prima 1361:Apresentação 1.qxd - Jornal de Leiria
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| JORNAL DE LEIRIA | SOCIEDADE | ENTREVISTA |<br />
“A regionalização é um passo necessário”<br />
O que faz a Casa da Música<br />
um marco a nível cultural no País<br />
e em especial na zona Norte?<br />
Vários factores contribuíram para<br />
que a Casa da Música se tornasse<br />
uma referência. É um projecto que<br />
só tem cinco anos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que começou<br />
a funcionar, e que se conseguiu<br />
estabelecer localmente, em primeiro<br />
lugar. Foi essa uma das nossa<br />
i<strong>de</strong>ias primordiais, a <strong>de</strong> fazer com<br />
que as pessoas se i<strong>de</strong>ntificassem<br />
com o edifício e com o projecto. Se<br />
não tivéssemos conseguido isso, por<br />
melhor que a Casa da Música fosse,<br />
não teríamos ninguém a frequentá-la<br />
e a usufruir <strong>de</strong>la. Além<br />
disso, a escola <strong>de</strong> arquitectura do<br />
Porto e a existência <strong>de</strong> arquitectos<br />
<strong>de</strong> renome mundial – como Álvaro<br />
Siza Vieira – fez com que também<br />
houvesse “solo fértil” na escolha<br />
<strong>de</strong> um projecto arquitectónico<br />
diferenciador. É certo que, no princípio,<br />
houve muitos anti-corpos...<br />
Ao fazer-se uma discussão alargada<br />
e com muita visibilida<strong>de</strong> levou-<br />
-se muita gente a criar laços e a tomarem-no<br />
como seu. As pessoas sentem<br />
que é um projecto nacional... do Porto<br />
e não <strong>de</strong> Lisboa, como acontece<br />
com muitos projectos “nacionais”. A<br />
frase <strong>de</strong> Pessoa aplica-se bem à Casa<br />
da Música: “primeiro estranha-se,<br />
<strong>de</strong>pois entranha-se”.<br />
A Casa da Música e Serralves<br />
são o epicentro da dinâmica cultural<br />
que o Porto vive?<br />
Sem dúvida alguma. São a prova<br />
<strong>de</strong> que a Cultura po<strong>de</strong> diferenciar<br />
e <strong>de</strong>senvolver as cida<strong>de</strong>s, num<br />
Mundo on<strong>de</strong> tudo é cada vez mais<br />
parecido. O po<strong>de</strong>r autárquico percebeu<br />
isso muito mais rapidamente<br />
que o po<strong>de</strong>r central. Se olharmos<br />
para o País e o compararmos, em<br />
termos culturais com o que acontecia<br />
há 20 anos, a diferença é abissal.<br />
Actualmente, faço concertos em<br />
praticamente todo o território com<br />
salas com muitas condições, com<br />
programação regular nas mais variadas<br />
áreas e com público. E foi um<br />
trabalho feito, em gran<strong>de</strong> parte, pelas<br />
autarquias. Foi o último projecto<br />
estruturante feito pelo Ministério da<br />
Cultura e aconteceu entre 1995 e<br />
2000, com a construção e recuperação<br />
<strong>de</strong> vários teatros, cine-teatros<br />
e cinemas que são hoje centros culturais.<br />
O que faz com que os portugueses<br />
estejam a ouvir mais música<br />
clássica e a ir ao teatro ou ópera?<br />
Tudo se <strong>de</strong>mocratizou e <strong>de</strong>ixou<br />
<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como elitista.<br />
Aconteceu isso com a música clássica.<br />
As barreiras quebraram-se e<br />
a música clássica é mais uma. É<br />
claro que é mais complexa e precisa<br />
<strong>de</strong> um ouvido mais apurado<br />
ou <strong>de</strong> um processo mental mais trabalhado,<br />
mas as barreiras acabaram.<br />
Hoje, quem tem um compu-<br />
Nos últimos anos, embora a<br />
activida<strong>de</strong> cultural tenha sofrido<br />
um boom por todo o País, não há<br />
gran<strong>de</strong> eco do que se passa fora<br />
<strong>de</strong> Lisboa e Porto. É um fenómeno<br />
explicável?<br />
Isso é o mal <strong>de</strong> um País muitíssimo<br />
centralizado on<strong>de</strong> parece que<br />
tudo o que acontece se reporta quase<br />
exclusivamente à capital, muito<br />
por culpa dos media – os chamados<br />
