>de</strong> diferenciação social, se<br />
tornou <strong>mais</strong> um atributo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za que o Rei D. João IV utilizou para manter a sua<br />
governabilida<strong>de</strong>, após o fim da hegemonia espanhola. Se no Brasil a concessão <strong>de</strong>ste título<br />
extraordinário só aconteceu em 1640, na Índia, o vice-reinado foi instituído e mantido pelas coroas<br />
Ibéricas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI.<br />
O primeiro a receber o título <strong>de</strong> “Almirante e Vice Rei das Índias”, concedido pelos Reis<br />
Católicos <strong>de</strong> Aragão e Castela, foi o navegador genovês Cristóvão Colombo, no século XVI o<br />
português D. Francisco <strong>de</strong> Almeida foi beneficiado com o primeiro título <strong>de</strong> vice-rei do Estado da<br />
Índia, outorgado em 1505.<br />
Diogo Ramada Curto resumiu assim o modus operandi para a nomeação <strong>de</strong> portugueses para<br />
ocupar os cargos administrativos do Reino e do Ultramar:<br />
[...] Com efeito, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o príncipe virtuoso saber escolher os seus conselheiros; a<br />
legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nomeação dos melhores por suas acções e merecimento, baseada no<br />
confronto das carreiras, na distribuição <strong>de</strong> mercês e no vocabulário da justiça distributiva;<br />
a or<strong>de</strong>nação dos nomes e das histórias <strong>de</strong> vida, segundo um critério genealógico; o<br />
controlo judicial por residência e o inquérito judicial por audição e confronto <strong>de</strong><br />
testemunhas, ou seja, a inquisitio, a referência e <strong>de</strong>scrição dos sistemas políticos baseada<br />
na qualificação <strong>de</strong> personagens influentes e na <strong>de</strong>tecção das suas ligações – todos estes<br />
são aspectos que fazem parte da referida lógica da nomeação. 227<br />
A outorga do título <strong>de</strong> vice-rei foi uma prática comum às monarquias Ibéricas, porém, esta<br />
Fernanda.; GOUVÊA, Maria <strong>de</strong> Fátima (Orgs.) O Antigo Regime nos Trópicos: A dinamica imperial portuguesa<br />
(séculos XVI-XVIII). RJ: Civilização Brasileira, 2001, p.249-284.<br />
226 CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Vice-reis, governadores e conselheiros <strong>de</strong> governo do<br />
Estado da Índia (1505-1834). Recrutamento e caracterização social.” In: Penélope. Fazer e <strong>de</strong>sfazer a história. 15,<br />
1995. Pg. 91-120.<br />
227 Op. cit. CURTO, Diogo Ramada. “A Restauração <strong>de</strong> 1640: nomes e pessoas.” 2003. p. 324.<br />
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enesse extraordinária <strong>de</strong>veria seguir critérios rigorosos, <strong>de</strong>ntre os quais, muitos fidalgos da<br />
primeira nobreza <strong>de</strong> Portugal se enquadravam, porém poucos conseguiam alcançar. Para ser vice-rei<br />
da Índia, algumas características eram imprescindíveis; <strong>de</strong> acordo com João <strong>de</strong> Barros, o candidato<br />
<strong>de</strong>veria ser: [...] homem limpo <strong>de</strong> sangue, natural e não estrangeiro, pru<strong>de</strong>nte, cavaleiro, bem<br />
acostumado, e que se tenha <strong>de</strong>le experiência em casos semelhantes <strong>de</strong> mandar gente na guerra. 228<br />
Tomado por base o estudo anterior realizado sobre a <strong>de</strong>scendência <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas<br />
e sua experiência no Ultramar, percebemos que ele tinha as condições genealógicas e políticas<br />
necessárias para assumir um posto <strong>de</strong> governo no Oriente, contudo, antes <strong>de</strong> prover os possíveis<br />
governantes da Índia, a Coroa, em consonância com o corpo consultivo apropriado no Reino,<br />
consi<strong>de</strong>rava dois aspectos básicos:<br />
A vinculação <strong>de</strong> cada fidalgo com as diversas facções nobiliárquicas que compunham a<br />
corte portuguesa e os contatos políticos ou negócios que tais famílias mantinham no Oriente <strong>de</strong>viam<br />
ser levados em conta no momento da indicação <strong>de</strong> um vice-rei da Índia. Um longo processo <strong>de</strong><br />
investigação das ativida<strong>de</strong>s militares ou políticas que o indicado havia exercido no Oriente era<br />
efetuado pelos auxiliares do Rei, com vistas a garantir o nome <strong>de</strong> um nobre apto a cumprir tal<br />
função, também os contatos prévios ou negócios que o possível agraciado mantinha com a elite<br />
portuguesa <strong>de</strong> Goa embasavam a <strong>de</strong>cisão régia na concessão ou negação do título <strong>de</strong> vice-rei da<br />
Índia.<br />
Um segundo fator a ser levado em conta, <strong>de</strong>corre do respaldo político que o indicado <strong>de</strong>veria<br />
ter no Reino, para assumir um vice-reinado no Oriente. Mesmo não tendo capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prover o<br />
cargo <strong>de</strong> Governador Geral e vice-rei da Índia, percebe-se que o Conselho Ultramarino emitia<br />
pareceres favoráveis ou contrários e suas opiniões pesavam politicamente na <strong>de</strong>cisão final do Rei,<br />
era neste momento que os principais homens <strong>de</strong> Portugal, distribuídos nos Tribunais do Reino<br />
entravam em cena e privilegiavam o interessado que mantivesse maior integração com seus<br />
interesses. Os Conselheiros ressaltavam em suas performances <strong>de</strong> escrita a visibilida<strong>de</strong> dos seus<br />
apadrinhados, formulavam argumentos favoráveis para certas pessoas e assim promoviam um<br />
reconhecimento diferenciado <strong>de</strong> alguns perante a Monarquia.<br />
Em resumo: o sucesso ou o fracasso da gestão <strong>de</strong> um governante na Índia <strong>de</strong>pendia do seu<br />
respaldo político entre as autorida<strong>de</strong>s do Reino; da integração com os membros das elites das<br />
Colônias e <strong>de</strong> uma carreira militar e administrativa reconhecida socialmente pelos os homens do seu<br />
tempo. 229 Analisando a segunda meta<strong>de</strong> do século XVII, percebemos que o perfil social dos vice-<br />
reis da Índia portuguesa apresentava uma similarida<strong>de</strong>: os agraciados com este título eram<br />
228 BARROS, João <strong>de</strong>. Terceira década da Ásia. Dos feytos que os portugueses fizeram no <strong>de</strong>scobrimento &<br />
conquista dos mares & terras do Oriente. Lisboa: Livraria Sam Carlos. Parte II, Livro IX, Capítulo I. 1781. p.341.<br />
229 Op.cit. CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Vice-reis, governadores e conselheiros <strong>de</strong><br />
governo do Estado da Índia (1505-1834). Recrutamento e caracterização social.” p.93.<br />
80
portugueses <strong>de</strong> nascimento, ou seja, primogênitos nascidos em famílias <strong>de</strong> primeira nobreza e [...]<br />
presuntivos senhores <strong>de</strong> Casa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o berço, apesar <strong>de</strong> algumas exceções. 230<br />
Nuno Gonçalo Monteiro e Mafalda Soares da Cunha ressaltaram que durante este período, a<br />
Monarquia Brigantina flexibilizou a exigência <strong>de</strong> presença anterior na Índia como condição para<br />
outorgar o título <strong>de</strong> vice-rei aos nobres portugueses e era neste ponto a principal fragilida<strong>de</strong> política<br />
do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos ao chegar em Goa.<br />
Apesar <strong>de</strong> ter sido nomeado pelo Rei <strong>de</strong> Portugal e ter or<strong>de</strong>ns expressas <strong>de</strong> governar aquela<br />
praça, a temporada <strong>de</strong> Óbidos foi curta. Ele não tinha passagem pelo Oriente em sua carreira e por<br />
isso chegou à Índia com trânsito político limitado entre as autorida<strong>de</strong>s locais, mesmo utilizando<br />
seus dotes militares no comando das tropas que <strong>de</strong>fendiam o Ceilão, Óbidos encontrou resistência<br />
da elite Goense. Francisco Maria Bordalo dá <strong>mais</strong> informações <strong>de</strong>stes meses turbulentos em que o<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos ostentou o título <strong>de</strong> vice-rei da Índia;<br />
[...] Não obstante possuir optimas qualida<strong>de</strong>s,[O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos] foi <strong>de</strong>posto no dia 22<br />
<strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1653, preso e enviado para o reino, em resultado <strong>de</strong> uma sedição <strong>de</strong> que era<br />
principal caudilho D. Braz <strong>de</strong> Castro. Este assumiu a si o governo, até que foi preso e<br />
alguns <strong>de</strong> seus sequazes em 1655. 231<br />
Uma narrativa <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhada dos movimentos feitos pelos moradores <strong>de</strong> Goa para <strong>de</strong>rrubar<br />
o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos do vice-reino da Índia foi apresentada pelo Con<strong>de</strong> da Ericeira, nela percebemos<br />
o <strong>de</strong>licado terreno <strong>de</strong> disputas que o fidalgo vivenciou no Oriente Português. Ele fora enviado para<br />
substituir o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aveiras, por ocasião da sua morte, contudo, [...] <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> poucos dias se<br />
começarão a alterar os ânimos da mayor parte dos Três Estados daquela cida<strong>de</strong> [...]. 232<br />
Os articuladores <strong>de</strong>sta sedição eram figuras <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na cida<strong>de</strong>: [...] Nicolau <strong>de</strong> Moura <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong>, natural da Índia e Antônio Barreto Pereira, que havia ido por Almirante no ano<br />
antece<strong>de</strong>nte, 233 estes dois obtiveram o apoio fundamental <strong>de</strong> D. Bráz <strong>de</strong> Castro, 234 fidalgo morador<br />
na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Goa que assumiu a li<strong>de</strong>rança do motim e, posteriormente ao golpe, tomou para si o<br />
governo da Índia até que o Rei enviasse pessoa <strong>mais</strong> benquista.<br />
230<br />
i<strong>de</strong>m. p.98.<br />
231<br />
Op. cit. BORDALO, Francisco Maria. Ensaio sobre a estatística das possessões na África Oci<strong>de</strong>ntal e Oriental na<br />
Ásia Oci<strong>de</strong>ntal na China e na Oceania começados a escrever <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m no governo <strong>de</strong> Sua Magesta<strong>de</strong>, por<br />
Joaquim Lopes <strong>de</strong> Lima e continuados por Francisco Maria Bordalo. Segunda série, Livro V – O estado da Índia,<br />
1ª parte, Lisboa: Imprensa Nacional, 1862, p. 118.<br />
232<br />
Op. cit. ERICERIA, D. Luiz <strong>de</strong> Menezes Con<strong>de</strong> da. História <strong>de</strong> Portugal Restaurado, Parte I, Tomo II, 1751, p.<br />
402-408.<br />
233<br />
i<strong>de</strong>m<br />
234<br />
[...] Nasceo em Lisboa, e teve por progenitores D. Rodrigo <strong>de</strong> Castro e D. Ana <strong>de</strong> Eça, filha <strong>de</strong> Luis <strong>de</strong> <strong>Brito</strong>, pagem<br />
do Car<strong>de</strong>al D. Henrique e <strong>de</strong> D. Ignes <strong>de</strong> Castro. Depois <strong>de</strong> ter obrado ações dignas <strong>de</strong> memória as eclypsou<br />
injuriosamente quando em o anno <strong>de</strong> 1652, aten<strong>de</strong>ndo <strong>mais</strong> aos impulsos da ambição, que a nobreza <strong>de</strong> seu nascimento<br />
aceitou o Governo da Índia, que o levou a uma sublevação popular, mandando pren<strong>de</strong>r ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, D. Vasco<br />
Mascarenhas, eleito Vice Rei do Estado pela Magesta<strong>de</strong> do Rei D. João IV. Ver: MACHADO, Diogo Barbosa.<br />
Bibliotheca Lusitana, histórica crítica, chronologica na qual se comprehen<strong>de</strong> a noticia dos authores portugueses,<br />
e das obras, qu compuserão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo <strong>de</strong>proclamação da Ley da Graça até o tempo prezente. Offerecida a<br />
augusta magesta<strong>de</strong> <strong>de</strong> D. João V. Tomo I, Lisboa: Officina Antonio Isidoro da Fonseca, 1741, p. 300<br />
81
Após reunir força suficiente, os amotinados pren<strong>de</strong>ram o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos no Colégio dos<br />
Reis e o vice-reinado <strong>de</strong>ste Mascarenhas na Índia encerrou-se quando ele foi embarcado para<br />
Lisboa. A passivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos diante da usurpação do seu cargo foi <strong>de</strong>talhada pelo Con<strong>de</strong> da<br />
Ericeira:<br />
[...] E o Con<strong>de</strong> que não havia dado causa a tão indigna sublevação, que querer curar com<br />
remédios tratando os achaques que pediam medicamentos rigorosos, se <strong>sujeito</strong>u sem<br />
resistência a prisão, parecendolhe que fazia a acção <strong>mais</strong> útil a saú<strong>de</strong> pública em sofrer o<br />
opróbrio que em contradizelo. 235<br />
O clima político <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacordo que gerou este conflito na Índia foi inserido no estudo feito<br />
por Luciano Figueiredo ao tratar das alterações políticas oriundas da Restauração. O autor <strong>de</strong>stacou<br />
a saída do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos do vice-reinado da Índia entre os episódios <strong>de</strong> insurreições e<br />
instabilida<strong>de</strong> política que estouravam na América, África e Ásia, a partir do ano <strong>de</strong> 1640 até finais<br />
<strong>de</strong> 1680. Notemos que as estratégias <strong>de</strong> governabilida<strong>de</strong> a que D. João IV lançou mão, para superar<br />
os <strong>de</strong>sajustes e tensões políticas entre a elite goense, apresentaram certa con<strong>de</strong>scendência para com<br />
a contenção das revoltas coloniais:<br />
[...] a quase simultaneida<strong>de</strong> das contestações, em bases tão semelhantes no período,<br />
ofereceu uma oportunida<strong>de</strong> preciosa ao governo metropolitano <strong>de</strong> refinar suas ações no<br />
governo colonial em épocas <strong>de</strong> crise. Não apenas os colonos foram capazes <strong>de</strong><br />
instrumentalizar as fragilida<strong>de</strong>s que eram próprias da relação metrópole - colônia, como<br />
empregou cautela e prudência como exigiam tais inquietações, em vista do assédio dos<br />
inimigos, das ameaças dos colonos e das dificulda<strong>de</strong> em mobilizar formas <strong>de</strong> repressão<br />
imediata.” 236<br />
O autor também indica que a origem do conflito político estabelecido entre o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Óbidos e a elite <strong>de</strong> Goa estava nos critérios <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong>, tão importantes naquele período e que<br />
<strong>de</strong>veriam ser atenciosamente comprovados. Mesmo acompanhado <strong>de</strong> uma frota especial e or<strong>de</strong>ns<br />
expressas da Coroa pra exercer o vice-reinado da Índia, a elite local percebia a nomeação do Con<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Óbidos como uma intervenção direta da Rainha D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão sem a <strong>de</strong>vida provisão do<br />
Rei D. João IV. 237<br />
Apesar <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>senvoltura no comando militar e respaldo político no Reino, D. Vasco<br />
Mascarenhas não foi habilidoso para conter a revolta das autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scontentes com a sua<br />
pessoa, por isso, não <strong>de</strong>morou um ano e o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos foi usurpado do cargo <strong>de</strong> vice-rei da<br />
Índia. Nuno Gonçalo Monteiro e Mafalda Soares da Cunha apresentam o mesmo entendimento<br />
quanto a este episódio, o posicionamento político <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas é utilizado pelos<br />
autores como um exemplo típico dos governantes que o Rei D. João IV enviava para o Oriente: [...]<br />
235 Op. cit. ERICERIA, D. Luiz <strong>de</strong> Menezes Con<strong>de</strong> da. História <strong>de</strong> Portugal Restaurado, p.403.<br />
236 FIGUEIREDO. Luciano Raposo <strong>de</strong> Almeida. “O Império em apuros; notas para o estudo das alterações ultramarinas<br />
e das práticas no Império Colonial Português. Séculos XVII e XVIII.” In: FURTADO, Júnia. Diálogos Oceânicos:<br />
Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte:<br />
UFMG, 2001. P. 228.<br />
237 i<strong>de</strong>m, p. 122<br />
82
o perfil dos Vice Reis <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados dos Seiscentos é dado, sem dúvida, pelo <strong>de</strong>posto primeiro<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos (1652-1653), cujos opositores consi<strong>de</strong>ravam ser ‘<strong>mais</strong> um favorito da corte do<br />
que um competente administrador.’ 238<br />
O administrador <strong>de</strong>stacado para o Ultramar que não soubesse mediar conflitos ou não<br />
compreen<strong>de</strong>sse os pormenores do funcionamento da lida colonial, po<strong>de</strong>ria ter sérios problemas com<br />
os outros homens po<strong>de</strong>rosos, não bastava ter linhagem nobre e ampla experiência militar, a ausência<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e <strong>de</strong>ferências necessárias às elites da Colônia, a improbida<strong>de</strong> administrativa dos<br />
mandatários e a insatisfação dos negociantes <strong>de</strong> grosso patrimônio eram <strong>de</strong>mandas que chegavam<br />
ao conhecimento da realeza, graças aos muitos manuscritos produzidos pelas autorida<strong>de</strong>s do<br />
ultramar em crítica a vice-reis e Governadores Gerais <strong>de</strong>stacados nas conquistas.<br />
A expulsão do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos da Índia comprova que, quando as reclamações dos fidalgos<br />
das Colônias não faziam efeito, a ação dos mesmos contra os excessos dos mandatários enviados do<br />
Reino falava por si. 239<br />
Apesar <strong>de</strong> termos percebido certa con<strong>de</strong>scendência <strong>de</strong> D. João IV diante da usurpação do<br />
vice-reinado <strong>de</strong> Óbidos na Índia, esta malfadada experiência <strong>de</strong>ixou marcas profundas na<br />
personalida<strong>de</strong> política <strong>de</strong>ste nobre, ele não conseguiu cumprir a tarefa que lhe fora incumbido, não<br />
foi enérgico na <strong>de</strong>fesa do seu posto, não impôs às autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Goa a titulação e qualida<strong>de</strong>s<br />
nobiliárquicas que trazia do Reino.<br />
O Con<strong>de</strong> da Ericeira explicou que Óbidos não resistiu à sua <strong>de</strong>posição para evitar maiores<br />
danos a or<strong>de</strong>m pública, porém, parece que seus atributos <strong>de</strong> fidalgo <strong>de</strong> primeira nobreza não tinham<br />
muito peso <strong>de</strong>ntro do jogo político instalado na Índia <strong>de</strong>sta época, assim como o Marquês <strong>de</strong><br />
Montalvão no Brasil <strong>de</strong> 1640, o Con<strong>de</strong> Óbidos vice-rei da Índia foi <strong>de</strong>posto do cargo, preso e<br />
enviado para Lisboa e substituído por uma articulação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosos locais, em 1653.<br />
O motivo da expulsão <strong>de</strong>stes dois vice-reis, apesar <strong>de</strong> separados pelo tempo e pelo espaço,<br />
ressalta a pressão política que os homens da elite colonial exerciam neste período <strong>de</strong> pós-<br />
Restauração e as múltiplas possibilida<strong>de</strong>s que as autorida<strong>de</strong>s locais lançavam mão para <strong>de</strong>monstrar<br />
resistência aos estilos <strong>de</strong> administração dos governantes enviados do Reino. A notícia <strong>de</strong> que<br />
Óbidos fora enxotado da Índia se espalhou pelo Reino e chegou ao Brasil, contudo, a sua volta para<br />
Lisboa em 1653 <strong>de</strong>marca outros <strong>de</strong>safios, apesar <strong>de</strong> não ter conseguido sucesso nesta boa<br />
238 Op.cit. CUNHA, Mafalda Soares da; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Vice-reis, governadores e conselheiros <strong>de</strong><br />
governo do Estado da Índia (1505-1834). Recrutamento e caracterização social.” p.105. apud: SUBRAHMANYAM,<br />
Sanjay. O Império Asiático Portugues 1500-1700: Uma história política e econômica. Tradução Paulo Jorge Souza<br />
Pinto. Lisboa: Difel, 1995, p. 237.<br />
239 Sobre <strong>mais</strong> aspectos dos Governadores e Vice Reis do Ultramar ver: MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Trajetórias<br />
sociais e governo das conquistas: Notas preliminares sobre os vice-reis e governadores-gerais do Brasil e da Índia nos<br />
século XVII e XVIII.” In: FRAGOSO, João.; BICALHO, Maria Fernanda.; GOUVÊA, Maria <strong>de</strong> Fátima (Orgs.) O<br />
Antigo Regime nos Trópicos: A dinamica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). RJ: Civilização Brasileira,<br />
2001, p.249-284.<br />
83
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar seu valor como vice-rei, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos continuou a participar da<br />
disputa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que se <strong>de</strong>lineava em Portugal.<br />
6- O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e o partido do Príncipe inepto.<br />
D. Vasco Mascarenhas volta à Portugal em 1653, em maio <strong>de</strong>ste mesmo ano D. Teodósio<br />
morreu, aos 19 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, após muitas tentativas <strong>de</strong> curá-lo <strong>de</strong> uma misteriosa enfermida<strong>de</strong>. 240<br />
As celebrações das exéquias do Rei D. João IV aconteceram em novembro <strong>de</strong> 1656 e estas duas<br />
perdas que acossaram a Casa <strong>de</strong> Bragança modificou a transição do trono e estabeleceu um cenário<br />
<strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do Reino: além <strong>de</strong> se preocupar com a continuida<strong>de</strong> da guerra travada com a<br />
Espanha e garantir os territórios conquistados pelo seu marido, a viúva do Rei, D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão,<br />
recebeu a tutela dos seus filhos menores, D. Afonso e D. Pedro e a Regência do Reino e das suas<br />
conquistas até a maiorida<strong>de</strong> do secundogênito, jurado her<strong>de</strong>iro legítimo do trono <strong>de</strong> Portugal.<br />
No Palácio, os dois Infantes <strong>de</strong>monstravam comportamentos diferenciados: o caçula, D.<br />
Pedro, tinha oito anos quando o Rei D. João IV morreu e ainda não entendia a trama política em que<br />
estava inserido, todavia, seu irmão <strong>mais</strong> velho e próximo Rei <strong>de</strong> Portugal, D. Afonso, será motivo<br />
<strong>de</strong> um estudo <strong>mais</strong> criterioso a seguir, pois é a partir <strong>de</strong>le que iremos perceber a inserção do Con<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Óbidos na configuração política que se <strong>de</strong>senhava no Reino.<br />
D. Afonso nasceu em Lisboa após a Restauração, no dia 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1643; foi batizado<br />
pelo seu irmão <strong>mais</strong> velho, D. Teodósio, em 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1643 e jurado Príncipe sucessor <strong>de</strong><br />
Portugal no dia 22 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1653, começou a reinar aos 13 anos, sob a tutela da Rainha Mãe,<br />
no dia 6 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1656, até que chegasse sua maiorida<strong>de</strong>. 241<br />
Os cronistas <strong>de</strong>sta época são unânimes ao ressaltar as limitações do segundo filho do<br />
Restaurador, aos quatro anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> D. Afonso foi acometido por uma febre que lhe <strong>de</strong>ixou<br />
sequelas profundas, muitas foram as <strong>de</strong>scrições que a doença da infância causou no príncipe, em<br />
todas elas percebemos que a parte direita do seu corpo estava totalmente comprometida: [...] não via<br />
daquelle olho, não ouvia da mesma parte, e com muito pesar movia a mão e o pé direito. 242<br />
Padre Antonio Vieira, confessor da Rainha, foi um dos propagadores das <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s do<br />
Infante D. Afonso, ele oferece riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes quanto à aparência do her<strong>de</strong>iro do trono em um<br />
dos seus Sermões: [...] Era manco <strong>de</strong> um pé, era aleijado <strong>de</strong> um braço, e naquela parte da cabeça<br />
pa<strong>de</strong>cia do mesmo <strong>de</strong>feito porque a força do mal, <strong>de</strong> que escapou quase milagrosamente, como<br />
240 D. Teodósio nasceu em Vila Viçosa, no dia 08 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1634, foi jurado príncipe <strong>de</strong> Portugal em 28 <strong>de</strong> janeiro<br />
<strong>de</strong> 1641, morreu em 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1653. Ver: op. cit.: BARBOSA, D. José. Catálogo Chronologico, Histórico,<br />
Genealógico, e Crítico das Rainhas <strong>de</strong> Portugal e seus filhos. Lisboa: 1727. P.424.<br />
241 SOUSA, Camillo Aureliano da Silva e. Anti-Catastrophe. História verda<strong>de</strong>ira da vida e dos successos Del Rey D.<br />
Affonso sexto <strong>de</strong> Portugal e Algarves. Escripta em lingoa hespanhola por um oficial das tropas <strong>de</strong> Portugal e na<br />
sua <strong>de</strong>sgraça. Traduzida em portugues, 1791. Porto: Typographia da rua Formosa, 1845.p. 100.<br />
242 BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI, escripta no anno <strong>de</strong>1684. Porto/Braga: Livraria<br />
Internacional. 1684.p. 30.<br />
84
diziam os médicos, o partiu ao meio. 243<br />
O <strong>de</strong>senho político que se configurou após a morte <strong>de</strong> D. João IV e as providências tomadas<br />
pela Rainha Regente para reorganizar a estrutura da Corte <strong>de</strong> Portugal foi estudado por Vinicius<br />
Orlando <strong>de</strong> Carvalho Dantas ao pesquisar o resgate do Valimento régio durante o reinado <strong>de</strong> D.<br />
Afonso VI. O historiador estudou as ações perpetradas pela Rainha Mãe e pelos seus conselheiros<br />
no sentido <strong>de</strong> difundir a incapacida<strong>de</strong> física e mental do futuro Rei <strong>de</strong> Portugal, cujo<br />
comportamento e companhias pouco a<strong>de</strong>quadas comprometiam sua imagem como monarca.<br />
A Rainha Regente tentava reunir provas para atestar a fragilida<strong>de</strong> metal e impotência<br />
reprodutora do seu segundo filho, para isso ela mandou chamar<br />
[...] Antonio da Matta, e o cirurgião Francisco Nunes, pessoas que mereciam a confiança<br />
da rainha; e conferindo aquella matéria com as consi<strong>de</strong>rações da arte, <strong>de</strong>clararam ambos<br />
por um papel que el-rei era mentecapto e impotente. 244<br />
D. Luísa seguia a Regência preocupada com D. Afonso, não só com sua saú<strong>de</strong> como<br />
também com suas amiza<strong>de</strong>s. O maior motivo <strong>de</strong> sua resistência eram as relações pouco<br />
recomendadas que o jovem Afonso mantinha com Antonio <strong>de</strong> Conti Vintimiglia, seu amigo pessoal<br />
e protagonista <strong>de</strong> muitos escândalos. 245<br />
Para além <strong>de</strong> propagar a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> D. Afonso, a Rainha Mãe tinha vistas em permanecer<br />
no po<strong>de</strong>r, até a maiorida<strong>de</strong> do caçula D. Pedro (que na sua compreensão tinha <strong>mais</strong> condições <strong>de</strong><br />
assumir o Reino). Todavia, outros nobres da Corte vislumbravam no infante em vias <strong>de</strong> completar a<br />
maiorida<strong>de</strong>, uma oportunida<strong>de</strong> para tirar proveito das condições <strong>de</strong>ste ser o futuro Rei <strong>de</strong> Portugal. ‘<br />
As crônicas da época apontam para uma estreita ligação existente entre o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e<br />
o Infante D. Afonso. 246 Em 07 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1660, o her<strong>de</strong>iro do trono <strong>de</strong> Portugal foi mudado <strong>de</strong><br />
quarto pela Rainha Mãe e encontramos o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos como um dos cinco fidalgos que<br />
serviam ao príncipe em sua nova câmara no Palácio, outro episódio que marca a intimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> D.<br />
Vasco Mascarenhas com o Príncipe <strong>de</strong>u-se quando ele salvou a vida do Infante, em uma cilada que<br />
243 Sermões do Padre Antonio Vieira, Tomo XII, Lisboa, 1856, pg 49.<br />
244 Após a ascensão <strong>de</strong> D. Afonso VI ao trono, os papéis que atestavam sua <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> foram encontrados, por isto [...]<br />
foi chamado ao Paço Francisco Nunes, aon<strong>de</strong> o matou as pancadas o Marques <strong>de</strong> Fontes e Antonio da Matta, sabendo<br />
do caso, nunca <strong>mais</strong> saiu á rua. Ver: BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI escripta no anno <strong>de</strong><br />
1684. Porto/Braga: Livraria Internacional, 1684. P.24.<br />
245 I<strong>de</strong>m. P.24. Um estudo historiográfico <strong>mais</strong> pormenorizado das visões dicotômicas construídas na figura <strong>de</strong> D.Afonso<br />
VI foi feito por Angela Barreto Xaviel e Pedro Cardim, os autores recorreram a estudos e narrativas <strong>de</strong> autores do<br />
século XVII, XVIII, XIX e XX e elucidaram como as idéias <strong>de</strong> imbecilida<strong>de</strong> e impotência sexual imputadas pelo padre<br />
Antonio Vieira e pelos partidários <strong>de</strong> D. Luisa <strong>de</strong> Gusmão à este Rei foi uma manobra política forjada com as palavras e<br />
com a tinta dos seus opositores que viam em D. Pedro I um Rei <strong>mais</strong> apropriado em condições <strong>de</strong> gerar um her<strong>de</strong>iro<br />
para o Trono <strong>de</strong> Portugal. Ver: XAVIER, Ângela Barreto.; CARDIM, Pedro. Afonso VI. Lisboa: Circulo <strong>de</strong> Leitores,<br />
2006. p.9-27.<br />
246 Pedro Cardim, ao estudar a estrutura da casa Real Brigantina e seus órgãos <strong>de</strong> governo dividiu em dois os ofícios<br />
domésticos do Palácio: os maiores e os menores, <strong>de</strong>ntre os maiores Óbidos era “gentil homem da Câmara”, <strong>de</strong> acordo<br />
coma análise <strong>de</strong> Cardim, câmara eram os aposentos do Rei ou do Príncipe, um lugar <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> no qual pessoas<br />
selecionadas tinham acesso, os camaristas [...] eram os que frequentemente praticam com os Reis e príncipes, [eram]<br />
cofres <strong>de</strong> suas payxoens, mo<strong>de</strong>radores <strong>de</strong> seus afetos. Ver: CARDIM. Pedro. “A Casa Real e os órgãos <strong>de</strong> Governo no<br />
Portugal da segunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> seiscentos”. In: Tempo. Departamento <strong>de</strong> História UFF. Niteroi: n.13, p.24-25<br />
85
quase o matou. 247<br />
A fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrada por Óbidos se fez notável nos anos que seguiram a década <strong>de</strong><br />
1660, a maiorida<strong>de</strong> do her<strong>de</strong>iro do trono já era evi<strong>de</strong>nte, ainda que a Rainha Regente <strong>de</strong>monstrasse<br />
profundo receio em dar a coroa <strong>de</strong> Portugal a uma figura controversa. Não queremos aqui<br />
aprofundar os motivos que levaram a D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão <strong>de</strong>gredar Antonio <strong>de</strong> Conti Vintimiglia e<br />
outras estratégias que lançou mão para tentar manter o infante D. Afonso sob controle.<br />
Com esta medida, a Rainha extirpava <strong>de</strong> Portugal o in<strong>de</strong>sejado mentor intelectual e<br />
companheiro <strong>de</strong> boemias do Infante, que certamente seria seu favorito quando assumisse o trono.<br />
Antonio <strong>de</strong> Conti foi <strong>de</strong>gredado do Reino, mas o direito <strong>de</strong> governar Portugal ainda era garantido ao<br />
filho legítimo do Rei, segundo na ca<strong>de</strong>ia sucessória e com ida<strong>de</strong> suficiente para dirigir o Reino<br />
restaurado por seu pai. 248<br />
