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Edição 35 - Revista Algomais

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Centenário<br />

O preço da cruz<br />

Conhecido pelos seus seguidores como<br />

peregrino da paz e da esperança, Dom Helder<br />

Camara saiu do Ceará para fazer história<br />

no mundo. Acusado de comunista e apelidado<br />

de bispo vermelho, o eclesiástico fez<br />

frente ao regime político que atordoava as<br />

estruturas do Brasil. Arriscando a si mesmo<br />

e a sua posição hierárquica manteve-se<br />

firme no seu propósito contra a injustiça<br />

social. Mas o preço da sua luta custou-lhe<br />

caro e além da perseguição política, o Dom<br />

sofreu com a religiosa.<br />

“Arriscando a si mesmo e sua posição<br />

hierárquica, Dom Helder levantou-se ostensivamente<br />

contra a Ditadura e foi perseguido.<br />

Proibiram que dissessem o seu nome em<br />

jornais, em televisão ou em qualquer lugar.<br />

Dedicaram um programa especial na televisão<br />

nacional acusando-o de não ser patriota<br />

e de odiar o Brasil”, conta o PhD e professor<br />

do Departamento de História da Universidade<br />

Federal, Severino Vicente.<br />

Os seus atos contrários a Ditadura o tornaram<br />

referência internacional na defesa dos<br />

direitos humanos e lhe renderam quatro indicações<br />

para o Nobel da Paz. Mas o regime<br />

militar não permitiu que a candidatura seguisse<br />

em frente e juntamente com a embaixada<br />

brasileira em Oslo articulou uma campanha<br />

contrária, alegando que se a homenagem<br />

fosse atribuída ao religioso grandes indústrias<br />

da Suécia no país poderiam ser prejudicadas.<br />

A repercussão da ação dos militares fez com<br />

que Dom Helder fosse o primeiro católico a<br />

receber um prêmio dos japoneses, o Niwano<br />

Peace Foundation (1983).<br />

“Quando o país estava totalmente oprimido,<br />

Dom Helder aparece com essa coragem.<br />

Efetivamente outros Bispos fizeram esse trabalho,<br />

mas ninguém mais do que ele fez tão<br />

bem para o país que os ditadores se levantassem<br />

contra a concessão do Prêmio Nobel<br />

da Paz. Dom Helder foi um fulano que viveu o<br />

século 20 como um todo. O religioso serviu<br />

ao Brasil no momento crucial. Muito do que<br />

nós temos hoje de liberdade e democracia<br />

evidentemente não foram inventados por ele,<br />

mas a ação dele, a capacidade e a coragem<br />

de apresentar-se à sociedade em seu famoso<br />

24 > > fevereiro<br />

n Com a saída de Dom Helder, arquidiocese ganha novo direcionamento<br />

discurso em Paris, onde ele denuncia o Brasil<br />

por praticar torturas, lhe renderam o ódio das<br />

centenas de pessoas que viviam das benesses<br />

do regime”, explica Severino Vicente.<br />

O incômodo que ele causou ao regime<br />

militar foi sentido logo no seu discurso de<br />

posse, em 1964. Enquanto todos esperavam<br />

um pronunciamento conservador, sobre<br />

a tradição da família, da sociedade, Dom<br />

Helder surge dizendo que veio para ajudar<br />

os excluídos e iria colocar-se ao lado dos<br />

pobres. “Durante todo o seu arquiepiscopado<br />

os militares o consideraram um opositor<br />

e ele teve personalidade, tanto que lutou<br />

muito, mas pôde cumprir sua missão, grande<br />

ajuda para impedir a Igreja de participar<br />

de algumas atitudes da ditadura”, lembra o<br />

bispo emérito de Nova Friburgo (RJ), Dom<br />

Clemente Isnard.<br />

Em pouco tempo de arquiepiscopado, organizou<br />

a Operação Esperança favorecendo<br />

a criação dos conselhos de moradores nos<br />

bairros pobres e nas periferias. Incentivou a<br />

luta por água nas casas, nas ruas, limpeza<br />

pública. Quando os militares endureceram o<br />

regime, em 1968 com o AI- 5, o Dom surgiu<br />

com o movimento chamado Pressão Moral<br />

Libertadora. A organização de confronto ti-<br />

nha como objetivo provocar mudanças sem<br />

a violência, mas a repressão fez com que a<br />

manifestação durasse pouco tempo.<br />

O regime militar se impôs até no exercício<br />

da sua tarefa como religioso. “Há um<br />

momento incrível que aconteceu na inauguração<br />

da restauração da igreja da Sé. Nesse<br />

dia, havia uma corda ao redor da Igreja<br />

e policiais que só liberavam a entrada das<br />

pessoas que fossem fazer parte da cerimônia.<br />

Quando Dom Helder chegou, um policial<br />

disse que ele não estava na lista e houve<br />

um levante geral, pois a única pessoa que<br />

não poderia faltar ali era ele, porque a Igreja<br />

era dele, ele era o arcebispo. Mas acabaram<br />

deixando-o entrar, porém no outro dia a<br />

imprensa trazia apenas as fotos em que ele<br />

não aparecia, era como se o Dom não estivesse<br />

lá”, revela a historiadora Marieta Borges,<br />

que na época era secretária de Olinda.<br />

Por causa da oposição à ditadura, sua<br />

possível nomeação como cardeal (grupo que<br />

elege o papa) acabou não sendo concretizada.<br />

Mas até seus últimos dias o arcebispo descartava<br />

a relação do título cardinalício com o<br />

regime. “Essa história de cardeal não tem nada<br />

com política nem governo”, assegurou em entrevista<br />

ao Jornal do Commercio. u uu

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