nacionais – que estão quase<br />
todos centralizados em Lisboa. As<br />
notícias passam-se em circuito fechado<br />
e isso também acontece com a<br />
política. Às vezes, rio-me a ver <strong>de</strong>bates<br />
entre analistas e políticos, que<br />
se encontram todos no mesmo “café”<br />
e falam para <strong>de</strong>ntro, esquecendo<br />
que há um País inteiro lá fora. O<br />
mesmo País que já nem lhes liga<br />
muito, nem quer saber <strong>de</strong>les. Esse<br />
centralismo histórico não faz sentido<br />
e não percebe que o resto do<br />
País mexeu-se, não está mais à espera<br />
<strong>de</strong> Lisboa e foi fazendo coisas. E<br />
é por isso que acredito que a regionalização<br />
é um passo necessário<br />
para que haja mais oportunida<strong>de</strong>s<br />
para o resto do território. Com ela,<br />
aparecerá outra atitu<strong>de</strong> perante o<br />
que se faz localmente trazendo uma<br />
concorrência saudável para que o<br />
País se possa <strong>de</strong>senvolver equitativamente.<br />
Qual a importância <strong>de</strong> uma<br />
programação feita a médio pra-<br />
zo, em vez <strong>de</strong> ser feita quase ao<br />
mês e <strong>de</strong> acordo com os espectáculos<br />
que vão aparecendo?<br />
É difícil programar a mais <strong>de</strong> dois<br />
anos e, além disso, as salas nunca<br />
sabem qual o orçamento que vão<br />
ter. Mas o que é mesmo importante<br />
é saber quem é o público para o<br />
qual se está a programar. É preciso<br />
programar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um equilíbrio<br />
saudável entre aquilo que as pessoas<br />
esperam que vá acontecer e<br />
um quociente <strong>de</strong> surpresa. De outra<br />
maneira corre-se o risco <strong>de</strong> estarmos<br />
todos a fazer as mesmas coisas.<br />
As autarquias têm a obrigação<br />
<strong>de</strong> não fazer programação por catálogo,<br />
<strong>de</strong>scabida do contexto on<strong>de</strong><br />
a sala se insere. ■<br />
“Pensei em <strong>de</strong>sistir da música porque precisava <strong>de</strong> ganhar a vida”<br />
Quando era pequeno, a família levava na bagagem um piano vertical para Pedro Burmester po<strong>de</strong>r ensaiar todos os<br />
dias. “Iam todos para a praia e lá ficava eu a tocar durante horas”, recorda. mas os tempos mudaram, hoje, leva<br />
um teclado electrónico para exercitar os <strong>de</strong>dos no marfim e ébano. Em média toca quatro horas por dia. Mais, se<br />
contarmos o tempo das aulas que dá quase todos os dias. Um sacrifício que compara ao ritmo dos atletas <strong>de</strong> alta<br />
competição e que faz <strong>de</strong> Pedro Burmester um dos melhores pianistas nacionais <strong>de</strong> todos os tempos. Admite que<br />
chegou a pensar <strong>de</strong>sistir da música “porque precisava <strong>de</strong> ganhar a vida”. Hoje, as coisas estão diferentes e diz,<br />
com alguma ironia, que já se consegue viver da música, embora ainda “não dê para enriquecer”. “Li, há dias, que<br />
Bill Gates e Warren Buffett estão a convencer vários multimilionários a doar meta<strong>de</strong> das suas fortunas a instituições<br />
sociais. Gates doou meta<strong>de</strong>, Buffett cerca <strong>de</strong> 90%... Gostava <strong>de</strong> ver isso acontecer em Portugal.” Nasceu em<br />
1963 no seu adorado Porto, e foi no conservatório <strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong> que acabou o Curso Superior <strong>de</strong> Piano com classificação<br />
máxima, em 1981. Trabalhou nos EUA, foi docente na Escola Superior <strong>de</strong> Música e Artes do Espectáculo<br />
do Porto, foi o organizador da programação musical do Porto - Capital Europeia da Cultura e um dos responsáveis<br />
pela programação da Casa da Música, até ao ano passado. ■<br />
“Prezo muito o meu direito ao silêncio”<br />
tador, tem acesso a tudo o que se<br />
faz no Mundo inteiro. Claro que<br />
ver ali não permite a mesma envolvência.<br />
É engraçado que, há uns<br />