A partir do <strong>de</strong>gredo <strong>de</strong> Antonio <strong>de</strong> Conti, os nobres <strong>mais</strong> próximos a D. Afonso perceberam<br />
o perigo que a metodologia <strong>de</strong> silenciamento <strong>de</strong> opositores utilizada pela Rainha po<strong>de</strong>ria causar a<br />
outros fidalgos partidários da entronização do Príncipe. Saliente-se que a aposta em legitimar a<br />
maiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> D. Afonso e suas condições <strong>de</strong> assumir o reino <strong>de</strong> Portugal era fruto <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scontentamentos anteriores, alguns nobres <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> influência política no Reino <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época<br />
da Restauração estranhavam certas medidas da Rainha Regente:<br />
[...] conjurou-se com o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Authoguia e com Sebastião Cesar, contra a rainha à<br />
saú<strong>de</strong> d´el-rei: ambos estes eram queixosos, o primeiro por lhe tirar a mesma rainha o<br />
governo das armas do Alentejo e o segundo pela longa prisão em que esteve por traidor<br />
infame.<br />
O lí<strong>de</strong>r da dita conjuração era D. Luiz <strong>de</strong> Vasconcelos e Sousa, portador do título <strong>de</strong> terceiro<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor e articulador da entronização do Infante. Os movimentos <strong>de</strong> imposição da<br />
maiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> D. Afonso VI, em 1662, foi chamado <strong>de</strong> Golpe <strong>de</strong> Alcântara pela historiografia <strong>de</strong><br />
Portugal e po<strong>de</strong>m ser sistematizados em duas fases: a primeira é a viagem que D. Afonso fez em<br />
companhia do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Autoguia e do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor, até a Quinta <strong>de</strong> Alcântara,<br />
proprieda<strong>de</strong> da Coroa distante <strong>de</strong> Lisboa alguns quilômetros. Afastar o futuro Rei da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Lisboa e instalá-lo em uma proprieda<strong>de</strong> da Coroa distante <strong>de</strong> Lisboa era uma tentativa <strong>de</strong> isolar<br />
politicamente a Rainha e reforçar a maiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> D. Afonso, legítimo Rei <strong>de</strong> Portugal.<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Autoguia usou da sua influência para convencer os outros nobres da Corte<br />
247 [...] D’ estes excessos resultou que apeando-se El-rei por cima do Convento do Rato, já noite, or<strong>de</strong>nou o monteiro<br />
mor e ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, que fossem esperar à Cotovia; e indo só com João <strong>de</strong> Conti, já perto do coche que o vinha<br />
buscar, investiu com três homens que vinham com outro <strong>de</strong> nação francesa, chamado David Go<strong>de</strong>froi: fugiu João <strong>de</strong><br />
Conti, e El-rei caiu em um valado, on<strong>de</strong> no chão lhe <strong>de</strong>ram uma estocada: gritou que era El-rei; fugiram os homens e<br />
levaram a espada que era d’el-rei; acudiu o monteiro mor e o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, recolhendo-se El-rei ao Paço, e<br />
chamados os cirurgiões, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> curado, se <strong>de</strong>u conta a Rainha que com gran<strong>de</strong> sobressalto veio ver El-rei ao seu<br />
quarto.op. cit. BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI escripta no anno <strong>de</strong> 1684. Porto/Braga:<br />
Livraria Internacional, 1684. P.30<br />
248 Op. Cit. MENEZES, D. Luiz <strong>de</strong> (Con<strong>de</strong> da Ericeria). História <strong>de</strong> Portugal Restaurado. Parte II, Livro VII, p. 3<br />
86
quanto a importância <strong>de</strong> registrar presença em Alcântara e <strong>de</strong>monstrar fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao Infante em<br />
condições <strong>de</strong> governar o Reino; ao saber <strong>de</strong>ste movimento, a Rainha Mãe or<strong>de</strong>nou que o Tenente <strong>de</strong><br />
Mestre <strong>de</strong> Campo Manuel Pacheco <strong>de</strong> Melo convocasse todos os nobres do Reino até o Palácio <strong>de</strong><br />
Lisboa, contudo, a reação da Rainha não surtiu efeito: o Mestre <strong>de</strong> Campo foi <strong>de</strong>tido pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Sarzedas e enviado a Alcântara para se juntar aos que apoiavam a maiorida<strong>de</strong> do Infante. 249<br />
A segunda fase do golpe caracterizou-se pela solene reunião <strong>de</strong> nobres em Alcântara que<br />
legitimou a aliança e apoio à maiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> D. Afonso VI. Embora D. Luisa <strong>de</strong> Gusmão tivesse<br />
consigo muitos nobres portugueses que <strong>de</strong>monstravam resistência em dar o trono <strong>de</strong> Portugal ao<br />
controverso D. Afonso, ela se viu obrigada a <strong>de</strong>clarar seu filho como Rei <strong>de</strong> Portugal e passou-lhe<br />
os selos reais em uma cerimônia discreta, diante da maioria dos nobres que estavam do lado <strong>de</strong> D.<br />
Afonso VI e convencidos das condições que o monarca legítimo tinha para assumir o Reino.<br />
Para sensibilizar a causa <strong>de</strong> D. Afonso entre os varões das ilustres famílias <strong>de</strong> Portugal, foi<br />
necessária uma criteriosa articulação política costurada pelos que eram próximos ao infante, <strong>de</strong>ntre<br />
o quais, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos assumiu um papel especial: tinha aproximação com o astuto terceiro<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor e trânsito político favorável entre os nobres da Corte que naquele<br />
momento assumiam altos cargos no Reino e outrora foram seus companheiros <strong>de</strong> guerra no além-<br />
mar. 250<br />
Após o juramento sobre os Evangelhos, conduzido pela Igreja Católica e diante da Corte<br />
Portuguesa e da Rainha Mãe, o sexto Afonso eleva-se ao trono <strong>de</strong> Portugal. O novo Rei nomeou o<br />
gran<strong>de</strong> articulador político <strong>de</strong> sua ascensão, o terceiro Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor, como Escrivão da<br />
Purida<strong>de</strong> dando-lhe po<strong>de</strong>res extraordinários com seu favoritismo. 251<br />
D. Afonso VI tratou <strong>de</strong> afastar todos aqueles que <strong>de</strong>monstravam <strong>de</strong>sconfiança para com sua<br />
pessoa ou aos seus aproximados políticos e constituiu um novo Conselho <strong>de</strong> Estado. De acordo com<br />
o Con<strong>de</strong> da Ericeira, D. João IV <strong>de</strong>morou alguns anos para constituir completamente o seu<br />
Conselho, contudo, D. Afonso VI, em apenas uma noite, nomeou homens <strong>de</strong> sua confiança como<br />
Conselheiros <strong>de</strong> Estado, eram eles: o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos; D. Thomaz <strong>de</strong> Noronha; O Con<strong>de</strong> dos<br />
Arcos; o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Val <strong>de</strong> Reis, o Marques <strong>de</strong> Niza e o terceiro Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor. 252<br />
Notemos que <strong>mais</strong> uma vez o <strong>sujeito</strong> chave <strong>de</strong>ste capítulo encontra-se em uma posição<br />
privilegiada na década <strong>de</strong> 1660. Óbidos ocupou nesta ocasião uma função almejada por qualquer<br />
nobre português do século XVII, graças à sua vinculação com o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor e com o<br />
249<br />
Op.cit. BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI escripta no anno <strong>de</strong> 1684. Porto/Braga: Livraria<br />
Internacional, 1684. P.35<br />
250<br />
MELLO. D. Francisco Manuel <strong>de</strong>. Epanaphoras <strong>de</strong> varia história portuguesa a El Rey Nosso Senhor D. Affonso<br />
VI em cinco relações <strong>de</strong> successos pertencentes a este Reino. Que conthém negócios públicos, políticos, trágicos,<br />
amorosos, bélicos, trinfantes. Lisboa: Offcina <strong>de</strong> Henriques Vallente <strong>de</strong> Oliveira. Impressor Del Rey. 1660.<br />
251<br />
Op. cit. BRANCO, Camillo Castello. Vida d´El-Rey D. Affonso VI escripta no anno <strong>de</strong> 1684, p. 93.<br />
252<br />
Op. Cit. MENEZES, D. Luiz <strong>de</strong> (Con<strong>de</strong> da Ericeria). História <strong>de</strong> Portugal Restaurado. Vol IV, p.73<br />
87
Rei D. Afonso VI, ele era Conselheiro <strong>de</strong> Estado e especialista em assuntos <strong>de</strong> guerra no Reino e no<br />
Ultramar e po<strong>de</strong> ser por esta qualida<strong>de</strong> que os serviços <strong>de</strong> Óbidos se fizeram <strong>mais</strong> uma vez<br />
necessários na América.<br />
Óbidos foi <strong>de</strong>stacado para <strong>mais</strong> uma vez cruzar o Atlântico e aportar na Bahia.<br />
Acompanhemos a seguir o modo <strong>de</strong> governar <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas no Brasil, durante a<br />
segunda oportunida<strong>de</strong> que teve para ostentar o título <strong>de</strong> vice-rei e terceira passagem pelo Brasil,<br />
assim reuniremos <strong>mais</strong> instrumentos para compreen<strong>de</strong>r a amplitu<strong>de</strong> dos seus po<strong>de</strong>res e o apoio que<br />
tinha das autorida<strong>de</strong>s reinóis em contraste com as oposições e críticas que enfrentou enquanto<br />
esteve na Bahia na década <strong>de</strong> 1660.<br />
7- O Con<strong>de</strong>, o Rei e seu Valido<br />
Respaldado politicamente pelo Rei D. Afonso VI e pelo seu favorito, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos<br />
passou para o Brasil, com o título <strong>de</strong> segundo vice-rei e Governador Geral <strong>de</strong> Mar e Terra do Estado<br />
do Brasil, suce<strong>de</strong>ndo Francisco Barreto (1657-1663).<br />
A política <strong>de</strong> favoritismo ou valimento fora executada por muitos dos Reis europeus do<br />
século XVII e ganhou diferentes nomenclaturas nos estados monárquicos. Na França <strong>de</strong> Luiz XIV,<br />
existia o car<strong>de</strong>al Richelieu, era ele quem resguardava o esplendor do Rei Sol e operava a sua<br />
governabilida<strong>de</strong> executando a política do ministeriat Francês; na Inglaterra, o Duque <strong>de</strong> Bukinghan<br />
era o favorito do Rei Carlos I; o Con<strong>de</strong> Duque <strong>de</strong> Olivares era o valido do Rei espanhol Felipe IV; o<br />
padre Antonio Vieira era um dos favoritos do Rei D. João IV e compôs a “Junta Noturna” da Rainha<br />
Regente, D. Luisa <strong>de</strong> Gusmão. Por fim, o gran<strong>de</strong> articulador da coroação do Rei D. Afonso VI, o<br />
terceiro Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor, reinaugurou o período do valimento régio no período dos<br />
Bragança. 253<br />
Com D. Afonso VI entronado, D. Luiz <strong>de</strong> Vasconcelos e Souza, Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor,<br />
tornou-se a figura <strong>de</strong> principal <strong>de</strong>staque em todo o Reino, não somente por causa nas suas vitórias<br />
nas batalhas <strong>de</strong> Ameixial e Montes Claros, mas também porque era o Valido do Rei, atribuição<br />
<strong>de</strong>veras importante e perigosa, pois o Valido tinha o amor e o ódio caminhando lado a lado em sua<br />
vida política.<br />
O motivo <strong>de</strong>stes sentimentos tão díspares encontra-se na interferência constrangedora que a<br />
política <strong>de</strong> favoritismo régio executava no sistema polissinodal, mantido pelas dinastias Ibéricas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> antes da ascensão Brigantina. No tempo dos Filipes, os po<strong>de</strong>res do monarca estava distribuído<br />
253 Sobre a política <strong>de</strong> Valimento ou favoritismo régio empregado pelas socieda<strong>de</strong>s do Antigo Regime, esta dissertação<br />
ocupa-se especificamente com privilégio do 3º Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor: DANTAS, Vinicius Orlando <strong>de</strong> Carvalho. O<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor: Valimento e Razões <strong>de</strong> Estado no Portugal seiscentista (1640-1667). Dissertação <strong>de</strong><br />
mestrado. UFF, RJ, 2009. Sobre os Validos e a tradição do valimento na Europa, ver: THOMPSON, I. A. A. “El<br />
contexto institucional <strong>de</strong> la aparición <strong>de</strong>l ministro-favorito.” In: ELLIOTT, John & BROCKLISS, Laurence. El mundo<br />
<strong>de</strong> los validos. Madrid: Taurus, 1999.<br />
88
em vários Conselhos, Tribunais e outras instâncias consultivas que respaldavam as <strong>de</strong>cisões régias,<br />
em áreas especificas do governo e esta tradição foi mantida por D. João IV. 254<br />
Desta forma, quando um Soberano elegia um súdito como seu principal representante<br />
político e jurídico, o raio <strong>de</strong> ação e <strong>de</strong>cisão dos Conselhos ficava limitado à vonta<strong>de</strong> do Valido, seus<br />
po<strong>de</strong>res extraordinários geravam dissenso entre Conselheiros e representantes <strong>de</strong>ste sistema<br />
administrativo, composto por múltiplos sínodos.<br />
O controle do Valido era tamanho que ele tinha a prerrogativa <strong>de</strong> interferir diretamente na<br />
economia <strong>de</strong> mercês e formar sua própria re<strong>de</strong> clientelar, colocando homens <strong>de</strong> sua confiança no<br />
exercício das funções <strong>mais</strong> importantes no Reino e no Ultramar. A centralização do processo<br />
<strong>de</strong>cisório e monopólio dos mecanismos <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> mercês régias submetidos às <strong>de</strong>cisões do<br />
Valido, fez <strong>de</strong>spertar a atenção <strong>de</strong> alguns fidalgos <strong>de</strong>sgostosos com tal merecimento e ocasionou<br />
sérios conflitos, <strong>de</strong>ntro e fora do Reino.<br />
Acompanhemos, a seguir um trecho do Regimento que levou o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor<br />
como Escrivão da Purida<strong>de</strong> do Rei D. Afonso VI e os po<strong>de</strong>res extraordinários que lhes foram<br />
conferidos:<br />
[...] Todos os Regimentos, Or<strong>de</strong>ns, e Cartas que se houverem <strong>de</strong> dar, e escrever aos Vice<br />
Reis, e Governadores das Províncias e Praças Ultramarinas, para o bom governo <strong>de</strong>llas,<br />
na paz, ou na guerra, assim no que tocas a meus Vassalos, como aos estrangeiros, mandar<br />
Exércitos, ou Armadas, assim para os mares do Reino, como <strong>de</strong> fora: e finalmente tudo que<br />
pertencer ao Estado <strong>de</strong> coroa, se expedirá por sua or<strong>de</strong>m o officio. Correrão por sua mão<br />
todos os Provimentos <strong>de</strong> Vice-Reis, e governadores, assim das Províncias e Praças do reino<br />
como do Ultramar, Generaes das Armadas. Almirantes, e todos os oficiaes gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Paz<br />
e guerra, pelos quaes com superiorida<strong>de</strong> se administra o governo público, como são os<br />
Presi<strong>de</strong>ntes dos Tribunaes, Conselheiros, Secretários e Escrivães <strong>de</strong>lles, <strong>de</strong>sembargadores<br />
e Ministros da camara <strong>de</strong>sta Cida<strong>de</strong>, e quaesquer outros <strong>de</strong> igual po<strong>de</strong>r e jurisdicção,<br />
criações <strong>de</strong> Títulos, nomeações <strong>de</strong> Bispados, e Prelazias, Officiaes da casa Real, lugares do<br />
Santo Offício, Reitor, Ca<strong>de</strong>iras e <strong>de</strong>spachos semelhantes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, e<br />
qualquer <strong>de</strong>pendência das outras sobreditas [...] tomará os preitos e homenagens, que se<br />
me fizerem, <strong>de</strong> qualquer Governo, Fortaleza ou Capitania, assim do Reino como<br />
Ultramarinos[...] 255<br />
Ângela Barreto Xavier afirma que o resgate da política <strong>de</strong> valimento foi <strong>mais</strong> uma forma <strong>de</strong><br />
burlar o mo<strong>de</strong>lo polissinodal da Monarquia Portuguesa no intuito <strong>de</strong> garantir a governabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
D. Afonso VI. Esta monarquia, anteriormente respaldada pelas <strong>de</strong>cisões provenientes <strong>de</strong> um amplo<br />
sistema <strong>de</strong> consultas aos Tribunais e Conselhos a<strong>de</strong>quados, tornou-se, com resgate do favoritismo<br />
régio, um [...] mo<strong>de</strong>lo autocrático, centrado num pequeno núcleo que envolvia o rei, agora com<br />
254 DANTAS, Vinicius Orlando <strong>de</strong> Carvalho. O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor: valimento e razões <strong>de</strong> Estado no Portugal<br />
seiscentista (1640-1667), p.1. Um estudo recente sobre as guerras <strong>de</strong> Restauração no período <strong>de</strong> D. Afonso foi realizada<br />
por COSTA, Fernando D. A Guerra da Restauração. (1641-1668), Lisboa: Livros Horizonte 2004. Ver também a obra <strong>de</strong><br />
Fernando Palha sobre as razões do final do Valimento régio e reinado <strong>de</strong> D. Afonso VI em: PALHA, Fernando. O<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor no exílio. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883, p. 3-14.<br />
255 Ver o Regimento do Escrivão da Purida<strong>de</strong> em : SILVA, José Justino <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e. Collecção Chronologica da<br />
legislação portuguesa. (1657-1674). Lisboa: Imprenssa <strong>de</strong> J.J.A. Silva, 1856. p 38-84<br />
89
po<strong>de</strong>res que esvaziavam os corpos tradicionais da socieda<strong>de</strong> política. 256<br />
D. Afonso VI, valeu-se da noção <strong>de</strong> razão <strong>de</strong> estado para nomear o seu privado e assim<br />
manter a sua figura longe dos <strong>de</strong>sgastes, Castelo Melhor estava assim encarregado <strong>de</strong> conduzir o<br />
governo <strong>de</strong> Portugal, ora enfrentando os antigos partidários da Rainha Regente, ora mediando<br />
conflitos ente as várias instâncias políticas que compunham o Reino e suas conquistas. No século<br />
XVII, a chamada Razão <strong>de</strong> Estado se tornou argumento para todas as medidas extraordinárias<br />
tomadas pelas monarquias ibéricas, Carvalho Dantas fez um inventário minucioso acerca da<br />
historiografia que trabalha com esta temática e seus estudos balizam esta abordagem.<br />
O autor i<strong>de</strong>ntificou a origem <strong>de</strong>sta noção em antigos conceitos <strong>de</strong> necessitas ou ratio status,<br />
advindas das tradições jurídicas romanas. 257 Portanto, não se po<strong>de</strong> pensar a política experimentada<br />
no Antigo Regime <strong>de</strong> acordo com parâmetros contemporâneos, nesta época, o político estava<br />
envolvido numa ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> hierarquias e códigos <strong>de</strong> conduta, respaldados em conceitos morais que<br />
organizavam o mundo e <strong>de</strong> acordo com os ditames da Igreja e da natureza das coisas.<br />
Por isso, o Rei D. Afonso VI era a cabeça do Reino e como uma figura legitimada<br />
socialmente, podia agir com verda<strong>de</strong>ira razão <strong>de</strong> estado, mesmo que sua <strong>de</strong>mência fosse difundida<br />
publicamente, tinha ele um Valido que conduzia o Reino com a sua permissão e garantia a sua<br />
legitimida<strong>de</strong> como sucessor do trono <strong>de</strong> Portugal, lugar que lhe era <strong>de</strong> direito.<br />
Contudo, a vonta<strong>de</strong> do Valido estava disfarçada <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> do Rei e a partir da leitura do<br />
Regimento do Escrivão da Purida<strong>de</strong> percebe-se que os privilégios adquiridos pelo favoritismo régio<br />
provocaram crítica <strong>de</strong> nobres que também disputavam as mercês régias e <strong>de</strong>monstravam<br />
estranhamento diante das mudanças que o terceiro Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor estava operando no<br />
governo <strong>de</strong> Portugal e das conquistas.<br />
O envio <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas para o Brasil precisa ser compreendido a partir <strong>de</strong>sta<br />
situação política vivenciada no Reino. Óbidos foi eleito presi<strong>de</strong>nte do Senado da Câmara <strong>de</strong> Lisboa<br />
quando os primeiros movimentos <strong>de</strong> transição do trono foram arquitetados, também foi auxiliar do<br />
terceiro Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor no convencimento dos outros fidalgos da Corte para a<strong>de</strong>são ao<br />
reinado <strong>de</strong> D. Afonso VI e, sendo nomeado pelo novo soberano para compor o seu Conselho <strong>de</strong><br />
Estado, Óbidos se juntava ao seleto grupo <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s do Reino que já haviam passado pelo<br />
Brasil assumindo funções <strong>de</strong> governo, como o Con<strong>de</strong> Autoguia e o Marquês <strong>de</strong> Niza.<br />
O vice-reinado <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas no Brasil (1663-1667) coinci<strong>de</strong>, pois, com o<br />
período <strong>de</strong> valimento do terceiro Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor, foi no reinado <strong>de</strong> D. Afonso VI que se<br />
resgatou estas duas características marcantes do governo Filipino e foi durante este espaço <strong>de</strong> tempo<br />
256 I<strong>de</strong>m, apud: XAVIER, Angela Barreto. “El Rei aon<strong>de</strong> po<strong>de</strong>, & não aon<strong>de</strong> quer” Razões da política no Portugal<br />
seiscentista. Lisboa: Edições Colibri, 1998, p. 147<br />
257 i<strong>de</strong>m<br />
90
que a administração do Brasil sofreu mudanças sensíveis, especialmente no que tangia a outorga e<br />
negação <strong>de</strong> mercês e ofícios régios, gerando um conjunto <strong>de</strong> queixas e protestos dos fidalgos<br />
<strong>de</strong>stacados na Bahia.<br />
Os po<strong>de</strong>res extraordinários que o Valido do Rei acumulava parecem servir <strong>de</strong> inspiração a D.<br />
Vasco Mascarenhas, muitas das suas práticas motivaram críticas das autorida<strong>de</strong>s da Bahia, as<br />
limitações físicas e mentais do Rei D. Afonso VI eram conhecidas pelas autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stacadas em<br />
Salvador, especialmente por via do Padre Antônio Vieira, os fidalgos <strong>de</strong> Salvador também sabiam<br />
que Óbidos esteve entre os nobres da Corte que ajudaram o Príncipe a assumir o trono, durante<br />
Golpe que expulsou D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão do comando político do Reino e a exilou em um convento<br />
<strong>de</strong> Carmelitas.<br />
Vejamos, por fim, um trecho da Carta patente <strong>de</strong> vice-rei que D. Vasco Mascarenhas recebeu<br />
<strong>de</strong> D. Afonso VI:<br />
[...] lhe dou todo po<strong>de</strong>r e alçada sobre todos os Generaes, Mestres <strong>de</strong> Campo, Capitaens<br />
das ditas Fortalezas e pessoas que nellas estiverem; e que foram nas ditas Armadas &<br />
Capitaens das que la andarem & e forem aquelle Estado & sobre todos os fidalgos e<br />
quaesquer qualida<strong>de</strong>, estado e condiçam que sejam da qual em todos os casos[...] 258<br />
Portanto, não po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que o envio <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas como vice-rei<br />
do Estado do Brasil significava uma ação direta do Rei e do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor para<br />
controlar uma praça tão importante para o Reino e repleta <strong>de</strong> pessoas da elite local que mantinham<br />
vínculos com a Rainha Mãe <strong>de</strong>stituída. A figura <strong>de</strong> Óbidos <strong>de</strong>marcava politicamente a ação <strong>de</strong><br />
Afonso VI e do seu Escrivão da Purida<strong>de</strong> na América, seja porque ele já havia passado por estas<br />
partes em finais da década <strong>de</strong> 1630, seja porque seu estilo <strong>de</strong> Governo parecia o <strong>mais</strong> apropriado<br />
para conduzir uma Colônia importante como o Brasil. 259<br />
258 Op.cit. BNRJ, Seção <strong>de</strong> Manuscritos, Patente que se passou para o vice-rei Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos.<br />
259 Outras interpretações sobre o reinado <strong>de</strong> D. Afonso VI e o período <strong>de</strong> valimento régio, especialmente após a<br />
ascensão <strong>de</strong> D. Pedro I, po<strong>de</strong> ser encontrado em: LACERDA, Fernando <strong>Correa</strong> <strong>de</strong>. Catastrophe <strong>de</strong> Portugal na<br />
<strong>de</strong>posição Del Rei D. Affonso sexto, e subrogação do Principe D. Pedro o único, justificada nas calamida<strong>de</strong>s<br />
publicas. Escripta para justificação dos Portugues por Leandro Dórea Carceres e Faria. Lisboa: 1669<br />
91
1- O segundo vice-rei do Brasil<br />
CAPÍTULO III<br />
[...] Quarta-feira, 28 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1662, se <strong>de</strong>clarou a eleição do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e <strong>de</strong>use-lhe<br />
o tal governo com este título contendo-se ele no tempo que a rainha régia só com o<br />
<strong>de</strong> governador como tivera todos os seus antecessores naquela conquista. Parece que lhe<br />
satisfizeram o ser lançado da Índia on<strong>de</strong> estava cendo Vice Rei. Antes <strong>de</strong> entrar el Rei no<br />
governo o favorecia muito (por ser gentil homem na Câmara) na pretensão. Agora lho<br />
<strong>de</strong>spachou com <strong>mais</strong> vantagens. 260<br />
O trecho acima assinala a <strong>de</strong>cisão tomada pelo Conselho <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> D. Afonso VI ao<br />
nomear o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos no cargo <strong>de</strong> segundo vice-rei do Brasil. Todo esforço reunido no<br />
capítulo anterior teve o objetivo <strong>de</strong> mapear a trajetória política <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas e as<br />
circunstancias que motivaram a sua inserção no quadro <strong>de</strong> Governadores e vice-reis que<br />
administraram a colônia no século XVII.<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos foi um funcionário régio <strong>de</strong> reconhecida experiência, as ativida<strong>de</strong>s que<br />
cumpriu e as dificulda<strong>de</strong>s políticas que enfrentou em Goa, <strong>de</strong>monstram que o seu modo <strong>de</strong> governar<br />
nem sempre era bem aceito pelos po<strong>de</strong>rosos do Ultramar subalternos ao seu comando. Apesar <strong>de</strong> ter<br />
sido lançado da Índia, a Casa Real Brigantina continuou utilizando os seus serviços <strong>de</strong><br />
administrador e o com advento do Rei D. Afonso VI e do terceiro Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor seus<br />
préstimos novamente foram solicitados.<br />
Neste capítulo, aborda-se com <strong>mais</strong> profundida<strong>de</strong> o conflito existente entre o Con<strong>de</strong> vice-rei<br />
e <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>. As origens <strong>de</strong>sta contenda e seus <strong>de</strong>sdobramentos serão analisados com<br />
base nas fontes disponíveis, especialmente as Consultas do Conselho Ultramarino e<br />
correspondências enviadas e recebidas pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, recorre-se também à pesquisas que se<br />
ocuparam em estudar alguns dos envolvidos neste suposto “motim” que resultou na prisão e envio<br />
<strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> rumo à Lisboa, acompanhado por seu filho, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> Figueiredo, e por outros<br />
homens <strong>de</strong> reconhecida importância na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador.<br />
Já sabemos que Óbidos e <strong>Lourenço</strong> eram homens <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque e reconhecimento entre a<br />
população da Bahia Seiscentista, ambos pertenciam a Or<strong>de</strong>ns Militares e serviram em postos <strong>de</strong><br />
comando na América <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período Filipino. Deve-se levar em conta que em 1663, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Óbidos tinha 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, pouco <strong>mais</strong> ou menos e <strong>Lourenço</strong> já estava na casa dos 70 anos.<br />
Na época em que D. Vasco Mascarenhas esteve no Brasil pela primeira vez ainda não<br />
ostentava o título <strong>de</strong> Con<strong>de</strong>, viera para a capitania da Bahia a fim <strong>de</strong> cumprir ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comando<br />
militar no governo <strong>de</strong> Diogo Luís <strong>de</strong> Oliveira e, no ano seguinte, voltou ao Reino para receber a<br />
primogenitura e o brasão <strong>de</strong> suas armas pelas mãos da dinastia Habsburgo.<br />
Vimos também que D. Vasco Mascarenhas passou pelo Brasil, pela segunda vez, no ano <strong>de</strong><br />
260 Op. cit. CALMON, Pedro, História do Brasil. Vol.3 (sec XVII-XVIII), 1971. p739.<br />
92
1639; neste período ele lutou nas frentes <strong>de</strong> batalha li<strong>de</strong>radas pelo Con<strong>de</strong> da Torre com vistas a<br />
expulsar os holan<strong>de</strong>ses do Nor<strong>de</strong>ste do Brasil, todavia, sabemos da sua partida para Lisboa, em<br />
1640, sem avisar ao Con<strong>de</strong> da Torre e <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado suas funções <strong>de</strong> General <strong>de</strong> Artilharia para<br />
ajuntar-se ao partido do Duque <strong>de</strong> Bragança.<br />
Todavia, o ano <strong>de</strong> 1663 foi <strong>de</strong>cisivo na carreira política do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, seu<br />
reconhecimento entre os nobres da Corte <strong>de</strong> Lisboa é reflexo das suas opções políticas, ele foi um<br />
dos nobres <strong>de</strong> Portugal que apostaram no reconhecimento da maiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> D. Afonso VI e nos<br />
po<strong>de</strong>res do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor no Valimento Régio, mantendo-se unido ao comando político<br />
do Reino até a substituição do monarca. Óbidos compunha o Conselho <strong>de</strong> Estado e o Conselho <strong>de</strong><br />
Guerra do Reino <strong>de</strong> Portugal, além <strong>de</strong> ser comendador <strong>de</strong> tradicionais or<strong>de</strong>ns militares que o<br />
distinguia entre outros homens do Reino.<br />
No primeiro capítulo, tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar a trajetória <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong><br />
<strong>Correa</strong>, uma figura influente na principal conquista portuguesa das Américas e que acompanhou as<br />
passagens do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos pelo Brasil. Em 1663, a posição política que este fidalgo da Bahia<br />
ocupava reunia em seu entorno funcionários da administração colonial com gran<strong>de</strong> peso político<br />
como os magistrados da Relação, religiosos do Mosteiro <strong>de</strong> São Bento e capitães <strong>de</strong> Infantaria<br />
instalados na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador.<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> estava encarregado das finanças da Coroa e cabia a ele o controle<br />
dos gastos, provisão do abastecimento e administração do tesouro do Estado do Brasil, além <strong>de</strong> ser<br />
um rico fazen<strong>de</strong>iro do Recôncavo da Bahia oriundo da família Caramuru, ele ostentava sua<br />
passagem na governança provisória do Brasil após ter participado da trama que usurpou o primeiro<br />
vice-rei do Brasil do cargo que ocupava.<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, por sua vez, representava a figura do Rei D. Afonso VI na América e<br />
tinha do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor todas as licenças para governar o Brasil com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> vice-rei<br />
e Governador Geral. Apesar <strong>de</strong> estar subalterno às or<strong>de</strong>ns Óbidos, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> era um<br />
antigo serventuário da Coroa Portuguesa <strong>de</strong>ntro do espaço colonial e tinha em suas mãos um cargo<br />
estratégico que o obrigava a fiscalizar as ações administrativas do vice-rei em exercício.<br />
Da mesma forma que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos estava ciente que po<strong>de</strong>ria ser expulso novamente<br />
do seu cargo <strong>de</strong> vice-rei, caso não tivesse cuidado em conter seus opositores ou <strong>de</strong>monstrasse pouca<br />
afabilida<strong>de</strong> e diálogo com as autorida<strong>de</strong>s constituídas, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> também sabia que<br />
as suas ações como Provedor Mor da Fazenda Real <strong>de</strong>veriam ser voltadas para coibir <strong>de</strong>scaminhos e<br />
concorrer para a boa administração da Colônia, portanto, <strong>Lourenço</strong> conhecia os limites do cargo que<br />
ocupava e ressaltava em suas cartas o zelo que sempre manifestou para com as finanças da Coroa,<br />
assim ele legitimava os seus argumentos contra o modo como o vice-rei do Brasil vinha conduzindo<br />
seu governo e o Conselho Ultramarino fazia coro às suas críticas.<br />
93
Deve-se levar em consi<strong>de</strong>ração que a governabilida<strong>de</strong> do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos no Brasil<br />
<strong>de</strong>pendia da constituição <strong>de</strong> laços afetivos e relações políticas amistosas no espaço colonial, não só<br />
com <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, mas também com outros fidalgos que ocupavam funções na Relação<br />
da Bahia, Senado da Câmara <strong>de</strong> Vereadores e na Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia da Bahia, também era<br />
necessário dar a atenção <strong>de</strong>vida para todo o clero erradicado no Brasil e comandantes militares<br />
dispostos nos muitos Terços <strong>de</strong> Infantaria existentes.<br />
Não po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
manifestavam vinculações políticas opostas <strong>de</strong>ntro do jogo <strong>de</strong> interesses que se disputava em<br />
Portugal entre os anos que seguiram a ascensão <strong>de</strong> D. Afonso VI ao trono <strong>de</strong> Portugal, esta oposição<br />
parece ter influenciado diretamente nos conflitos engendrados por estes <strong>sujeito</strong>s <strong>de</strong>ntro do espaço<br />
colonial. Como foi ressaltado no primeiro capítulo, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong>monstrava aproximação com a<br />
Rainha Mãe e fora agraciado muitas vezes durante a Regência, especialmente nos primeiros anos da<br />
década <strong>de</strong> 1660, época que pedidos <strong>de</strong> mercê em forma <strong>de</strong> terras, hábitos e cargos foram feitos por<br />
<strong>Lourenço</strong> e outorgados pela Regente.<br />
Vimos assim que Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos estava em uma direção política oposta à anterior Rainha<br />
Regente, foi um dos articuladores do golpe que auxiliou a elevação <strong>de</strong> D. Afonso VI e do terceiro<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor no comando político <strong>de</strong> Portugal em 1662, esta estreita relação com o<br />
monarca e seu Valido po<strong>de</strong>m auxiliar na compreensão do modo <strong>de</strong> governar <strong>de</strong>ste segundo vice-rei<br />
do Brasil, em contraste com as críticas formuladas pelas autorida<strong>de</strong>s da Bahia e do Conselho<br />
Ultramarino diante <strong>de</strong> suas pretensões.<br />
Fernando Bouza Álvares estudou os “Vice reinados <strong>de</strong> Príncipes no Portugal dos Filipes”, e<br />
importância estratégica <strong>de</strong>ste instituto político acionado no período da União Ibérica para superar os<br />
momentos em que a soberania e a governabilida<strong>de</strong> das conquistas ficavam fragilizadas. 261 Passados<br />
<strong>mais</strong> <strong>de</strong> vinte anos que este cargo não era outorgado, um segundo vice-rei é novamente nomeado<br />
para governar a América.<br />
Revigorar o vice-reinado no Brasil era uma medida administrativa tomada <strong>de</strong> acordo com a<br />
conjuntura política que a Colônia atravessava, normas confusas e profusas ocasionavam constantes<br />
conflitos <strong>de</strong> jurisdição, especialmente num Brasil dividido em dois centros <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r: Salvador e Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Re<strong>de</strong>finir os espaços <strong>de</strong> ação dos governadores das Capitanias e reduzir o alcance dos<br />
seus po<strong>de</strong>res não foi tarefa fácil para aquele que no Brasil tinha a maior titulação, <strong>de</strong>pois do Rei.<br />
261 O autor ressaltou como o chamado “virreinado <strong>de</strong> sangre” foi instrumento <strong>de</strong> incorporação <strong>de</strong> Portugal à monarquia<br />
Hispânica, especialmente após as insatisfações oriundas das Cortes <strong>de</strong> Tomar (1581). Ver: ALVAREZ, Fernando Bouza.<br />
“A ‘sauda<strong>de</strong>’ dos reinos e a ‘semelhança do rei’. Os vice reinados <strong>de</strong> príncipes no Portugal dos Filipes”.In: Portugal no<br />
tempo dos Filipes. Política, Cultura, representações (1580-1668). Cosmo, Lisboa: 2000, p.109-126. Saliente-se<br />
também que a importância política do Vice Rei refletia-se em custos com a criadagem e parentela que acompanhava o<br />
titular do cargo, além <strong>de</strong> outras prerrogativas extraordinárias. Ao fazer recair o Vice reinado do Brasil em um nobre a<br />
quem chamava <strong>de</strong> “mui amado sobrinho”, o Rei D. Afonso VI coloca o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos no topo das relações políticas<br />
e administrativas do Brasil dando-lhe o mesmo Regimento que levou o primeiro Vice Rei, Marquês <strong>de</strong> Montalvão.<br />
94
Muito menos agradáveis foram as mudanças radicais a que tiveram que se submeter os funcionários<br />
<strong>de</strong> carreira administrativa instalados durante décadas na Bahia e acostumados com as tradições que<br />
ajudaram a forjar <strong>de</strong>ntro do espaço colonial. 262<br />
Para além <strong>de</strong> iniciar um período <strong>de</strong> reestruturação da administração da Colônia e<br />
centralização do po<strong>de</strong>r na figura do vice-rei, não po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos<br />
cuidou em averiguar os fidalgos da Bahia que foram agraciados pela anterior Rainha Regente e que<br />
na Bahia estavam a ocupar cargos estratégicos, este era um indício <strong>de</strong> vinculação política oposta D.<br />
Afonso VI e contrária aos seus partidários.<br />
A notória ligação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> com a Rainha D. Luísa <strong>de</strong> Gusmão e seu<br />
histórico <strong>de</strong> conflitos com outros Governadores Gerais e vice-reis do Brasil vistos no primeiro<br />
capítulo são elementos importantes para compreen<strong>de</strong>r as contendas vivenciadas na Bahia a partir do<br />
advento do segundo vice-rei do Brasil e serão discutidas a seguir.<br />
2- Desafios <strong>de</strong> um vice-rei que já foi usurpado<br />
A relação política <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e o antecessor do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, o<br />
Governador Francisco Barreto, parece ter sido cooperativa entre 30 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1657 a 23 <strong>de</strong> junho<br />
<strong>de</strong> 1663, os dois fidalgos serviram no Brasil durante todo o período <strong>de</strong> Regência <strong>de</strong> D. Luísa <strong>de</strong><br />
Gusmão. No plano fiscal e econômico, Barreto e <strong>Brito</strong> enfrentaram jesuítas proprietários melhores<br />
Engenhos <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar e maiores fazendas <strong>de</strong> gado da Capitania da Bahia e, apesar <strong>de</strong><br />
acumular muito lucro, não pagavam os dízimos à Fazenda Real durante muitos anos. 263<br />
A Provedoria mor da Fazenda Real do Brasil também amargava a redução da produção do<br />
açúcar no recôncavo <strong>de</strong>vido a concorrência da WIC e suplicavam ao monarca a emissão <strong>de</strong> recursos<br />
para conservar os Engenhos <strong>de</strong> cana existentes. 264 No plano administrativo, Francisco Barreto<br />
também enfrentou problemas com André Vidal <strong>de</strong> Negreiros, este Governador da Capitania <strong>de</strong><br />
Pernambuco foi severamente punido por sua insubordinação 265 e tal atitu<strong>de</strong> foi rememorada pelo<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, anos <strong>de</strong>pois, para justificar a prisão e embarque dos seus opositores para o Reino.<br />
262 Alguns aspectos sobre os conflitos <strong>de</strong> jurisdição no espaço colonial e a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis que coexistiam foram<br />
estudadas por WEHLING, Arno e WEHLING, Maria José C. <strong>de</strong> M. Formação do Brasil Colonial. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Nova Fronteira, 1994, p. 299-312.<br />
263 Ver: AHU, LF, BA, Cx. 16, Doc,1797, 02/06/1661.<br />
264 Existiam no Recôncavo da Bahia muitos Engenhos que estavam “<strong>de</strong>sfabricados” na época que <strong>Lourenço</strong> era<br />
Provedor Mor da Fazenda. Em 1662, ele citou: quatro Engenhos reais <strong>de</strong> água no Rio Jaguaripe, 2 Engenhos Reais <strong>de</strong><br />
água e dois trapiches na Ilha <strong>de</strong> Taparica, um Engenho Real em Peravivia, um Engenho em Cachoeira e outro em<br />
Capanema, ambos às margens do Paraguassú, cinco trapiches em Serezipe do Con<strong>de</strong>, duas moendas e um Engenho em<br />
Paramirim, um Engenho Real <strong>de</strong> água em Passé e um trapiche na Ilha <strong>de</strong> Maré, dois trapiches em Matoim e Praia<br />
Gran<strong>de</strong>, dois Engenhos reais em Cotegipe. Os Engenhos que se construíram no seu tempo foram: uma moendinha em<br />
Taparica, um trapiche em Peruasu, duas moendinhas “em o Matto”, duas moendas e um trapiche em Serezipe do Con<strong>de</strong>,<br />
duas moendas “em os Mattos” e <strong>mais</strong> duas moendas “nos Mattos <strong>de</strong> Garagai e Peramirim. Ver: AHU, LF, BA Cx. 16,<br />
Doc. 1862-1863. 23/05/1662.<br />
265 AHU, LF, BA, Cx. 15, Doc. 1735, 17/02/1659.<br />
95
A substituição <strong>de</strong> Francisco Barreto por um vice-rei <strong>de</strong>marca o final da divisão do Brasil em<br />
duas zonas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Durante a vigência das repartições Norte e Sul, com se<strong>de</strong> na Bahia e no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, respectivamente, foram produzidos regimentos específicos para organizar os cargos e<br />
serventias em cada uma dos centros administrativos. De acordo com Graça Salgado, somente o<br />
cargo <strong>de</strong> ouvidor da Repartição Sul recebeu regimentos em 1619, 1626 e 1630 com mudanças<br />
pouco sensíveis <strong>de</strong> um para o outro. A autora também ressaltou centralização do po<strong>de</strong>r<br />
administrativo na pessoa do Con<strong>de</strong> vice-rei e retorno da se<strong>de</strong> <strong>de</strong> governo à Bahia, todas estas<br />
mudanças implicaram na extinção dos regimentos da Repartição Sul e, consequentemente, dos<br />
serviços que se prestavam nestas partes. 266<br />
Vemos assim que o Brasil encontrado pelo segundo vice-rei estava repleto <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios e a<br />
sua presença parecia ser vista com otimismo, pelo menos nas palavras dos moradores da Bahia: [...]<br />
Em os vinte e seis dias do mês <strong>de</strong> junho do presente ano <strong>de</strong> 1663, estavam reunidos no templo da Sé<br />
os [...] Juízes, Vereador e Procurador da Câmara, Juiz do Povo e Místeres, Ministros e Officiaes <strong>de</strong><br />
Guerra, Fazenda e Justiça, Mestres <strong>de</strong> campo e <strong>mais</strong> Ministros da Relação, Provedor Mor da<br />
Fazenda e <strong>mais</strong> povo <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>. 267<br />
O motivo da reunião <strong>de</strong> pessoas importantes na catedral da Sé era para referendar o ato <strong>de</strong><br />
posse <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas, substituto <strong>de</strong> Francisco Barreto, no Governo Geral do Brasil. O<br />
Rei D. Afonso VI outorgou ao [...] Exmo. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, seu camarista, do seu Conselho <strong>de</strong><br />
Estado, o cargo <strong>de</strong> [...] Vice Rey Capitam Geral <strong>de</strong> Mar e Terra <strong>de</strong> todo o Estado do Brasil. 268<br />
Bernardo Vieira Ravasco 269 , irmão do padre Antonio Vieira, foi quem homologou a posse.<br />
[...] Umil<strong>de</strong>s e prostados aos pées <strong>de</strong> <strong>de</strong> V. Mgd. Ren<strong>de</strong>mos a VM as grassas da mercê que<br />
fes a este estado en nos mandar governar pello Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Obidos <strong>de</strong> cuja christanda<strong>de</strong>,<br />
juízo, limpeza e benevolência esperamos obre no serviço <strong>de</strong> VM e beneficio <strong>de</strong>stes vassalos,<br />
com gran<strong>de</strong>s asertos pois os breves dias <strong>de</strong> seu governo nolo a seguram, guar<strong>de</strong> Deos VM<br />
para sempre nos emparar e fazer mercês, em Camera da Bahia aos 23 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong><br />
1663. 270<br />
O trecho acima foi escrito dois meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> iniciado o segundo vice-reinado no Brasil,<br />
três Vereadores e o Procurador da Bahia agra<strong>de</strong>ciam ao Rei D. Afonso VI pelo envio <strong>de</strong> um novo<br />
governante. São quatro os pontos <strong>de</strong>stacados pelos fidalgos da Bahia satisfeitos com a chegada <strong>de</strong><br />
266<br />
SALGADO, Graça (coord). Fiscais e Meirinhos. 2ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 254-258.<br />
267<br />
Op.cit. SILVA, Ignacio Accioli <strong>de</strong> Cerqueira da. Memórias históricas e políticas da Província da Bahia. Tomo II,<br />
1835, p. 121.<br />
268<br />
i<strong>de</strong>m<br />
269<br />
Bernardo Vieira Ravasco é uma figura essencial para a compreensão do funcionamento da administração ultramarina<br />
no Brasil pelo seu estratégico posto <strong>de</strong> Secretário Geral do Estado do Brasil, maiores <strong>de</strong>talhes sobre este Sujeito e as<br />
suas relações com o motim que supostamente <strong>de</strong>rrubaria o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos foi estudado por PUNTONI, Pedro.<br />
“BERNARDO VIEIRA RAVASCO, SECRETÁRIO DO ESTADO DO BRASIL: PODER E ELITES NA BAHIA DO<br />
SÉCULO XVII.” In: Novos Estudos. CEBRAP. N.° 68, 2004, pp. 107-126.<br />
270<br />
AHU, LF, BA. Cx.17, Doc.1947.<br />
96
D. Vasco Mascarenhas: ser cristão velho e ter as partes genealógicas congruentes aos critérios <strong>de</strong><br />
limpeza <strong>de</strong> sangue constituíam-se pré-requisitos básicos para que a gestão do vice-rei fosse bem<br />
aceita; juízo e benevolência eram outros atributos <strong>de</strong>cisivos para o sucesso da governança <strong>de</strong> um<br />
mandatário enviado do Reino e este conjunto <strong>de</strong> comportamentos e atributos faziam parte dos<br />
acertos esperados pela elite <strong>de</strong> Salvador.<br />
Apesar <strong>de</strong> ser uma <strong>de</strong>claração pública <strong>de</strong> afeto e confiança no trabalho recentemente<br />
iniciado por Óbidos, a Câmara da Bahia tinha o costume <strong>de</strong> emitir várias cartas para as instâncias<br />
Ultramarinas no intuito <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer à realeza o envio <strong>de</strong> governadores para as terras do Brasil.<br />
Haviam feito isso também na ocasião da chegada <strong>de</strong> Francisco Barreto, 271 talvez para <strong>de</strong>monstrar<br />
tacitamente à realeza que, mesmo agra<strong>de</strong>cendo, a elite local estava em constante vigilância no<br />
trabalho que estava sendo <strong>de</strong>senvolvido pelos administradores enviados do Reino e, por outro lado,<br />
buscavam uma aproximação com o recém-nomeado, fazendo um elogio público à sua pessoa e<br />
dando visibilida<strong>de</strong> positiva ao seu governo na Metrópole.<br />
Conforme analisamos no segundo capítulo, vice-rei seria a única titulação que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Óbidos po<strong>de</strong>ria receber fora <strong>de</strong> Portugal, pois já havia recebido este título na Índia e, ainda que<br />
tivesse sido usurpado do cargo, ele não po<strong>de</strong>ria exercer funções com menos importância política,<br />
sabemos também que a vinda <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas com esta mercê extraordinária foi uma ação<br />
estratégica do Rei e seu Valido para manter o Brasil sob controle a partir <strong>de</strong> um comandante<br />
conhecido pela população local e fiel ao reinado em vigor.<br />
Foi durante as festas juninas a posse <strong>de</strong> Óbidos e ele administrou a Colônia até as<br />
celebrações <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>de</strong> 1667. 272 A nomeação <strong>de</strong> Óbidos ocorre semanas após a ascensão<br />
<strong>de</strong> D. Afonso no trono Português e se levarmos em conta a sua ligação com o comando político do<br />
Reino teremos <strong>mais</strong> subsídios pra compreen<strong>de</strong>r o papel que ele exerceu na administração da<br />
Colônia e os <strong>de</strong>safios que encontrou neste período.<br />
Para percebermos a amplitu<strong>de</strong> dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Óbidos enquanto esteve no vice-reinado do<br />
Brasil é preciso analisar alguns registros <strong>de</strong>ixados por ele e por outras autorida<strong>de</strong>s da Bahia, em<br />
contraste com as comunicações enviadas e recebidas pelo Conselho Ultramarino, corpo consultivo<br />
que estranhava sistematicamente o modo <strong>de</strong> governar <strong>de</strong> Óbidos e suas pretensões.<br />
Uma breve noção dos <strong>de</strong>safios que o Con<strong>de</strong> vice-rei encontrou ao chegar na América po<strong>de</strong><br />
ser alcançada no trecho <strong>de</strong> uma carta escrita pelo mesmo ao Governador do Rio <strong>de</strong> Janeiro, no dia<br />
23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1663, o vice-rei <strong>de</strong>screvia assim as suas impressões sobre aquela capitania:<br />
[...]achei as coisas <strong>de</strong>ste Estado tão <strong>de</strong>masiadamente confusas e a jurisdição <strong>de</strong>ste governo<br />
tão sem limite e <strong>de</strong>spedaçada; que para se tornar a unir e restituir o governo a aquelle ser<br />
271 AHU, LF, BA. Cx.14, Doc. 1690.<br />
272 SILVA, Ignácio Accioli <strong>de</strong> Cerqueira e. Memórias históricas e políticas da província da Bahia. Tomo I, Bahia:<br />
Typographia do Correio Mercantil <strong>de</strong> Precourt, 1835, p. 112.<br />
97
em que se <strong>de</strong>ve conservar e que el Rei, meu Senhor, quer que o Brasil tenha. 273<br />
Pedro Calmon afirma que a nomeação do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos como vice-rei tinha o objetivo<br />
<strong>de</strong> estabelecer uma [...] <strong>de</strong>finitiva unificação administrativa. 274 Óbidos efetuou reforço nas<br />
estruturas dos prédios públicos e na residência dos Governadores e vice-reis, para isso pediu por<br />
portaria <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1663 um empréstimo à Provedoria Mor da Fazenda <strong>de</strong> dois mil<br />
cruzados, oriundos do dinheiro do cunho da moeda e acautelou o pagamento em seu fiador,<br />
informava também que o Provedor Mor <strong>de</strong>veria disponibilizar recursos financeiros a ele sempre que<br />
fosse solicitado. 275<br />
Outra característica do governo <strong>de</strong> Óbidos po<strong>de</strong> ser verificada no interesse que ele<br />
manifestou em coibir o crescimento <strong>de</strong> quilombos e mocambos espalhados pelo sertão. 276 Numa<br />
Portaria <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1663, o vice-rei orientava a forma como o Capitão do Campo<br />
Francisco Rodrigues, o guia Manoel Dias, alguns soldados e 16 índios <strong>de</strong>veriam se comportar na<br />
empreitada organizada para <strong>de</strong>sbaratar uns mocambos que se tinha notícia. Óbidos or<strong>de</strong>nava que os<br />
homens acima mencionados fossem acolhidos durante a jornada pelos<br />
[...] capitães mores e das freguezias, e quaesquer das pessoas ou fazendas ou curraes por<br />
don<strong>de</strong> forem, lhe <strong>de</strong>m o mantimento necessario, <strong>de</strong> que cobrarão recibo, para com elle se<br />
lhes pagar do que resultar dos prisioneiros. 277<br />
O <strong>de</strong>stino dos escravos que porventura fossem apreendidos também estava previsto nesta<br />
portaria, Francisco Rodrigues tinha or<strong>de</strong>ns do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos para conduzir à ca<strong>de</strong>ia da Bahia<br />
todos os<br />
[...] negros, negras e criação que prisionar (sem po<strong>de</strong>r dar aos seus donos nenhuma em<br />
parte alguma; nem a <strong>de</strong>scaminhar pena <strong>de</strong> ser castigado com todo rigor) para ali se<br />
satisfazerem as <strong>de</strong>spesas, e se restituirem com <strong>mais</strong> segurança todas as peças a seus<br />
senhores. 278 .<br />
Outra provi<strong>de</strong>ncia que Óbidos tomou ao chegar ao Brasil foi escrever um Regimento 279 que<br />
se <strong>de</strong>staca pela riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes, o conteúdo das cláusulas versava sobre questões militares e<br />
administrativas e <strong>de</strong>veria ser seguido atenciosamente pelos Capitães Mores e Governadores <strong>de</strong><br />
Capitanias da Colônia.<br />
273 DHBNRJ, Volume V, p. 465.<br />
274 Op. cit. CALMON, Pedro, História do Brasil. Vol.3 (sec XVII-XVIII), 1971. p.739<br />
275 DHBNRJ, Volume VI, p. 116<br />
276 Ver portaria que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos passou a Simão Fernan<strong>de</strong>s Ma<strong>de</strong>ira, Capítão do Campo, para ir aos mocambos<br />
<strong>de</strong> Tabayana e Seregipe Del Rei em DHBNRJ, Volume VI, p. 122<br />
277 DHBNRJ, Volume VI, p. 118<br />
278 i<strong>de</strong>m<br />
279 Pedro Calmon afirmou que o Regimento dado pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos foi “o primeiro código ou esboço <strong>de</strong><br />
constituição dos po<strong>de</strong>res regionais, dando-lhes uniformida<strong>de</strong>, método e hierarquia.” ver. CALMON, Pedro. História do<br />
Brasil. (sec. XVII e XVIII) Riquezas e vicissitu<strong>de</strong>s) Vol.3. 1971, p.736. Cosentino enten<strong>de</strong>u que a elaboração <strong>de</strong><br />
normas pelos Governadores Gerais e Vice Reis do Brasil permitiu [...] a construção <strong>de</strong> uma memória, <strong>de</strong>dicadas ao<br />
exercício <strong>de</strong> governo, com todas as suas implicações, inclusive a elaboração da documentação escrita que norteava e<br />
<strong>de</strong>limitava os direitos e <strong>de</strong>veres, como eram os regimentos dos governadores gerais. Ver: COSENTINO, Francisco<br />
Carlos Cardoso. Governadores Gerais do Estado do Brasil (séculos XVI-XVII): ofício, regimentos, governação e<br />
trajetórias. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: Fapemig, 2009. p. 207.<br />
98
A responsabilida<strong>de</strong> que Óbidos tinha ao receber o vice-reinado estava em alinhar os<br />
procedimentos dos administradores subalternos ao seu comando, promovendo uma normatização<br />
dos fazeres e evitando conflitos. Resumidamente, o Regimento dado pelo segundo vice-rei do Brasil<br />
tinha o objetivo <strong>de</strong> corrigir os<br />
[...] inconvenientes que resultão dos capitães mores das Capitanias <strong>de</strong>ste Estado, não<br />
terem regimento que sigão; e para se evitar este prejuízo, e po<strong>de</strong>rem proce<strong>de</strong>r nas<br />
obrigações que lhes tocão, sem se occasionarem as duvidas que os Provedores da Fazenda<br />
Real, Ouvidores das Capitanias costumão ter, nem as queixas que os moradores<br />
ordinariamente fazem <strong>de</strong> suas ações. 280<br />
Po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r este Regimento como um conjunto <strong>de</strong> providências à serem tomadas<br />
pelos administradores das Capitanias do Brasil e organização dos seus procedimentos, fora escrito<br />
pelo Secretário do Estado do Brasil, Bernardo Vieira Ravasco e dava orientações quanto a <strong>de</strong>fesa<br />
dos territórios e matérias <strong>de</strong> jurisdição.<br />
O primeiro interesse normativo encontra-se em garantir a segurança das capitanias contra<br />
invasores estrangeiros, uma cláusula específica or<strong>de</strong>nava que todos os Capitães Mores visitassem<br />
periodicamente as fortalezas e armazéns <strong>de</strong> mantimentos bélicos <strong>de</strong> suas Capitanias, na presença do<br />
Provedor Mor e do Escrivão da Fazenda, para que, inventariada todas as peças <strong>de</strong> artilharia, fosse<br />
dado conta do que precisava <strong>de</strong> concerto. Justificava o Con<strong>de</strong>: [...] porque ainda que <strong>de</strong> prezente há<br />
paz com os holan<strong>de</strong>ses, sempre convém estar a dita capitania com prevenção necessária a qualquer<br />
intento ou invasão <strong>de</strong> outros inimigos <strong>de</strong>sta Coroa 281 .<br />
A norma também previa que os administradores das Capitanias alistassem todos os homens<br />
da sua jurisdição que tivessem condições <strong>de</strong> pegar em armas para a<strong>de</strong>strá-los, pelo menos uma vez<br />
no ano e manter o efetivo militar reserva em condições <strong>de</strong> guerrear caso fosse necessário; a cláusula<br />
incentivava que os varões portassem armas por [...] saberem usar <strong>de</strong>llas, sendo que os <strong>mais</strong><br />
habilidosos <strong>de</strong>veriam ser informados ao vice-rei.<br />
O segundo aspecto das orientações dadas por Óbidos diz respeito a uma tentativa <strong>de</strong><br />
padronizar o fazer administrativo <strong>de</strong>ntro das Capitanias, revogando os costumes anteriores e<br />
submetendo todos os Capitães a um único referencial <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, Óbidos orientava que os seus<br />
subordinados fossem mo<strong>de</strong>rados nas con<strong>de</strong>nações que lhes eram cabíveis sentenciar, ressaltava que<br />
a autorida<strong>de</strong> dos Governadores era reconhecida exclusivamente no âmbito das Capitanias que<br />
administravam e todos eles estavam submissos às suas or<strong>de</strong>ns. Uma prova <strong>de</strong>sta prevenção foi vetar<br />
intromissões <strong>de</strong> opinião nos trabalhos do Capitão Mor, do Provedor da Fazenda Real do Brasil, dos<br />
Ouvidores da Justiça e do Senado da Câmara da Bahia e se houvesse algum dissenso a última<br />
280 A transcrição <strong>de</strong>ste regimento encontra-se em LISBOA, Balthazar da Silva. ANAES DO RIO DE JANEIRO,<br />
contendo a <strong>de</strong>scoberta e conquista <strong>de</strong>ste país, a fundação da cida<strong>de</strong> com a historia civil e eclesiástica, até a<br />
chegada <strong>de</strong> El Rey D. João IV; além <strong>de</strong> notícias topográficas, zoológicas e botânicas. Tomo 4, Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Biblioteca Nacional do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1835. P. 222.<br />
281 i<strong>de</strong>m.<br />
99
palavra era do vice-rei.<br />
Também estava previsto um or<strong>de</strong>namento criterioso para a provisão <strong>de</strong> pessoas em postos<br />
militares, <strong>de</strong> justiça e <strong>de</strong> fazenda que se achassem vagos, Óbidos or<strong>de</strong>nava aos Capitães Mores que<br />
<strong>de</strong>ssem pronta notícia das vacâncias e dos homens que foram providos como substitutos para não<br />
comprometer o andamento dos trabalhos <strong>de</strong> administração das Capitanias, o sexto capítulo<br />
or<strong>de</strong>nava:<br />
100<br />
[...] E para que o curso das causas, ou negócios que <strong>de</strong>le <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rem se não suspendão,<br />
passara em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste capitulo Provisão a pessoa benemérita, e suficiente que o sirva<br />
por tempo <strong>de</strong> dois meses se for a Capitania das do norte ou <strong>de</strong>sta até o Espírito Santo<br />
inclusivo; e <strong>de</strong> seis se for das do Espirito Santo para o Sul para que continue enquanto eu<br />
não provejo. Será o Capitão Mor obrigado a ter particular cuidado nesta matéria, para<br />
que <strong>de</strong> nenhum modo sirvão com seu provimento <strong>mais</strong> que naquelle interino preciso, que he<br />
necessário para me chegar o aviso e ir a Provisão 282<br />
Para finalizar esta análise do Regimento feito pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, <strong>de</strong>ve-se ressaltar que<br />
ele teve o cuidado <strong>de</strong> revogar e extinguir quaisquer or<strong>de</strong>ns ou estilos que em contrario se tenha<br />
observado na dita Capitania até o prezente, e só este regimento terá effeito e vigor. 283<br />
Alinhar os procedimentos dos administradores das capitanias não foi a única estratégia <strong>de</strong><br />
governar por escrito utilizada por Óbidos, ao longo da sua governança ele baixou outros<br />
Regimentos, a saber: o regimento das moedas 284 que regulamentava valor, modo <strong>de</strong> circulação e<br />
cunho para todo o Estado do Brasil; o regimento do secretário <strong>de</strong> Estado Bernardo Vieira<br />
Ravasco 285 e o regimento para a cobrança do “donativo do dote da Senhora Rainha <strong>de</strong> Grã<br />
Bretanha, e pax <strong>de</strong> Hollanda.” 286<br />
3- O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e o <strong>de</strong>licado terreno da mercê régia na Bahia<br />
Vimos anteriormente que na Bahia Seiscentista, a economia <strong>de</strong> mercês foi estratégia <strong>de</strong><br />
acumulação <strong>de</strong> riqueza e mobilida<strong>de</strong> social, não apenas para fidalgos como também para militares<br />
<strong>de</strong> origem não nobre que <strong>de</strong>monstraram bravura durante as guerras contra os holan<strong>de</strong>ses ou contra<br />
os índios rebel<strong>de</strong>s e comunida<strong>de</strong>s quilombolas que ameaçavam os projetos <strong>de</strong> conquista e<br />
282 i<strong>de</strong>m<br />
283 I<strong>de</strong>m. Apesar <strong>de</strong> ter o cuidado em estabelecer um Regimento criterioso, os Capítães Mores continuavam a reclamar<br />
dos conflitos <strong>de</strong> jurisdição, foi o que aconteceu na Capitania da Paraíba, o capitão, o provedor da fazenda e os juízes<br />
ordinários daquela parte do Brasil entravam em constantes <strong>de</strong>sentendimentos quanto a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas ações. Para<br />
<strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes ver: DHBNRJ. Vol. 8. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Augusto Porto & Cia, 1928. p. 170-172.<br />
284 DHBNRJ. Vol. 5. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Augusto Porto & Cia, 1928.. Sobre tais reformulações ver a legislação para o novo<br />
cunho da moeda do Brasil em: http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=101&id_obra=63&pagina=278<br />
285 DHBNRJ. Vol. 5. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Augusto Porto & Cia, 1928. p. 415.<br />
286 Apesar <strong>de</strong> já existir a cobrança do dote <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo <strong>de</strong> Francisco Barreto, o regimento dado por Óbidos or<strong>de</strong>nava<br />
que se inventariassem os bens dos moradores da Bahia e capitanias anexas, tudo isto para ter um melhor controle da<br />
arrecadação dos 80.000 cruzados anuais que cabia ao Brasil como pagamento. Óbidos nomeou [...] pessoas a cuja<br />
inteligência, zelo, e talento se possa fiar o bom effeito <strong>de</strong>le, para fazer tal cobrança, entre os homens <strong>de</strong> sua confiança<br />
estava o [...] Capitão Antonio Lopes <strong>de</strong> Ulhôa, Provedor-mor da Fazenda Real <strong>de</strong>ste Estado, Sargento-maior Balthazar<br />
dos Reis Barrenho, Vereador <strong>mais</strong> velho da Camara <strong>de</strong>sta Cida<strong>de</strong>, Sargento-maior Ruy <strong>de</strong> Carvalho Pinheiro, Escrivão<br />
da mesma Camara, e João Peixoto Viegas. DHBNRJ. Vol. 5. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Augusto Porto & Cia, 1928. p. 381.