anos, cheguei a pensar que os concertos<br />
iriam <strong>de</strong>saparecer. Parecia-<br />
-me que estavam a aparecer tantas<br />
maneiras <strong>de</strong> ouvir música que,<br />
se calhar, as pessoas iam <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
se sentar numa sala e pagar um<br />
bilhete para a escutar. Estava errado.<br />
Aconteceu precisamente o contrário.<br />
A indústria discográfica <strong>de</strong>ixou<br />
<strong>de</strong> existir nos mol<strong>de</strong>s do século<br />
XX e os músicos começaram a dar<br />
mais valor ao concerto ao vivo do<br />
que à gravação. É mais enriquecedor<br />
ter uma experiência colectiva<br />
e estar numa sala com os músicos<br />
do que estar a ver num ecrã em<br />
casa ou a ouvir num CD.<br />
O que po<strong>de</strong>mos encontrar no<br />
seu iPod?<br />
De tudo. Da Amália, passando<br />
por Deolinda e Bach, tenho <strong>de</strong><br />
tudo na minha discografia. Mas<br />
confesso que ouço hoje menos<br />
música do que já ouvi. Deve ser<br />
uma <strong>de</strong>fesa por passar muitas<br />
horas a ouvir a tocar. Tenho <strong>de</strong><br />
utilizar bem os meus ouvidos. Não<br />
há sempre música a tocar no carro<br />
ou em casa. Prezo muito o meu<br />
direito ao silêncio. Quando este é<br />
bem gerido, as melodias ganham<br />
logo outra importância. Hoje, há<br />
um excesso <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> tudo:<br />
<strong>de</strong> música, <strong>de</strong> imagens, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias...<br />
que nos entram pelos olhos a<strong>de</strong>ntro<br />
com uma enorme facilida<strong>de</strong>,<br />
a partir da televisão e internet. ■<br />
12 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 2010 | 19<br />
Perguntas dos Outros<br />
“Ser pianista<br />
é um trabalho<br />
connosco<br />
próprios”<br />
Paulo Lameiro, maestro<br />
O que pensa que mais terá<br />
perdido como intérprete ao<br />
longo dos anos que esteve à<br />
frente da Casa da Música?<br />
Apren<strong>de</strong>mos com tudo. É certo<br />
que perdi muito tempo <strong>de</strong><br />
trabalho, uma vez que o que<br />
fiz na Casa da Música não estava<br />
directamente relacionado<br />
com a minha profissão <strong>de</strong> pianista.<br />
Durante cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />
anos, não pu<strong>de</strong> estar sentado<br />
em frente ao piano a estudar<br />
as horas necessárias, mas aquilo<br />
que ganhei foi muito mais<br />
do que o que perdi. A Casa da<br />
Música ensinou-me a trabalhar<br />
em equipa, a conhecer o<br />
outro lado da música: a produção,<br />
a programação... como<br />
se transforma uma i<strong>de</strong>ia em<br />
algo concreto. Coisas que não<br />
acontecem quando se está ao<br />
piano. Ser pianista é um trabalho<br />
connosco próprios, com<br />
muitas horas <strong>de</strong> solidão.<br />
Carlos Matos, crítico <strong>de</strong> música<br />
e programador<br />
Confina os seus gostos musicais<br />
à chamada música <strong>de</strong><br />
base erudita ou contempla e<br />
usufrui <strong>de</strong> outros estilos mais<br />
alternativos e marginais?<br />
Sempre tive os ouvidos abertos<br />
a tudo. Des<strong>de</strong> muito novo,<br />
por influências familiares, <strong>de</strong><br />
amigos e pela minha própria<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procura, ouvi<br />
sempre todo o tipo <strong>de</strong> música...<br />
Não tenho quaisquer preconceitos<br />
em relação aos estilos<br />
musicais. Todos têm<br />
características diferentes e coisas<br />
interessantes. Claro que,<br />
com o tempo, gosta-se mais<br />
ou menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado estilo.<br />
Mas toda a música está ao<br />
mesmo nível. Foi essa mesmo<br />
uma das i<strong>de</strong>ias base do projecto<br />
da Casa da Música. Todas<br />
as músicas são expressão genuína<br />
da criativida<strong>de</strong> humana. ■