colonização do Brasil.<br />
Estes homens alcançaram do Rei a posse <strong>de</strong> terras, cargos militares e administrativos e<br />
contratos comerciais que lhes rendiam receita e prestígio social, o acúmulo <strong>de</strong>stes bens em forma <strong>de</strong><br />
mercês remuneratórias tornou-se uma proprieda<strong>de</strong> passível <strong>de</strong> herança, arrendamento ou venda. Os<br />
proprietários dos cargos administrativos e militares tinham o direito <strong>de</strong> renunciá-los em benefício <strong>de</strong><br />
um filho, ou como dote <strong>de</strong> casamento ao esposo <strong>de</strong> sua filha, ou arrendá-los em troca <strong>de</strong> uma<br />
porcentagem do or<strong>de</strong>nado.<br />
As consultas ao Conselho Ultramarino, cartas do Senado da Câmara da Bahia, <strong>de</strong>vassas <strong>de</strong><br />
diversas autorida<strong>de</strong>s do Tribunal da Relação da Bahia e comunicações enviadas e recebidas no<br />
período do vice-reinado <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas, <strong>de</strong>monstravam o valor que as autorida<strong>de</strong>s<br />
portuguesas instaladas no Brasil davam aos ofícios régios recebidos por mercê, abrindo assim<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> investigar como os funcionários da administração colonial encaravam as<br />
pretensões que tinha o vice-rei do Brasil ao interferir na outorga <strong>de</strong> cargos e ofícios para alcançar<br />
governabilida<strong>de</strong> e conveniências políticas.<br />
O provimento <strong>de</strong> ofícios administrativos e militares nas possessões ultramarinas era uma<br />
exclusivida<strong>de</strong> do Rei <strong>de</strong> Portugal, no Brasil, porém, a nomeação <strong>de</strong> pessoas em cargos vacantes, à<br />
revelia do monarca, foi uma prática corriqueira entre os Governadores Gerais e vice-rei,<br />
principalmente em períodos <strong>de</strong> guerra e em necessida<strong>de</strong>s extraordinárias que não permitiam <strong>de</strong>ixar<br />
<strong>de</strong>terminadas serventias sem ocupação durante muito tempo.<br />
Antes <strong>de</strong> aprofundar sobre as querelas existentes na Bahia em torno da outorga e negação <strong>de</strong><br />
cargos e ofícios régios, torna-se importante apresentar uma petição, escrita pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos<br />
em 19 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1663 a qual dava notícias ao Rei <strong>de</strong> Portugal sobre a situação do pagamento da<br />
parte que cabia ao Brasil para o dote <strong>de</strong> casamento da Rainha da Grã Bretanha, D. Catarina <strong>de</strong><br />
Bragança e a in<strong>de</strong>nização estabelecida para manter a paz com a Holanda.<br />
Letícia dos Santos Ferreira apresenta um estudo <strong>de</strong>talhado acerca das taxações que todos os<br />
moradores do Brasil estavam submetidos e a cobrança <strong>de</strong> tributos proporcional às posses <strong>de</strong> cada<br />
pessoa. As ações do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos para a arrecadação eficaz do dote da Sereníssima Rainha da<br />
Inglaterra e Pax <strong>de</strong> Holanda é <strong>mais</strong> um exemplo <strong>de</strong> como a sua presença no Brasil teve o objetivo<br />
<strong>de</strong> organizar e garantir o envio <strong>de</strong>stes recursos para o Reino, ainda que ele mesmo reclamasse da<br />
situação <strong>de</strong> miséria que os moradores da Bahia vinham pa<strong>de</strong>cendo, graças à redução do preço do<br />
açúcar do Recôncavo e <strong>de</strong>clínio da produção no Brasil. 287<br />
Mas esta carta revela outros interesses, o vice-rei do Brasil relembrava as prerrogativas que<br />
a Coroa Portuguesa lhe <strong>de</strong>via por [...] mercê particular que VMg<strong>de</strong>. faz a todos os Vice Reis da<br />
287 FERREIRA, Leticia dos Santos. Amor, sacrifício e lealda<strong>de</strong>. O donativo para o casamento <strong>de</strong> Catarina <strong>de</strong><br />
Bragança e para a Paz <strong>de</strong> Holanda (Bahia, 1661-1725). Dissertação <strong>de</strong> Mestrado. UFF, 2010, p. 101.<br />
101
Índia <strong>de</strong> 12 fidalguias e 12 hábitos para repartirem naquele Estado pelos sogeitos <strong>mais</strong><br />
benemeritos e ele não os levou quando foy governar. 288<br />
Óbidos não teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usufruir <strong>de</strong>stes direitos pois, como se sabe, ele fora<br />
usurpado do seu cargo meses após chegar em Goa, sua intenção em reivindicar tais benesses era<br />
para que pu<strong>de</strong>sse dispor <strong>de</strong>stes hábitos e fidalguias e distribuí-los entre os homens do Brasil que<br />
mantivessem <strong>mais</strong> aproximação política com a sua pessoa e ao mesmo tempo garantir que tais<br />
beneficiados continuassem com o pagamento dos impostos que cabiam à Bahia, queria ele:<br />
102<br />
[...] po<strong>de</strong>r premiar os sogeitos que melhor proce<strong>de</strong>rão assim no serviço do donativo com os<br />
<strong>mais</strong> que tem feito a VMg<strong>de</strong>. enquanto duraram as guerras daquele Estado, dispen<strong>de</strong>ndo a<br />
Fazenda em tantas armadas malogradas na Restauração <strong>de</strong> Pernambuco e per<strong>de</strong>ndo os<br />
filhos em quantas occasioens se pellejou com os olan<strong>de</strong>ses. 289<br />
Óbidos fez questão <strong>de</strong> ressaltar que esta preeminência já havia sido dada ao Governador<br />
Antonio Telles da Silva, primeiro Governador Geral do Brasil nomeado por D. João IV, contudo,<br />
este não divulgou o Alvará que recebera e por isso tal costume não se fez aplicar no Brasil:<br />
[...] além <strong>de</strong> seu merecimento ser digno <strong>de</strong>sta honra, e os VReys da Índia terem aquella<br />
preheminencia, há exemplo <strong>de</strong> a ter no Brasil Antonio Telles da Sylva, a quem VMg<strong>de</strong>. fez<br />
por mercê por Alvará feyto por mão <strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Lucena, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res para fazer<br />
fidalgos, dar comendas e hábitos, e por respeitos particulares a teve em silencio. [...] Que<br />
nesta matéria propõe ele Vice Rey por que são aly muytos os beneméritos <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. os<br />
honrar e quase todos incapazes <strong>de</strong> passarem a esta Corte a requerer a satisfação <strong>de</strong> seus<br />
serviços. 290<br />
Esta tentativa <strong>de</strong> convencer a realeza do seu direito <strong>de</strong> disponibilizar gratificações à pessoas<br />
do Brasil, <strong>de</strong> acordo com os mesmos merecimentos que tiveram <strong>de</strong> seus antecessores, foi objeto <strong>de</strong><br />
uma consulta dos membros do Conselho Ultramarino, realizada em 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1664.<br />
Os conselheiros ressaltavam as condições financeiras que Portugal passava e a<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar <strong>mais</strong> este gasto, seja pela falta <strong>de</strong> recursos para o pagamento dos hábitos e<br />
foros pretendidos, seja pela confusão que tal prerrogativa causaria entre os outros homens da Bahia<br />
que também eram merecedores <strong>de</strong> tais benefícios e ficariam excluídos das premiações do Con<strong>de</strong><br />
vice-rei.<br />
Na opinião dos juízes do Conselho Ultramarino, conce<strong>de</strong>r doze fidalguias e doze hábitos ao<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos era uma regalia 291 exclusiva dos vice-reis da Índia e<br />
[...] cousa impraticavel e <strong>de</strong> muy prejudicial exemplo no tempo prezente, e estado do Reino<br />
e do Brazil que havendo VMg<strong>de</strong>. <strong>de</strong> remunerar aqueles vassalos beneméritos pelo muyto<br />
que <strong>de</strong> suas fazendas dispen<strong>de</strong>rão <strong>de</strong> perdas <strong>de</strong> vidas naquelas guerras são muytos os que<br />
288<br />
AHU, LF, BA, Cx. 19, Doc. 2023, 10/06/1664.<br />
289<br />
i<strong>de</strong>m<br />
290<br />
i<strong>de</strong>m<br />
291<br />
No vocabulário da época esta palavra significava [...] hum sinal exterior, <strong>de</strong>monstrativo da authorida<strong>de</strong>, &<br />
Magesta<strong>de</strong> Real. As Regalias essenciais são fazer leys, investir Magistrados, eleger Ministros dignos, & beneméritos,<br />
bater moeda, por tributos, & a seus tempos publicar guerra, & fazer pazes. Também existiam as Regalias aci<strong>de</strong>ntais<br />
que não diminuíam a soberania nem aumentavam o po<strong>de</strong>r supremo, mas variava <strong>de</strong> monarquia para monarquia, são<br />
tipos <strong>de</strong> regalias aci<strong>de</strong>ntais: [...] as Regalias acci<strong>de</strong>ntaes dos Emperadores eram trazer coroa, & sceptro, vestir púrpura,<br />
& que lhes fallassem <strong>de</strong> joelhos. Ver: op. cit. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino. Volume 7, p 193.
103<br />
merecem prêmios e conce<strong>de</strong>ndose ao Con<strong>de</strong> o que pe<strong>de</strong> servira (dandose ainda aos<br />
beneméritos) <strong>de</strong> justas queixas, nos que ficarem por premiar. 292<br />
A partir <strong>de</strong>ste documento, percebe-se que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos enfrentava contínua obstrução<br />
entre os magistrados que compunham o corpo consultivo da alçada Ultramarina, os Conselheiros<br />
pediam que o Rei advertisse o vice-rei ante as pretensões que ele apresentava, Óbidos justificava<br />
este pedido valendo-se das precedências que os outros Governadores e vice-rei do Brasil tiveram<br />
antes da sua chegada. Todavia, o Conselho Ultramarino expõe seu parecer e in<strong>de</strong>fere a petição do<br />
Con<strong>de</strong>, explicando que em 1664 a situação política era outra:<br />
[...] e o exemplo e Antonio Teles, que o Con<strong>de</strong> Vice Rey aponta (se he que levou aquela<br />
faculda<strong>de</strong>) foy em outro tempo e no principio do reinado <strong>de</strong> SMg<strong>de</strong>. que está em glória, por<br />
então convir assim não só pela ocasião mas pela guerra profinqua <strong>de</strong> Pernambuco, com<br />
que enten<strong>de</strong> o Conselho que não he lugar <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ferir ao que o Con<strong>de</strong> pe<strong>de</strong>. 293<br />
Percebe-se pois, que o Conselho Ultramarino <strong>de</strong>monstrava resistência ao ressurgimento do<br />
vice-reinado do Brasil, especialmente se analisarmos um conjunto <strong>de</strong> comunicações produzidas pelo<br />
Conselho Ultramarino, pela Câmara da Bahia e pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos nos anos <strong>de</strong> 1663 e 1664.<br />
Nelas, po<strong>de</strong>mos ter uma noção <strong>mais</strong> precisa <strong>de</strong> como o vice-rei do Brasil encarava o seu cargo a<br />
ponto <strong>de</strong> não dar cumprimento a uma Or<strong>de</strong>m Régia, acompanhemos:<br />
Em 09 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1662, D. Afonso VI mandava que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos extinguisse os<br />
dois Terços <strong>de</strong> Infantaria que assistiam na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador. Os oficiais da Câmara da Bahia<br />
escreveram ao Rei agra<strong>de</strong>cendo tal medida, pois era a fazenda da cida<strong>de</strong> quem pagava os soldos <strong>de</strong><br />
sustento dos Tenentes e Mestres <strong>de</strong> Campo General, seus ajudantes, capelães e furriéis. Contudo,<br />
eles diziam que a or<strong>de</strong>m não foi cumprida pelo vice-rei. 294 As justificativas que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos<br />
<strong>de</strong>u para não ter reformado aqueles postos encontra-se em uma carta, escrita no dia 20 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong><br />
1663. 295<br />
Óbidos dizia que não seria conveniente extinguir tais postos porque [...] não He justo que se<br />
escusem seus exercícios, quanto <strong>mais</strong> naquela praça, em que a disciplina militar os faz <strong>mais</strong><br />
precisos, 296 além disso, listou dois militares que na sua opinião eram “inexcusáveis” ao serviço<br />
régio e seriam prejudicados se ele efetuasse as reformas or<strong>de</strong>nadas pelo Rei.<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos justificava que existia diferença em sua condição, ele era vice-rei e<br />
aquela situação <strong>de</strong> governo era <strong>mais</strong> para acrescentar sua autorida<strong>de</strong> que para diminuir as<br />
prerrogativas que tiveram seus antecessores, por isso ele não achava conveniente a extinção <strong>de</strong>stes<br />
postos dado seu título e prejuízos que esta medida causaria aos militares que ele fez questão <strong>de</strong><br />
292<br />
Op.cit. AHU, LF, BA, Cx. 19, Doc. 2023, 10/06/1664.<br />
293<br />
i<strong>de</strong>m<br />
294<br />
AHU, LF, BA, Cx. 17, doc. 1997. 06/02/1664.<br />
295<br />
AHU, LF, BA, Cx. 17, doc. 1998. 20/08/1663.<br />
296 i<strong>de</strong>m
mencionar. 297<br />
Mais uma vez, os conselheiros Jeronimo <strong>de</strong> Mello e Castro, Feliciano Dourado e o Con<strong>de</strong><br />
dos Arcos manifestam no parecer do Conselho Ultramarino o <strong>de</strong>sconforto que as atitu<strong>de</strong>s do Con<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Óbidos em seu vice-reinado no Brasil traziam para aquele Tribunal, os juízes diziam que D.<br />
Afonso VI <strong>de</strong>via repreen<strong>de</strong>r o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos por não ter dado inteiro cumprimento às or<strong>de</strong>ns<br />
régias e aos pedidos da Câmara da Bahia.<br />
Os conselheiros afirmavam que por consecutivas vezes o Con<strong>de</strong> vice-rei tentava [...]<br />
sustentar a sua oppinião contra as rezoluções <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. em dano daquelles vassalos. 298 Ainda<br />
faziam questão <strong>de</strong> afirmar que a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> extinguir tais ofícios militares era uma forma <strong>de</strong> liberar a<br />
Câmara <strong>de</strong> um custo que só se fazia necessário no tempo da guerra viva contra Holanda e que,<br />
naquele tempo, o dispêndio com o pagamento das in<strong>de</strong>nizações estabelecidas em Haia e que cabiam<br />
ao Brasil, bem como o dote do casamento da Rainha da Gran Bretanha oneravam muito os<br />
habitantes da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador.<br />
Os conselheiros reclamavam:<br />
104<br />
[...] He <strong>de</strong> muito para reparar que o Con<strong>de</strong> VRey o encontra por respeitos particulares, em<br />
prejuízo <strong>de</strong> todo um Estado com o fundamento <strong>de</strong> que convem conservar nos postos os<br />
sogeitos que os ocupam a respeito da diferença em que esta aquelle governo, porque a<br />
gra<strong>de</strong>za <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. quis usar com elle dandolhe o titulo <strong>de</strong> VRey não foi para fazer o que<br />
lhe parecesse , se não o que VMg<strong>de</strong>. lhe mandar. 299<br />
E continuaram emitindo argumentos que afirmavam o quanto as pretensões <strong>de</strong> Óbidos<br />
extrapolavam os costumes: [...] E quanto He mayor a honra que o Príncipe faz ao vassalo, tanto<br />
mayor obrigação lhe corre <strong>de</strong> dar inteiro comprimento aos mandatos do Príncipe, porque as<br />
Monarchias so se conservão com a obediencia e respeito. 300<br />
O parecer final <strong>de</strong>sta querela encontra-se registrado neste mesmo documento em forma <strong>de</strong><br />
discreta cláusula, à esquerda do documento, o estudo da estrutura das comunicações administrativas<br />
produzidas pelas dinastias Ibéricas explica que este era o local a<strong>de</strong>quado para registro dos pareceres<br />
régios enquanto a consulta estava tramitando. 301<br />
O Rei D. Afonso VI emitiu sua <strong>de</strong>cisão sobre a reforma dos dois Terços <strong>de</strong> Infantaria que ele<br />
havia or<strong>de</strong>nado, no dia 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1663. Em breves palavras o monarca estabeleceu um<br />
consenso entre as pretensões do vice-rei e as reclamações da Câmara da Bahia e do Conselho<br />
Ultramarino:<br />
297<br />
I<strong>de</strong>m. Eram eles: Pedro Gomes, com trinta e oito anos e dois meses <strong>de</strong> serviço e Antonio <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>de</strong> Castro, com<br />
trinta e dois anos e vinte e seis dias <strong>de</strong> serviços prestados nos Terços que iriam ser extintos.<br />
298<br />
AHU, LF, Cx. 17, doc. 1973. 23/11/1663<br />
299<br />
i<strong>de</strong>m<br />
300<br />
i<strong>de</strong>m<br />
301<br />
Para <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes sobre a escrita administrativa no século XVII, ver : CADARSO, Pedro Luis Lourenzo. La<br />
correspondência administrativa en el Estado Absoluto Castellano (ss XVI-XVII) In: SAEZ, Carlos.; GÓMEZ, Antonio<br />
Castillo (Ed.). Actas <strong>de</strong>l VI Congreso Internacional <strong>de</strong> Historia <strong>de</strong> la Cultura Escrita. La correspondência em la<br />
historia: mo<strong>de</strong>los y prácticas <strong>de</strong> escritura epistolar. Vol I, 2002, p. 121-144.
105<br />
[...]Pella rezolução que fui servido tomar <strong>de</strong> se prover aquelles que vão com titulo e<br />
authorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vice Rey não po<strong>de</strong> ter lugar contudo a reformação que estava or<strong>de</strong>nada. E<br />
El Rey hei por bem que se reforme só um dos mestres <strong>de</strong> campo general; o <strong>mais</strong> mo<strong>de</strong>rno; e<br />
do mesmo modo hu dos ajudantes; E os furriéis. Isto se escreva ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos com<br />
todo bom modo; mas or<strong>de</strong>nandolhe que o execute sem réplica. Lisboa, 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
1663. 302<br />
Este trecho acima transcrito possibilita problematizar o quão importante era o título <strong>de</strong> vice-<br />
rei do Brasil, especialmente para D. Afonso VI, conforme se po<strong>de</strong> notar nesta resolução. O monarca<br />
não só reconheceu a autorida<strong>de</strong> que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos ostentava no Brasil, como também levou<br />
em conta os posicionamentos contrários emitidos pelo Conselho Ultramarino. Fazendo isto, o Rei<br />
acomodava interesses divergentes e mantinha a governabilida<strong>de</strong> do seu representante direto, pois,<br />
apesar <strong>de</strong> voltar atrás em sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> reformar dois Terços <strong>de</strong> Infantaria e fazer a reforma em<br />
apenas um, D. Afonso or<strong>de</strong>nava que os conselheiros emitissem sua resolução ao vice-rei do Brasil<br />
“com todo bom modo”.<br />
Vimos que o vice-rei escreveu diretrizes aos seus subordinados, em contrapartida, ele<br />
também <strong>de</strong>veria seguir um criterioso conjunto <strong>de</strong> regras e procedimentos que guiava as suas ações<br />
no maior posto <strong>de</strong> comando militar e político existente no Brasil Seiscentista, seu Regimento foi o<br />
mesmo dado ao Governador Diogo <strong>de</strong> Mendonça Furtado em 1621 e apesar <strong>de</strong>ste ter sido escrito no<br />
período Filipino, esta norma foi utilizada após a Restauração Brigantina só havendo mudanças em<br />
seu conteúdo no ano <strong>de</strong> 1678. 303<br />
Este Regimento previa que os casos que extrapolavam a alçada dos governadores e vice-rei<br />
do Brasil eram tratados pelo Conselho Ultramarino, esta Instituição tratava das <strong>de</strong>mandas das<br />
conquistas, em especial daquelas que versavam as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r das autorida<strong>de</strong>s que<br />
administravam os domínios do Ultramar.<br />
Embora o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos não tenha conseguido parecer favorável para premiar com<br />
títulos <strong>de</strong> fidalguia e hábitos a pelo menos vinte e quatro pessoas <strong>de</strong> importância estratégica no<br />
Brasil, ele lançou mão <strong>de</strong> suas atribuições como vice-rei para interferir na provisão das serventias<br />
militares, judiciais e civis que estivessem vagas.<br />
Dois trechos do Regimento dado a D. Vasco Mascarenhas, em 1663, explicitam as regras <strong>de</strong><br />
provimento em postos militares e civis vacantes no Brasil:<br />
[...] encarregareis das serventias dos ditos officios a criados meus (se os ouver) que<br />
tenham partes para os servirem e em falta <strong>de</strong>les a outras pessoas que tenham as mesmas<br />
302 Op.cit. AHU, LF, Cx. 17, doc. 1973. 23/11/1663<br />
303 MENDES, Caroline Garcia.; CASTRO, João Henrique Ferreira <strong>de</strong>. “O Brasil no Império Ultramarino Português e o<br />
estudo das trajetórias dos Governadores-Gerais e Vice-Reis do Brasil entre 1647-1750.” In: Anais do II Colóquio do<br />
LAHES: Micro-História e os caminhos da História Social. Juiz <strong>de</strong> Fora: UFJF, 2008, p.11. Segundo os estudos do<br />
historiador Francisco Cosentino, o Regimento dado ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos foi uma cópia do mesmo que foi dado a D.<br />
Diogo <strong>de</strong> Mendonça Furtado, em 1621. Tal Regimento continuou sendo a base para os Governadores que o suce<strong>de</strong>u e só<br />
foi substituído pelo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Roque da Costa Barreto, em 1678. Para <strong>mais</strong> informações, ver: op. cit. COSENTINO,<br />
Francisco Carlos Cardoso. Governadores Gerais do Estado do Brasil (séculos XVI e XVII): ofício, regimentos,<br />
governação e trajetórias. 2009, p. 180-188.
106<br />
parte, histo athe se prezentarem pessoas que tenhão provizões minhas para haverem <strong>de</strong><br />
servir os taes officios. 304<br />
O capítulo 41 fornece <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes do raio <strong>de</strong> ação que tinham os governantes do Brasil<br />
para nomear pessoas em cargos e ofícios régios, a norma previa que os Governadores Gerais e vice-<br />
reis po<strong>de</strong>riam<br />
[...] prover as serventias dos offícios mayores, asy por morte, como por qualquer outra via,<br />
que seja, e da mesma maneyra, todos os outros [cargos] <strong>de</strong> justiça, guerra e fazenda <strong>de</strong><br />
todo o Estado, enquanto eu não mandar outra couza em contrário [...] e me avizareis logo,<br />
particularmente, dizendo o cargo que vagou, e por quem, se <strong>de</strong>ixou filhos, e em quem<br />
aproveste. 305<br />
Vemos então que, em caso <strong>de</strong> morte, doença ou aposentadoria <strong>de</strong> servidores da justiça,<br />
guerra e fazenda, cabia aos Governadores Gerais e vice-rei do Brasil prover os substitutos mediante<br />
informação posterior à Coroa e atenção aos critérios previstos no Regimento. Em uma carta escrita<br />
na Bahia, no dia 18 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1663, encontram-se as justificativas apresentadas pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Óbidos para prover os postos militares e ofícios políticos do Brasil alegando seguir as mesmas<br />
prerrogativas que tiveram seus antecessores: [...] me pareceu representar a VMg<strong>de</strong>. com a<br />
submissam que convem se conserve a este governo a preheminecia que vinha <strong>de</strong> prover os postos<br />
militares sem outra confirmação <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. 306<br />
Citando o primeiro vice-rei Marquês <strong>de</strong> Montalvão e o Governador Geral Francisco Barreto,<br />
Óbidos apontava que o cargo que ocupava no Brasil conferia-lhe os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> prover pessoas em<br />
ofícios políticos vagos sem a aprovação imediata do soberano <strong>de</strong> Portugal. Na contra mão <strong>de</strong>ste<br />
<strong>de</strong>sejo, funcionários da administração do Brasil e autorida<strong>de</strong>s do Conselho Ultramarino<br />
apresentavam consecutivas queixas ao Rei diante das medidas <strong>de</strong> Óbidos que interferiam na lógica<br />
<strong>de</strong> funcionamento da economia <strong>de</strong> mercês na Bahia e iam <strong>de</strong> encontro aos interesses da elite<br />
local. 307<br />
Algumas autorida<strong>de</strong>s resi<strong>de</strong>ntes na Bahia também manifestaram <strong>de</strong>scontentamento em suas<br />
cartas e <strong>de</strong>nunciaram ao Conselho Ultramarino as atitu<strong>de</strong>s do vice-rei que <strong>de</strong>srespeitavam os<br />
protocolos do Regimento que ele <strong>de</strong>via seguir, principalmente quando tentava interferir na lógica <strong>de</strong><br />
concessão e negação das mercês remuneratórias no Brasil.<br />
Em primeiro <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1663, o Rei <strong>de</strong> Portugal informava ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos que as<br />
autorida<strong>de</strong>s do Brasil e <strong>de</strong> Angola estavam se queixando dos abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dos Governadores<br />
304<br />
AHU, LF, Cx.12, Doc. 1444: Cópia <strong>de</strong> Capítulos do Regimento do Governador do Brasil. Lisboa, 13/10/1651. (grifo<br />
do documento). Neste documento encontramos extratos do Regimento dado a Diogo Furtado <strong>de</strong> Mendonça em 1621,<br />
especialmente no que tange os limites para o provimento <strong>de</strong> cargos e ofícios régios no Brasil.<br />
305<br />
I<strong>de</strong>m (grifo do documento). Os Regimentos dos Governadores Gerais e Vice Reis do Brasil foram estudados por<br />
MENDONÇA, Marcos Carneiro <strong>de</strong>. Raízes da Formação Administrativa do Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: IHGB/Conselho<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Cultura, 1972.<br />
306<br />
AHU, LF, BA Cx.17, Doc. 1976, 18/08/1663.<br />
307<br />
AHU, LF, BA Cx.19, Doc. 2208-2210,19/07/1667
Gerais enviados às conquistas , por<br />
107<br />
[...] não darem cumprimento as provisões que lhes presentava algumas pessoas providas<br />
por VMg<strong>de</strong>. em serventias <strong>de</strong> ofícios por terem ocupado nellas seus criados, e VMg<strong>de</strong>. lho<br />
haver mandado estranhar, me encomendava muyto e or<strong>de</strong>nava que enquanto aqui servisse<br />
aVMg<strong>de</strong>. Desse inteiro cumprimento a todas as provisões e or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong> para que não<br />
houvesse queixa das partes. 308<br />
Quatro meses <strong>de</strong>pois, D. Vasco Mascarenhas justificava os [...] postos e serventias dos<br />
ofícios que preten<strong>de</strong> prover, sem dar conta a Sua Majesta<strong>de</strong> e afirmava no seu discurso a sua<br />
condição <strong>de</strong> vice-rei do Brasil. Relembrava ao soberano que [...] as faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> minha patente<br />
trouxe firmada pela real mão <strong>de</strong> Vossa Majesta<strong>de</strong> cópia sem mudança <strong>de</strong> huma virgula da que se<br />
<strong>de</strong>u ao Marquês <strong>de</strong> Montalvão. 309<br />
O último parágrafo <strong>de</strong>sta carta <strong>de</strong>ixa registrada as intenções do Con<strong>de</strong> vice-rei e avisava as<br />
autorida<strong>de</strong>s do Reino que ele continuaria levando a cabo as prerrogativas dos seus antecessores e<br />
faria valer o seu título <strong>de</strong> vice-rei do Brasil:<br />
[...] Sendo por estes e outros semelhantes os provimentos que o Conselho Ultramarino faz<br />
neste Estado ou por falta <strong>de</strong> noticias verda<strong>de</strong>iras, ou por eficácia <strong>de</strong> favores particulares<br />
bem se <strong>de</strong>ixa inferir quam justo He, que os VReys <strong>de</strong>ste Estado conservem a jurisdiçam dos<br />
provimentos militares e serventias <strong>de</strong> ofícios políticos não só pelo que tocca a authorida<strong>de</strong><br />
e posse do posto que ocupam, mas pela importância dos acertos do serviço <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. e faz<br />
este o meio <strong>mais</strong> conveniente <strong>de</strong> não haver os vassalos <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. pretendo evitar no meu<br />
Governo, cujas ações esperam sejam sempre muy como <strong>de</strong>lla as obrigações com que nacy e<br />
as do serviço <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. que são as que <strong>mais</strong> prefiro a tudo. Bahia, 29 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong><br />
1661. 310<br />
O Conselho Ultramarino mostrou-se <strong>mais</strong> uma vez escandalizado com esta carta do vice-rei<br />
e sua pretensão em prover cargos políticos e militares no Brasil sem obe<strong>de</strong>cer aos protocolos<br />
costumeiros, <strong>de</strong>claravam que os pedidos <strong>de</strong> Óbidos ofendiam todas as instâncias consultivas do<br />
Reino e solicitavam que o Rei o repreen<strong>de</strong>sse asperamente, pois tentava intrometer-se na jurisdição<br />
alheia.<br />
Para justificar a impossibilida<strong>de</strong> jurídica das pretensões do segundo vice-rei do Brasil, o<br />
Conselho Ultramarino afirmava que no tempo do Marquês <strong>de</strong> Montalvão, Bahia e Pernambuco<br />
estavam em guerra viva com as tropas do Con<strong>de</strong> Maurício <strong>de</strong> Nassau e que, [...] o capítulo 42 do<br />
provimento dos cargos <strong>de</strong> guerra é só nos casos aci<strong>de</strong>ntais da mesma guerra e que acabada ela se<br />
extingam os mesmos cargos. 311<br />
Querer prover pessoas em cargos militares e políticos no Brasil era uma pretensão que<br />
ampliava extraordinariamente os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> Óbidos e uma regalia que só os monarcas <strong>de</strong><br />
Portugal tinham. Os conselheiros <strong>de</strong>monstravam em suas missivas os po<strong>de</strong>res que o vice-rei<br />
pretendia ter e os prejuízos que as mesmas precedências que tiveram seus antecessores trariam ao<br />
308<br />
AHU, LF,BA Cx. 17, Doc. 1989, 29/01/1664<br />
309<br />
i<strong>de</strong>m<br />
310<br />
i<strong>de</strong>m<br />
311<br />
AHU, LF, BA, Cx. 17, Doc. 1996, 05/02/1664
erário e ao tradicional costume <strong>de</strong> consultas da dinastia Brigantina.<br />
4- Um clima tenso e uma nova ameaça <strong>de</strong> ser expulso do vice-reinado<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos pretendia arbitrar sobre a economia <strong>de</strong> mercês no espaço colonial,<br />
apesar <strong>de</strong> consecutivos pedidos dos conselheiros para que o Rei coibisse tais pretensões do vice-rei,<br />
o comando do Reino parecia fazer ouvidos moucos para com os avisos que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, o<br />
rigor das queixas formuladas pelos Conselheiros do Ultramar registram que ele queria ser [...]<br />
Senhor absoluto do Brasil e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> SMg<strong>de</strong>. e suas reaes or<strong>de</strong>ns que <strong>de</strong>veria respeitar<br />
<strong>mais</strong>, que querendo usurpar por este modo a regalia <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>., que he ponto em que muyto se<br />
<strong>de</strong>ve reparar para selhe mandar estranhar. 312<br />
A intenção do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos ao requerer os mesmos po<strong>de</strong>res que teve o primeiro vice-rei<br />
do Brasil estava em sua tentativa <strong>de</strong> incluir pessoas <strong>de</strong> sua confiança nos cargos estratégicos em<br />
<strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outras e assim levar a cabo a gradual centralização do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> prover pessoas em<br />
ofícios e serventias do Brasil sem dar satisfação ao monarca. Para cumprir este fim, Óbidos lançava<br />
mão <strong>de</strong> justificativas que <strong>de</strong>scre<strong>de</strong>nciavam os homens indicados pelos proprietários dos ofícios e<br />
colocava no posto vago aqueles que melhor aten<strong>de</strong>ssem suas conveniências políticas.<br />
Um exemplo <strong>de</strong>sta atitu<strong>de</strong> e <strong>de</strong> como Óbidos estava insatisfeito com a maneira que os cargos<br />
militares e políticos da Bahia vinham sendo providos encontra-se nesta mesma carta, o vice-rei<br />
relembra como se <strong>de</strong>u o provimento do Guarda Mor da Relação da Bahia, o proprietário <strong>de</strong>ste cargo<br />
era <strong>de</strong>funto e <strong>de</strong>ixou viúva e filhos que se encontravam na Bahia em busca <strong>de</strong> arrendar o posto até<br />
que um dos her<strong>de</strong>iros tivesse condições <strong>de</strong> assumir.<br />
Após as tradicionais consultas e pareceres das autorida<strong>de</strong>s da Relação da Bahia para suprir a<br />
vacância, um homem chamado Gaspar Dias <strong>de</strong> Araújo foi indicado pelos magistrados para ocupar o<br />
posto, contudo, Óbidos <strong>de</strong>nunciou à realeza o pouco cuidado com que os juízes da Relação tinham<br />
na averiguação prévia das pessoas indicadas para assumir ofícios e serventias em vacância, o vice-<br />
rei avisava que não ia permitir tal provimento: [...] sendo a pessoa do tal Gaspar Dias christão<br />
novo <strong>de</strong> todos os quatro costados <strong>de</strong> baixa sorte; quebrado nos negócios e incapaz por todos os<br />
respeitos <strong>de</strong> o exercer. 313<br />
Apontando a <strong>de</strong>scendência israelita do ocupante do posto <strong>de</strong> Guarda Mor da Relação, o<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos tentava convencer o Rei que o seu interesse em prover tais serventias no Brasil<br />
era uma forma <strong>de</strong> prevenir o serviço régio <strong>de</strong> tais equívocos e conservar a jurisdição que os seus<br />
antecessores tiveram: [...] justo he que os Vice Reis <strong>de</strong>ste Estado conservem a jurisdiçam dos<br />
provimentos militares e serventias <strong>de</strong> ofícios políticos não so pelo que toca a autorida<strong>de</strong> e posse do<br />
312 AHU, LF, BA, Cx. 18, Doc. 2070, 28/01/1665<br />
313 Op. cit . AHU, LF, BA Cx. 17, Doc. 1996, 05/02/1664<br />
108
posto que ocupam, mas pela importancia dos acertos do serviço <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. 314<br />
Sem dar importância à indicação do proprietário do posto, nem aos referendos dos<br />
Desembargadores da Relação, Óbidos <strong>de</strong>u a João Garcia este ofício, por ser [...] homem nobre,<br />
cunhado do Alcai<strong>de</strong> Mor <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong> a quem provi pelo achar servido o mesmo e ser informado <strong>de</strong><br />
sua qualida<strong>de</strong> e pobreza. 315<br />
Os Conselheiros também mencionaram uma antiga pendência que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos teve<br />
com D. Gabriel Garcês e por isso ele não o proveu em uma Companhia <strong>de</strong> soldados no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, <strong>mais</strong> uma vez o nomeado neste posto era [...] um criado seu chamado João Vieira, sem<br />
<strong>mais</strong> serviços que havido o acompanhado a Índia e agora ao Brasil. 316<br />
Vemos assim que o Con<strong>de</strong> vice-rei não estava isolado e mantinha laços políticos com outras<br />
pessoas, chamadas nas fontes <strong>de</strong> seus “criados” e tentava inseri-las nos postos em vacância, à<br />
revelia do Rei e das instâncias consultivas hodiernas. Tais pessoas possivelmente passaram para o<br />
Brasil por ocasião da chegada do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, estava entre as prerrogativas do cargo que os<br />
familiares dos vice-reis e Governadores Gerais do Brasil fossem acompanhados <strong>de</strong> sua família e<br />
serviçais, todavia, até o momento não tive acesso à lista <strong>de</strong> tais pessoas que chegaram com D. Vasco<br />
Mascarenhas em 1663.<br />
Outra interferência no provimento <strong>de</strong> oficio e serventias se <strong>de</strong>u com o filho do proprietário<br />
do ofício <strong>de</strong> Escrivão da Alfân<strong>de</strong>ga <strong>de</strong> Pernambuco, ele tinha direito <strong>de</strong> indicar alguém capaz para<br />
cumprir esta função, todavia, não pô<strong>de</strong> usufruir <strong>de</strong>sta mercê porque o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos colocou um<br />
criado seu no dito posto. 317<br />
Outro que teve seu cargo tomado por causa dos abusos <strong>de</strong> Óbidos foi Sebastião Duarte, ele<br />
estava a servir no ofício <strong>de</strong> Meirinho da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador por provisão régia, enquanto durasse o<br />
impedimento do proprietário do referido cargo. Todavia, Sebastião foi retirado do seu posto por<br />
or<strong>de</strong>m do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos logo nos primeiros meses <strong>de</strong> sua chegada à Bahia e no seu lugar ele<br />
proveu [...] um criado seu muito authorizado chamado Antonio Antunes, bem conhecido nesta<br />
Corte. 318<br />
Para garantir sua governabilida<strong>de</strong> e ter auxiliares fiéis no exercício <strong>de</strong> cargos e serventias, o<br />
vice-rei do Brasil pretendia dispô-los à pessoas do seu círculo social e dava tais provimentos sem<br />
prestar as <strong>de</strong>vidas satisfações ao Rei nem ao Conselho Ultramarino, esta quebra <strong>de</strong> protocolo não<br />
era a<strong>de</strong>quada no contexto político vivenciado no Brasil, especialmente porque, <strong>de</strong> acordo com a<br />
interpretação do Conselho Ultramarino, no tempo do vice-reinado do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos a guerra<br />
314 i<strong>de</strong>m<br />
315 i<strong>de</strong>m<br />
316 Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2070, 28/01/1665<br />
317 i<strong>de</strong>m<br />
318 i<strong>de</strong>m<br />
109
contra a Holanda estava extinta e por isso as preeminências extraordinárias que os Governadores<br />
Gerais e vice-reis tinham nestes tempos só valiam exclusivamente para aquele período.<br />
O Conselho Ultramarino arremata nesta Consulta a precaução que o Rei D. Afonso VI<br />
<strong>de</strong>veria ter para com as ações do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos no Brasil, prover postos e serventias sem dar<br />
conta ao Rei era uma manobra para colocar os seus aproximados políticos em lugares estratégicos<br />
da governança, especialmente quando estes se encontravam em vacância.<br />
Negar cargos, diminuir vencimentos e perseguir opositores, foram medidas tomadas pelo<br />
segundo vice-rei e mal recebidas pela elite, principalmente se enfocarmos nossa análise nas<br />
apelações feitas por outros homens que assumiram funções <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância política da Bahia<br />
e estavam <strong>de</strong>scontentes com as práticas <strong>de</strong> D. Vasco <strong>de</strong> Mascarenhas, acompanhemos.<br />
O Secretário <strong>de</strong> Estado Bernardo Vieira Ravasco ocupava um cargo importante <strong>de</strong>ntro do<br />
funcionamento da administração do Estado do Brasil, por ele passava todos os documentos notariais<br />
e <strong>de</strong>spachos dos Governos e resguardava nesta função além da hereditarieda<strong>de</strong> do cargo, o arquivo<br />
da memória dos governantes do Brasil. Pedro Puntoni estudou a trajetória da família Ravasco entre<br />
as <strong>mais</strong> <strong>de</strong>stacadas da Bahia e os <strong>de</strong>sacordos que Bernardo teve com Óbidos ao levantar os motivos<br />
da primeira prisão do Secretário. 319<br />
A versão <strong>de</strong> Bernardo Ravasco torna-se esclarecedora, nela verificamos o raio <strong>de</strong> ação do<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e a sua influência <strong>de</strong>ntro da Relação da Bahia. A <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> que as<br />
comunicações enviadas em recebidas entre a Secretaria <strong>de</strong> Estado e as instências Ultramarinas<br />
estavam sendo sistematicamente interceptadas foi constata e o Secretário acusava o vice-rei [...] do<br />
crime <strong>de</strong> as abrir, e violar o segredo que o Sagrado nome <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. segura a seus vassallos, ou<br />
para a comunicação do serviço real, ou para o remédio <strong>de</strong> suas queixas particulares, 320 nesta<br />
missiva, o Secretário elucidou a metodologia <strong>de</strong> silenciamento <strong>de</strong> opositores que vinha sendo<br />
implementada pelo vice-rei <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1665, entre os quais ele era um dos perseguidos.<br />
Bernardo explica as causas da sua prisão na ca<strong>de</strong>ia pública <strong>de</strong> Salvador, após o vice-rei<br />
tomar conhecimento do conteúdo dos escritos que ele produziu criticando seu estilo <strong>de</strong> governar e<br />
tentou enviar ao Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor:<br />
110<br />
[..,.] primeiro: diser eu naquele papel que se VMg<strong>de</strong>. fosse servido lhe apontasse os<br />
<strong>de</strong>scaminhos que aqui pa<strong>de</strong>ce sua Real Fazenda e os meios <strong>de</strong> remédios o faria mor, dando<br />
VMg<strong>de</strong>. se mostrasse os livros dos recebimentos que eu pedisse. Segundo: representar a<br />
VMg<strong>de</strong>. duas cartas, que na Relação que VMg<strong>de</strong>. mandara ao Brasil para remédio das<br />
violencias dos Governadores era um instrumento do arbítrio do po<strong>de</strong>r do Con<strong>de</strong> 321<br />
Por fim, é importante salientar a influência que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos mantinha no Tribunal da<br />
319 PUNTONI, Pedro.“Bernardo Vieira Ravasco, secretário do Estado do Brasil: po<strong>de</strong>r e elites na Bahia do século XVII.”<br />
In: Novos Estudos. São Paulo: Cebrap, n.68, p.107-126.<br />
320 AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2208-2210, 19/07/1667.<br />
321 i<strong>de</strong>m
Relação da Bahia, segundo o Regimento da Relação, ele tinha a função <strong>de</strong> Regedor daquele sínodo<br />
e por isso dirigia as reuniões e discussão das as pautas. Contudo, Bernardo Vieira Ravasco<br />
<strong>de</strong>nunciava que Óbidos utilizava a Relação da Bahia como <strong>mais</strong> um instrumento <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> sua<br />
governabilida<strong>de</strong>, pois os ministros daquele Tribunal nunca entrariam em rota <strong>de</strong> colisão com o vice-<br />
rei [...] por ser sempre nella mayor o numero dos ministros que confirmão o voto ao seu semblante;<br />
ou porque temem a <strong>de</strong>sgraça dos que nam o adulam vendo huns perseguidos, e outros<br />
molestados. 322<br />
Jorge Seco <strong>de</strong> Macedo, Desembargador da Relação da Bahia, estava entre os magistrados<br />
que não temiam as perseguições do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e pela situação que <strong>de</strong>screveu, o clima em<br />
Salvador parecia tenso. Jorge era um antigo serventuário da Coroa, dizia que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia 4 <strong>de</strong><br />
agosto <strong>de</strong> 1663 ele havia passado precatório para que todos os Governadores do Brasil e <strong>de</strong> Angola<br />
cumprissem as or<strong>de</strong>ns recebidas do Rei e não interferissem nas provisões que algumas pessoas<br />
apresentavam, pois eram or<strong>de</strong>ns legítimas da realeza.<br />
Dizendo ter servido nas quatro partes do mundo: [...] onze annos na Índia, onze annos na<br />
Casa <strong>de</strong> Suplicação e nove neste Estado, fundando a Relação, 323 o Desembargador rememorava<br />
seus serviços anteriores, ao mesmo tempo em que ressaltava a sua experiência nas coisas <strong>de</strong> justiça<br />
e jurisdição. Ele avisava que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos fazia sucessivos provimentos in<strong>de</strong>vidos a pessoas<br />
<strong>de</strong> seu círculo social e negava as mercês régias àqueles que tinham direito.<br />
Ao afirmar que este estilo não cabia ao vice-rei do Brasil, Jorge Seco <strong>de</strong> Macedo valia-se<br />
dos anos que esteve em cargos <strong>de</strong> justiça: [...] Eu servi onze anos na Índia com três Vice Reis e um<br />
Governador sempre vy as patentes e provisões dos Vice Reis 324 e por isso mesmo conhecia os<br />
limites que os governantes do Brasil tinham para nomear os cargos em vacância.<br />
Vimos que o <strong>de</strong>scontentamento com a gestão <strong>de</strong> D. Vasco <strong>de</strong> Mascarenhas era corroborado<br />
não só pelo Chanceler da Relação da Bahia e clérigo do Hábito <strong>de</strong> São Pedro Jorge Seco <strong>de</strong><br />
Macedo. O Cabido da Sé da Bahia escrevia que o referido Jorge e o Licenciado Domingos Vieira <strong>de</strong><br />
Lima haviam sido advertidos pelo Bispo da Bahia em 1664, para que [...] evitassem maiores ruínas<br />
<strong>de</strong>sta republica eclesiástica e secular. O motivo da reprimenda eram as notórias <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong><br />
[...] sedição e conspiração que contra o Governador <strong>de</strong>sta praça indignamente se dispunham e por<br />
não dar ouvidos ao que prevenia o Bispo, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos os perseguiu, mandando pren<strong>de</strong>r e<br />
<strong>de</strong>sterrar para Angola a Jorge Seco <strong>de</strong> Macedo, que nesta carta dizia se encontrar refugiado no<br />
Convento do Carmo, e a Domingos Vieira <strong>de</strong> Lima, que em prisão domiciliar aguardava livrar-se<br />
322 i<strong>de</strong>m<br />
323 AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2036, 04/08/1664<br />
324 i<strong>de</strong>m<br />
111
das suas culpas. 325<br />
Um dos opositores <strong>de</strong> Óbidos que <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhou o histórico <strong>de</strong> contendas que vinha<br />
ocorrendo entre a elite da Bahia e o segundo vice-rei foi o Desembargador Extravagante, Manuel <strong>de</strong><br />
Almeida Peixoto. Em 6 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1664, ele apresentou sua queixa às instâncias Ultramarinas,<br />
também por causa das ameaças que vinha sofrendo pelo Con<strong>de</strong> vice-rei.<br />
Os consecutivos <strong>de</strong>sentendimentos entre eles durante as sessões da Relação, especialmente<br />
quando o assunto era o pagamento em atraso dos or<strong>de</strong>nados <strong>de</strong> Manuel elucidam esta rusga,<br />
ameaçando <strong>de</strong> que iria recorrer ao Desembargador dos Agravos pela negação dos seus direitos, a<br />
discussão com o vice-rei <strong>de</strong>u-se durante uma sessão da Relação:<br />
112<br />
[...] E o Con<strong>de</strong> me disse com gran<strong>de</strong> paixão que podia agravar já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo per que muito<br />
bem me conheciam neste Reino, a que lhe respondi que por real zeloso dos serviços <strong>de</strong><br />
VMg<strong>de</strong>., muyto inteiro e limpo era o conhecimento. 326<br />
A briga foi além da reunião ordinária da Relação e ganhou a rua, Manuel afirmava que<br />
Óbidos o ameaçou publicamente: [...] que me mandaria em um navio para esse Reino como fizera a<br />
outro no Algarve e daria parte a VMg<strong>de</strong>. dos <strong>de</strong>cervissos que a VMg<strong>de</strong>. viera fazer neste estado e o<br />
<strong>mais</strong> que lhe pareceo, a que lhe <strong>de</strong>i como resposta me faria gran<strong>de</strong> mercê. 327<br />
Manuel parecia não temer a ameaça <strong>de</strong> prisão e envio compulsório a que Óbidos era a<strong>de</strong>pto<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua governança no Algarve, como se po<strong>de</strong> constatar no seu <strong>de</strong>poimento, o Desembargador<br />
continuou a relatar outra discussão, <strong>de</strong>sta vez Manuel foi a obrigado a ler o parágrafo 45 do<br />
Regimento <strong>de</strong> Regedor da Relação da Bahia a que o Con<strong>de</strong> vice-rei <strong>de</strong>veria seguir: [...] para que<br />
soubesse <strong>de</strong> como avia <strong>de</strong> tratar os Desembargadores, E não <strong>de</strong>scompolos publicamente sem <strong>mais</strong><br />
cauza que sua paixão e apetites. 328<br />
Nem o pregador da Sé foi poupado <strong>de</strong> represálias por ter proferido palavras contra o vice-rei<br />
do Brasil, Manuel <strong>de</strong> Almeida Peixoto relatou o <strong>de</strong>srespeito que Óbidos <strong>de</strong>monstrou ao impedir o<br />
cura da Sé <strong>de</strong> subir a púlpito e o pren<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma afrontosa: or<strong>de</strong>nou que soldados e cabos armados<br />
levassem o Padre à ca<strong>de</strong>ia e tal ação do vice-rei teve o consentimento do Desembargador Thomé da<br />
Costa Homem e do Procurador e Juiz da Coroa João Vanvessem, ambos apoiadores <strong>de</strong> sua gestão.<br />
Para além <strong>de</strong> tratar um religioso como se fosse criminoso con<strong>de</strong>nado, a imagem <strong>de</strong> um<br />
membro da Igreja não foi preservada, o reverendo foi levado preso [...] com a maior afronta e<br />
vitupério pelo meio da cida<strong>de</strong> e la<strong>de</strong>ira da Misericórdia, para ser visto dos ebreus e povo, sendo o<br />
caminho legítimo, direto e <strong>mais</strong> escuso o das portas da cida<strong>de</strong> do Carmo. 329<br />
325<br />
AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2101, 08/08/1665<br />
326<br />
AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2037, 06/07/1664<br />
327<br />
i<strong>de</strong>m<br />
328<br />
AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2110, 25/09/1665. Para <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes, ver a Carta Régia <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1652 que<br />
dispõe sobre o Regimento da Relação da Bahia:<br />
http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=100&id_obra=63&pagina=352<br />
329<br />
i<strong>de</strong>m
Manuel <strong>de</strong> Almeida Peixoto queria sair do Brasil, não via <strong>mais</strong> serventia em sua<br />
permanência no serviço régio, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos estava <strong>de</strong> todas as formas obstruindo a sua vida,<br />
seja confiscando seus rendimentos, seja espalhando o boato <strong>de</strong> que ele era [...] doudo e temerário.<br />
Des<strong>de</strong> o dia 06 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1665 este Desembargador estava homiziado no Convento do Carmo,<br />
sem pu<strong>de</strong>r ir à Relação para votar e com seus salários retidos. O abandono <strong>de</strong> sua casa e refúgio<br />
num convento justificava-se por ver a sua vida em risco:<br />
113<br />
[...] on<strong>de</strong> se mandou atirar a espingarda hua noite ao recolherme. E por não tomar fogo<br />
escapar, segundo o avizo que se me <strong>de</strong>u, para me recolher <strong>de</strong> dia e fechar as portas antes<br />
das Ave Marias, por andarem muitos homens as <strong>mais</strong> das noites na Rua, e canto <strong>de</strong> minha<br />
caza com arcos, frechas, espingardas e vacamartes para me matar, assi fora, como<br />
chegado a minhas janellas. 330<br />
Por fim, o Desembargador Manuel <strong>de</strong> Almeida Peixoto rememorou o custo que o zelo<br />
administrativo que sempre <strong>de</strong>monstrou ao longo da sua carreira <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços régios em<br />
Portugal traziam à sua liberda<strong>de</strong> e à sua vida econômica:<br />
[...] por experiência Senhor se sabem e reconhecem minhas acções e serviços sempre fui<br />
molestado, estive nas enxovias do Limoeiro 16 meses por <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a jurisdição <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>.<br />
e sua Real Fazenda, fui privado da Correição <strong>de</strong> Leiria sem ser ouvido nem convencido,<br />
por cobrar as décimas e fazer cavallos para a guerra, obe<strong>de</strong>cendo a VMg<strong>de</strong>. e não ao<br />
apetite do Secretario do Estado Pedro Vieira da Silva. 331<br />
Outro documento aponta que logo no primeiro ano <strong>de</strong> sua gestão, o segundo vice-rei do<br />
Brasil negou a Álvaro <strong>de</strong> Azevedo o disputado posto <strong>de</strong> Mestre <strong>de</strong> Campo do Terço Velho da Bahia.<br />
Em sua carta dirigida a D. Afonso VI, Álvaro relembrava que após a negação <strong>de</strong>ste cargo, ele<br />
mesmo foi à presença do Soberano <strong>de</strong> Portugal e retornou à Bahia com or<strong>de</strong>ns régias que<br />
ratificavam sua provisão no cargo. Porém, segundo seu relato, feito no ano <strong>de</strong> 1666, <strong>de</strong>nunciava que<br />
Óbidos o [...] <strong>de</strong>scompôs em uma rua pública, diante do General da frota Jorge Furtado <strong>de</strong><br />
Mendonça, dizendo que eu fui me queixar a Vossa Majesta<strong>de</strong> e o <strong>mais</strong> que sua paixão lhe ditou. 332<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos era a<strong>de</strong>pto das práticas <strong>de</strong> silenciamento das pessoas que manifestavam<br />
oposição ao seu modo <strong>de</strong> governar, ele enviava seus <strong>de</strong>safetos para locais distantes e assim os<br />
mantinha longe o tempo suficiente para não causar problemas. Este foi o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> Álvaro <strong>de</strong><br />
Azevedo: em 31 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1666 o militar escrevia para o Rei <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma prisão na fortaleza do<br />
Morro <strong>de</strong> São Paulo, local distante doze léguas da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador.<br />
Álvaro foi um antigo comerciante <strong>de</strong> Pau Brasil, também era proprietário <strong>de</strong> terras da Bahia<br />
e no tempo do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos assumia uma função militar <strong>de</strong> alta patente, por isso, lamentava os<br />
vexames que passava: [...] além da pouca estimação que <strong>de</strong> mim fez (o Con<strong>de</strong>), me vituperou em<br />
tudo que quis e finalmente me mandou preso e <strong>de</strong>sterrado para o Morro sem saber o porquê nem<br />
330 i<strong>de</strong>m<br />
331 i<strong>de</strong>m<br />
332 AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2161, 27/11/1666
me dar culpas. 333 ,<br />
5- Expulsos do Vale <strong>de</strong> Lágrimas<br />
Faltando dois anos para o encerramento da gestão, a governança do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos<br />
seguia, apesar das consecutivas críticas formuladas pelo Conselho Ultramarino em relação aos seus<br />
abusos e consecutivas missivas escritas pelos homens letrados da Bahia, aflitos com suas vidas em<br />
risco e seus cargos e funções adquiridas por mercês régias sendo vilipendiados pelas conveniências<br />
políticas do governante do Brasil.<br />
A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fidalgos da Bahia <strong>de</strong>scontentes com tal situação aumentava e o vice-rei<br />
<strong>de</strong>sconfiava que alguns homens po<strong>de</strong>rosos da Bahia estavam articulando um motim para expulsá-lo<br />
do posto. Em 29 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1665, cinco pessoas <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador da Bahia foram<br />
pegas <strong>de</strong> surpresa com or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão e embarque imediato para Portugal na frota que os<br />
aguardava pronta para partir. Eram três capitães <strong>de</strong> infantaria: Antonio <strong>de</strong> Queiroz Cerqueira, Paulo<br />
<strong>de</strong> Azevedo Coutinho, Francisco Teles <strong>de</strong> Meneses e o Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil,<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, acompanhado do seu filho, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>de</strong> Figueiredo. 334<br />
Dada a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> fontes que explicam os motivos para a prisão e envio compulsório para<br />
Lisboa <strong>de</strong> cada um dos citados, não po<strong>de</strong>mos aprofundar a trajetória política <strong>de</strong> todos os suspeitos<br />
<strong>de</strong> integrar esta conjuração para retirar o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos do cargo, nosso enfoque está na<br />
participação <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> como protagonista <strong>de</strong>sta trama e os <strong>de</strong>sdobramentos que<br />
sua oposição política ao vice-rei do Brasil ocasionou em sua vida.<br />
Expulsar alguém do local <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vive para outras partes do Reino, por um tempo<br />
<strong>de</strong>terminado ou perpetuamente, era uma medida punitiva corriqueira no Antigo Regime. Todavia,<br />
para ser executada, <strong>de</strong>veria seguir alguns protocolos jurídicos, conforme ensinava o Conselho<br />
Ultramarino ao emitir parecer sobre a prisão e embarque <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, do seu filho<br />
e das outras autorida<strong>de</strong>s militares da Bahia, or<strong>de</strong>nado por Óbidos: [...] conforme a regra do direito,<br />
sem culpa formada, não se con<strong>de</strong>na a ninguém e <strong>de</strong>ve esta prece<strong>de</strong>r primeiro para chegar aos<br />
termos da prisão. 335<br />
A justificativa que <strong>de</strong>u o vice-rei do Brasil para ter enviado tais pessoas foi registrada numa<br />
carta, escrita em 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1665, 336 o documento informava que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> Correia<br />
seria a principal li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> um suposto motim que maquinavam contra ele, pois, além <strong>de</strong><br />
<strong>Lourenço</strong> ter histórico <strong>de</strong> contendas com os governantes enviados da metrópole, também<br />
apresentava consecutivas queixas por escrito ao Conselho Ultramarino sobre questões <strong>de</strong>licadas<br />
333<br />
AHU, LF, BA Cx.19, Doc. 2145, 31/07/1666<br />
334<br />
I<strong>de</strong>m p. 4<br />
335<br />
AHU, LF, BA Cx.19, Doc. 2142, 23/07/1666<br />
336<br />
AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2100, 06/08/1665<br />
114
envolvendo a gestão <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas.<br />
Óbidos suspeitava ainda que alguns clérigos, militares e outros políticos da Câmara <strong>de</strong><br />
Vereadores e da Relação da Bahia estavam envolvidos nesta conjuração para retirá-lo do cargo, pois<br />
estas pessoas estavam criticando sistematicamente sua gestão por via <strong>de</strong> escritos e boatos, formando<br />
a opinião dos moradores da Bahia contra o seu modo <strong>de</strong> governar.<br />
No segundo capítulo, tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisar com <strong>mais</strong> cuidado a trajetória<br />
política <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas e as suas experiências no Ultramar Português. Sua passagem<br />
anterior no Brasil tornou sua pessoa conhecida e respeitada entre as autorida<strong>de</strong>s, todavia, foi em<br />
1652 que o ele recebeu a primeira tarefa <strong>de</strong> administrar uma praça Ultramarina na condição <strong>de</strong> vice-<br />
rei e foi mal recebido pelos fidalgos <strong>de</strong> Goa, meses após a sua chegada, foi expulso da Índia. Esta<br />
breve experiência como vice-rei no Oriente Português serviu-lhe <strong>de</strong> lição.<br />
Ostentar títulos nobiliárquicos e adquirir vasta experiência militar anterior não garantiu o<br />
sucesso <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas como administrador na Índia, ele não levou em conta que<br />
qualquer <strong>de</strong>scuido no trato com as autorida<strong>de</strong>s locais po<strong>de</strong>ria lhe custar muito caro, <strong>de</strong> acordo com<br />
os registros da época, esta malsucedida experiência sempre era ressaltada nas cartas escritas pelo<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, mas também lembrada por aqueles que estavam sob o seu comando como forma<br />
<strong>de</strong> apontar os erros e excessos que ele era acostumado a cometer. 337<br />
O documento que atesta os pormenores das suspeitas <strong>de</strong> uma trama engendrada pela elite <strong>de</strong><br />
Salvador para retirar Óbidos do seu cargo <strong>de</strong> vice-rei, encontra-se em uma carta <strong>de</strong> aviso, escrita no<br />
dia 29 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1665, mesmo dia da prisão e embarque compulsório <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
para o Reino. O longo caminho que percorreu esta missiva é prova <strong>de</strong> como Óbidos conhecia a<br />
morosida<strong>de</strong> da tramitação judiciária do Reino e tais contingências eram necessárias para que, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> expulsar da Bahia os homens anteriormente mencionados, o Con<strong>de</strong> vice-rei pu<strong>de</strong>sse mantê-los o<br />
maior tempo possível afastados da Colônia e <strong>de</strong>scobrir outras pessoas <strong>de</strong> Salvador que concorreram<br />
nesta suposta conjuração.<br />
Fugido do embarque compulsório, o Desembargador da Relação Manuel <strong>de</strong> Almeida<br />
Peixoto, queixava-se que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1665, estava [...] retirado pelos mosteiros vivendo<br />
<strong>de</strong> suas esmolas, <strong>de</strong>samparado <strong>de</strong> minha casa, filha, família, para que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos não<br />
executasse seu ódio, e fervor em mim, fulminando-me fantásticas culpas.<br />
Entre queixas <strong>de</strong> [...] absolutos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> que usa, e jacta contra as leis divinas, naturaes e<br />
humanas, o vice-reinado <strong>de</strong> Óbidos no Brasil era criticado pelo magistrado, ele continua sua<br />
<strong>de</strong>núncia avisando que as suas sistemáticas tentativas <strong>de</strong> recorrer à justiça ultramarina estava<br />
337 Óbidos relembra <strong>mais</strong> uma vez a sua <strong>de</strong>posição do Vice Reinado <strong>de</strong> Goa em uma carta escrita ao Governador <strong>de</strong><br />
Pernambuco, Francisco <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> Freire. Ver: DHBNRJ. Vol. 9. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Augusto Porto & Cia, 1928. Microfilmes,<br />
p. 133-137.<br />
115
obstruída pelas ações <strong>de</strong> Óbidos: o sigilo das comunicações enviadas e recebidas entre o Brasil e o<br />
Reino esta obstruído pois Óbidos interceptava as comunicações, violava e lia seu conteúdo. 338 Por<br />
fim, a queixa registrou a já mencionada tentativa <strong>de</strong> assassinato que Manuel <strong>de</strong> Almeida Peixoto<br />
sofreu, em 18 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1663, por conta <strong>de</strong> agravos com o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e seus aproximados.<br />
Todo este panorama <strong>de</strong>nota a situação perigosa na Bahia para aqueles que <strong>de</strong>monstrassem<br />
oposição ao vice-rei, pois [...] se não teme a Deus, nem observa justiça pelos ministros ostentarem<br />
<strong>mais</strong> lacaios do Con<strong>de</strong>. 339 O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos assistia a mesma cena que fora surpreendido em<br />
Goa. Dizia ele que os sobreditos suspeitos [...] procuravam por todos os meios persuadir os animos<br />
do povo e dos soldados a um geral ódio contra minhas ações[...]. 340 O principal inimigo do<br />
segundo vice-rei do Brasil foi, sem dúvida, o velho <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>. Aqui cabe um<br />
parêntese para enten<strong>de</strong>r melhor os motivos <strong>de</strong> tanto ressentimento contra o fidalgo da Bahia.<br />
A primeira acusação formulada contra o Provedor Mor da Fazenda estava baseada em seu<br />
histórico <strong>de</strong> críticas contra os governantes enviados do reino, especialmente contra o Marquês <strong>de</strong><br />
Montalvão. O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos lembrava-se da trama que elevou <strong>Lourenço</strong> à uma das três<br />
autorida<strong>de</strong>s que assumiram a Junta <strong>de</strong> Governo do Brasil, após seguir as or<strong>de</strong>ns do jesuíta Francisco<br />
Vilhena. Já conhecemos as circunstâncias que motivaram as viagens que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
fez, enfocaremos agora na última viagem da sua vida, rumo a Lisboa, <strong>mais</strong> uma vez por motivos<br />
políticos.<br />
Ciente do histórico <strong>de</strong> cartas que <strong>Lourenço</strong> escrevia para os Reis <strong>de</strong> Portugal criticando os<br />
governantes enviados do Reino, a sua participação política era vista com preocupação, Óbidos<br />
resumia os feitos nocivos do Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil e relembrava a D. Afonso VI<br />
e ao Valido a sua participação da <strong>de</strong>posição do Marquês <strong>de</strong> Montalvão:<br />
116<br />
[...] [<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>] com as presunções <strong>de</strong> ter sido um dos três governadores<br />
que suce<strong>de</strong>ram o Marquês <strong>de</strong> Montalvão, haver tido com ele in<strong>de</strong>centíssimos<br />
procedimentos que são notórios e voltar indo preso a esta Corte, sem castigo algum para<br />
este Estado. 341<br />
O segundo vice-rei do Brasil rememorou a primeira viagem compulsória que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> fez em 1642 e ainda afirmou que o fidalgo da Bahia não teve nenhum castigo, pois<br />
apesar <strong>de</strong> ficar <strong>mais</strong> <strong>de</strong> sete anos no Reino, ele voltou ao Brasil e alcançou da Rainha o perdão dos<br />
erros do passado e graças diversas. Para melhor fundamentar o histórico <strong>de</strong> insubordinações <strong>de</strong><br />
<strong>Lourenço</strong>, Óbidos elencou outras autorida<strong>de</strong>s que já passaram pela governança do Brasil e foram<br />
alvos da sua crítica:<br />
[...] E com a soberba <strong>de</strong> haver capitulado aos Con<strong>de</strong>s da Torre e Castel Melhor (tendo<br />
recebido <strong>de</strong> ambos o favor <strong>de</strong> o haverem authorizado com sua meza), murmurado do <strong>de</strong><br />
338<br />
AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2180, 08/08/1666<br />
339<br />
i<strong>de</strong>m<br />
340<br />
Op. cit AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2100, 06/08/1665<br />
341 i<strong>de</strong>m
117<br />
Authoguia e escrito capitulado e posto paschins a Francisco Barreto, sem com ele usar<br />
<strong>de</strong>monstração alguma. 342<br />
Ao citar alguns nobres do partido <strong>de</strong> D. Afonso VI que também foram alvejados pelas duras<br />
palavras <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong>, Óbidos elencava os documentos que ele era capaz <strong>de</strong> produzir para <strong>de</strong>struir a<br />
imagem dos administradores enviados do Reino <strong>de</strong>ntro do espaço Colonial, seu interesse era reunir<br />
argumentos para reforçar as suspeitas que tinha ao afirmar que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> era o<br />
principal articulador <strong>de</strong> uma armadilha para expulsá-lo do cargo <strong>de</strong> vice-rei do Brasil. De acordo<br />
com seu relato, Óbidos reclamava que <strong>Lourenço</strong> seguia o mesmo dictame <strong>de</strong> ataques, <strong>de</strong>sta vez à<br />
sua pessoa e avisava às autorida<strong>de</strong>s do Reino que todos aqueles excessos praticados pelo fidalgo da<br />
Bahia não era novida<strong>de</strong> e aconteciam por falta <strong>de</strong> punição exemplar, tais atitu<strong>de</strong>s extrapolavam os<br />
limites da sua [...] natural brandura e benevolência. 343 .<br />
Capitular e escrever paschins foram recursos <strong>de</strong> escrita que alguns homens da Bahia<br />
recorreram para mobilizar a população (ou parte <strong>de</strong>la) em torno <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política,<br />
econômica ou religiosa, era pela letra que os governantes enviados do Reino aumentavam as fintas,<br />
dízimos e impostos acumulados pela Fazenda do Brasil, em contrapartida, era também pela via<br />
escrita que os moradores e negociantes do Brasil criticavam o mal uso dos impostos recolhidos, a<br />
corrupção dos funcionários régios e os abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dos governadores e vice-rei do Brasil.<br />
<strong>Lourenço</strong> substituiu o primeiro vice-rei do Brasil e <strong>de</strong> acordo com as palavras <strong>de</strong> Óbidos em<br />
1665, ele tentava repetir a mesma façanha, pois, [...] todo o intento <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> foi<br />
sempre a intenção <strong>de</strong> querer governar este Estado. 344 Óbidos temia que [...] assim na noticia do<br />
mao procedimento <strong>de</strong> qualquer governador po<strong>de</strong>ria suce<strong>de</strong>r-lhe enquanto Vossa Magesta<strong>de</strong><br />
mandava outro ou Vossa Magesta<strong>de</strong> o honrava com o mesmo posto. 345<br />
Vemos então um Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos escaldado pela falta <strong>de</strong> traquejo político que teve no<br />
Oriente e na América percebia a mesma cena se repetir, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> era um influente<br />
homem <strong>de</strong> negócios e funcionário régio a muitos anos, tinha trânsito político entre as instâncias<br />
<strong>mais</strong> importantes da Colônia e ainda era chamado <strong>de</strong> Capitão pelos po<strong>de</strong>rosos <strong>de</strong> Salvador e do<br />
Recôncavo da Bahia que lembravam do <strong>de</strong>staque que teve nas batalhas, em tempos <strong>de</strong> invasão<br />
holan<strong>de</strong>sa.<br />
Portanto, em se tratando <strong>de</strong> Brasil e seu governo, <strong>Lourenço</strong> era um especialista, tinha<br />
experiência na administração fazendária e passagem prévia em posto <strong>de</strong> governador interino, caso o<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos fosse expulso do seu cargo, ele certamente estaria entre os possíveis substitutos.<br />
342 i<strong>de</strong>m<br />
343 i<strong>de</strong>m<br />
344 i<strong>de</strong>m<br />
345 i<strong>de</strong>m
6- <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> em rota <strong>de</strong> colisão com o vice-rei do Brasil<br />
<strong>Lourenço</strong> era agraciado por mercês remuneratórias <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o advento <strong>de</strong> D. João IV,<br />
percebemos que ele estava em constante contato com as autorida<strong>de</strong>s do Reino dada a posição<br />
política que ocupava na colônia, a função <strong>de</strong> Provedor Mor da Fazenda Real do Brasil e a entrada<br />
na Chancelaria da Relação da Bahia são ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância que po<strong>de</strong>m explicar o<br />
clima <strong>de</strong> disputa que se envolveu entre os anos <strong>de</strong> 1664 e 1665.<br />
Como um habilidoso escrevente, ele tinha condições suficientes para <strong>de</strong>sgastar, por via da<br />
justiça, a imagem do segundo vice-rei do Brasil. Para isso era preciso escrever consecutivas<br />
missivas às instâncias do Reino, apontando equívocos do governante e evi<strong>de</strong>nciando os excessos<br />
cometidos nesta função, esta tática levantava suspeitas para com a eficácia do administrador do<br />
Brasil e po<strong>de</strong>ria mobilizar os fidalgos insatisfeitos da Colônia para retirar o vice-rei do seu posto.<br />
Seguindo a tradição administrativa da Casa <strong>de</strong> Bragança, antes da queixa chegar ao<br />
conhecimento da realeza, o Conselho Ultramarino se ocupava em apurá-las para dirimir quaisquer<br />
dúvidas e após isso apresentar ao soberano a síntese dos seus pareceres para posterior <strong>de</strong>cisão régia.<br />
Se analisarmos as consultas <strong>de</strong>ste Tribunal sobre as contendas existentes entre o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, constataremos que este sínodo não coadunava com as pretensões nem<br />
com o estilo <strong>de</strong> governo apresentado pelo segundo vice-rei do Brasil, especialmente no que dizia<br />
respeito a sua tentativa <strong>de</strong> interferir na lógica das mercês remuneratórias e ao trato pouco a<strong>de</strong>quado<br />
que <strong>de</strong>monstrava para com alguns po<strong>de</strong>rosos da Bahia.<br />
Devemos neste momento ressaltar o silêncio <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e ausência <strong>de</strong><br />
qualquer fonte que ateste sua participação nesta trama. Esta sem dúvida foi a maior limitação que<br />
encontrei no transcorrer <strong>de</strong>sta pesquisa, pois até o momento não localizei na documentação arrolada<br />
nenhum papel escrito pelo próprio <strong>Lourenço</strong> que registre sua participação no motim, nem outro<br />
documento que ateste a versão <strong>de</strong>ste Provedor da Fazenda fez em sua viagem <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira à Portugal.<br />
As linhas a seguir apresentam a versão do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos sobre o suposto motim engendrado por<br />
autorida<strong>de</strong>s da Bahia, bem como as impressões <strong>de</strong>ixadas pelo Conselho Ultramarino e por outras<br />
autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Salvador envolvidas neste episódio.<br />
Contrastando a versão apresentada pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos com outros documentos arrolados<br />
que também dão notícias do comportamento <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> nesta ocasião, reuniremos<br />
subsídios para elucidar algumas incongruências informadas por Pedro Calmon ao estudar este<br />
episódio <strong>de</strong>cisivo para a carreira do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e assim estabelecer outros olhares para<br />
enten<strong>de</strong>r esta trama.<br />
O segundo vice-rei do Brasil fundamentou suas suspeitas <strong>de</strong> estar sendo vítima <strong>de</strong> um motim<br />
baseando-se em escritos que, supostamente, saíam do gabinete <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> e eram remetidos para<br />
outras autorida<strong>de</strong>s da Bahia, o conteúdo atacava a pessoa <strong>de</strong> Óbidos: [...] buscou [<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong><br />
118
<strong>Correa</strong>] ultimamente esta <strong>de</strong> conspirar contra minha pessoa, capitulando-me e enviando até esta<br />
Corte e a alguns ministros vários papéis contra meu procedimento. 346<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos pesa nas tintas ao evi<strong>de</strong>nciar o histórico <strong>de</strong> contendas que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> havia se envolvido no passado e se mostrava <strong>de</strong>sacatado pelas <strong>de</strong>núncias e queixas<br />
formadas por ele.<br />
De acordo com Óbidos, o Provedor Mor da Fazenda se [...] jactava que era <strong>mais</strong> bem ouvido<br />
que os governadores <strong>de</strong>ste Estado e se tomasse alguma revolução comigo e me viesse a succe<strong>de</strong>r.<br />
Desgastar a imagem do mandatário do Brasil por via <strong>de</strong> comunicações sistemáticas aos<br />
governadores das Capitanias elencando os <strong>de</strong>smandos, <strong>de</strong>svios e autoritarismos dos governantes<br />
superiores era uma estratégia utilizada pelos fidalgos da Bahia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI, contudo a<br />
particularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste caso está na antecipação do Con<strong>de</strong>.<br />
Apenas por suspeitar <strong>de</strong> estar sendo vítima <strong>de</strong> uma trama que o expulsaria novamente do seu<br />
cargo <strong>de</strong> vice-rei, Óbidos embarcou subitamente os principais opositores do Brasil, rumo a Lisboa,<br />
para que pu<strong>de</strong>sse governar com tranquilida<strong>de</strong> e sem escritos inoportunos que evi<strong>de</strong>nciavam suas<br />
fragilida<strong>de</strong>s.<br />
Óbidos não podia assistir a distribuição <strong>de</strong> paschins falando mal do seu governo sem tomar<br />
as providências cabíveis, suspeitava que os fidalgos da Bahia se reunião em ranchos e bandorias<br />
para tramar contra ele e estes possíveis sediciosos li<strong>de</strong>rados por <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
espalhavam críticas à sua pessoa por entre os homens da Bahia Colonial, <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>núncia<br />
<strong>de</strong> Óbidos [...] este era o seu intento: e nas disposições <strong>de</strong>le o ajudarão firmando papéis,<br />
escrevendo aos Ministros e influindo todo este povo, pública e secretamente. 347<br />
É sempre apropriado conhecer o conteúdo do vocabulário utilizado pelos homens que<br />
viveram no século XVII para termos uma noção <strong>mais</strong> precisa das suspeitas que tinha Óbidos em<br />
relação às manobras <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, especialmente se levarmos em conta a sua<br />
habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever e o significado das palavras capitular e capitulação 348 para aqueles que<br />
viviam no Brasil Seiscentista. Capitular era um recurso <strong>de</strong> escrita que tinha o objetivo formar<br />
artigos com <strong>de</strong>terminados temas e expô-los em público, capitulação eram as condições com que<br />
<strong>de</strong>terminadas pessoas estabeleciam um pacto e registravam por escrito o acordo das partes, por<br />
exemplo, a trégua <strong>de</strong> uma guerra ou os termos <strong>de</strong> rendição entre sitiados e sitiadores eram lavrados<br />
em capítulos. No Brasil, os fidalgos tinham direito <strong>de</strong> formular capítulos <strong>de</strong> acusação contra os<br />
excessos dos seus comandantes, apontando em tais papéis os <strong>de</strong>talhes dos erros cometidos e o mal<br />
que tais <strong>de</strong>smandos causava aos moradores da Colônia, comprometendo-se em comprovar a<br />
346<br />
Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 18, Doc. 2100, 06/08/1665<br />
347<br />
i<strong>de</strong>m<br />
348<br />
Op. cit. BLUTEAU, Vol.2, p.128.<br />
119
veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas informações perante a lei.<br />
A palavra bando 349 dava a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> partido, parcialida<strong>de</strong>. As pessoas que manifestavam<br />
interesses congruentes reuniam-se em bandos com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>bater os pontos principais <strong>de</strong><br />
suas posições, esta palavra coaduna com o sentido que o termo racho era utilizado pelos lusófonos<br />
do século XVII, apesar <strong>de</strong> ser uma palavra <strong>de</strong> origem castelhana, cujo significado é pousada ou<br />
hospedaria, o termo foi muito utilizado pelos militares ibéricos para nomear toda companhia <strong>de</strong><br />
camaradas, soldados e marinheiros, que se reunião em algum local reservado do quartel ou do<br />
navio, nestes lugares os rancheados 350 se tratavam familiarmente e mantinham interesses e<br />
intenções confluentes. Por fim, a palavra paschim ou pasquim era um [...] dito picante posto em<br />
papel e publicamente exposto. 351<br />
Todo este repertório <strong>de</strong> escritos, muitas vezes anônimos, podia comprometer a gestão <strong>de</strong> um<br />
governante, <strong>de</strong>ntro e fora do Ultramar. Entre suspeitas <strong>de</strong> reuniões privadas promovidas por<br />
<strong>Lourenço</strong> com outros po<strong>de</strong>rosos da Bahia e comunicações que circulavam entre os fidalgos <strong>de</strong><br />
Salvador atacando duramente a gestão do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, vemos que o clima político da Bahia<br />
Seiscentista estava tenso.<br />
Sabendo que muitos homens inclinavam-se às i<strong>de</strong>ias promovidas supostamente por<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> e narrando os movimentos <strong>de</strong> seus opositores, D. Vasco Mascarenhas <strong>de</strong>u<br />
prosseguimento a sua <strong>de</strong>núncia nomeando os participantes dos [...] ranchos e bandorias 352 que<br />
articulavam a sua retirada.<br />
<strong>Lourenço</strong> não estava sozinho e tinha aliados influentes na Colônia que faziam coro às suas<br />
críticas, seus companheiros eram fidalgos agraciados por D. João IV e pela Rainha Regente e<br />
possuíam proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> terras e escravos na Bahia, além <strong>de</strong> religiosos, funcionários da<br />
administração colonial e comandantes militares, outras pessoas foram citadas pelo vice-rei do Brasil<br />
como participantes <strong>de</strong>ste suposto motim li<strong>de</strong>rado por <strong>Lourenço</strong>.<br />
As culpas formuladas pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos contra seus opositores são encontradas num<br />
auto <strong>de</strong> culpas, escrito no dia 30 <strong>de</strong> outubro do ano <strong>de</strong> 1665 pelo escrivão da [...] Ouvidoria geral<br />
do crime e da auditoria da gente <strong>de</strong> guerra situada na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador. 353 Ele certificava o que o<br />
Desembargador da Relação Bernardim Macedo Velho ouvira [...] no ano <strong>de</strong> cristo <strong>de</strong> 1665 aos 5<br />
dias do mês <strong>de</strong> agosto, nas casas on<strong>de</strong> vive o Vice Rei do Brasil, 354 analisaremos em um momento<br />
oportuno que o Desembargador Macedo Velho vituperou os protocolos <strong>de</strong> justiça ao lavrar este auto<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong>ntro da residência do vice-rei e tal atitu<strong>de</strong> foi vista com estranhamento pelo<br />
349 I<strong>de</strong>m BLUTEAU, p. 31; 104.<br />
350 I<strong>de</strong>m, BLUTEAU, Vol. 7, p. 105<br />
351 I<strong>de</strong>m, BLUTEAU, Vol. 6, p.296.<br />
352 Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2144, 30/10/1665.<br />
353 i<strong>de</strong>m<br />
354 i<strong>de</strong>m<br />
120
Conselho Ultramarino pois era prova <strong>de</strong> que um oficial da justiça na Bahia po<strong>de</strong>ria estar sendo<br />
manipulado pelos interesses <strong>de</strong> Óbidos, passemos para as <strong>de</strong>núncias pronunciadas por Óbidos:<br />
121<br />
[...] ele dito Con<strong>de</strong> Vice Rey governando este estado com a mo<strong>de</strong>ração e justiça que<br />
convinha o serviço <strong>de</strong> Vossa Magesta<strong>de</strong> e bem <strong>de</strong> seus vassalos evitando por todas as vias<br />
com seu procedimento as queixas que do contrário costumão resultar, procurando com<br />
todo o <strong>de</strong>svelo manter em paz e quietação os moradores 355<br />
O zelo administrativo que o segundo vice-rei do Brasil evi<strong>de</strong>nciava nas palavras acima<br />
transcritas objetivou ressaltar que alguns homens <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque da Bahia ameaçavam a paz e a<br />
quietu<strong>de</strong> da sua administração, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> foi o principal alvo da <strong>de</strong>núncia pois<br />
estava a [...] tratar por todas as vias <strong>de</strong> amotinar os soldados <strong>de</strong>ste presidio e aos moradores <strong>de</strong>sta<br />
cida<strong>de</strong> para que <strong>de</strong>pusessem do governo ele dito Con<strong>de</strong> Vice Rei e o dito <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
se introduzir Governador. 356<br />
O Con<strong>de</strong> vice-rei aprofundava o conteúdo das suspeitas, afirmou que <strong>Lourenço</strong> lançava mão<br />
<strong>de</strong> [...] ranchos, lianças, e amiza<strong>de</strong>s com varias pessoas, 357 <strong>de</strong>ntre elas, o já mencionado<br />
Desembargador Manuel <strong>de</strong> Almeida Peixoto, acusado <strong>de</strong> ser auxiliar direto dos planos para expulsá-<br />
lo do Brasil, pois também estava [...] reprovando publica e secretamente as acções <strong>de</strong>le Con<strong>de</strong> Vice<br />
Rei e divulgando assim por sua parte como por outras. 358<br />
Óbidos fez registrar nesta carta as calúnias que estava sendo vítima, corria-se pela Bahia a<br />
notícia <strong>de</strong> que ele [...]havia tomado contra sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> muitas pessoas <strong>de</strong> valor e quantias <strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>ração como era uma baixela <strong>de</strong> prata, hum anel <strong>de</strong> hum diamante <strong>de</strong> preço, roupas <strong>de</strong> muito<br />
custo e outras varias couzas. 359 Contudo, Óbidos sabia que o maior motivo para as <strong>de</strong>savenças e<br />
discordâncias dos fidalgos da Bahia para com sua gestão era por causa da sua pretensão em prover<br />
cargos vacantes, originários <strong>de</strong> mercês remuneratórias:<br />
[...] e publicando que os postos que se provião todos eles se davão a quem os comprava ao<br />
dito Vice Rei, não admitindo por este respeito os provimentos que o Conselho Ultramarino<br />
fazia para que sendo tudo provido por ele Con<strong>de</strong> Vice Rei tivesse gran<strong>de</strong>s avanços que os<br />
preten<strong>de</strong>ntes lhe davão aos quais somente provião nos postos e ofícios e que outrossim<br />
vindo a este Estado provera os oficios em criados seus não permitindo que os servissem as<br />
pessoas nomeadas pelos proprietários. 360<br />
Aflito com a situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacordo com certas autorida<strong>de</strong>s da Bahia, o Con<strong>de</strong> vice-rei<br />
explicava que por <strong>mais</strong> louváveis que fossem suas ações, seus opositores o caluniavam ao afirmar<br />
que sua pretensão em prover cargos e ofícios vagos no Brasil era para aten<strong>de</strong>r suas conveniências<br />
políticas e não para cumprir o melhor serviço régio.<br />
355 i<strong>de</strong>m<br />
356 i<strong>de</strong>m<br />
357 i<strong>de</strong>m<br />
358 i<strong>de</strong>m<br />
359 i<strong>de</strong>m<br />
360 i<strong>de</strong>m<br />
Por ser um fidalgo influente na Bahia, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> foi acusado <strong>de</strong> ser o
principal formulador das opiniões negativas sobre o modo <strong>de</strong> governar do segundo vice-rei do<br />
Brasil e expunha suas i<strong>de</strong>ias a [...] zelosos e discretos. 361<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos explicava que Manuel <strong>de</strong> Almeida Peixoto também estava ressentido<br />
por causa do seu estilo do administrar a outorga <strong>de</strong> cargos e ofícios no Brasil, o vice-rei negou a ele<br />
o [...] ofício <strong>de</strong> Provedor da Fazenda que pretendia ser seu, não constando carta <strong>de</strong> seu provimento<br />
<strong>mais</strong> que só <strong>de</strong> Desembargador extravagante. 362<br />
Antônio <strong>de</strong> Queiroz Cerqueira foi retirado do seu posto <strong>de</strong> Capitão em um Terço <strong>de</strong><br />
Infantaria, instalado na Ilha <strong>de</strong> Taparica, Óbidos justificava que Antonio tinha histórico <strong>de</strong> muitas<br />
queixas, incluindo <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> [...] roubos e excessos que ali se obrava sem embargo <strong>de</strong> lhe<br />
fazerem ofertas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s quantias <strong>de</strong> dinheiro para que o dito Capitão assistisse na dita Ilha. 363<br />
Paulo <strong>de</strong> Azevedo Coutinho foi expulso da Bahia e citado nesta <strong>de</strong>núncia formulada pelo<br />
Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, o motivo do <strong>de</strong>sentendimento foi que por sua or<strong>de</strong>m o militar esteve [...] preso<br />
muito tempo pela queixa que os oficiais da camara lhe haviam feito dos excessos e ameassas com<br />
que o dito capitão se houve com os ditos oficiaes em vereaçam. 364<br />
Francisco Teles <strong>de</strong> Menezes também foi preso e embarcado compulsoriamente no mesmo<br />
navio por suas ligações com <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> Figueiredo, filho do Provedor Mor da Fazenda, a<br />
acusação é que eles [...] se haviam ajuntado para divulgarem por si e seus amigos muitas infamias<br />
<strong>de</strong>le dito Con<strong>de</strong>. 365<br />
A origem das suspeitas <strong>de</strong> motim foram elucidadas nesta mesma carta, uma [...] inquietação<br />
que os soldados <strong>de</strong>ste presídio haviam feito 366 <strong>de</strong>flagrou uma situação <strong>de</strong> insegurança no apoio dos<br />
militares da Bahia para com a gestão <strong>de</strong> D. Vasco Mascarenhas, <strong>de</strong>sconfiando que também os<br />
soldados estavam cientes das críticas <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> contra seu governo e ouvindo<br />
falar que os mesmos já estavam [...]apelidando-o por seu Governador. 367<br />
O vice-rei via-se cada vez <strong>mais</strong> envolvido numa trama <strong>de</strong> usurpação e tudo indicava que o<br />
Provedor Mor da Fazenda estava por traz daquela armação, pois, ao invés <strong>de</strong> aplacar os ânimos dos<br />
soldados revoltados e comunicar <strong>de</strong> imediato a Óbidos sobre os possíveis <strong>de</strong>scontentamentos,<br />
361 i<strong>de</strong>m<br />
362 i<strong>de</strong>m<br />
363 i<strong>de</strong>m<br />
364 I<strong>de</strong>m. O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos explicou os motivos do <strong>de</strong>sentendimento que o Capitão Paulo <strong>de</strong> Azevedo Coutinho teve<br />
com os oficiais da Câmara por meio <strong>de</strong> uma Portaria enviada no dia 22 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1664 ao ouvidor Geral do Crime e<br />
auditor da gente <strong>de</strong> guerra do Brasil, Cristóvão <strong>de</strong> Burgos, o Vice Rei afirmava que [...] não lhe tocando procurar o<br />
sustento da Infantaria dos Terços <strong>de</strong>ste presídio, se resolveu a dar à Camara <strong>de</strong>sta Cida<strong>de</strong> a petição que com esta se<br />
remete, e ater com alguns oficiaies <strong>de</strong>la <strong>de</strong>masiado <strong>de</strong>sabrimento sobre o mesmo intento da petição, Constando estar a<br />
Infantaria paga do que lhe <strong>de</strong>via satisfazer em meu tempo, e havendo precedido a revolução que há poucos dias houve<br />
na mesma Infantaria [...] o doutor Christóvão <strong>de</strong> Burgos [...] tire logo informação jurídica, das palavras que o dito<br />
capitão teve , com o oficial ou oficiaes daquele senado e juntada a mesma petição me dê conta para resolver. Ver:<br />
DHBNRJ, Vol 6, p. 198.<br />
365 i<strong>de</strong>m<br />
366 i<strong>de</strong>m<br />
367 i<strong>de</strong>m<br />
122
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> manteve-se distante e omisso a estas manifestações, não <strong>de</strong>belou a fúria<br />
dos militares, nem apareceu à casa do vice-rei para lhe prestar solidarieda<strong>de</strong>.<br />
No auto <strong>de</strong> culpas que estamos analisando, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos faz registrar outras suspeitas<br />
que recaíam sobre <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, baseando-se em um [...] papel contra ele dito Vice Rei<br />
no qual lhe impunhão vários crimes e culpas tão indignas <strong>de</strong> sua pessoa e postos gran<strong>de</strong>s que<br />
ocupava. 368 O Provedor Mor da Fazenda estava utilizando seus dotes <strong>de</strong> escrita para convencer<br />
outros aliados acerca das suas limitações como governante, por isso <strong>Lourenço</strong> estava [...] andando<br />
por si e seus sequazes assinando e obrigando assinar a várias pessoas mal afectas e inimigas <strong>de</strong>le<br />
Vice Rei. 369<br />
Bahia<br />
Óbidos afirmava que <strong>Lourenço</strong> se vangloriava <strong>de</strong> suas experiências <strong>de</strong> governo e que na<br />
123<br />
[...] ninguém é maior fidalgo que ele, e tudo assim obrava, o dizia, para persuadir que nos<br />
merecimentos e qualida<strong>de</strong>s se igualava muito aqueles que tais postos costumam ocupar.<br />
[...] e ultimamente era tanta a <strong>de</strong>vassidão e excessos dos sobreditos que andavam insitando<br />
os moradores e soldados contra a pessoa <strong>de</strong>le dito Vice Rey dizendolhes que procurassem<br />
por governador a ele <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> porquanto o Vice Rey não era para o<br />
governo e não somente isto que dito tinham, <strong>de</strong>zião e publicavam <strong>de</strong>le dito Vice Rey <strong>mais</strong><br />
ainda muitas outras cousas afim <strong>de</strong> conseguir o intento que somente se encaminhava ao<br />
governo em que se queria introduzir. 370<br />
O histórico <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacordos com o primeiro vice-rei do Brasil e a suspeita <strong>de</strong> que ele estava<br />
li<strong>de</strong>rando uma conjura para usurpar o segundo, cre<strong>de</strong>nciava <strong>Lourenço</strong> como [...] cabeça <strong>de</strong><br />
rancho, 371 ou seja, lí<strong>de</strong>r da conjuração. De acordo com a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> Óbidos, o comportamento<br />
insubordinado <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> ia adquirindo <strong>mais</strong> a<strong>de</strong>ptos e alcançava [...] a maior parte do povo e<br />
Infantaria, 372 afirmava ainda que as acusações que faziam contra ele [...] animava a todos os que<br />
ligeiramente se <strong>de</strong>ixavam persuadir a qualquer novida<strong>de</strong>. 373<br />
O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos <strong>de</strong>ixava transparecer nas suas palavras que esta [...] atrevida<br />
<strong>de</strong>liberação tinha o mesmo conteúdo político da malsucedida experiência que ele teve em Goa, ele<br />
reclamava ao Rei D. Afonso VI que a conspiração que armaram contra sua pessoa, em 1653, [...]<br />
não só não foi castigada, mas voltaram-se os cúmplices habilitados a ocupar os governos das<br />
praças daquele Estado. 374<br />
Os fidalgos <strong>de</strong> Salvador e do Recôncavo sabiam que Óbidos havia sido expulso da Índia e<br />
estava governando o Brasil por causa <strong>de</strong> sua aproximação com o Afonso VI e com o seu Valido, o<br />
segundo vice-rei tomou medidas drásticas para conter o que supunha se tratar <strong>de</strong> um motim e para<br />
368 i<strong>de</strong>m<br />
369 i<strong>de</strong>m<br />
370 i<strong>de</strong>m<br />
371 i<strong>de</strong>m<br />
372 i<strong>de</strong>m<br />
373 i<strong>de</strong>m<br />
374 i<strong>de</strong>m
garantir sua permanência no po<strong>de</strong>r, afastou compulsoriamente do centro administrativo do Estado<br />
do Brasil seus principais opositores.<br />
Óbidos enten<strong>de</strong>u os supostos escritos que criticavam negativamente sua gestão como<br />
capitulações e exigia <strong>de</strong> D. Afonso VI uma punição exemplar, todos os indícios levavam a crer que<br />
o Provedor Mor da Fazenda e seu sequito pretendiam repetir contra ele o sucesso da Índia.<br />
Contudo, Óbidos não esperou o parecer do Reino e agiu com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> vice-rei, lançou mão do<br />
fator surpresa para impedir a fuga dos seus principais opositores e os pegou <strong>de</strong>sprevenidos para<br />
afastá-los da capital da Colônia sem resistência e com pouco alar<strong>de</strong>:<br />
124<br />
[...] Este navio ficou acabando <strong>de</strong> carregar parte das fazendas da Nao Populo, que não<br />
coube na capitania e outra nao que vai dividida. E pela brevida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir achar a frota em<br />
Pernambuco não po<strong>de</strong> levar as culpas dos presos que enviei a Vossa Magesta<strong>de</strong> como<br />
consta da certidão inclusa. 375<br />
Após apresentar o conteúdo <strong>de</strong> suas suspeitas nesta carta <strong>de</strong> aviso, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos tratou<br />
<strong>de</strong> assegurar que as provas da [...] inocencia do procedimentos <strong>de</strong> que me arguem, como atroz a<br />
malda<strong>de</strong> com que huns e outros conspirão 376 seria enviada ao monarca posteriormente <strong>de</strong>vido as<br />
contingencias do mar.<br />
A tramitação que esta missiva teve merece um <strong>de</strong>staque, apesar do manuscrito informar<br />
suposições e indícios <strong>de</strong> que certas pessoas tramavam <strong>de</strong>stituir o segundo vice-rei do Brasil, ele não<br />
dava provas cabais do envolvimento dos <strong>de</strong>nunciados e nem apontava as testemunhas que po<strong>de</strong>riam<br />
comprovar a versão <strong>de</strong> Óbidos, o vice-rei prometia enviar, na próxima embarcação que sairia da<br />
Bahia rumo a Lisboa, a <strong>de</strong>vassa completa que <strong>de</strong>monstrava a culpa <strong>de</strong> cada um dos seus <strong>de</strong>safetos e<br />
os motivos que orientaram esta atitu<strong>de</strong>.<br />
7- <strong>Lourenço</strong> morre no cárcere<br />
Chegando a Lisboa, os suspeitos foram conduzidos para a ca<strong>de</strong>ia do Limoeiro enquanto os<br />
papéis que informavam sobre as culpas foram enviados para o Desembargo do Paço e não para o<br />
Conselho Ultramarino, fazendo isto, Óbidos sabia que seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> justificar a prisão e envio <strong>de</strong><br />
pessoas tão importantes da Bahia <strong>de</strong>veria ser feito com cuidado, como um bom conhecedor dos<br />
conflitos <strong>de</strong> jurisdição existentes no Reino, ele mandou os autos para um corpo consultivo<br />
ina<strong>de</strong>quado e que não tinha alçada para com os assuntos da América Portuguesa. 377<br />
O Conselho Ultramarino <strong>mais</strong> uma vez relembra ao Rei que [...] pertence a este Conselho<br />
privativamente todas as matérias da justiça, fazenda e guerra das conquistas e que as ações do<br />
375 i<strong>de</strong>m<br />
376 i<strong>de</strong>m<br />
377 Um estudo <strong>mais</strong> aprofundado sobre os conflitos <strong>de</strong> jurisdição entre o Conselho Ultramarino, o Desembargo do Paço<br />
e Conselho da Fazenda foi feito por CARDIM, Pedro. “ ‘Administração’ e ‘governo’: uma reflexão sobre o vocabulário<br />
do Antigo Regime”. In: Modos <strong>de</strong> Governar: Idéias e práticas no Império Português (séculos XVI-XIX). São Paulo:<br />
Alameda, 2007, p. 45-69.
segundo vice-rei do Brasil estava extrapolando os limites <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que tinha, pois [...] lhes são<br />
presentes as or<strong>de</strong>ns, e regimentos <strong>de</strong> Vossa Majesta<strong>de</strong>, a que <strong>de</strong>via dar inteiro cumprimento e não<br />
quebrantálas, como fez, em não enviar a <strong>de</strong>vassa, <strong>de</strong> que tinha dado conta. 378<br />
Valendo-se <strong>de</strong>sta contingência, o segundo vice-rei do Brasil ganhava tempo para apurar<br />
novas <strong>de</strong>núncias e recolher as provas necessárias contra seus oponentes que, em finais <strong>de</strong> 1665,<br />
encontravam-se na ca<strong>de</strong>ia do Limoeiro e aguardavam saber os motivos porque foram presos e<br />
embarcados compulsoriamente. 379<br />
Não po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que o Desembargo do Paço era uma instância aliada ao<br />
governo <strong>de</strong> D. Afonso VI e, consequentemente, tinha ministros próximos à Óbidos, tal afirmação<br />
po<strong>de</strong> ser comprovada se analisarmos o que o Rei pensava sobre este sínodo: [...] a Mesa do<br />
Desembargo do Paço [...] é o Tribunal <strong>mais</strong> unido à minha pessoa, e assim o que com maior <strong>de</strong>ve<br />
procurar o acerto do meu governo. 380<br />
O penúltimo parágrafo <strong>de</strong>sta carta, escrita em 1665, arremata as conclusões que o segundo<br />
vice-rei do Brasil tirou sobre o envolvimento <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> no suposto motim:<br />
125<br />
[...] E sendo <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> o motor original <strong>de</strong> tudo e o <strong>sujeito</strong> <strong>mais</strong> <strong>perverso</strong> e<br />
<strong>escandaloso</strong>, que entre todos os que somos vassalos <strong>de</strong> Vossa Majesta<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ro, e tão<br />
prejudicial o exemplo com que se faz absoluto, e não querer pagar finta ou contribuição<br />
alguma para o Serviço <strong>de</strong> Vossa Magesta<strong>de</strong>. 381<br />
Óbidos afirmava que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> se negava a pagar impostos ou contribuições<br />
régias previstas alegando isenção por pertencer a Or<strong>de</strong>ns Militares, por isso os fidalgos da Bahia<br />
estavam imitando a inadimplência e tais atitu<strong>de</strong>s aumentavam a tensão entre estes dois homens,<br />
apesar <strong>de</strong> ser o vice-rei do Brasil, D. Vasco Mascarenhas parecia temer o <strong>de</strong>sacordo que aquela<br />
movimentação suspeita po<strong>de</strong>ria acarretar à sua governabilida<strong>de</strong>: [...] não faltam no Brasil sogeitos<br />
<strong>de</strong> ânimo inquieto e prontos para semelhantes revoluções. 382<br />
<strong>Lourenço</strong> era execrado pelas palavras <strong>de</strong> Óbidos: [...] não terá o Brasil sossego nem os<br />
generais que a ele vierem acerto algum no serviço <strong>de</strong> Vossa Majesta<strong>de</strong> se a ele voltar <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong>, o que não será crível <strong>de</strong>pois que forem apresentadas a Vossa Majesta<strong>de</strong> as culpas. 383 Mais<br />
uma vez o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixa escapar suas intenções, ele sabia que o velho Provedor Mor da Fazenda<br />
378 AHU, LF, BA Cx.19, Doc. 2142, 23/07/1666<br />
379 O Conselho Ultramarino mandou repreen<strong>de</strong>r o Vice Rei do Brasil por ter enviado ao Desembargo do Paço a <strong>de</strong>vassa<br />
contra as pessoas que ele mandou presas ao Reino, por conspirarem contra ele e se or<strong>de</strong>nar aoi mesmo Tribunal a<br />
remessa daquela <strong>de</strong>vassa ao Conselho Ultramarino. Desta forma, os presos continuavam <strong>de</strong>tidos e com os autos do seu<br />
processo propositadamente <strong>de</strong>sviados para uma instância ina<strong>de</strong>quada. Ver: Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2142,<br />
23/07/1666.<br />
380 Ver: Carta do Rei D. Afosno VI sobre o Desembargo do Paço e seus ministros. 22/08/1662. Rei. Livro X<br />
daSuplicação, disponível em http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=101&id_obra=63&pagina=234#<br />
381 Op. cit. AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2144, 30/10/1665.<br />
382 I<strong>de</strong>m. De fato, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Provisão Régia <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1663, <strong>de</strong>clarava os [...] Commendadores e Cavalleiros das<br />
Or<strong>de</strong>ns Militares, no Brasil, isentos <strong>de</strong> pagar os donativos parra sustento da Infantaria do mesmo Estado. Ver:<br />
http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=101&id_obra=63&pagina=263<br />
383 i<strong>de</strong>m
Real do Brasil já era septuagenário em 1665 e fazê-lo cruzar o Atlântico àquela altura da vida seria<br />
uma punição <strong>de</strong>veras cruel:<br />
126<br />
[...] porque enquanto viver há <strong>de</strong> perturbar esta república e censurar os <strong>mais</strong> qualificados<br />
merecimentos pela aversão natural que o seu ânimo tem a todos os que não são como ele,<br />
pois só os seus semelhantes são os que costumão aprovar o que elle escrevia contra a<br />
mesma verda<strong>de</strong>. 384<br />
A partir da terceira folha <strong>de</strong>ste longo documento, encontra-se os pareceres dos magistrados<br />
do Conselho Ultramarino que trataram <strong>de</strong>ste caso e as percepções que <strong>de</strong>ixaram sobre as alegações<br />
do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos.<br />
Saliente-se que o conselheiro relator, Feliciano Dourado, só escreve a súmula <strong>de</strong>sta consulta<br />
em 27 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1665 e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> examinar cuidadosamente os argumentos do vice-rei ele<br />
apresentou tecnicamente o seu posicionamento, relembrando um antigo costume do processo penal<br />
Filipino para explicar a falta <strong>de</strong> consistência das <strong>de</strong>sconfianças apresentadas pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos<br />
para ter prendido e embarcado para o Reino seus opositores, pois [...] conforme as regras <strong>de</strong><br />
direyto, sem culpa formada não se con<strong>de</strong>na a ninguém e <strong>de</strong>ve prece<strong>de</strong>r esta primeiro para chegar<br />
aos termos da prisam. 385<br />
Feliciano Dourado mencionou a fragilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>núncia feita por Óbidos e o tempo<br />
<strong>de</strong>masiado longo que esta consulta estava sem análise apropriada, acarretando prejuízo aos fidalgos<br />
expulsos da Bahia:<br />
[...] como não vem <strong>de</strong>vassa com culpas que obrigue, nem consta na dita carta <strong>de</strong> avizo<br />
<strong>mais</strong> que suspeitas <strong>de</strong> uma conjuração nascida dos capítulos que dis mandava <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> a Vossa Majesta<strong>de</strong> e a vários ministros, não he isto bastante para pren<strong>de</strong>r e<br />
mandar ao Reino este homens. 386<br />
O magistrado não encontrou <strong>de</strong>lito algum nas acusações formuladas contra aqueles que<br />
supostamente estavam escrevendo capítulos sobre a gestão do segundo vice-rei do Brasil, na<br />
opinião do juiz, [...] dar capítulos contra os po<strong>de</strong>rosos era um recurso por on<strong>de</strong> se faz saber aos<br />
Reis e Príncipes e a seus ministros os procedimentos daqueles contra quem se dão. 387<br />
Feliciano Dourado aproveitou a oportunida<strong>de</strong> para explicar os leitores do seu parecer a<br />
metodologia legalmente admitida para se prosseguir os expedientes da capitulação. Não bastava<br />
escrever críticas e acusações contun<strong>de</strong>ntes contra os governadores do Brasil e espalhá-las entre<br />
outros homens da elite, os capitulares <strong>de</strong>veriam <strong>de</strong>ixar certa quantia em dinheiro como [...] caução<br />
<strong>de</strong>positada para pena <strong>de</strong> sua malícia ou temerida<strong>de</strong> se os não provarem, além do direyto que fica<br />
reservado contra eles como <strong>de</strong> ordinário acontece em casos semelhantes. 388<br />
384 i<strong>de</strong>m<br />
385 i<strong>de</strong>m<br />
386 i<strong>de</strong>m<br />
387 i<strong>de</strong>m<br />
388 i<strong>de</strong>m<br />
O relator <strong>de</strong>sta consulta ressaltava que era inadmissível [...] privar os homens do povo e
quaisquer particulares <strong>de</strong>ste recurso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r capitular na forma que fica apontado, 389 era um<br />
<strong>de</strong>ver dos fidalgos da Bahia resguardar o bem comum e manter o Rei informado dos procedimentos<br />
que os Governadores e vice-rei do Brasil manifestavam, por isso o silenciamento <strong>de</strong> <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> tinha o objetivo principal <strong>de</strong> afastá-lo da Colônia por ser o principal suspeito <strong>de</strong><br />
articular um motim e ao mesmo tempo intimidar outras pessoas da Bahia que ousassem escrever<br />
papéis criticando o estilo <strong>de</strong> governar do Con<strong>de</strong> vice-rei do Brasil.<br />
As suspeitas <strong>de</strong> Óbidos foram interpretadas pelo conselheiro apenas como [...] humas<br />
influências e casos, contingentes para o futuro, que não são provas verificadas. 390 Diante <strong>de</strong> todos<br />
estes argumentos, Feliciano Dourado aconselhava que seria <strong>mais</strong> acertado [...] mandar soltar estes<br />
presos e polos em sua liberda<strong>de</strong> pois não consta <strong>de</strong> culpas que os obrigou ao serem que he o que<br />
precisamente <strong>de</strong>veria prece<strong>de</strong>r. 391<br />
O parecer <strong>de</strong> Feliciano Dourado <strong>de</strong>u provimento favorável aos que foram expulsos da Bahia<br />
por or<strong>de</strong>m do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, contudo ele fez registrar como esta atitu<strong>de</strong> estava fora dos padrões<br />
jurídicos daquela época: [...] em casos <strong>de</strong> fragante se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> oito dias se não averigua a culpa,<br />
manda a lei que seja o preso em sua liberda<strong>de</strong>, quanto <strong>mais</strong> vindos do Brasil que he parte tão<br />
remota e don<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> vir tão facilmente esta averiguação 392 , os expulsos pelo vice-rei ficaram<br />
presos e impossibilitados <strong>de</strong> apresentar suas versões, também não tinham acesso à <strong>de</strong>vassa que<br />
elencava suas supostas culpas e todo este conjunto <strong>de</strong> equívocos privava <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong><br />
e os outros expulsos da Bahia do direito <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r acessar as garantias que a lei lhes dava.<br />
O magistrado enten<strong>de</strong>u que Óbidos po<strong>de</strong>ria ter prendido os homens suspeitos <strong>de</strong> motim em<br />
uma ca<strong>de</strong>ia na Bahia até que se reunissem todas as provas que davam consistência à dita suspeita,<br />
como conhecedor nas prerrogativas <strong>de</strong> nobres com alta patente, Feliciano Dourado prestou<br />
<strong>de</strong>ferência a D. Vasco Mascarenhas, afirmando que em sua pessoa concorriam [...] calida<strong>de</strong>s e<br />
requisitos que pe<strong>de</strong>m se atenda em parte ao que ele escreve, sobre este caso <strong>de</strong>ve Vossa majesta<strong>de</strong><br />
por razão <strong>de</strong> estado, mandar que a soltura dos ditos presos seja com obrigação <strong>de</strong> não saírem <strong>de</strong>sta<br />
Corte. 393 Dourado aconselhava a liberação imediata dos homens expulsos da Bahia e que se<br />
encontravam presos no Limoeiro, com a condição <strong>de</strong>stes não saírem da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa até que o<br />
processo fosse concluído.<br />
Outro juiz do conselho Ultramarino, Miguel Zuzart Azevedo, manteve o mesmo parecer do<br />
relator, todavia, este magistrado enten<strong>de</strong>u que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos utilizou o expediente da prisão e<br />
envio <strong>de</strong> seus opositores por acreditar que tinha motivos suficientes para tal ação, por isso o<br />
389 i<strong>de</strong>m<br />
390 i<strong>de</strong>m<br />
391 i<strong>de</strong>m<br />
392 i<strong>de</strong>m<br />
393 i<strong>de</strong>m<br />
127
conselheiro acreditava ser <strong>mais</strong> pru<strong>de</strong>nte manter os fidalgos da Bahia presos no Limoeiro até que<br />
chegassem os papéis das culpas e só após o conhecimento do conteúdo das mesmas, eles estariam<br />
livres para cuidar das suas <strong>de</strong>fesas e livramentos.<br />
Já os juízes João Falcão <strong>de</strong> Souza e Francisco Malheiro ressaltaram a falta <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong><br />
daquelas <strong>de</strong>núncias e flagrante parcialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um membro da Relação da Bahia na apuração <strong>de</strong>ste<br />
caso, toda a <strong>de</strong>núncia feita pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos contra os cinco homens que expulsou da Bahia foi<br />
lavrada <strong>de</strong>ntro da residência do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e não em um edifício público e esta atitu<strong>de</strong><br />
comprometia seriamente a lisura do processo em tela:<br />
128<br />
[...] nesta consulta consta que ser procurado pela queixa que fez o Con<strong>de</strong> Vice Rei em sua<br />
própria casa o que o direito dá pouco credito e resiste, porque os autos para serem<br />
legítimos e verda<strong>de</strong>iros fora <strong>de</strong> toda suspeita hão <strong>de</strong> ser processados nos logares<br />
<strong>de</strong>stinados pela justiça, e não em casa do mesmo que se queixa. 394<br />
Em Portugal, os expulsos da Bahia e prisioneiros no Limoeiro tentavam acelerar a<br />
tramitação daquele processo e solicitavam que o Rei <strong>de</strong>sse vistas aos seus pedidos <strong>de</strong> soltura, foi o<br />
que fez o Capitão Paulo <strong>de</strong> Azevedo Coutinho numa carta escrita a 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1666, um ano<br />
<strong>de</strong>pois daquela passagem incômoda e repentina para Portugal, o Conselho Ultramarino emitiu um<br />
parecer favorável ao militar e aos outros envolvidos:<br />
[...] visto pela <strong>de</strong>vassa não haver testemunha, que con<strong>de</strong>ne os presos, he haverem<br />
<strong>de</strong>linquido no crime <strong>de</strong> sediciosos, nem <strong>de</strong> haverem amotinado, nem conjurado para<br />
alguma facção, contra a pessoa do Con<strong>de</strong> Vice Rei, os <strong>de</strong>ve soltar, e restituir aos seus<br />
postos, como antes, e que se vão para suas casas, sem outra pena alguma: porque pelos<br />
autos da <strong>de</strong>vassa a não merecem” 395<br />
O parecer final do Conselho Ultramarino sobre esta suposta conjuração li<strong>de</strong>rada por<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> encerra este trabalho e nos oportuniza estabelecer alguns<br />
questionamentos sobre o modo <strong>de</strong> governar do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos no Brasil. Em primeiro lugar, vale<br />
salientar que o parecer abaixo foi emitido pelo Conselho Ultramarino no dia 09 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1666,<br />
após receber finalmente os autos das culpas que estavam em posse do Desembargo do Paço. Este<br />
foi o parecer emitido pelo Conselho Ultramarino:<br />
394 i<strong>de</strong>m<br />
395 AHU, LF, BA Cx. 19, Doc. 2143, 25/06/1666<br />
396 AHU, LF,BA Cx. 19, Doc. 2155, 09/10/1666.<br />
[...] pareceu dizer a Vossa Majesta<strong>de</strong>, que no auto, que o dito Con<strong>de</strong> mandou processar<br />
para se tirar a dita <strong>de</strong>vassa, se trata somente <strong>de</strong> motim, e conjuração, que <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, e os <strong>mais</strong>, que no auto se contem, tratavam fazer contra a pessoa do dito<br />
Con<strong>de</strong> Vice Rei, e <strong>de</strong> capítulos, e papéis, que contra ele faziam, para madarem a Vossa<br />
Majesta<strong>de</strong>, e também <strong>de</strong> palavras escandalosas, e injuriosas que assim os presos, como o<br />
Desembargador Manuel <strong>de</strong> Almeida Peixoto, diziam publicamente contra sua pessoa, com<br />
menos respeito do que se lhe <strong>de</strong>via. E consi<strong>de</strong>rada uma, e outra cousa, não se acha em toda<br />
a <strong>de</strong>vassa testemunha alguma, que diga, que visse, ou soubesse, que o dito <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, e os <strong>mais</strong> conhecidos no auto, fizessem motim ou conjuração contra a pessoa<br />
do dito Con<strong>de</strong>; nem falassem, persuadissem, ou inquietassem pessoa alguma da gente da<br />
terra, nem dos soldados pagos para esse efeito, que é a forma com que os sediciosos, e<br />
amotinadores fazem semelhantes ações, em prejuízo do serviço <strong>de</strong> Vossa Majesta<strong>de</strong>. 396
Neste mesmo parecer, encontra-se o <strong>de</strong>stino final do velho <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> em<br />
1666, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter passado pelo menos um ano e meio prisioneiro, o fidalgo da Bahia morreu<br />
<strong>de</strong>ntro da prisão do Limoeiro ao lado do seu filho. O Conselho Ultramarino fez questão <strong>de</strong> ressaltar<br />
as consecutivas quebras <strong>de</strong> protocolos jurídicos e violência cometida pelo Con<strong>de</strong> por ter expulsado<br />
do Brasil pessoas <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, apenas por leve suspeita <strong>de</strong> um motim nunca comprovado:<br />
129<br />
[...] E querendo o Con<strong>de</strong> Viso Rey intentar acção contra elles, pelas palavras que falarão<br />
temerariamente, o po<strong>de</strong>ria fazer na forma da ley; mas não pelo modo com que o fes. E<br />
quando fora <strong>de</strong>stes termos, os prezos tivessem alguã culpa, enquanto as palavras.<br />
Reprezenta o Conselho a Vossa Magesta<strong>de</strong>, que parece a tem bem purgado no discômodo<br />
da viagem a este Reyno, e modo com que o Con<strong>de</strong> Viso Rey os remetteo, e com <strong>de</strong>samparo<br />
<strong>de</strong> suas casas, e haver <strong>mais</strong> <strong>de</strong> hum anno, que estão prezos, sendo muyto para consi<strong>de</strong>rar<br />
morrer na prizão <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, pessoa tam benemérita no serviço <strong>de</strong> VMg<strong>de</strong>. ,<br />
e que contra elle nunca por este Conselho houve queixa, nos cargos que tinha servido. 397<br />
Aproximando-se das consi<strong>de</strong>rações finais <strong>de</strong>sta dissertação, é preciso ressaltar que D. Vasco<br />
Mascarenhas e <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> construíram suas carreiras entre o primeiro quarto do<br />
século XVII e o último quarto <strong>de</strong>ste mesmo século. Por isso, <strong>de</strong>finir um recorte cronológico fixo<br />
que baliza este trabalho foi uma tarefa difícil que só pô<strong>de</strong> ser superada quando percebi que as<br />
trajetórias <strong>de</strong>stes homens tinham algumas convergências possíveis <strong>de</strong> serem analisadas: eles<br />
serviram em cargos militares durante a dinastia Filipina, acompanharam os movimentos <strong>de</strong><br />
Restauração do Trono <strong>de</strong> Portugal e fim da União Ibérica e continuaram a servir aos soberanos da<br />
casa <strong>de</strong> Bragança até o final <strong>de</strong> suas vidas.<br />
Após 1640, este homens ostentavam em seus históricos os muitos serviços prestados às<br />
monarquias e as várias retribuições que obtiveram da graça régia, <strong>Lourenço</strong> e Óbidos estavam<br />
inseridos na trama da economia <strong>de</strong> mercê e com o advento do Rei D. Afonso VI e as reformas<br />
políticas implementadas pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos em seu vice-reinado, a outorga da graça régia sofreu<br />
uma interferência notória e que foi mal vista por alguns homens <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na Bahia.<br />
Pedro Calmon chamou <strong>de</strong> “rebelião obscura” os acontecimentos que se <strong>de</strong>ram na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Salvador no dia 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1666, por ocasião das exéquias da Rainha D. Luisa <strong>de</strong> Gusmão, o<br />
historiador compreen<strong>de</strong>u que os já mencionados opositores do Con<strong>de</strong> vice-rei estavam tramando<br />
uma conjuração para retirá-lo do cargo, contudo, esta informação não parece ser verda<strong>de</strong>ira, visto<br />
que <strong>de</strong>ste julho <strong>de</strong> 1665 as manobras políticas <strong>de</strong> silenciamento dos opositores <strong>de</strong> Óbidos já estava<br />
em plena execução e, em 1666, <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> já era <strong>de</strong>funto.<br />
O autor tem razão ao afirmar que a origem dos motivos dos <strong>de</strong>sentendimentos e<br />
perseguições perpetradas pelo Con<strong>de</strong> vice-rei contra os seus <strong>de</strong>safetos estava na vinculação política<br />
que eles apresentavam com a Rainha Regente, uma prova da veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta afirmação é que, após<br />
o fim do reinado <strong>de</strong> D. Afonso VI e ascensão <strong>de</strong> D. Pedro I ao Trono, todos os expulsos da Bahia<br />
397 i<strong>de</strong>m
pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos foram restituídos aos seus postos e in<strong>de</strong>nizados pelas perdas que tiveram<br />
durante o encarceramento, mas este é um assunto para próximos estudos.<br />
Os meses finais do ano <strong>de</strong> 1665 <strong>de</strong>marcam acontecimentos que <strong>de</strong>finiram todo o restante da<br />
gestão <strong>de</strong> Óbidos no Brasil. Se neste ano o vice-rei se livrou dos seus principais opositores<br />
políticos, embarcando-os Lisboa e perseguindo os outros que na Bahia encontravam-se refugiados<br />
pelos conventos, ele também teve que enfrentar outros problemas que não podiam ser contidos por<br />
vias políticas.<br />
Sebastião da Rocha Pita se ocupou em sua História da América Portuguesa daquela que<br />
consi<strong>de</strong>rou a pior calamida<strong>de</strong> vivida pelos moradores do Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>de</strong>scobrimento. É a partir<br />
<strong>de</strong> suas palavras que po<strong>de</strong>mos acompanhar os dois últimos anos da gestão do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos e<br />
assim expor outras inquietações a que este trabalho motivou.<br />
130<br />
[...] um horroroso cometa, que por muitas noites tenebrosas ateado em vapores <strong>de</strong>nsos<br />
ar<strong>de</strong>u com infausta luz sobre nossa América, e lhe anunciou o danno que havia <strong>de</strong> sentir,<br />
porque ainda que os meteoros se formam <strong>de</strong> incendios casuaes, em que ar<strong>de</strong>m os átomos<br />
que subindo da terra chegam con<strong>de</strong>nsados à esphera as cinzas em que se dissolvem são<br />
po<strong>de</strong>rosas assim a infeccionar os ares para infundirem achaques como a <strong>de</strong>scompor os<br />
ânimos para obrarem fatalida<strong>de</strong>s; tendo-se observado que as maiores ruínas nas<br />
repúblicas e nos viventes trouxeram sempre <strong>de</strong>ante <strong>de</strong>stes signaes. 398<br />
O matemático, filósofo e astrólogo jesuíta <strong>de</strong> nome Valentim Stansel veio para o Colégio da<br />
Bahia na mesma época que o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos chegou ao Brasil, em 1663. Esteve a ensinar<br />
teologia moral e matemática e aqui se ocupava em aprofundar os seus estudos sobre o clima e a<br />
natureza dos Trópicos, além <strong>de</strong> continuar suas investigações, acompanhando os movimentos dos<br />
astros no Hemisfério Sul. Ele era um dos <strong>mais</strong> respeitados astrólogos da Companhia <strong>de</strong> Jesus e teve<br />
seus trabalhos publicados na Europa, seus estudos foram utilizados por Isaac Newton e a sua<br />
história po<strong>de</strong> nos dar <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes sobre o pensamento científico do Brasil no período colonial.<br />
Não é cabe aqui aprofundar os pormenores da trajetória <strong>de</strong> <strong>mais</strong> este homem que fez o nome<br />
da Bahia ser conhecido pelos astrólogos e cientistas do Velho Mundo, todavia não seria possível<br />
encerrar esta dissertação sem mencionar que no ano <strong>de</strong> 1665, o jesuíta escreveu o seu “Legado<br />
Uranico do Novo ao Velho Mundo”. 399<br />
Apesar do padre Stansel não ver o mencionado fenômeno celeste como um aviso <strong>de</strong> Deus<br />
para re<strong>de</strong>nção das almas ou prenúncio do apocalipse, na sua concepção, todas as alterações<br />
posteriores às passagens <strong>de</strong> cometas pelo orbe eram consequências naturais e não tinham<br />
necessariamente relação com a vonta<strong>de</strong> divina, nota-se também que a passagem <strong>de</strong> cometas era<br />
398 PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa, livro 6, 1730. p.180.<br />
399 Mais <strong>de</strong>talhes sobre o padre Valentim Stansel e suas posições sobre os cometas por ele observador e catalogados<br />
entre os anos <strong>de</strong> 1664,1665, 1668 e 1689, bem como o reflexo <strong>de</strong> suas idéias na Europa a partir do Legado Uranico foi<br />
feito por CAMENIETZKI, Carlos Ziller. “O cometa, o pregador e o cientista: Antonio Vieira e Valentim Stansel<br />
observam o céu da Bahia no século XVII.” In: Revista da Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> História das Ciencias, Número 14,<br />
1995, p.37-52.
entendida pelo astrólogo jesuíta como sinais <strong>de</strong> ruínas aos governos e aos súditos, acompanhemos:<br />
131<br />
[...] costuma ser apresentado como segundo argumento [em favor da natureza celeste dos<br />
cometas], embora não menos eficaz, os influxos e feitos dos cometas. [...] constatamos que<br />
após o aparecimento <strong>de</strong> cometas diversas vicissitu<strong>de</strong>s tem lugar no mundo. Por exemplo:<br />
fomes, pestes, doenças; e <strong>mais</strong> o que passamos para nosso dano: guerra, morte <strong>de</strong> príncipe<br />
e <strong>de</strong> reis, secas terremotos, etc, não quero alongar os exemplos, os livros estão cheios<br />
<strong>de</strong>les. Logo, os cometas são <strong>de</strong> natureza celeste. 400<br />
Tanto Rocha Pita como Valentim Stensel assinalaram a passagem <strong>de</strong> um cometa entre os<br />
dias 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1664 e 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1665, os resultados <strong>de</strong>ste movimento no céu po<strong>de</strong>m<br />
ser percebidas a partir das palavras <strong>de</strong> Rocha Pita:<br />
[...] outro acci<strong>de</strong>nte extraordinário experimentou n’aquelle próprio tempo a Bahia, ja<strong>mais</strong><br />
visto n’ella. Crescendo por três vezes em três alternados dias o mar, com tal profusão <strong>de</strong><br />
águas que atropelou os limites que lhe pos a natureza, dilatando as ondas muito além das<br />
praias e <strong>de</strong>ixando-as cobertas <strong>de</strong> innumeravel pescado miúdo, que os moradores da cida<strong>de</strong><br />
e dos arrabal<strong>de</strong>s colhiam, <strong>mais</strong> atentos ao apetite que ao prodígio, ufanos <strong>de</strong> lhe trazer o<br />
mar voluntária e prodigamente tão valioso tributo, sem consi<strong>de</strong>rarem que quando saem da<br />
or<strong>de</strong>m natural os corpos elementares, pa<strong>de</strong>cem os humanos, e causam não só mudanças na<br />
saú<strong>de</strong> e ruínas nas fabricas materiaes, mas nos Impérios. Todos estes avizos ou correios<br />
prece<strong>de</strong>ram ao terrível contágio das bexigas – <strong>de</strong> que daremos lastimosa notícia. 401<br />
Foi durante o governo <strong>de</strong> Óbidos e após a passagem do cometa que a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador<br />
vivenciou uma das muitas epi<strong>de</strong>mias que assolaram os moradores da Bahia e seu recôncavo no<br />
século XVII. A bexiga era uma doença perigosa e <strong>de</strong> acordo com o cronista o Nor<strong>de</strong>ste foi vítima <strong>de</strong><br />
maior contágio, todos estavam doentes e não tinham condições <strong>de</strong> trabalhar, os irmãos da<br />
Misericórdia tentavam conseguir remédio e acolhimento para as crianças e velhos doentes, prover<br />
os funerais dos <strong>mais</strong> pobres e carregar os caixões dos confra<strong>de</strong>s que não resistiam à doença. O<br />
espaço da Igreja para se enterrar os mortos já não estava disponível e as pessoas começaram a ser<br />
enterras no chão, se na cida<strong>de</strong> a peste da bixa foi rigorosa, no recôncavo foi <strong>de</strong>struidora.<br />
Tanto escravos, índios, senhores e engenho e fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> gado foram contagiados,<br />
consequentemente, a produção <strong>de</strong> alimentos para a capital caiu vertiginosamente por não ter quem<br />
plantasse nem colhesse. O Con<strong>de</strong> vice-rei teve um papel positivo no socorro das pessoas<br />
aterrorizadas pela epi<strong>de</strong>mia: [...] o Vice Rei com incessante cuidado, assistência e <strong>de</strong>spesa visitava<br />
aos enfermos e mandava aos pobres tudo o que lhes era necessário, <strong>de</strong>vendo esta carida<strong>de</strong> ao seu<br />
ânimo e ao seu sangue (ambos esclarecidos) e pô<strong>de</strong> remediar muita parte <strong>de</strong>sta ruína. 402<br />
400 i<strong>de</strong>m<br />
401 Op. cit. PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa, livro 6, 1730. p. 180<br />
402 i<strong>de</strong>m
Consi<strong>de</strong>rações finais<br />
Os atributos <strong>de</strong> honra e privilégio eram as bases para se outorgar e receber mercês<br />
remuneratórias no Reino <strong>de</strong> Portugal Seiscentista, alcançar tais benefícios tornou-se símbolo <strong>de</strong><br />
distinção hierárquica e social, prestar serviços à Coroa e manter tais serventias ao longo dos anos<br />
resultava em “acrescentamento” social para as famílias e suas “casas”. 403<br />
Nuno Monteiro enten<strong>de</strong>u que a casa é [...] como um conjunto coerente <strong>de</strong> bens simbólicos e<br />
materiais a cuja reprodução alargada estavam obrigados todos os que nela nasciam ou <strong>de</strong>la<br />
<strong>de</strong>pendiam.” 404 Ao estudar a prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> nobres <strong>de</strong> Portugal às dinastias Ibéricas, o<br />
autor expõe que [...] la forma <strong>de</strong> ennoblecimiento más frecuente era casi exclusivamente el servicio<br />
a la monarquía. De ahí el peso fundamental <strong>de</strong> la i<strong>de</strong>ología <strong>de</strong> los servicios en la doctrina<br />
nobiliaria portuguesa 405<br />
O serviço fiel à realeza propiciava, em contra partida, a remuneração por serviços prestados<br />
por via da Graça, por isso a liberalida<strong>de</strong> e a benevolência do monarca garantia o contato<br />
permanente entre a Coroa, seus diversos sínodos e os súditos espalhados no Reino e no Ultramar,<br />
<strong>de</strong>sta forma, [...] boa parte da interação e da coesão que estes dois pólos mantinham entre si<br />
assentariam nos elos da economia <strong>de</strong> mercê. 406<br />
Para Fernanda Olival, a economia <strong>de</strong> mercê sustentava-se em dois exemplos <strong>de</strong><br />
Liberalida<strong>de</strong>: 407 a graça, que <strong>de</strong>pendia da benevolência e vonta<strong>de</strong> do Rei, por isso tinha a intenção<br />
<strong>de</strong> premiar e a Justiça, que relacionava-se <strong>mais</strong> como um pagamento pela prestação <strong>de</strong> serviços à<br />
monarquia, seja em bens, seja em “acrescentamentos”. Como ressaltou Olival, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> justiça<br />
correspondia, ao longo <strong>de</strong> quase todo o Antigo Regime, ao principio <strong>de</strong> [...] dar a cada hum o que<br />
he seu fosse castigo, fosse benesse. O monarca assumia o papel <strong>de</strong> juiz, cabia-lhe avaliar não só as<br />
culpas, mas também os bons serviços, e <strong>de</strong>via fazê-lo com equida<strong>de</strong>. A justiça distributiva era um<br />
dos alicerces fundamentais da or<strong>de</strong>m estabelecida e através <strong>de</strong>la garantiam-se os privilégios que<br />
403<br />
Segundo Bluteau, Casa. Geração. Família. [...] Illustre, & antiga casa. In: BLUTEAU. D. Raphael . Vocabulario<br />
Portuguez e Latino. Vol. II, p. 174<br />
404<br />
MONTEIRO, Nuno. O Crepúsculo dos Gran<strong>de</strong>s. A Casa e o Patrimônio da Aristocracia em Portugal (1750-<br />
1832). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003. p. 95.<br />
405<br />
MONTEIRO, Nuno G. “Nobleza y Élites en el Portugal Mo<strong>de</strong>rno en el Contexto <strong>de</strong> la Península Ibérica (siglos XVII<br />
y XVIII).” In: MESA, Enrique S.; CARO, Juan J. B. & BARRADO, José Miguel D. (edit). Las élites en la Época<br />
Mo<strong>de</strong>rna: la Monarquía Española. Tomo I: Nuevas Perspectivas. Servicio <strong>de</strong> Publicaciones: Universidad <strong>de</strong> Córdoba,<br />
2009. p. 144.<br />
406<br />
OLIVAL, Fernanda. As Or<strong>de</strong>ns Militares e o Estado Mo<strong>de</strong>rno: honra, mercê e venalida<strong>de</strong> em Portugal. Lisboa:<br />
Ed. Estar, 2000. p. 31.<br />
407<br />
Gesto <strong>de</strong> dar conforme regalia dos reis, ver: OLIVAL, Fernanda. As or<strong>de</strong>ns militares e o Estado Mo<strong>de</strong>rno. Lisboa:<br />
Ed. Estar, 2001. p. 15. [...] He uma virtu<strong>de</strong> moral, que se sabe dispen<strong>de</strong>r as riquezas em bom uso,”.ver op. cit.<br />
BLUTEAU, D. Raphael. p. 110. Bluteau também enten<strong>de</strong> que a Mercê régia não tinha caráter remuneratório pois partia<br />
da bonda<strong>de</strong> do monarca [...] porque elles são os que com sua liberalida<strong>de</strong>, pieda<strong>de</strong>, e misericórdia fazem mercê aos<br />
povos. Ver op. cit. BLUTEAU, D. Raphael. p.431-432.<br />
132
<strong>de</strong>finiam as diferentes hierarquias do Reino. 408<br />
Neste trabalho, pu<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r que liberalida<strong>de</strong> era uma virtu<strong>de</strong> esperada pelos súditos e<br />
característica essencial da monarquia Brigantina. Caso o Rei não seguisse a tradição <strong>de</strong> premiar aos<br />
bons e castigar os maus, um sentimento <strong>de</strong> críticas às ações da coroa se instalava entre os súditos do<br />
Reino e do Ultramar. Mais uma vez, as conclusões <strong>de</strong> Marcel Mauss 409 tornam-se importantes para<br />
compreen<strong>de</strong>r a dádiva, visto que a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar insere-se num conjunto <strong>de</strong> obrigações que <strong>de</strong>viam<br />
ser cumpridas tanto pelo Rei como pelos seus súditos: pedir, dar, receber e manifestar<br />
agra<strong>de</strong>cimento num verda<strong>de</strong>iro círculo vicioso 410 fazia parte do itinerário da economia política <strong>de</strong><br />
privilégios ou a economia <strong>de</strong> mercê, discutida neste trabalho e presente nas relações engendradas no<br />
espaço colonial.<br />
Vimos também que a mercê remuneratória era um bem passível <strong>de</strong> alienação, a posse da<br />
graça régia por via da Justiça podia ser reclamada no Tribunal Ultramarino ou na Relação da Bahia,<br />
pois era fruto <strong>de</strong> um investimento, 411 ou seja, a mercê perdia seu caráter <strong>de</strong> premiação e passava a<br />
ser um assunto da alçada jurídica e, consequentemente, implicava em alterações sociais na vida do<br />
portador caso houvesse alguma interferência na continuida<strong>de</strong> da outorga da graça. 412<br />
Po<strong>de</strong>mos ter uma noção sobre o sentido <strong>de</strong> “justiça” a partir das palavras do Rei D. Afonso<br />
VI, dias após a sua assunção no Trono. Em 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1662 ele baixava um Decreto em razão<br />
dos maus procedimentos que os cônegos <strong>de</strong> Évora <strong>de</strong>monstravam ao se revoltarem contra o<br />
Governador do Arcebispado do Porto: [...] Sendo a justiça o firmamento do Trono do Rei e na sua<br />
falta o que <strong>de</strong>strói os Imperios, <strong>de</strong>vo fundar nela o meu governo para que se consigam as<br />
felicida<strong>de</strong>s que meus Povos po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sejar. 413<br />
Após explicitar a sua intenção em ministrar justiça, o Rei apresentou neste <strong>de</strong>creto a forma<br />
com que gostaria que esta fosse executada, por isso solicitava que o Regedor da Casa <strong>de</strong> Suplicação<br />
mantivesse atenção quanto ao cumprimento da lei, orientando que [...] há <strong>de</strong> ter muito especial<br />
vigilância em seus procedimentos para premiar os bons, como merecem, por este serviço, que é o<br />
<strong>mais</strong> que se po<strong>de</strong> fazer, como também se não há <strong>de</strong> dissimular com os maus remessos, em coisa <strong>de</strong><br />
tanta importância. 414<br />
408<br />
Op. cit OLIVAL, Fernanda. As Or<strong>de</strong>ns Militares e o Estado Mo<strong>de</strong>rno: honra, mercê e venalida<strong>de</strong> em Portugal.<br />
2000. p. 20.<br />
409<br />
MAUSS, Marcel. Sociologie et Antropologie. Paris: PUF, 1973. p. 143-279. apud: OLIVAL, Fernanda. As Or<strong>de</strong>ns<br />
Militares e o Estado Mo<strong>de</strong>rno: honra, mercê e venalida<strong>de</strong> em Portugal. 2000. p. 18.<br />
410<br />
I<strong>de</strong>m.<br />
411<br />
Um estudo <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhado sobre as mercês remuneratórias é visto em: RAU, Virginia. Estudos sobre a História<br />
Económica e Social do Antigo Regime. Lisboa: Editorial Presença, 1984. p. 29-35.<br />
412<br />
Op.cit. OLIVAL, Fernanda. As Or<strong>de</strong>ns Militares e o Estado Mo<strong>de</strong>rno: honra, mercê e venalida<strong>de</strong> em Portugal.<br />
2000. p. 23-24.<br />
413<br />
Decreto <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1662, Livro X da Supplicação, fol 107, disponível em:<br />
<br />
414<br />
i<strong>de</strong>m<br />
133
A prisão, embarque compulsório e posterior morte na ca<strong>de</strong>ia do Limoeiro foi um roteiro fatal<br />
para <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong>, ao lado do seu filho <strong>mais</strong> velho, o bisneto do Caramuru acabou seus<br />
dias <strong>de</strong> vida sem conhecer os reais motivos <strong>de</strong> ter sido afastado dos seus parentes e proprieda<strong>de</strong>s. O<br />
seu histórico <strong>de</strong> contendas com os Governadores Gerais e vice-rei que o antece<strong>de</strong>u foram utilizados<br />
pelo Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos para justificar sua precaução pois, <strong>de</strong> acordo com as suspeitas, <strong>Lourenço</strong><br />
<strong>mais</strong> uma vez protagonizava uma armação para <strong>de</strong>rrubar um Mascarenhas no Brasil.<br />
Sem papéis que comprovasse culpas, nem testemunhas suficientes que atestassem a versão<br />
do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos, as acusações foram interpretadas pelo Conselho Ultramarino apenas como<br />
uma leve suspeita <strong>de</strong> conjura e as ações rigorosas que o vice-rei tomou para conter o que chamou <strong>de</strong><br />
motim foram prejudiciais aos envolvidos e motivo <strong>de</strong> escândalo para os conselheiros do Ultramar<br />
ante o excesso e abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>monstrado, os suspeitos po<strong>de</strong>riam ficar presos na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Salvador e apenas embarcarem <strong>de</strong>pois que a <strong>de</strong>vassa completa <strong>de</strong> suas culpas fossem produzidas,<br />
conforme as regras do direito.<br />
Afastar os inimigos <strong>mais</strong> inconvenientes e perseguir outros opositores que não pu<strong>de</strong>ram ser<br />
expulsos da Bahia foi um expediente que o Con<strong>de</strong> vice-rei lançou mão para continuar no seu cargo<br />
até 1667, sem ter que se preocupar com funcionários régios <strong>de</strong>scontentes com seu modo <strong>de</strong><br />
governar. O Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos parece ter total apoio do Rei e do seu Valido, visto que, apesar <strong>de</strong><br />
consecutivas cartas do Conselho Ultramarino precavendo D. Afonso VI dos acontecimentos que se<br />
<strong>de</strong>senrolavam na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1663, a Coroa continuava legitimando o vice-reinado <strong>de</strong><br />
Óbidos e fazendo vistas grossas para com as reclamações que chegavam à sua mesa.<br />
Mesmo com a substituição <strong>de</strong> D. Afonso VI e exclusão do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castelo Melhor da cena<br />
política do Reino em 1668, D. Vasco Mascarenhas continuou a assumir cargos domésticos maiores<br />
que serviam diretamente aos reis da Corte Brigantina, morreu em 04 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1678 ostentando o<br />
título <strong>de</strong> Estribeiro Mor da Rainha Maria Francisca Isabel <strong>de</strong> Sabóia e seu <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte recebeu sua<br />
herança <strong>de</strong> nobreza. 415<br />
<strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> Figueiredo retornou ao Brasil após a morte do pai e foi recompensado<br />
pelas agruras <strong>de</strong> ter sido preso e embarcado por motivos políticos, com o advento <strong>de</strong> D. Pedro I ele<br />
recebeu a Provedoria Mor da Fazenda Real do Brasil por herança.<br />
Pren<strong>de</strong>r e embarcar os <strong>mais</strong> problemáticos para uma ca<strong>de</strong>ia do outro lado do Atlântico e<br />
executar manobras para que a tramitação do processo <strong>de</strong> julgamento dos seus <strong>de</strong>safetos fosse ainda<br />
<strong>mais</strong> <strong>de</strong>morada foi uma das muitas práticas que o segundo vice-rei do Brasil lançou mão para<br />
415 Estribeiro Mor, <strong>de</strong> acordo com Bluteau: [...] He officio, cuja or<strong>de</strong>m estão os cavallos, os coches, & liteiras da Casa<br />
Real, & a gente que serve neste ministério. Acompanha El Rey, calça-lhe as esporas, ajudao a se por a cavalgalo , &<br />
appearse, quando El Rey sahe em cavall, vai atraz <strong>de</strong>lle, & se sahe em coche, vai no estribo direito, Presi<strong>de</strong> ao<br />
Estribeiro Pequeno, ao seva<strong>de</strong>iro, & <strong>mais</strong> ministros da Estribaria, & prove os moços <strong>de</strong>lla. Op. cit. BLUTEAU,<br />
Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. vol III, p. 343.<br />
134
garantir a sua governabilida<strong>de</strong>. A sua tarefa como vice-rei não po<strong>de</strong>ria <strong>mais</strong> uma vez ser ameaçada<br />
por uma suspeita <strong>de</strong> que os fidalgos da Bahia, li<strong>de</strong>rados por um antigo agitador, armavam uma<br />
conjuração para retirá-lo do seu posto.<br />
Entre escritos que nunca foram vistos, a que o Con<strong>de</strong> chamou <strong>de</strong> capítulos e pasquins, e<br />
suspeitas <strong>de</strong> que o velho capitão <strong>Lourenço</strong> <strong>de</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Correa</strong> estava reunindo-se em ranchos e<br />
bandorias com alguns militares <strong>de</strong>scontentes, Desembargadores da Relação opositores e religiosos<br />
da Sé da Bahia, encerramos este trabalho abrindo novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa.<br />
A primeira <strong>de</strong>las consiste em aprofundar os estudos das consecutivas cartas <strong>de</strong><br />
estranhamento enviadas pelo Conselho Ultramarino durante o vice-reinado do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Óbidos no<br />
Brasil, se neste estudo sobre a capitania da Bahia vimos numerosos casos <strong>de</strong> postos e ofícios<br />
negados após o advento das reformas <strong>de</strong> Óbidos, veremos que nas <strong>de</strong><strong>mais</strong> Capitanias o<br />
<strong>de</strong>scontentamento para com a redução dos po<strong>de</strong>res dos oficiais régios e interferência nas mercês<br />
remuneratórias foi motivo <strong>de</strong> outras críticas que precisam ser aprofundadas.<br />
Por outro lado, faz-se necessário também problematizar as revoltas existentes nas praças<br />
ultramarinas, já estudadas por Luciano Raposo Figueiredo, mas que nesta experiência vivenciada na<br />
Bahia tomou rumos interessantes se levarmos em conta que <strong>de</strong>sta vez o vice-rei do Brasil não<br />
esperou para ver o resultado das suas suspeitas <strong>de</strong> motim e lançou mão do seu po<strong>de</strong>r para pren<strong>de</strong>r e<br />
embarcar seu maior inimigo e continuar a implementar as reformas que pretendia.<br />
Estes e outros problemas certamente serão levantados na pesquisa que pretendo levar a cabo,<br />
após ter atingido os objetivos do presente trabalho, o próximo passo será enten<strong>de</strong>r <strong>mais</strong> <strong>de</strong>talhes<br />
sobre os diferentes modos <strong>de</strong> governar dos Governadores e vice-reis enviados <strong>de</strong> Portugal, em<br />
contraste com as rusgas e tensões promovidas pela elite administrativa erradicada Brasil Colonial,<br />
especialmente no século XVII.<br />
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famoso reyno <strong>de</strong> Portugal,com as noticias das fundações das Cida<strong>de</strong>s, Villa e lugares que<br />
conthem: Varoens ilustres, Genealogia das famílias nobres, fundações <strong>de</strong> Conventos, Catalogo<br />
dos Bispos, antiguida<strong>de</strong>s, maravilhas da natureza, edifícios & outras curiosas observações.<br />
Offerecido a Sereníssima Senhora D. Marianna <strong>de</strong> Áustria, Rainha <strong>de</strong> Portugal.Tomo Terceiro.<br />
Segunda edição, Braga: Topografia Domingos Gonçalves Gouvêa. 1712.<br />
Decreto <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1662, Livro X da Supplicação, fol 107, disponível em:<br />
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JESUS, Raphael <strong>de</strong>. Castrioto Lusitano ou Historia da guerra entre o Brasil e a Hollanda,<br />
durante os annos <strong>de</strong> 1624 a 1654, terminada pela Gloriosa Restauração <strong>de</strong> Pernambuco e das<br />
capitanias confiantes obra em que se <strong>de</strong>screvem os heroicos feitos do ilustre João Fernan<strong>de</strong>s<br />
Vieira, e dos valerosos capitães que com elle conquistarão a in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia nacional. Pariz: J.<br />
P. Aullaud, 1844.<br />
LACERDA, Fernando <strong>Correa</strong> <strong>de</strong>. Catastrophe <strong>de</strong> Portugal na <strong>de</strong>posição Del Rei D. Affonso<br />
sexto, e subrogação do Principe D. Pedro o único, justificada nas calamida<strong>de</strong>s publicas.<br />
Escripta para justificação dos Portugues por Leandro Dórea Carceres e Faria. Lisboa: 1669<br />
LISBOA, Balthazar da Silva. ANAES DO RIO DE JANEIRO, contendo a <strong>de</strong>scoberta e<br />
conquista <strong>de</strong>ste país, a fundação da cida<strong>de</strong> com a historia civil e eclesiástica, até a chegada <strong>de</strong><br />
El Rey D. João IV; além <strong>de</strong> notícias topográficas, zoológicas e botânicas. Tomo 4, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Biblioteca Nacional do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1835.<br />
MACHADO, Diogo Barbosa. Bibliotheca Lusitana, histórica crítica, chronologica na qual se<br />
comprehen<strong>de</strong> a noticia dos authores portugueses, e das obras, que compuserão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo<br />
<strong>de</strong> proclamação da Ley da Graça até o tempo prezente. Offerecida a augusta magesta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
D. João V. Tomo I, Lisboa Occi<strong>de</strong>ntal Officina Antonio isidoro da Fonseca, 1741.<br />
MARIA, Frei Joseph <strong>de</strong> Jesus. Espelho dos Penitentes e Chronica <strong>de</strong> Santa Maria <strong>de</strong> Arabida<br />
em que se manifestam a vida <strong>de</strong> muitos santos varoens <strong>de</strong> abalizadas virtu<strong>de</strong>s e outros que<br />
pela verda<strong>de</strong> da fé sacrificarão as vidas <strong>de</strong>stribuidas por todos os dias do anno. Offerecido a<br />
sempre augusta magesta<strong>de</strong> <strong>de</strong> El Rey D. João V Nosso Senhor. Lisboa: Officina Joseph Antonio<br />
da Sylva, 1737.<br />
MELLO. D. Francisco Manuel <strong>de</strong>. Epanaphoras <strong>de</strong> varia história portuguesa a El Rey Nosso<br />
Senhor D. Affonso VI em cinco relações <strong>de</strong> successos pertencentes a este Reino. Que conthém<br />
negócios públicos, políticos, trágicos, amorosos, bélicos, trinfantes. Lisboa: Officina <strong>de</strong><br />
Henriques Vallente <strong>de</strong> Oliveira. Impressor Del Rey. 1660.<br />
MENEZES, D. Luiz <strong>de</strong> (Con<strong>de</strong> da Ericeira). História <strong>de</strong> Portugal Restaurado em que se dá<br />
notícia das <strong>mais</strong> gloriosas acções assim políticas, como militares, que obrarão os Portugueses<br />
na Restauração <strong>de</strong> Portugal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 1662 até o ano <strong>de</strong> 1668, 2ª Parte, Tomo IV, Lisboa:<br />
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Antonio da Sylva. 1730.<br />
Provisão <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1663 que isenta os comendadores e cavaleiros do Brasil <strong>de</strong> pagar os<br />
donativos para sustento da Infantaria:<br />
http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=101&id_obra=63&pagina=263<br />
Provisão <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1663 que manda abrir novo cunho para a moeda no Brasil:<br />
http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=101&id_obra=63&pagina=278<br />
REYCEND. João Baptista. O Sacrossanto e Ecumênico Concilio <strong>de</strong> Trento. Em latim e<br />
português: <strong>de</strong>dicada e consagrada aos excelentíssimos e reverendíssimos senhores Bispos da<br />
Igreja Lusitana. Tomo I, Lisboa, Officina Patriarchal <strong>de</strong> Francisco Luis Ameno, 1781.<br />
Regimento do Provedor mor da Fazenda Real do Brasil 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 163:<br />
http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=98&id_obra=63&pagina=533<br />
Regimento da Relação da Bahia <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1652:<br />
http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/~ius/verlivro.php?id_parte=100&id_obra=63&pagina=352<br />
SALVADOR, Vicente do. Historia do Brazil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca Nacional, 1889.<br />
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SOUSA, Antonio Caetano <strong>de</strong>. História Genealógica da Casa Real Portuguesa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua origem<br />
até o presente, com as famílias ilustres, que proce<strong>de</strong>m dos Reys e dos Sereníssimos Duques <strong>de</strong><br />
Bragança, justificada com instrumentos e escritores <strong>de</strong> inviolável fé e offerecida a El Rey D.<br />
João V. tomo IX. Lisboa: Régia Officina Sylviana e da Aca<strong>de</strong>mia Real, 1742.<br />
SOUSA, Antonio Caetano <strong>de</strong>. Memórias históricas e genealógicas dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Portugal, que<br />
contém a origem, e antiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas famílias: os Estados, e os Nomes dos que actualmente<br />
vivem, suas Arvores <strong>de</strong> Costado, as alianças das Casas, e os Escudos <strong>de</strong> Armas, que lhes<br />
competem, até o ano <strong>de</strong> 1754. Lisboa: Régia Officina Sylviana e da Aca<strong>de</strong>mia Real, segunda<br />
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um oficial das tropas <strong>de</strong> Portugal e na sua <strong>de</strong>sgraça. Traduzida em portugues, 1791. Porto:<br />
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